Palavras-chave- Corte. Fornecimento. Serviços públicos essenciais.
Resumo – O presente artigo busca analisar a impossibilidade de corte imediato nos serviços públicos considerados essenciais e contínuos sob a perspectiva do Estado Democrático de direito e as garantias fundamentais, previstas na Constituição da República de 1988. Para tanto faz uma breve análise de serviços públicos, seus princípios e o posicionamento dos tribunais superiores acerca do tema.
Keywords- Cutting. Supply. Essential public services.
Abstract – This article seeks to analyze the impossibility of immediate cutting off in public services and continuous considered essential under the perspective of the Democratic State of law and fundamental guarantees, as provided for in the Constitution of the Republic of 1988. For both makes a brief analysis of public services, its principles and the positioning of higher courts about the issue.
1. Introdução
É cediço que o Brasil é uma das nações que mais se desenvolveram nos últimos anos, haja vista sua rápida recuperação após a crise mundial vivenciada em período recente. Todavia, mesmo com essa recuperação elogiada pelos diversos meios de comunicação mundo afora, os principais problemas sociais desta grande nação ainda persistem de forma vergonhosamente explícita. O Brasil é um dos países que mais consomem artigos de luxo, um dos que possuem o maior número de "Ferraris", helicópteros, jatinhos particulares, dentre outros bens de consumo de luxo, antes acessíveis somente aos países centrais. Mas como país periférico, seus problemas são extremamente visíveis, principalmente pela grande concentração de renda e de poder nas mãos de uma minoria abastada. Seguindo esse norte, Adolfo Mamoru Nishiama acrescenta que outro aspecto relevante nas relações de consumo está relacionado com a globalização, gerando facilidades na circulação de bens e serviços nos diversos países. [01] O problema a ser discutido aqui é influenciado sobremaneira por esses fatores, já que a maioria da população carece de um mínimo acesso a esses serviços públicos oferecidos, na maioria das vezes, de forma ineficiente e descontínua.
Este trabalho visa a analisar a situação do corte no fornecimento de serviços públicos considerados essenciais e sua interpretação jurisprudencial. Se vivemos um estado democrático de direito em que as garantias existenciais e a dignidade humana [02] são as base do nosso sistema jurídico, a discussão mostra-se pertinente e atual, já que os mais necessitados são os verdadeiros destinatários dessa proteção.
O conceito de Serviço Público
Para uma análise mais profunda do tema proposto necessário será discutirmos o conceito de serviço público que não é das tarefas mais simples, conforme ilustra a doutrina administrativa.
Nas palavras do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo. [03]
Neste ponto, deve-se ressaltar que o serviço público não é prestado exclusivamente pelo Estado, mas este pode prestá-lo indiretamente, por meio de concessão e permissão.
Assim também conceitua José dos Santos Carvalho Filho, de forma sintética, que serviço público "é toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vista à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade." [04]
Ainda na conceituação do serviço público, Celso Antônio Bandeira de Mello explica que a noção de serviço público contém dois elementos: um material que consiste na utilidade ou comodidade que as pessoas singularmente possam fruir; outro formal, que lhe dá o caráter de noção jurídica em um regime específico de direito público. [05]
Ainda nesse diapasão, Fernanda Marinela afirma que os serviços públicos são atividades que o Estado presta a fim de satisfazer as necessidades do todo social e que não podem ser confundidas com a exploração da atividade econômica. Tal argumento será de extrema importância em momento oportuno do texto. [06]
Afirmamos que o serviço público pode ser prestado pelo Estado diretamente ou indiretamente. À prestação indireta do serviço público por outras pessoas dá-se o nome de descentralização dos serviços. Essa descentralização pode se dar por delegação legal ou delegação negocial, sendo. A segunda forma é a que interessa diretamente ao tema deste artigo.
Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho:
A delegação negocial – assim denominada por conter inegável aspecto de bilateralidade nas manifestações volitivas – se consuma através de negócios jurídicos celebrados entre o poder público e o particular, os quais se caracterizam por receber, necessariamente, o influxo de normas de direito público, haja vista a finalidade a que se destinam: o atendimento a demandas (primárias ou secundárias) da coletividade ou do próprio Estado. [07]
Essa delegação negocial tão bem apresentada por Carvalho Filho pode ocorrer por meio da concessão e da permissão. Não é objetivo deste trabalho discorrer minuciosamente acerca desses institutos, o que gastaríamos todo o texto somente para explicarmos todas as divergências do tema. A intenção é delimitar de uma forma mais científica os conceitos aqui adotados.
