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A decisão do STF, o princípio constitucional da igualdade e a vedação de discriminação.

O afeto como paradigma norteador da legitimidade das decisões judiciais. A família contemporânea e sua nova formatação

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Agenda 16/09/2011 às 15:57

12. EM BUSCA DE UM PARADIGMA – A AFETIVIDADE

A tolerância e a liberdade na multiplicidade de formas e caminhos a seguir para os pesquisadores trouxe também uma nova intolerância e radicalismo daqueles que, com medo do outro, do novo, do diferente, ou mesmo com medo do antigo, do tradicional, do ainda francamente majoritário no cenário jurídico nacional, tentam impor uma só maneira de pensar, uma só forma "teoricamente científica" de pesquisar, uma só metodologia, um só discurso e linguagem, uma só linha de pensamento na academia.

Cláudia Lima Marques

Parece razoável, a esta altura do texto, e após tudo quanto se afirmou, questionou e discutiu, observar que os valores lançados nas leis e na própria Constituição Federal, como fundamentais para construção e existência de uma família (casamento ou união estável entre pessoas de sexos diferentes), já não atendem às necessidades da realidade atual.

As pessoas, já libertas de algemas apregoadas pelo moralismo exacerbado, por questões religiosas ou até por imposição da saúde pública (por exemplo, a necessidade de frear a epidemia da Aids), ligam-se e mantêm relacionamentos estáveis, duradouros, que frutificam e geram filhos, que são criados em clima que lhes é propício à formação da personalidade, apenas e tão-somente se assim o desejam, ou seja, se há um elo subjetivo, afetivo, sentimental e ético que seja suficientemente forte e capaz de assim mantê-los.

Este valor – a afetividade – está a merecer maior atenção de estudiosos do direito, da psicologia e da sociologia para que seja alçado ao status de relevância que atualmente representa, de extrema importância à felicidade e à plenitude da pessoa humana, reconhecida agora como destinatária e astro maior de todo o sistema jurídico constitucionalizado e calcado sobre a preponderância dos seus direitos fundamentais

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Não há mais como ignorar que o Direito Civil atual é outro, remodelado, com novos paradigmas, constitucionalizado e oxigenado por valores e fundamentos diversos daqueles que apoiavam e alicerçavam o Código Civil de 1916, fruto do liberalismo exacerbado que elegeu a propriedade e o patrimônio como forças centrais do ordenamento legal, pois

Este Direito Civil "repersonalizado" que se ancora em princípios e fins para além da suposta autonomia e pretensa igualdade; sem carpir-se no futuro acontecido ontem, saudar o reconhecimento da pessoa e dos direitos da personalidade, mesmo que seja para prantear os não reconhecidos, os excluídos de todos os gêneros; no véu da liberdade contratual encontrar mais responsabilidade que propriedade, menos posse na formação epistemológica do núcleo familiar; e fotografar a legitimidade da herança e direito de testar na concessão que também outorga personalidade jurídica aos entes coletivos. E aí filmar o roteiro das tendências contemporâneas.(FACHIN, 2000, p. 6)

Na mesma senda, pode-se colher o ensinamento de Orlando de Carvalho, que, explicando o significado de "repersonalização", afirmou:

É esta valorização do poder jurisgênico do homem comum – sensível quando, como no direito dos negócios, a sua vontade faz lei, mas ainda quando, como no direito das pessoas, a sua personalidade se defende, ou quando, como no direito das associações, a sua sociabilidade se reconhece, ou quando, como no direito de família, a sua afetividade se estrutura, ou quando, como no direito das coisas e no direito sucessório, a sua dominialidade e responsabilidade se potenciam – é esta centralização do regime em torno do homem e dos seus imediatos interesses que faz do Direito Civil o foyer da pessoa, do cidadão puro e simples. (CARVALHO, Orlando. A teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Centelha, 1981, p. 92)

Como disse Vinícius de Moraes, "a vida é a arte do encontro, apesar de tantos desencontros". É preciso permitir que o aconchego e a afetividade sejam as forças motrizes de uma construção constante do ser humano pleno, digno, realizador e concretizador dos anseios de modernidade, que resultará, finalmente, num homem feito à imagem e semelhança daquele que nos criou a todos, mas que, por tanto tempo, insistimos em ser exatamente o contrário do que nos foi ensinado.

