O agente dispara contra a vítima, que desmaia; ele pensa que a vítima já morreu e joga seu corpo no rio, para encobrir o crime anterior; descobre-se depois que ela morreu não pelo disparo, sim, em virtude de afogamento. O que temos nesse caso? Um só crime (homicídio doloso) ou dois crimes (tentativa de homicídio + homicídio culposo)?
Estamos diante do que se chama de "homicídio em dois tempos". A doutrina penal também fala aqui em dolo geral (dolus generalis) ou erro sucessivo: há uma só conduta (complexa), porém, desenvolvida em dois atos.
A solução (da corrente majoritária), para o chamado "homicídio em dois tempos", é reconhecer um só crime (um só homicídio doloso). Isso vem de 1825, com von Weber. O fundamento seria o chamado dolo geral (dolo que existiria durante todo o tempo, dolo que cobriria os dois atos, segundo Welzel). O sujeito queria matar e matou.
Crítica: ocorre que o dolo do agente é sempre contemporâneo ao fato. No momento do segundo ato não havia dolo de matar (sim, dolo de esconder o corpo). O argumento do dolo geral não corresponde (totalmente) à realidade. Se não havia dolo no segundo ato, a solução seria tentativa de homicídio (primeiro ato) + homicídio culposo (segundo ato). Se a causa da morte foi o segundo ato e se nesse segundo ato não houve dolo, o correto (para a corrente minoritária) seria a última combinação, que acaba de ser aventada.
O outro fundamento do crime único seria o seguinte: no segundo ato há um desvio causal acidental (não essencial), que não aproveita ao agente. A situação do erro sucessivo resolve-se, portanto, pela teoria do erro sobre nexo causal (ou desvio causal acidental). Há, nesse caso, como se vê, um erro sobre o nexo causal. Nexo causal imaginado (como causa do resultado): disparo. Nexo causal que efetivamente matou: afogamento. A morte, de qualquer modo, está na linha de desdobramento do risco criado. A solução seria o crime único (homicídio doloso).
Seguindo essa solução (do crime único), o agente deve responder pelo que efetivamente ocorreu (homicídio qualificado) ou pelo que ele queria (homicídio simples)? Não existe regra expressa no nosso Código. Logo, em todas as situações em que o Código nada diz, sempre prepondera o objetivo sobre o subjetivo. Solução: o agente responde pelo que fez (homicídio doloso qualificado).
Não responde por ocultação de cadáver porque não havia cadáver (a vítima estava viva, no momento em que foi jogada ao rio). O agente tinha consciência de que jogava a vítima ao rio (por isso que responde pelo homicídio qualificado).
Saliente-se, de qualquer maneira, que esse tema é muito controvertido, havendo boas razões para se adotar qualquer das posições possíveis: (a) um só homicídio doloso simples, (b) um só homicídio doloso qualificado ou (c) tentativa de homicídio simples mais um crime culposo. Para nós a segunda posição seria a mais defensável.