Resumo: O artigo procura demonstrar que a pena de destituição de função comissionada não foi revogada pelo mero advento da Emenda Constitucional n. 19/1998.
Palavras-chave: Penalidade. Destituição de função comissionada. Art. 127, VI, Lei federal n. 8.112/1990. Superveniência da Emenda 19/1998 à Constituição Federal. Revogação?
1. Introdução
A Emenda n. 19/1998 à Constituição Federal de 1988 conferiu nova redação ao artigo 37, V, da Carta Nacional:
"V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento".
O efeito foi que as funções comissionadas, agora reservadas apenas às atividades de direção, chefia e assessoramento, tornaram-se exclusividade dos servidores titulares de cargos efetivos na Administração Pública, excluindo-se a possibilidade de pessoas sem vínculo permanente com o Estado ocuparem esses postos administrativos.
Em virtude disso, entendem alguns que a previsão original da Lei federal n. 8.112/1990 (art. 127, VI), de aplicabilidade de pena de destituição de função comissionada, teria sido revogada pelo advento da Emenda Constitucional 19/1998, porquanto o dispositivo legal ter-se-ia tornado inócuo, visto que a sobredita penalidade seria supostamente privativa para pessoas sem vínculo permanente com a Administração Pública, não sendo aplicável pretensamente para servidores de carreira.
2. A pena de destituição de função comissionada não era privativa de terceiros sem vínculo com a Administração Pública na história do direito administrativo brasileiro (Estatutos dos Servidores Federais de 1939 e 1951) nem no texto original da Lei federal n. 8.112/1990
Para cotejar a veracidade, ou não, da premissa de que a pena de destituição de função comissionada seria, na redação original da Lei federal n. 8.112/1990, prevista apenas para pessoas que não possuíam cargo efetivo na Administração Pública, cumpre levar em consideração a disciplina histórica do instituto no direito administrativo brasileiro, no que representa grande concurso o disposto nos Estatutos dos Servidores Públicos da União de 1939 e de 1951.
Rezava o Decreto-lei n. 1.713/1939:
Art. 85. Função gratificada é a instituída em lei para atender a encargos de chefia e outros que não justifiquem a criação de cargo.
Art. 86. O desempenho de função gratificada será atribuído ao funcionário mediante ato expresso.
Art. 87. A gratificação será percebida cumulativamente com o vencimento ou remuneração do cargo.
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Art. 95. Quando se tratar de função, dar-se-á a vacância:
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c) por destituição, na forma do art. 236.
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Art. 231. São penas disciplinares:
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V. Destituição de função;
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Art. 236. A. destituição de função dar-se-á:
I. Quando se verificar falta de exação no seu desempenho;
II. Quando se verificar que, por negligência ou benevolência, o funcionário contribuiu para que se não apurasse, no devido tempo, a falta de outrem.
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Art. 242. Para aplicação das penas do art. 231. são competentes :
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Parágrafo único. A aplicação da pena de destituição de função caberá à autoridade que houver feito a designação do funcionário.
Chama a atenção, conclusivamente, o capitulado no art. 87, do Estatuto dos Servidores Públicos da União de 1939, ao estipular que a gratificação da função gratificada (ou função comissionada), instituída em lei para atender a encargos de chefia e outros que não justifiquem a criação de cargo (art. 85), seria percebida cumulativamente com o vencimento ou remuneração do cargo (efetivo).
Em outras palavras, ao sentenciar o percebimento cumulativo da função gratificada ou comissionada com os vencimentos do cargo efetivo, o Decreto-lei n. 1.713/1939 admitiu que servidores de carreira (os únicos que acumulariam a remuneração do posto permanente com o da função gratificada, visto que os sem vínculo com a Administração Pública não poderiam logicamente perceber senão a contraprestação pela função comissionada) exercessem as referidas funções gratificadas e pudessem, em consequência, ser destituídos delas, em caráter punitivo, pela autoridade que os designara, na forma prevista nos arts. 95, "c", 231, V, 236, I e II, e 242, par. único, no caso de falta de exação no desempenho funcional ou quando se verificasse que, por negligência ou benevolência, o funcionário contribuiu para que se não apurasse, no devido tempo, a falta de outrem.
Em suma, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais de 1939 agasalhou a destituição de função comissionada como pena disciplinar imposta contra servidores de carreira, titulares de cargo efetivo, sim.