No entanto, ao final e ao cabo, sempre buscando um recomeço, sem se deixar esmorecer pelas eventuais quedas, tropeços e objetivos não atingidos, mas, de qualquer forma, tirando lições dos erros, na busca constante da convivência pacífica, humanizada e afetiva entre os seres humanos de conformidade com a realidade social atual, plúrima, múltipla, flexível e em constante movimento.

Fatos marcados por êxitos e tropeços cunham o que se pode chamar de vida, como observou Lya Luft:

A história mais difícil de escrever é a nossa própria, complexa, obscura, inocente ou perversa – bem mais do que são as narrativas ficcionais.

Brinquei muito tempo com a idéia de dizer "sim" ou "não" a nós mesmos, aos outros, à vida, aos deuses, como parte essencial dessa escrita de nosso destino – com os naturais intervalos de fatalidades que não se podem evitar, mas têm que ser enfrentadas.

Acredito em pegar o touro pelos chifres, mas vezes demais fiquei simplesmente deitada e ele me pisoteou com gosto. Afinal, a gente é apenas humano.

Nessa difícil história nossa, de dizer sim ao negativo, ao sombrio em lugar de dizer sim ao bom, ao positivo, é o desafio maior. Pois a questão é saber a hora de pronunciar uma ou outra palavra, de assumir uma ou outra postura.

O risco de errar pode significar inferno ou paraíso.

Também descobri (ou intentei?) isso de existir um ponto cego da perspectiva humana, em que não se enxerga o outro, mas apenas um lado dele: seu olho vazado, sua boca cerrada, seu coração amargo.

Sua alma árida, ah...

O ponto cego das nossas escolhas vitais é aquele onde a gente pode dizer "sim" ou "não", e nossa ambivalência não nos permite enxergar direito o que seria melhor na hora: depressa, agora.

O ponto mais cego é onde a gente não sabe quem disse "não" primeiro. E todos, ou os dois, deviam naquele momento ter dito "sim".

Viver é cada dia se repensar: feliz, infeliz, vitorioso, derrotado, audacioso ou com tanta pena de si mesmo. Não é preciso inventar algo novo. Inventar o real, o que já existe. Nosso drama é que às vezes a gente joga fora o certo e recolhe o errado.

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Da acomodação brotam fantasmas que tomam a si as decisões: quando ficamos cegos não percebemos isso, e deixamos que a oportunidade escape porque tivemos medo de dizer o difícil "sim".

O "não" também é um ponto cego por onde a gente escorre para o escuro da resignação.

O ponto mais cego de todos é onde a gente nunca mais poderá dizer "sim" para si mesmo. E aí tudo se apaga. Mas com o "sim" as luzes se acendem e tudo faz sentido.

Dizer "sim" a si mesmo pode ser mais difícil do que dizer "não" a uma pessoa amada: é sair da acomodação, pegar qualquer espada – que pode ser uma palavra, um gesto, ou uma transformação radical, que custe lágrimas e talvez sangue – e sair à luta.

Dizer "sim" para que o destino nos oferece significa acreditar que a gente merece algo parecido com crescer, iluminar-se, expandir-se, renovar-se, encontrar-se, e ser feliz.

Isto é: vencer a culpa, sair da sombra e expor-se a todos os riscos implicados, para finalmente assumir a vida. (

LUFT, Lya. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 15.)