Os princípios que regem os serviços públicos
A doutrina enumera uma série de princípios que regem o regime jurídico-administrativo. Os princípios previstos no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, isto é, o de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além desses, podemos citar o princípio da supremacia do interesse público, da universalidade, da transparência e da continuidade, dentre outros.
A principiologia hoje muito estudada em nosso ordenamento jurídico ganhou destaque depois da distinção feita principalmente por Ronald Dworkin [08] e Robert Alexy. [09]
A doutrina moderna afirma que os princípios não são simples recomendações, e sim normas que obrigam a todos. Tanto as regras quantos os princípios são normas, cada um sendo aplicado da sua forma. Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes: são mandamentos de otimização. Já as regras são normas que são sempre satisfeitas ou não.
Nesse sentido já se posicionou Heloisa Carpena:
No atual estágio da ciência jurídica, é destacado o papel dos princípios, identificando a doutrina, as diversas funções que possuem. Além da sua função normativa, desempenham também um papel hermenêutico essencial, constituindo guias para aplicação e interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais, desempenhando ainda funções interpretativa, intregativa e também limitativa, como seu viu com relação à teoria do abuso do direito. [10]
Hoje, portanto, não se admite a aplicação de uma regra sem que se valha de um princípio para direcionar a aplicação dessa mesma regra. Dada essa pequena síntese, deixaremos a interpretação principiológica e os mais relevantes princípios que orientam o serviço para a argumentação específica do tema proposto. Podemos citar aqui os princípios da generalidade, isonomia, eficiência, modicidade, dentre outros. [11]
A impossibilidade da interrupção do serviço
Parte da doutrina e dos tribunais brasileiros vem admitindo o corte dos serviços públicos essenciais sob vários argumentos. A qualidade do serviço público é um direito básico do cidadão. [12]
Alguns se baseiam no art. 3 da Lei 8.987, que autoriza a interrupção do serviço em situação de emergência ou com prévia comunicação ao usuário, quando este for inadimplente ou não oferecer condições técnicas para que a concessionária preste o serviço.
Fernanda Marinela assim dispõe:
No que tange ao inadimplemento, para proteger os interesses da coletividade também é possível a interrupção do serviço, conforme previsão do inciso II, do § 3º, do dito art. 6º. A aplicação dessa disposição legal gera muita divergência na doutrina e na jurisprudência.
Para os defensores de sua aplicação, a interrupção do serviço decorre da aplicação do princípio da supremacia do interesse público, considerando que, se a empresa continuar prestando o serviço para os usuários inadimplentes, se tornará incapaz financeiramente para manter a prestação à coletividade adimplente, gerando, assim, o benefício da minoria em prejuízo da maioria. [13]
Para a referida autora, essa corrente é a mais correta sendo hoje a posição majoritária nos tribunais. Ainda em sua opinião, o princípio da isonomia poderia também fundamentar tal argumentação uma vez que estaríamos dando tratamento desigual aos usuários.
Esse também é o entendimento de José dos Santos Carvalho filho:
A despeito de algumas divergências, e com abono de alguns estudiosos, entendemos que se deva distinguir os serviços compulsórios e os facultativos. Se o serviço for facultativo, o Poder Público pode suspender-lhe a prestação no caso de não pagamento, o que guarda coerência com a facultatividade de sua obtenção. E o que sucede, por exemplo, com os serviços prestados por concessionários, cuja suspensão é expressamente autorizada pela Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre concessões de serviço público (art. 6º, § 3º, II). [14]
Nesse sentido é julgado do Superior Tribunal de justiça:
EMENTA: ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – PAGAMENTO À EMPRESA CONCESSIONÁRIA SOB A MODALIDADE DE TARIFA – CORTE POR FALTA DE PAGAMENTO. 1. Os serviços podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água, e energia elétrica. 2. os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos. 3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei nº 9.427/96, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo direito (art. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 6.Recurso Especial improvido. (Resp 705203/SP, Relator Min. Eliana Calmon, STJ – Segunda Turma, Julgamento: 11/10/2005). [15]
Ainda acompanhando o entendimento acima exposto, José dos Santos Carvalho Filho diferencia os serviços públicos. Segundo o autor, os serviços públicos específicos e divisíveis podem ser remunerados por taxa ou preço, do qual a tarifa é uma das modalidades. Por sua vez, os serviços remunerados por preço têm natureza contratual sendo, portanto, possível sua suspensão pela falta de pagamento. [16]
Mesmo com o imenso respeito aos autores que defendem tal posicionamento, mostraremos que os mesmos encontram-se equivocados, pois a questão não é tão simples assim, indiferentemente que o serviço seja cortado ou não o serviço.
