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Inquérito para a apuração de falta grave e a efetivação da dispensa do trabalhador estabilizado pelo art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

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Agenda 21/09/2011 às 10:20

5. As possibilidades de dispensa dos trabalhadores referidos no art. 19 do ADCT

Desenvolveu-se neste trabalho, até este ponto, a ideia de que a estabilização promovida pelo art. 19 do ADCT equipara-se à estabilidade funcional do art. 41 da Constituição. Em outras palavras: a estabilidade do art. 19 do ADCT é idêntica à estabilidade do servidor estatutário concursado, ocupante de cargo efetivo, cuja estabilidade tem sede constitucional. [08]

Tem-se, portanto, firmada a conclusão de que, sendo a estabilidade dos trabalhadores referidos no art. 19 do ADCT a mesma prevista para os demais servidores estáveis nos termos do art. 41 da Constituição, não se pode condicionar a possibilidade de perda da função pública ao ajuizamento de inquérito para a apuração de falta grave, exatamente porque a estabilidade decenal e a constitucional não se confundem: somente aquela impõe a necessidade de reconhecimento da falta grave por meio de sentença proferida nessa demanda. A estabilidade constitucional, porém, pode ser elidida tanto por decisão proferida em processo administrativo quanto por decisão judicial transitada em julgado, conforme autoriza o art. 41, § 1º, da Constituição de 1988. E essa decisão não necessita ser proferida nos autos do inquérito para a apuração de falta grave.

Não é essa, porém, a orientação que se colhe da doutrina especializada. Sergio Pinto Martins, por exemplo, afirma que "[...] os arts. 853 a 855 da CLT não estão revogados pela Constituição, visto que ainda podem ser utilizados pelos detentores da estabilidade decenal (titulares de direito adquirido), ou até mesmo para os servidores públicos civis contratados pela CLT e que tinham cinco anos de serviço na data da promulgação do Estatuto Supremo, passando a ser estáveis" (MARTINS, 2008, p. 486). No mesmo sentido escreve Carlos Henrique Bezerra Leite, para quem existem "[...] alguns trabalhadores em situações especiais que só podem ser despedidos se praticarem falta grave devidamente apurada nos autos do inquérito judicial ora focalizado, como é o caso dos servidores públicos celetistas não concursados que, na data da promulgação da CF/88, contavam com cinco anos ou mais de serviço público contínuo [...]" (LEITE, 2004, p. 727). Outros autores sustentam idêntico entendimento, como Renato Saraiva (2010, p. 750), e Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2002, p. 194).

Embora seja pouco comum o enfrentamento específico desse tema no Tribunal Superior do Trabalho, também o TST chegou a firmar a sua jurisprudência nesse sentido, como se percebe:

SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. ESTABILIDADE DO ART. 19 DO ADCT. FALTA GRAVE. INQUÉRITO JUDICIAL. NECESSIDADE. O artigo 19 do ADCT considera estável o servidor contratado pelo regime da CLT, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados e que não tenha sido admitido na forma regulada no artigo 37 da Constituição Federal. O servidor detentor da estabilidade prevista no art. 19 do ADCT só pode ser despedido pela apuração da falta grave apurada em inquérito judicial, ficando afastada a necessidade de instauração prévia de inquérito administrativo. Recurso de revista conhecido e provido (BRASIL, 2002).

SERVIDOR PÚBLICO REGIDO PELA CLT – ESTABILIDADE – ARTIGO 19 DO ADCT – DISPENSA POR FALTA GRAVE – INQUÉRITO JUDICIAL – IMPRESCINDIBILIDADE. O empregado admitido sem concurso, sob o regime trabalhista, e beneficiário da estabilidade do artigo 19 do ADCT, somente pode ser dispensado, por justa causa, após regular inquérito judicial. Impertinente juridicamente a invocação de inquérito administrativo, na forma prevista no artigo 41, § 1º da Constituição Federal, para legitimar a dispensa, de vez que referido instituto tem por destinatário o servidor nomeado em virtude de concurso para cargo público e, portanto, sujeito às regras de natureza estatutária. Recurso de embargos não conhecido (BRASIL, 2001).