Essas palavras, esse pensamento e, acima de tudo, esse sentimento de pacificar, de partilhar de forma fraterna e solidária os conhecimentos e direitos, hão de ser aplicados e interpretados na busca do consenso da convivência respeitosa dos contrários, como professa a ancestral sabedoria chinesa que se caracteriza pela insaciável busca de integração dos opostos e da harmonização das forças, principalmente psíquicas. Segundo informa o teólogo Leonardo Boff (2004):

nós ocidentais, somos herdeiros de um pensamento linear que trabalha constantemente com o princípio da identidade e de contradição, tardiamente enriquecido pela dialética. Nossa postura antropológica nos fez imperialistas e dominadores de todas as diferenças. Ou elas são incorporadas na mesmice ocidental ou subalternizadas e até destruídas. A sabedoria procura sempre incluir os opostos. Tal postura vem expressa pelo famoso tai-ki, o círculo dentro do qual se entrelaçam como que duas cabeças de peixe. É a presença das duas forças universais – ying e yang (céu e terra, luz e sombra, masculino e feminino) que entram na composição de todos os seres. Ying e Yang concretizam o shi, a energia primordial e misteriosa que sustenta tudo, chamada de Tao. Tao é mais que caminho é a energia pela qual fazemos o caminho e que possibilita qualquer realidade. (

BOFF, Leonardo. Sabedoria chinesa. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 maio 2004)

Talvez seja esse o sentimento a animar todos quantos se tenham dado conta de que o Direito existe em função do homem, e o homem é muito mais do que matéria e patrimônio, é alma, espírito e coração. Assim, há de se iniciar (ou continuar) a séria intenção de buscar caminhos que possam conduzir à efetiva concretização dos direitos fundamentais do ser humano no interior do sistema jurídico vigente.

Esse Direito mais humanizado deve ser observado com as lentes libertadoras da democracia, sem compromisso com a preservação do que se ponha como afronta à pessoa como centro do universo, fonte e destino de todas as forças catalisadoras voltadas à sua plena realização individual, familiar, coletiva e social.

Há que se buscar um paradigma que atenda a realidade inafastável e impossível de se ignorar que é representada por um valor maior que se faz forte, pujante e definitivo, que é a socioafetividade. Sem isso, continuará o sistema jurídico a gritar para surdos, a escrever na areia da praia, afastando-se cada vez mais da legitimidade necessária às decisões judiciais.


13. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A globalização comporta um fenômeno mais profundo que o econômico-financeiro, o qual marcou o liberalismo patrimonial e mercantilista. Implica, sim, a inauguração de uma nova fase da história da Terra e da humanidade. Estamos mudando de paradigma civilizacional, e isso significa que está nascendo um outro tipo de percepção da realidade, com novos valores, novos sonhos, nova forma de organizar os conhecimentos, novo tipo de relação social, nova forma de dialogar com a natureza e com o mundo e nova maneira de entender o ser humano no conjunto dos seres.

Esse paradigma nascente nos obriga a operar progressivas travessias: importa passar da parte para o todo, do simples para o complexo, do local para o global e do nacional para o planetário. Isso nos permite perceber que todos somos interdependentes. O destino comum foi globalizado. Agora há uma escolha: ou cuidamos da humanidade e do homem, ou não teremos mais futuro algum. Não nos é mais permitido pensar e viver como antes, sem preocupação com o amanhã, com o porvir e com o próximo, pelos quais, agora sabemos, somos todos responsáveis. Temos que mudar as formas de nos relacionarmos, com os outros e com o planeta, como condição de nossa própria sobrevivência.

Para a consolidação desse novo paradigma, é importante superar o fundamentalismo da cultura ocidental, hoje mundializada, que pretende deter a única visão das coisas, válida para todos. Por outra parte, o risco que corremos nos propicia a chance de reorganizarmos, de maneira mais justa e criativa, a humanidade e toda a cadeia da vida. Essa criatividade está inscrita em nosso código genético e cultural, pois só nós fomos criados criadores e co-pilotos do processo evolutivo.

O efeito final será uma Terra multicivilizacional, colorida por todo tipo de culturas, de modos de produção, de símbolos e de caminhos espirituais, todos eles acolhidos como legítima expressão do humano, com direito de cidadania na grande confederação das tribos e dos povos da Terra.