De início, apresentamos como fundamentação principiológica, o princípio da continuidade do serviço público. Tal princípio estabelece que por desempenhar funções essenciais e necessárias à coletividade, os serviços essenciais prestados pelo Estado não podem ser interrompidos, mesmo que delegados. O art. 22 do Código de Defesa do Consumidor determina que "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos."
O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir sobre o tema:
ADMINISTRATIVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 22 E 42, DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR). 1. Recurso Especial interposto contra Acórdão que entendeu ser ilegal o corte de fornecimento de energia elétrica, em face de inadimplemento do Município recorrido. 2. Não resulta em se reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma em face de ausência de pagamento de fatura vencida. 3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. O art. 22, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assevera que "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos ". O seu parágrafo único expõe que "nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código ". Já o art. 42, do mesmo diploma legal, não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Os referidos dispositivos legais aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 6. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 7. Caracterização do periculum in mora e do fumus boni iuris para sustentar deferimento de ação com o fim de impedir suspensão de fornecimento de energia. 8. Recurso Especial não provido. (REsp 442814/RS. STJ – Primeira Turma, Relator Min. Delgado, Julgamento: 03.09.2002, DJ: 11.11.2002) [17]
Deve-se ressaltar que o argumento usado por alguns doutrinadores de que o serviço é facultativo, não procede. Afinal, na maioria dos Estados - senão em todos eles - o usuário só tem acesso a uma concessionária ou permissionária de serviço público em toda a sua região. Dessa forma, essa facultatividade não existe na prática.
Outro argumento que podemos levantar é o de que o caráter econômico não é função do Estado, ou seja, mesmo transferindo à exploração do serviço público a um particular, esse serviço deve ser utilizado com parcimônia pelo particular, uma vez que ele está prestando um serviço, que a priori, caberia ao Estado. Dessa forma, o Estado não pode delegá-lo e permitir que o particular conduza o serviço a seu bel-prazer. Caberá sempre uma fiscalização mais ativa nesses casos, é o que podemos inferir das agências reguladoras como a ANEEL, por exemplo.
Interessante que a doutrina que defende o corte nos serviços públicos essenciais parte do pressuposto que o cidadão é "caloteiro", o que não é verdade. Em nosso país, por mais difícil que seja a vida das pessoas, a inadimplência não é maioria em nenhum dos ramos do mercado. Logo, a alegação de que a inadimplência de uma minoria comprometeria o serviço, parece-nos falaciosa, sendo também de uma cientificidade duvidosa. Porquanto merece um estudo mais aprofundado. [18] Para nenhum cidadão, ou para poucos, ser inadimplente é considerado fácil. O que se percebe na maioria das vezes são situações de superendividamento muito comuns nos dias atuais.
Devemos ainda pensar no princípio da universalidade que exige a prestação do serviço a todos indistintamente. O que é correto afirmar especificamente nesse caso é que o Estado mostra-se mais uma vez incompetente para fornecer aos cidadãos os serviços básicos essenciais, e seus defensores criam artimanhas com termos como serviço próprio e impróprio. Ora, todos os serviços são próprios, mas por incompetência, são delegados a particulares, criando-se a distinção.
Na hipótese, há uma clara violação do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Carta Magna. Hoje é impossível pensar a vida com um mínimo de dignidade, sem água ou luz. A modernidade agregou ao principio da dignidade da pessoa as evoluções tecnológicas que são inerentes a uma vida digna. Não podemos conceber um cidadão vivendo como nos tempos das cavernas, sem direito a esses serviços essenciais básicos.
Tomemos um caso hipotético: um cidadão que por motivo de desemprego não consegue pagar mais as tarifas de água e luz, muito menos sustentar sua família. Se entendermos que o corte pode ser feito, levaremos esse cidadão - já extremante prejudicado - à condição subumana de sobreviver sem acesso aos serviços mais básicos, ou seja, uma pessoa que não possuía condições para se recuperar, sem esses serviços será reduzida à condição deplorável. [19]
É interessante ressaltar que alguns autores defensores do corte acabam se contradizendo ao final de seu raciocínio. Fernanda Marinela, por exemplo, assim ensina: "Considerando toda a discussão, ressalte-se que a possibilidade de interrupção por falta de pagamento deve ser avaliada em cada caso concreto, sopesando os interesses e o direito aplicável" [20]. Ora, se o corte é defendido por esses autores, os mesmos, ao final, admitem que existem situações limítrofes que merecem uma maior atenção. É justamente esse ponto que defendemos aqui. [21]
Claro que não podemos coadunar com "espertalhões" que querem se beneficiar prejudicando os demais. Sabe-se que nessas situações existem muitas pessoas agindo de má-fé, mas felizmente a maioria, não age assim.