Cumpre observar para a disciplina da matéria na Lei federal n. 1.711/1952:
Art. 17. Quando se tratar de função gratificada, dar-se-á a vacância por dispensa, a pedido ou ex-officio, ou por destituição.
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Art. 21. Posse é a investidura em cargo público, ou função gratificada.
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Art. 72. Haverá substituição no impedimento de ocupante de cargo isolado, de provimento efetivo ou em comissão, e de função gratificada.
Art. 73. A substituição será automática ou dependerá, de ato da administração.
§ 1º A substituição automática será gratuita; quando, porém, exceder de trinta dias, será remunerada e, por todo o período.
§ 2º A substituição remunerada dependerá de ato da autoridade competente para nomear ou designar.
§ 3º O substituto perderá, durante o tempo da substituição, o vencimento ou remuneração do cargo de que fôr ocupante efetivo, salvo no caso de função gratificada e opção.
Art. 201. São penas disciplinares.
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IV – destituição de função
Art. 206. A destituição de função terá por fundamento a falta de exação no cumprimento do dever.
Art. 210. Para imposição de pena disciplinar são competentes:
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Parágrafo único. A pena de destituição de função caberá à autoridade que houver feito a designação do funcionário.
A ilação inequívoca extraída da leitura dos dispositivos do Estatuto dos Servidores Públicos da União de 1951, no quanto previsto que, na hipótese de substituição do ocupante de função gratificada (art. 72, fine), o titular de cargo efetivo poderia acumular a remuneração do posto permanente com o da função comissionada (art. 73, § 3º), é de que servidores de carreira podiam ser designados para funções gratificadas e, logo, também ser alvo da imposição de penalidade de destituição (arts. 201, IV, 206, 210, par. único), em caso de falta de exação no cumprimento do dever.
Por conseguinte, igualmente no regramento do Estatuto do Funcionalismo de 1951, a penalidade de destituição de função comissionada podia ser imposta a servidores de carreira, com cargo efetivo, sim, haja vista que a lei não distinguiu.
Chega-se à disciplina na atual Lei federal n. 8.112/1990, que, em sua redação original, previa o exercício de função de confiança por servidores de carreira, para atividades de direção e chefia (art. 9º, par. único), além de que poderia ocorrer o afastamento dos servidores titulares de cargo efetivo das funções gratificadas por falta de exação no exercício de suas atribuições, por dispensa (art. 35, II, "c").
Ademais, aludiu-se à percepção cumulativa com os vencimentos do cargo efetivo da retribuição pelo exercício, em caso de substituição do titular, de função comissionada (art. 38, § 2º) de direção e chefia e assessoramento, da mesma forma que previsto o pagamento de gratificação ao servidor de carreira quando investido nas referidas funções gratificadas (arts. 61, I, e 62, caput, e § 2º), inclusive com a incorporação dos quintos à remuneração do posto efetivo, isto é, na proporção de 1/5 (um quinto) por ano de exercício na função de direção, chefia ou assessoramento, até o limite de 5 (cinco) quintos, direito mais tarde revogado.
A evidência é de que o exercício de função comissionada também é previsto, expressamente, no Estatuto vigente, para os servidores titulares de cargo efetivo, modo por que a previsão da destituição de função comissionada, no art. 127, VI, que, em absoluto, não dispunha exclusivamente no cabimento da penalidade contra pessoas sem vínculo permanente com a Administração Pública (sem distinguir portanto entre servidores de carreira ou não), também alcançava os preditos ocupantes de posto efetivo, antes mesmo da superveniência da Emenda Constitucional 19/1998.
Chega-se, pois, à conclusão de que a destituição de função comissionada é pena que abrange servidores com cargo efetivo, sim, e, por isso, a superveniência da Emenda 19, com a previsão de que as funções comissionadas eram inteiramente reservadas aos servidores de carreira, em nada representou revogação da disposição da Lei federal 8.112/1990 ao capitular essa modalidade de punição.
3. Posição doutrinária
Para robustecer a exegese de que a destituição de função comissionada era aplicada a servidores titulares de cargo efetivo, vale citar as lições da doutrina contemporâneas dos Estatutos do Funcionalismo Federal de 1939 e 1951.