Por isso e para isso, há de se olhar para frente, recolher todos os sinais que nos apontam para um desfecho feliz de nossa perigosa travessia e gestar uma atmosfera de benquerença e de irmandade que nos permita viver minimamente felizes neste pequeno planeta, escondido num canto de uma galáxia média, no interior de um sistema solar de quinta grandeza, mas sob o arco-íris da boa vontade humana e da benevolência divina

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No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e o novo Código Civil Brasileiro trouxeram mudanças paradigmáticas [19] e impregnaram todo o sistema de direito privado com a preocupação social e ética, ensejando a releitura e a filtragem, não só do sistema legal positivado, mas também da doutrina, para adaptá-los aos novos valores, conceitos e princípios.

O Direito Civil já não mais pode ser tido, aplicado e lecionado com base nos modelos individualistas do século passado, alicerçados em velhos dogmas liberais. Deve, sim, permitir a construção da dignidade do homem e de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.

Este texto se encerra. Mas espera-se que o diálogo sobre o tema esteja apenas no início, voltado sempre à compreensão da existência do homem no mundo, a facilitação e mesmo a criação de possibilidades de convivência plena, digna, fraterna e pacífica. Isso depende de sensível desenvolvimento das ciências ligadas ao comportamento humano, mesmo o Direito, que é responsável pela aplicação e interpretação das normas e princípios legais e constitucionais. A tarefa há de ser desempenhada em salutar compartilhar humilde, democrático e despido de vaidades que a nada conduzem, aproveitando as experiências e os saberes de outras ciências.

Não há como se esquecer que, em 5 de outubro de 1988, o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, ladeado pelo Ministro Moreira Alves, presidente do Supremo Tribunal Federal, e por José Sarney, presidente da República, proclamou o nascimento da Constituição Cidadã, que encerrou um ciclo de 20 anos de chumbo, alçou o ser humano ao centro de todas as atenções e elevou os direitos da personalidade ao status de irrenunciáveis, imprescritíveis e inalienáveis.

Além disso, criou instrumentos de proteção contra agressões, violência ou ameaça a tais direitos e, exatamente nesse ponto, idealizou uma Justiça comprometida com a legitimidade de suas decisões, com a aproximação da população, imune a pressões, coações e vínculos com outros interesses que não sejam o da distribuição da jurisdição com equidade, equilíbrio e valorização da dignidade da pessoa humana, projetando o país para o futuro e nos impondo a responsabilidade da concretização dos sonhos da modernidade.

Em 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor o Código Civil brasileiro, aclamado por Miguel Reale como a Constituição do Homem Comum, alçado à condição de valor-fonte fundamental de todo o direito e, em conseqüência, centro de todas as atenções, o que vem sendo chamado de repersonalização. Sonhando com os pés no chão e tendo os olhos no porvir, utilizou-se de cláusulas gerais, com nítida mitigação do positivismo, transformando o juiz de mera "boca da lei" a verdadeiro solucionador de conflitos e alçando-o à condição de responsável pelos resultados e pela sorte das pessoas cujos interesses estejam por ele sendo decididos.

Por isso e para isso, ele haverá de proceder de forma ética e humana. Assim, o Código o muniu de instrumentos poderosos, como, por exemplo, a utilização das mencionadas cláusulas gerais, trazendo consigo um modelo comprometido com a função social do Direito e do acesso das pessoas à ordem jurídica justa, na idealização e formação de uma sociedade solidária e fraterna, alicerce da preservação da dignidade humana.

Esse é o papel do Poder Judiciário moderno, cidadão, solidário, voltado à efetivação das tarefas que a Constituição lhe atribuiu, por meio da abertura de uma imensa janela voltada à dimensão ética, mergulhado nos direitos das partes a fim de desvelar o que há por detrás de tudo, em busca da verdadeira Justiça, fazendo desaparecer a figura do juiz inerte, descomprometido com o destino das partes e as conseqüências de suas decisões, satisfazendo-se com o fato de estarem elas de acordo com as regras procedimentais. Não há mais lugar para o juiz autômato, descompromissado, preocupado mais com o invólucro do que com o conteúdo.

