Considerações Finais
Por todo o exposto, a conclusão mais razoável, dentro de um Estado democrático de direito que preza sobretudo a dignidade da pessoa humana como valor máximo garantido constitucionalmente, é que o corte no fornecimento de energia do consumidor viola uma série de princípios constitucionais, princípios do próprio serviço público, inclusive a legislação infraconstitucional.
Não é permitido nos dias atuais interpretar uma norma de forma isolada sem perceber a irradiação das garantias constitucionais dos seus princípios. É bom alertar novamente que não é objetivo do Estado a obtenção de lucro e, mesmo quando delega um serviço que a priori deveria ser prestado por si, devemos ter uma cautela na sua análise e na aplicação uma vez que sua colocação no mercado de consumo atende a outros fins e não só o caráter lucrativo da atividade.
O corte no fornecimento de energia é uma medida arbitrária que leva o consumidor a uma condição subumana não permitida pela nossa Lex Legum. Ademais a distribuidora desses serviços essenciais possui meios jurídicos de cobrar a dívida sem necessidade de causar tamanha humilhação ao consumidor.
É importante ressaltar que a os serviços essenciais são atividades inerentes ao Estado que por incompetência necessita delegar tais serviços a particulares, ou seja, deve haver uma atenuação na análise dos casos desses particulares prestadores de serviço, já que não se trata de uma atividade comum no mercado.
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Notas
- NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A Proteção Constitucional do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 1.
- OLIVEIRA, Júlio Moraes. 20 anos do Código de Defesa do Consumidor. A evolução do conceito de consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2709, 1 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17948>. Acesso em: 26 dez. 2010.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. Revista e atualizada até a emenda Constitucional 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 665.
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 281.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. Cit. p. 668.
- MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4 ed. Niterói: Editora Impetus, 2010. p. 470.
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 315.
- DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 36 a 43.
- ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
- CARPENA, Heloisa. Afinal quem é o Consumidor? Campo de Aplicação do CDC à luz do Princípio da Vulnerabilidade. In Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 19. jul/set. p. 34.
- LAZZARINI, Álvaro. Serviços públicos nas relações de consumo. Revista de Direito do Consumidor, n. 29, p. 27, jan.-mar. 1999.
- ROVAI. Armando Luiz. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor em razão da prestação de serviços públicos. In: CARACIOLA, Andrea Boari, ADREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan, FREITAS, Aline da Silva. (coords). Código de Defesa do Consumidor. 20 anos. São Paulo:LTR, 2010. p. 126.
- MARINELA, Fernanda. Op. Cit. p. 476.
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 288.
- MARINELA, Fernanda. Op. Cit. p. 476.
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 289.
- MARINELA, Fernanda. Op. Cit. p. 478.
- O número de cheques devolvidos a cada mil compensados bateu recorde no Brasil, no último mês de março, segundo estudo da Serasa Experian divulgado nesta quinta-feira. No mês passado, foram devolvidos 24,6 cheques a cada mil compensados. É o maior índice registrado pelo levantamento, que começou a ser feito em 1991. Disponível em<http://ultimosegundo.ig.com.br/economia/2009/04/23/inadimplencia+com+cheques+e+a+maio+em+18+anos+diz+serasa+5694063.html > Consulta realizada em 20.09.2010.
- PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CORTE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. LEGALIDADE. 1. A 1ª Seção, no julgamento do RESP nº 363.943/MG, assentou o entendimento de que é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei 8.987/95, art. 6º, § 3º, II). 2. Ademais, a 2ª Turma desta Corte, no julgamento do RESP nº 337.965/MG conclui que o corte no fornecimento de água, em decorrência de mora, além de não malferir o Código do Consumidor, é permitido pela Lei nº 8.987/95. 3. Não obstante, ressalvo o entendimento de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica – como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos posto essenciais para a sua vida, curvo-me ao posicionamento majoritário da Seção. 4. Hodiernamente, inviabiliza-se a aplicação da legislação infraconstitucional impermeável aos princípios constitucionais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República, por isso que inaugura o texto constitucional, que revela o nosso ideário como nação. 5. In casu, o litígio não gravita em torno de uma empresa que necessita da energia para insumo, tampouco de pessoas jurídicas portentosas, mas de uma pessoa física miserável e desempregada, de sorte que a ótica tem que ser outra. Como afirmou o Ministro Francisco Peçanha Martins noutra ocasião, temos que enunciar o direito aplicável ao caso concreto, não o direito em tese. Forçoso, distinguir, em primeiro lugar, o inadimplemento perpetrado por uma pessoa jurídica portentosa e aquele inerente a uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica. 6. Em segundo lugar, a Lei de Concessões estabelece que é possível o corte considerado o interesse da coletividade, que significa interditar o corte de energia de um hospital ou de uma universidade, bem como o de uma pessoa que não possui condições financeiras para pagar conta de luz de valor módico, máxime quando a concessionária tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança. A responsabilidade patrimonial no direito brasileiro incide sobre o patrimônio do devedor e, neste caso, está incidindo sobre a própria pessoa. 7. Outrossim, é voz corrente que o 'interesse da coletividade' refere-se aos municípios, às universidades, hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos. 8. Destarte, mister analisar que as empresas concessionárias ressalvam evidentemente um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas, e os fatos notórios não dependem de prova (notoria nom egent probationem), por isso que a empresa recebe mais do que experimenta inadimplementos. 9. Esses fatos conduzem a conclusão contrária à possibilidade de corte do fornecimento de serviços essenciais de pessoa física em situação de miserabilidade, em contra-partida ao corte de pessoa jurídica portentosa, que pode pagar e protela a prestação da sua obrigação, aproveitando-se dos meios judiciais cabíveis. 10. Recurso especial provido, ante a função uniformizadora desta Corte. (REsp 647853/RS, STJ – Primeira Turma, relator Min. Luiz Fux, DJ. 06.06.2005, p. 194)
- MARINELA, Fernanda. Op. Cit. p. 479.
- VELOSO, Zilda Januzzi. Direitos Básicos do Consumidor. In MARTINS, Guilherme Magalhães. (Coord.) Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 487.
- Matéria publicada no Diário do Nordeste em 10.05.2007. Quanto vale uma vida humana? Para Ana Cristina da Silva, do bairro Bela Vista, custa R$ 204,00. O equivalente a dívida que tem com a Coelce e motivo do corte de energia elétrica que causou a morte de sua mãe, Maria Luíza Bezerra, de 53 anos. Vítima de Acidente Vascular Cerebral (AVC), há nove meses, ela dependia de aparelhos — respirador e aerosol — para sobreviver. Sua alimentação era feita por uma sonda. O drama vivido pela família mobilizou vizinhos e amigos, desde a última sexta-feira, quando ocorreu o corte da luz e, às 20 horas, por não poder mais respirar, o falecimento de Luíza. O caso tem mais um agravante: um atestado médico, comprovando que a paciente necessitava dos aparelhos para continuar viva, foi entregue à Coelce, na quinta-feira, dia 3, segundo a família. Ana Cristina afirma que, no dia do corte, entrou em contato, por telefone, com a Coelce e foi informada que o documento não existia. A energia elétrica foi cortada às 11h30 de sexta-feira. "Nesse mesmo dia, por volta das 23 horas, a Coelce religou a luz depois que o atestado reapareceu misteriosamente na empresa", afirma Ana Cristina. "Eu implorei aos funcionários para que não fizessem aquilo (cortar energia) que mataria a mamãe. Eles foram implacáveis e sem nenhum sentimento. Mesmo eu mostrando o seu estado e os aparelhos ligados na tomada. Fiquei indignada", diz. No momento da agonia de Luíza, a família ainda tentou, deseperadamente, salvá-la, "puxando", por uma extensão, a energia elétrica de uma vizinha. "Não teve tempo, a morte chegou antes. Minha mãe morreu no dia de seu aniversário. Que coisa triste", emociona-se. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, deputado Heitor Férrer, afirma que é necessário a família de Maria Luíza entrar com a denúncia para iniciar o processo de investigação. "A Comissão oferece, inclusive, assistência jurídica". Disponível em<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp? codigo=431739> consulta realizada em 23.09.2010.
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