José Cretella Júnior1 também defendia a existência da destituição de função comissionada como hipótese de rebaixamento funcional, de perda da designação de função de confiança, sem apontar a exclusividade da medida sancionadora para os servidores sem vínculo permanente com a administração.
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello sublinhava que a destituição de função comissionada é a perda desta e da respectiva gratificação, com o decorrente rebaixamento na situação funcional, fundamentada na falta de exação no cumprimento do dever, reprimenda disciplinar em virtude da qual o servidor não perde o seu cargo público, de provimento efetivo.2
José Armando da Costa ensinava que a destituição de função é o rebaixamento funcional imposto ao servidor, titular de função gratificada, que comete violação dos deveres funcionais.3
Armando Pereira4, o qual explicitamente fala em perda da função gratificada pelo ocupante de cargo efetivo na vigência do Estatuto de 1951, como decorrência da pena de destituição de função comissionada, pontuava sobre essa sanção funcional:
A penalidade é só aplicável em funcionário que exerce função gratificada, isto é, encargo de chefia e outros que a lei determinar, especificamente, (artigo 148). Não há como confundir a demissão e destituição de função, duas penas distintas, enumeradas nos itens do artigo 201. A primeira diz respeito apenas ao ocupante de função gratificada, que perde a função, o encargo de chefia, mas não o cargo ou função que ocupa, em caráter permanente, seja qual for. A demissão é o desvinculamento do funcionário do serviço público. Pode ocorrer, porém, que, dada a natureza da falta, seja necessário aplicar a demissão, e esse absorve a anterior. O pressuposto da destituição de função é a falta de exação no cumprimento do dever. Ao chefe incorreto e relapso se aplica o artigo 201. Tem entendido o DASP o seguinte, a respeito da matéria: 1º — se o funcionário detém o cargo ou função de caráter permanente e haja, em cargo de comissão, cometido falta punível com demissão ‘a bem do serviço público’ deve ser exonerado do cargo em comissão e demitido do cargo efetivo ou função permanente. 2º — se não detém cargo ou função permanente, e apenas exerça cargo em comissão e haja cometido falta punível com pena de demissão ‘a bem do serviço público’, deve ser demitido do cargo em comissão, com a cláusula agravadora. 3º — se, no exercício do cargo em comissão, cometeu o funcionário falta punível com demissão simples, deve apenas ser demitido do referido cargo, ainda que detentor de cargo efetivo ou função permanente. (Exp. de motivos 208 de 1942). A destituição de função é da alçada da autoridade que houver feito a designação do funcionário faltoso.2
São valiosas as assertivas do doutrinador quando reproduz a jurisprudência administrativa normativa do antigo DASP no sentido de que:
1) A demissão e a destituição de função comissionada são penas distintas;
2) a destituição de função comissionada implicava a perda da função gratificada, o encargo de chefia, mas não o cargo ou função que ocupa, em caráter permanente, seja qual for;
3) Em caso de cometimento de fato grave, determinante de demissão, o servidor titular de cargo efetivo é demitido, com a destituição de função comissionada absorvida pela pena demissória;
4) se o funcionário detém o cargo ou função de caráter permanente e haja, em cargo de comissão, cometido falta punível com demissão ‘a bem do serviço público’ deve ser exonerado do cargo em comissão e demitido do cargo efetivo ou função permanente;
5) se o servidor não detém cargo ou função permanente, e apenas exerça cargo em comissão e haja cometido falta punível com pena de demissão ‘a bem do serviço público’, deve ser demitido do cargo em comissão, com a cláusula agravadora;
6) se, no exercício do cargo em comissão, cometeu o funcionário falta punível com demissão simples, deve apenas ser demitido do referido cargo, ainda que detentor de cargo efetivo ou função permanente. (Exp. de motivos 208 de 1942).
Note-se que, na disciplina anterior, o DASP admitia a demissão de servidor sem vínculo permanente com a Administração Pública, com a perda do cargo em comissão, ao mesmo tempo em que encimava, nos casos de demissão simples, a perda apenas do cargo ou função comissionada, sem repercussão demissória sobre o cargo efetivo ocupado pelo ex-titular de posto de confiança.
Já na vigência da Emenda Constitucional n. 19/1998, calha colher os escólios doutrinários.