De fato, a Constituição Federal desfez o mito de que só poderia ser a família fruto do casamento, o que se deve a uma revolução no relacionamento entre as pessoas e a um novo posicionamento da mulher na sociedade, ocupando espaços e exigindo respeito. A família dos nossos dias, aberta, plural, desvinculada de valores que determinem que as pessoas permaneçam juntas por outro motivo que não seja o benquerer e a afetividade, configura-se como o ambiente ideal para a formação sadia de seus componentes, convivência fraterna, solidária e digna do ser humano.

Com essa ruptura, afloraram-se núcleos formados por pessoas que não necessariamente mantinham entre si, vínculos previstos legalmente, vindo o reconhecimento do concubinato, da união estável e da convivência a reboque de uma realidade social que o direito fazia questão de ignorar.

Agora, mais uma vez, vê-se o direito atropelado pela evolução social e científica, desta feita pelas técnicas de inseminação artificial, clonagem do ser humano e enfrentamento pelos homossexuais do preconceito e da discriminação.

A legitimidade das decisões jurisdicionais depende dos vínculos com os valores sociais, temporal e geograficamente localizados, para que possam ser aceitas e não impostas de forma violenta. Para isso, tanto a Constituição Federal como o Código Civil e outras normas legais vêm adotando o sistema de utilização de cláusulas abertas, convocando os intérpretes à complementação e conformação da norma aos fatores concretos, permitindo a evolução e a adaptação sem que seja necessária a alteração de seu texto, mesmo pelo controle difuso de constitucionalidade, que parece mais aproximado dos valores da democracia, pois possibilita o argumento de que a Constituição Federal e os princípios nela inseridos estejam sendo violentados. É certo que os princípios devem merecer força normativa prevalente mesmo sobre as próprias normas legais ou constitucionais, pois refletem as perspectivas maiores que a sociedade deseja para seu país.

Mais uma vez a Constituição Federal incumbiu o Poder Judiciário de velar pelos direitos fundamentais da pessoa em qualquer hipótese de lesão, mesmo que originada do próprio Judiciário.

Assim, faz-se necessário que a atuação jurisdicional seja muito mais do que simples exercício de subsunção e que o julgamento seja acompanhado da profunda responsabilidade de decidir, muitas vezes, a própria vida de um número elevado de pessoas. Para isso, deve se pautar na preservação da dignidade da pessoa como valor-fonte fundamental do Direito.

Talvez seja esse oparadigma que se está a buscar e tenta-se alcançar. Um elemento que justifique e explique os motivos de pessoas estarem e permanecerem juntas, visto que, no momento de evolução social atual, nem a lei, nem as decisões judiciais, nem os padrões tidos como certos na sociedade e, muito menos, a definição sexual como homem e mulher se mostram suficientes para determinar que assim se mantenham. Talvez seja essa a chave para a construção de um novo tempo, deixando para trás a indiferença social, o desamor, a falta de responsabilidade e solidariedade com o próximo, buscando um ponto de equilíbrio a decifrar as mensagens que emanam do Código Civil e da Constituição. Não fazê-lo é uma omissão extremamente condenável.

A manutenção dos olhos voltados aos modelos do passado transformará o sonho da democracia social em pomposa inutilidade. Sejamos agentes da mudança, seus protagonistas, e não meros espectadores.

Não se ignora que é necessário um processo lento de mudança de paradigma, mas há que ser desfraldada a bandeira da solidariedade, à frente de todos os propósitos, que deve ser acompanhada, também, da bandeira do sonho, como construtora da utopia do possível, e da bandeira da luta na busca de um país melhor.

Na Constituição, estão os valores eleitos pela sociedade como fundamentais, os princípios que dimensionarão o justo. Uma vez nela inseridos, transformam-se na chave de todo o sistema, determinando o viés a ser seguido pelo intérprete na tomada de decisões dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Havendo conflito e tensão entre princípios constitucionais, cumpre ao intérprete encontrar um compromisso, pelo qual se destine, a cada princípio, um determinado âmbito de aplicação, não se devendo, de modo algum, eliminar algum deles. A missão do intérprete é buscar uma solução conciliadora, definir a área de atuação de cada um dos princípios. Não havendo uma única solução para todas as hipóteses, prevalecerá sempre aquele que, especificamente no caso concreto, tiver maior força. Tal prevalência não implica restrição em abstrato da força impositiva do princípio afastado. Em outras circunstâncias, diante de novos fatores relevantes, o princípio antes afastado está pronto para ser aplicado.