O equívoco dessas construções parte da mesma premissa: a de que a Constituição, ao considerar "estáveis no serviço público" os trabalhadores apontados no art. 19 do ADCT, referiu-se à mesma espécie de estabilidade prevista infraconstitucionalmente pela CLT, o que não corresponde à realidade. Não é porque a expressão é a mesma ("estabilidade"), que o regramento será comum entre Constituição e CLT: torna-se necessário observar e analisar o plexo de normas de modo sistematizado, de forma a conferir unidade à Constituição, integrando seus dispositivos numa verdadeira ordem constitucional harmônica, maximizando a eficácia da Constituição quanto ao reconhecimento de direitos e garantias. E nessa perspectiva, a única conclusão possível a respeito é que a estabilidade referida no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é idêntica à estabilidade prevista no art. 41 da Constituição, que não condiciona a dispensa do trabalhador estável ao ajuizamento de inquérito para a apuração de falta grave. Tanto assim o é que, demais disso, a estabilidade referida no art. 41 da Constituição também concebe a possibilidade de elisão em caso de conduta grave do servidor comprovada em regular processo administrativo. E esse regramento é mais um argumento que comprova o equívoco da tese prevalecente na doutrina e na jurisprudência a respeito: se a Constituição pretendesse estender a estabilidade decenal a esses trabalhadores, deveria ter feito menção expressa a respeito, já que, além do art. 19 do ADCT, a previsão constitucional sobre estabilidade funcional encerra-se no art. 41, que não condiciona a elisão da estabilidade apenas à decisão judicial, permitindo também que a decisão proferida em processo administrativo possa suplantar a estabilidade.

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Relembre-se, ainda, que nenhum trabalhador estatal regido pela CLT antes da Constituição detinha direito à estabilidade, seja decenal ou constitucional. A primeira estava definitivamente excluída pela "opção forçada" feita pelo art. 3º da Lei n. 6.185/74. E a segunda era vedada pelo próprio texto constitucional anterior, que somente reconhecia a estabilidade, após dois anos de exercício, aos "funcionários nomeados por concurso" (art. 100, caput, da Constituição de 1967 com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional n. 01, de 1969), entendendo-se "funcionário" como "ocupante de cargo público". Daí sucede que o conceito de "estável", invocado no art. 19 do ADCT, não pode ser, em nenhuma hipótese, equiparado à estabilidade decenal prevista no art. 492 da CLT, seja porque a ordem jurídica anterior a 1988 vedava expressamente a aquisição desse direito (art. 3º da Lei n. 6.185/74), seja porque a Constituição de 1988 em nenhum momento refere-se a "estabilidade" nos contornos consignados pela CLT.

A isso se acrescente o fato de que, se o art. 19 do ADCT estendeu, aos trabalhadores não concursados que estavam em exercício há pelo menos cinco anos continuados, a estabilidade constitucional que se refere ao servidor concursado ocupante de cargo efetivo, não há porque os trabalhadores estabilizados do art. 19 do ADCT terem um regramento acerca da estabilidade mais rígido do que os servidores concursados. Admitir-se o contrário significaria consolidar uma incoerência jurídico-constitucional indefensável. O alcance da estabilidade constitucional para uns e para outros é o mesmo. E, sendo assim, o servidor estável, na Constituição (seja ele regido pelo art. 41, seja pelo art. 19 do ADCT) deve ter idêntica disciplina quanto à estabilidade, o que torna imperioso afirmar que, em ambos os casos, a estabilidade constitucional pode ser elidida por processo administrativo, sendo desnecessário o ajuizamento de inquérito judicial para a apuração de falta grave, entendimento este consentâneo com a mais atualizada jurisprudência a respeito, como se constata a partir dos arestos abaixo:

RECURSO DE EMBARGOS. SERVIDOR PÚBLICO. ESTABILIDADE. ARTIGO 19 DO ADCT. DEMISSÃO. FALTA GRAVE. INQUÉRITO JUDICIAL. O artigo 19 do ADCT consagra a estabilidade extraordinária ou excepcional no serviço público, que se assemelha àquela delimitada no artigo 41, § 1º, da Constituição Federal, em que o servidor estável tem a garantia de não ser demitido senão em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa, sendo desnecessário, pois, a instauração do inquérito judicial previsto no artigo 853 da CLT para apuração da falta grave, que era exigido nos casos de dispensa de empregados detentores da estabilidade decenal ou definitiva garantida aos trabalhadores antes da Constituição Federal de 1988. Recurso de embargos conhecido e não provido (BRASIL, 2007).

INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. ESTABILIDADE. ART. 19 DO ADCT DA CF/88. 1. A lei somente exige e autoriza o manejo de inquérito para apuração de falta grave no caso de empregados portadores da antiga estabilidade decenal (artigo 492, CLT) e da estabilidade assegurada aos dirigentes sindicais (art. 543, § 3º, da CLT). Não há tal exigência, pois, em se tratando de empregado titular da estabilidade prevista no art. 19 do ADCT da CF/88. Aplica-se, a propósito, o princípio da legalidade (CF/88, art. 5º, II). 2. Em caso de empregado amparado por tal estabilidade, à semelhança do cipeiro e tantos outros, assiste ao empregador o direito de despedir diretamente o empregado, por justa causa, independentemente de aquiescência judicial e, se acionado, cabe-lhe o ônus de provar os fatos que determinaram a despedida motivada. 3. Recurso de revista não conhecido (BRASIL, 2005).

Consigne-se, ainda, que a decisão judicial que elide a estabilidade desse trabalhador, caso o Estado não prefira dispensar o trabalhador estabilizado pela via do processo administrativo, não necessita ser proferida nos autos da demanda do inquérito para a apuração de falta grave. Como se sabe, essa demanda destina-se à dispensa de empregado estável nos termos do art. 492 da CLT, segundo o que dispõe a própria CLT (arts. 494 e 853). Outras hipóteses de dispensa somente viabilizadas pelo inquérito são aquelas em que a legislação expressamente impõe essa necessidade, como ocorre com os empregados eleitos para órgãos de direção das entidades sindicais, titulares e suplentes, desde o registro da candidatura até um ano após o final do mandato (art. 8º, VIII, da Constituição [09] e art. 543 § 3º da CLT [10]); com os empregados eleitos diretores de cooperativas por eles criadas (art. 55 da Lei n. 5.764/71 [11]); com os empregados titulares e suplentes da representação dos trabalhadores no Conselho Nacional da Previdência Social, até um ano após o término do mandato (art. 3º § 7º da Lei n. 8.213/91 [12]); com os empregados titulares e suplentes da representação dos trabalhadores no Conselho Curador do FGTS, até um ano após o término do mandato (art. 3º § 9º da Lei 8.036/90 [13]); e com os empregados eleitos para participarem, como representantes dos trabalhadores, nas Comissões de Conciliação Prévia instituídas no âmbito das empresas, sendo vedada a dispensa deles, titulares e suplentes, até um ano após o final do mandato, salvo se cometerem falta grave, nos termos da lei (art. 625-B § 2º da CLT [14]). Silente a lei a respeito da necessidade do inquérito – como sói acontecer com o empregado estabilizado pelo art. 19 do ADCT – mostra-se desnecessária a adoção dessa medida, sendo, pois, inaplicáveis essas regras à pretensão estatal de obter autorização judicial para a extinção do vínculo do empregado estabilizado pelo art. 19 do ADCT.

Assim sendo, caso o Estado pretenda obter o reconhecimento da possibilidade de terminação do vínculo empregatício na Justiça do Trabalho, em relação a esse trabalhador estabilizado, deve o ente estatal promover demanda na Justiça do Trabalho seguindo o procedimento ordinário previsto na CLT (intitulando sua postulação como bem entender, a exemplo de "ação trabalhista para a perda de função pública" ou "ação declaratória de insubsistência da estabilidade", dentre outras denominações que em nada impactam o resultado da demanda). Não haverá prejuízo, pois, se o empregador estatal denominar a sua postulação de "inquérito para a apuração de falta grave", pois o juízo trabalhista pode e deve adequar o procedimento escolhido ao rito que, pela lei, seja o indicado, de acordo com o seu amplo poder de direção no processo, disciplinado no art. 765 da CLT ("os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas").