Palhares Moreira Reis5 expõe:
"A destituição de função comissionada - a qual, pela legislação somente pode ser ocupada por servidor provido em cargo efetivo, faz com que este perca, por decisão disciplinar, o exercício da função comissionada.
A destituição da função comissionada, como penalidade, não se confunde com a exoneração pura e simples, a critério discricionário do chefe que nomeou o ocupante da mesma. É, como se ressaltou, uma penalidade. Assim, somente deverá ocorrer se houver uma falta grave, cometida pelo seu ocupante, eis que a responsabilidade funcional do ocupante de uma função comissionada é bem maior do que a do servidor comum, "pois assenta na confiança que lhe depositou a autoridade que promoveu a sua designação". Cabe a indagação: pode, além dessa sanção disciplinar, ser aplicada qualquer outra, relativa ao cargo efetivo, pelo mesmo fundamento?
Entendemos que não. Poderia, ao revés, ser o servidor punido com uma advertência ou uma suspensão no seu cargo efetivo e, em consequência, tambem dispensado da função comissionada. Deste modo, no primeiro caso, haveria a sanção disciplinar, no segundo a exoneração pura e simples, por quebra de confiança.
Na situação inversa, a destituição de função comissionada, que tem maior sentido naqueles casos em que o provimento é por prazo certo ("mandato" na linguagem correntia), não poderá permitir que se aplique outra penalidade pela mesma violaçao. A cumulação de sanções prevista no art. 125. somente pode ocorrer quando sejam de espécies diferentes, e não da mesma natureza, em gradações distintas. Nem se trata de pena acessória, como as elencadas nos artigos 136 e 137 da mesma lei."
Edmir Netto de Araújo6 (também defende a vigência da pena de destituição de função comissionada, que intitula de pena revocatória, por desconstituir uma situação estabelecida, no caso com a destituição da função gratificada. o doutrinador é explícito ao admitir a penalidade para servidor com cargo efetivo:
"Trata-se de medida interna que corresponde a rebaixamento da situação funcional do servidor, titular de cargo efetivo mas que exerce, em confiança, uma função comissionada ou função gratificada".
Consequência da reprodução da doutrina antes e depois da vigência da Emenda Constitucional n. 19/1998, portanto, é de que, ao contrário do que supõem alguns, a pena de destituição de função comissionada, na dogmática e na história do direito administrativo brasileiro, não era privativa de pessoas sem vínculo permanente com a Administração Pública, mas, antes, cabia sua aplicação perfeitamente a servidores titulares de cargo efetivo, motivo por que a previsão, no art. 37, V, da Constituição Federal atualizada, de que as funções comissionadas seriam privativas dos servidores de carreira não teve o pretenso efeito de revogar a sobredita penalidade do texto da Lei federal n. 8.112/1990.
Isso porque, nos Estatutos do Funcionalismo Federal de 1939, 1951 e 1990, sempre foi possível, ainda antes da superveniência da Emenda Constitucional n. 19/1998, que servidores de carreira, titulares de cargos efetivos, sofressem a pena de destituição de função comissionada na qual foram investidos.
Interpretar a lei 8.112-1990, que, nesse particular, pouco mais fez que atualizar os textos dos antigos Estatutos do Funcionalismo Federal de 1951 e 1939, no sentido de que a pena de destituição de função comissionada não teria previsto a possibilidade de aplicação dessa penalidade a servidores de carreira e que a sanção seguiria a regra da disposição legal para a destituição de cargo em comissão, representa exegese absolutamente em descompasso com a dogmática e história do direito administrativo, dos quais não se pode dissociar o hermeneuta da Lei 8.112-1990.
4. Justificativa lógica da destituição de função comissionada
Na recentemente lançada segunda edição de nosso livro, pontuamos7 sobre a justificativa da destituição de função comissionada aos servidores de carreira:
"Trata-se de punição imposta ao servidor pelo desmerecimento de sua conduta ao lhe ser confiada função administrativa que deveria representar motivo de orgulho e motivação ao titular do cargo efetivo, reconhecido em seus talentos e mérito pessoal ao ser indicado para o trabalho especial, em atividade de direção, chefia e assessoramento.