O processo deve ser o instrumento para garantia de que a justiça seja aflorada e que venha à superfície o que realmente esteja camuflado nos recônditos direitos alegados pelas partes.

O direito e as relações humanas demandam abertura dialética, capilaridade, contato com os demais ramos do saber, sendo necessária a discussão desprovida de preconceitos arraigados num positivismo que cega e que parece já não mais ter espaço no Direito e que deve ser submetido, sempre, aos princípios constitucionais e aos direitos fundamentais, afrouxando os nós que transformam o jurista num autômato e retirando a venda colocada na deusa Têmis – muitas vezes, pretende-se que ela seja cega para não ver as atrocidades que são cometidas em seu nome.

A Justiça não é cega. Tem os olhos abertos, é ágil, acessível, altiva, democrática e efetiva. Tirando-lhe a venda, resta ela liberta para que possa ver e, com olhos despertos, há de ser justa, prudente e imparcial, há de ver a impunidade, a pobreza, o choro, o sofrimento, a tortura, os gritos de dor e a desesperança dos necessitados que lhe batem à porta. E conhece, com seus olhos espertos, de onde partem os gritos e as lamúrias, o lugar das injustiças, onde mora o desespero. Mas não só vê e conhece. Ela age. Essa é a Justiça que reclama, chora, grita, sofre e se faz presente sempre que necessário para garantir a igualdade dos direitos e a efetiva garantia quando violentados. Uma Justiça que se emociona. E de seus olhos vertem lágrimas. Não por ser cega, mas pela angústia de não poder ser mais justa.

Não há de ser uma utopia inatingível imaginar-se e buscar-se um mundo melhor, um mundo onde prevaleça o direito voltado à satisfação plena das necessidades do ser humano, das quais a maior é a felicidade. Para isso, haverá que prevalecer a força dos sentimentos que unem as pessoas apenas pelo fato de terem seus atos guiados pelo coração, pela afetividade, pelo benquerer, talvez o paradigma que esteja à espera de ser desvelado, o elemento justificador das decisões judiciais e do relacionamento entre as pessoas.

Afinal, parafraseando Ricardo Pereira Lira, enquanto exista um par de olhos chorando as lágrimas da irresignação, enquanto mentes e corações busquem o igual acesso de todos os bens essenciais a uma vida digna, sistemas políticos podem ser extintos, estátuas derrubadas, mitos varridos, mas o socialismo democrático não perecerá, o que está a depender do proceder de cada um de nós em relação aos outros e conosco, com solidariedade e boa-fé, de forma ética, humana e desprovida de valores menos nobres que em nada contribuem para a concretização dos objetivos maiores da nação, estabelecidos na Constituição Federal. (in FACHIN, Luiz Edson. Curso de Direito Civil – Elementos críticos do Direito de Família. Coord. Ricardo Pereira Lira, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, prefácio)

Apenas procedendo dessa forma, permitindo, enfim, a junção de razão e emoção que integram, indissociáveis, a condição humana e a subjetividade ineliminável na busca constante de um canto de esperança mesmo que haja tanta desesperança, estaremos vergando as bandeiras da solidariedade, do sonho e da luta de forma a entender a mensagem da poetisa curitibana Helena Kolody: "Deus dá a todos uma estrela. Uns fazem da estrela um sol. Outros nem conseguem vê-la"

Sobre o autor
Mauro Nicolau Junior

Juiz titular da 48ª Vara Cível do Rio de Janeiro (RJ). Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Cândido Mendes. Professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Mestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICOLAU JUNIOR, Mauro. A decisão do STF, o princípio constitucional da igualdade e a vedação de discriminação.: O afeto como paradigma norteador da legitimidade das decisões judiciais. A família contemporânea e sua nova formatação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2998, 16 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20006. Acesso em: 23 nov. 2024.

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