Vale ressaltar que as concessionárias ou permissionárias de serviço público geralmente têm um quadro de advogados competentes para solucionar seus problemas jurídicos, além do que seu poderio econômico é muito maior, se comparado ao do consumidor comum. O corte no fornecimento de forma arbitrária viola os princípios constitucionais mais caros, podendo até mesmo violar a vida de algum cidadão. [22] Ainda nesse diapasão, necessário se faz lembrar também que os débitos imputados aos consumidores pelas concessionárias de serviço público não gozam de presunção de veracidade. Eventuais quantias devidas devem ser apuradas em procedimento próprio que assegure o contraditório e a ampla defesa, evitando-se assim a justiça privada.
Vale destacar também que o art. 42 do CDC impede que o consumidor seja exposto ao ridículo e a situações de constrangimento ou ameaça, principalmente por se tratar de partes exageradamente desiguais econômica e faticamente.
Rizzato Nunes confirma que o caminho para o prestador de serviço é propor uma ação judicial para cobrar seu crédito e nessa ação comprovar que o consumidor está agindo de má-fé. [23]
Por fim, cumpre-nos mencionar a nova Resolução 414 de 2010 da ANEEL que, dentre outras mudanças, trouxe expressamente em seu texto um dispositivo sobre corte por falta de pagamento. A ANEEL manteve a obrigação da distribuidora de avisar ao consumidor com 15 dias de antecedência. A principal novidade é que a interrupção do fornecimento por inadimplência só poderá ocorrer até 90 dias após a data de vencimento da fatura em aberto, caso as contas posteriores estejam pagas. Passado esse prazo, a distribuidora não poderá mais cortar o fornecimento.
Assim já pode decidir o STJ, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO. HIPÓTESE DE EXIGÊNCIA DE DÉBITO DECORRENTE DE RECUPERAÇÃO DE CONSUMO NÃO-FATURADO. ALEGAÇÃO DE DÉBITO PRETÉRITO. CONSTRANGIMENTO E AMEAÇA AO CONSUMIDOR. CDC, ART. 42. 1. A concessionária não pode interromper o fornecimento de água/ energia elétrica por dívida relativa à recuperação de consumo não-faturado, apurada a partir de débito pretérito, em face da essencialidade do serviço, posto bem indispensável à vida. Entendimento assentado pela Primeira Turma, no julgamento do REsp n.º 772.489/RS, bem como no AgRg no AG 633.173/RS. 2. É que resta cediço que a "suspensão no fornecimento de energia elétrica somente é permitida quando se tratar de inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo, restando incabível tal conduta quando for relativa a débitos antigos não-pagos, em que há os meios ordinários de cobrança, sob pena de infringência ao disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. Precedente: AgRg no Ag nº 633.173/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 02/05/05." (REsp 772.486/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 06.03.2006). 3. Uma vez contestada em juízo dívida apurada unilateralmente e decorrente de débito pretérito, não há que cogitar em suspensão do fornecimento, em face da essencialidade do serviço, vez que é bem indispensável à vida. Máxime quando dispõe a concessionária e fornecedora dos meios judiciais cabíveis para buscar o ressarcimento que entender pertinente, sob pena de infringência ao disposto no art. 42, do Código de Defesa do Consumidor. 4. In casu, o litígio não gravita em torno de inadimplência do usuário no pagamento da conta de água/energia elétrica atual (Lei 8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II), em que cabível a interrupção da prestação do serviço, por isso que não há cogitar suspensão do fornecimento de água/energia elétrica pelo inadimplemento. 5. Recurso especial a que se nega seguimento (CPC, art. 557, caput) (Resp 809962/RS, STJ – Primeira Turma, Relator Min. Luiz Fux, DJ: 15.12.2006) (grifos no original)
Dessa forma, o entendimento sobre o corte no fornecimento já adotado no STJ passou a fazer parte da referida resolução.