A destituição de função em comissão envolve dois aspectos: um moral, pela vergonha do servidor titular de cargo efetivo de ser publicamente descredenciado para o exercício de atividade de direção, chefia ou assessoramento, não por causa de um desinteresse discricionário administrativo sem necessidade de motivação, ao nuto da autoridade nomeante, mas porque cometeu infrações disciplinares no desempenho funcional que o tornaram desmerecedor da confiança da Administração Pública; um segundo conteúdo financeiro, pois o transgressor perde o acréscimo da gratificação extra aos seus vencimentos pelo exercício da função comissionada, honraria hoje tão disputada e reivindicada pelos servidores de carreira.
Quem teve o orgulho de ser indicado para função de confiança da Administração deveria valorizar a oportunidade e servir com louvor e empenho o Estado, modo por que a apenação dos que cometem faltas disciplinares em situação privilegiada dentro da estrutura burocrática, com o percebimento de aumento de sua remuneração exatamente em virtude do exercício da função comissionada, serve de exemplo e de fator de preservação do princípio constitucional da eficiência, paralelamente à moralidade administrativa."
Calha a pergunta: a Administração Pública, que pode designar servidor de carreira, titular de cargo efetivo, para função comissionada, não pode destituí-lo em caso de irregularidades graves, passíveis de suspensão, por exemplo, preferindo impor a penalidade revocatória em lugar da suspensória?
Note-se que o efeito da perda da função gratificada, às vezes de valor elevado em tribunais federais ou no Tribunal de Contas da União, no Senado, na Câmara dos Deputados, por exemplo, pode representar pena mais severa para o servidor faltoso do que uma singela suspensão de cinco dias, com a continuidade na função comissionada após o cumprimento da penalidade suspensória.
Além disso, não se pode perder de vista que as funções comissionadas, ocupadas por servidores de carreira, são destinadas a atividades elevadas de direção, chefia e assessoramento, nos quais pode ser mesmo inaplicável ou não recomendável que o titular seja suspenso do posto, deixando acéfalo o comando ou o auxílio imediato na gestão de órgãos e entidades públicos, ou nas mãos de substituto precário desqualificado, motivo por que melhor conviria que aquele que se revelou indigno da confiança da autoridade que o designou seja destituído da função em vez de suspenso ou advertido, notadamente porque muito maiores são as exigências e expectativas de conduta proba e correta, exemplar, repita-se, dos que foram alçados a postos de superior relevância no cenário da Administração Pública – as funções de confiança.
Daí que tem cabimento e justificativa, sim, a destituição de função comissionada.
Seria a antítese da ontologia e finalidade do poder disciplinar administrativo asseverar que a Administração Pública poderia, paradoxalmente, designar servidores de carreira para altos postos, sobretudo nos casos de encargo de direção e chefia, para exercício de função comissionada, mas não poderia específica e expressamente punir os funcionários faltosos, em caso de irregularidades, com a pena destitutiva ou revocatória.
Note-se que a mera dispensa da função gratificada não tem efeito apenador, didático e que represente formal e pública censura à má conduta do servidor de carreira que não soube honrar a Administração Pública pela confiança que lhe foi conferida com a designação para a função comissionada de direção, chefia ou assessoramento.
A destituição de função comissionada, sim, produz o desejado efeito intimidador sobre os transgressores e consubstancia expressão do exercício motivado do poder disciplinar administrativo e nisso reside sua teleologia jurídica.
A perda da gratificação correspondente à função comissionada, como explícito efeito da punição administrativa, amiúde simboliza severa reprimenda ao servidor de carreira faltoso, o qual sofre grave revés financeiro em seu orçamento familiar
Cumpre indagar: por que a Lei n. 8.112/1990 teria estipulado expressamente a pena de destituição de função comissionada (art. 127, VI) se ela não fosse necessária para punir servidores de carreira?
É de Carlos Maximiliano a lição: "Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade"8. O mesmo jurista ajunta: "Não se presumem, na lei, palavras inúteis. Literalmente, devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia [...] interpretem-se as disposições de modo que não pareça haver palavras supérfluas e sem força operativa."9
Não se pode interpretar que o atual Estatuto dos Servidores Públicos da União teria previsto a pena de destituição de função comissionada, mas, ao mesmo tempo, a Administração Pública Federal não pudesse exercer seu poder disciplinar contra os servidores designados para funções gratificadas de direção, chefia e assessoramento, logo as mais importantes e supinas missões na esfera administrativa, abrigando-se no seio do ordenamento jurídico uma ineficácia e um paradoxo.