Submetendo a demanda ao procedimento ordinário, o empregador estatal não precisa observar o prazo de trinta dias em caso de suspensão do empregado (art. 853 da CLT), embora haja, contudo, o risco de sua inércia configurar o perdão tácito da falta cometida pelo trabalhador, pois, apesar de Consolidação das Leis do Trabalho não estipular o lapso temporal máximo que pode transcorrer entre a falta e a dispensa por justa causa, "não há dúvida alguma de que a justa causa deve ser atual, isto é, contemporânea ao próprio ato de rescisão do contrato" (MORAES FILHO, 1968, p. 109). [15]

Assinale-se, por fim, que, não sendo o caso de inquérito judicial para a apuração de falta grave, a prova testemunhal, na eventual demanda promovida pelo empregador, será limitada à oitiva de até três testemunhas, não se aplicando o limite de seis depoimentos previsto no art. 821 da CLT para a instrução do inquérito judicial.


6. Conclusões

Diante do que se abordou, é possível adotar as seguintes conclusões:

1 – Nas ordens constitucionais anteriores a 1988, os trabalhadores regidos pela legislação trabalhista, quando contratados pelos entes estatais, jamais foram beneficiados pela estabilidade constitucional assegurada aos funcionários públicos concursados e ocupantes de cargo público.

2 – Esses empregados estatais, regidos pela legislação do trabalho, também não puderam usufruir da possibilidade de obter a estabilidade decenal prevista no art. 492 da CLT, pois a Lei n. 6.185/74 "impôs a opção" do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço a esses indivíduos, situação que, dada a alternatividade então estabelecida, excluía automaticamente a estabilidade decenal do rol de direitos desses trabalhadores.

3 – Não detendo qualquer modalidade de garantia de emprego no Estado – seja a estabilidade funcional prevista na Constituição, seja a estabilidade decenal disciplinada na CLT – esses trabalhadores estatais admitidos pela legislação trabalhista depararam-se, ainda, com a ampla possibilidade de dispensa das funções, a depender da livre opção do gestor público que estivesse à frente da Administração, situação que também favorecia o uso desses empregos e dos indivíduos contratados para ocupá-los como peças do jogo político-eleitoral.

4 – A Constituição de 1988, sem assegurar a efetivação desses trabalhadores estatais regidos pela CLT, estendeu-lhes, no art. 19 do ADCT, o direito à estabilidade funcional prevista no art. 41, de modo que as hipóteses de saída desses trabalhadores dos quadros funcionais da Administração Pública tornaram-se as mesmas aplicáveis aos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo.

5 – Como o art. 41 da Constituição de 1988, seja antes ou depois da Emenda Constitucional n. 19/98, não assegurou aos trabalhadores estabilizados pelo ADCT qualquer garantia de emprego diferenciada, é correto afirmar que esses trabalhadores podem ser dispensados pelo Estado, desde que haja processo administrativo (assegurando-se, obviamente, a ampla defesa do trabalhador) ou processo judicial, que não será o inquérito para a apuração de falta grave, pois este instrumento processual somente se aplica para aqueles empregados estáveis nos termos do art. 492 da CLT (ou seja, os detentores de estabilidade decenal) ou para aqueles trabalhadores que, detendo garantia de emprego temporária, nos termos da lei, tenham essa proteção expressamente assegurada na legislação, o que não ocorre com os trabalhadores estabilizados pelo art. 19 do ADCT.

Sobre o autor
Cláudio Dias Lima Filho

Procurador do Trabalho com lotação na PRT 5ª Região. Mestre em Direito Público pela UFBA. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Cláudio Dias. Inquérito para a apuração de falta grave e a efetivação da dispensa do trabalhador estabilizado pelo art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3003, 21 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20036. Acesso em: 23 dez. 2024.

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