A falta de previsão da autoridade competente para aplicar a pena de destituição de função comissionada e das hipóteses de cabimento, no silêncio do texto, parece que devem ser supridos pela interpretação sistemática da Lei federal n. 8.112/1990, a qual, se deixou de prever expressamente a hipótese de incidência e a competência apenadora para essa modalidade de sanção disciplinar, contemplou explicitamente a própria penalidade (art. 127, VI), no que se deve procurar a exegese que torne viável o desiderato legislativo de que a punição possa ser aplicada.
Recorrendo à interpretação sistemática do atual Estatuto dos Servidores Públicos da União, não é difícil reconhecer identidade de fundamentos e natureza jurídica com a destituição de cargo em comissão, prevista, a seu turno, como privativa para servidores sem vínculo permanente com a Administração Pública (art. 135), no caso de cometimento de ilícitos sujeitos a penas de suspensão ou demissão.
Não parece haver o que a doutrina proíbe, na espécie, que seria a incidência de sanção não prevista em lei, pois a destituição de função comissionada é estipulada explicitamente no texto legal (art. 127, VI).
Somente se pode chegar a essa explicação para que a Lei n. 8.112/1990 tenha deixado de explicitar a hipótese de incidência da destituição de função comissionada – porque o legislador anteviu identidade com a destituição de cargo em comissão e conferiu silêncio eloquente no particular, não se podendo interpretar a norma legal no sentido de sua ineficácia.
As duas penas, a destituição de função comissionada e a destituição de cargo em comissão, possuem igual natureza revocatória, determinando a perda do posto de confiança titularizado indignamente pelo faltoso; incidem sobre os ocupantes de encargos de direção, chefia e assessoramento, havendo diferença entre os destinatários da sanção: ou servidores de carreira, exclusivamente (art. 127, VI, L. 8.112/1990), ou terceiros sem vínculo permanente com a Administração Pública (art. 135, L. 8.112/1990).
Não se trata, pois, de analogia in malam partem, pois a pena é prevista legalmente, mas de concretizar o princípio constitucional da eficiência da Administração Pública, no sentido de que os servidores de carreira, ocupantes de funções de confiança, tenham ciência de que estão sujeitos a pena disciplinar de destituição em caso de cometimento de ilícito.
A destituição de função comissionada, se tem alguma inconveniência prática, em caso de cometimento de fatos passíveis de demissão por servidores efetivos (se a autoridade resolver demitir o servidor, evidentemente, com a perda do cargo público efetivo, a acessória perda da função comissionada será efeito inevitável da pena demissória, se não tiver ocorrido antes a exoneração), pode justificar-se como pena mais gravosa do que a suspensão simples contra o titular de função comissionada, visto que a desonra da destituição é maior e representa punição indireta pela perda da gratificação decorrente do exercício da função comissionada
Em relação a condutas passíveis de suspensão, contudo, nada obsta que a autoridade prefira aplicar a pena de destituição de função comissionada ao servidor federal transgressor, por mera interpretação da Lei federal n. 8.112/1990, que prevê igualdade de fundamentos para as duas punições – destituição de cargo em comissão ou de destituição de função comissionada – a prática de fato passível de suspensão ou demissão
Retorna-se à pergunta, que se roga vênia para acentuar: a Administração Pública, que pode designar servidor de carreira, efetivo, para função comissionada, não pode destituí-lo em caso de cometimento de irregularidades graves, passíveis de suspensão, por exemplo, preferindo impor a penalidade revocatória em lugar da suspensória?
Sublinhe-se que o efeito da perda da função gratificada pode representar pena mais severa para o servidor faltoso do que uma suspensão de cinco dias, com a continuidade na função comissionada, por exemplo.
A exegese no sentido da ineficácia da penalidade de destituição de função comissionada retira âmbito discricionário valioso do administrador público, o qual pode preferir punir o servidor e assim oficializar e proclamar, com a medida sancionadora revocatória, que o servidor não foi digno da alta atividade para a qual foi designado, de direção, chefia ou assessoramento, em vez de meramente dispensar, por fundamento discricionário sem conotação punitiva, o transgressor.
A mera exoneração não representa caráter punitivo expresso e não representa punição ao faltoso, enfatize-se.