03. OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS, ALÉM DOS PREVISTOS NO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Além dos direitos e garantias individuais expressos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, outros podem ser reconhecidos no texto constitucional, como dispõe expressamente o § 2º daquele artigo. Senão vejamos:
Art..5° - § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
A Constituição Federal de 1988, conforme pode ser extraído do § 2º do seu artigo 5º, traz o caráter materialmente aberto dos direitos fundamentais, uma vez que autoriza a disposição e localização de tais direitos em todo o seu texto, e não sendo somente eles aqueles que estão elencados no que apresenta Título II – Dos direitos e garantias fundamentais.
Além disso, autoriza expressamente o reconhecimento de outros direitos fundamentais que não se encontram no texto constitucional (direitos materialmente fundamentais), desde que decorram do regime e princípios por ela adotados, bem como de tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte.
Aqui se deve destacar que o rol de direitos fundamentais elencados no artigo 5° da Constituição não é exaustivo ou taxativo, permitindo a localização de outros dispositivos que tratam dos direitos fundamentais ao longo de todo o texto constitucional.
Estabelece o artigo 5º da Constituição Federal, de maneira a servir de referencial, o rol de direitos e garantias individuais da pessoa humana, sendo desnecessário discutir se são ou não amparados pelo parágrafo 4º do artigo 60, pois expressamente definido na Carta Maior.
Sendo assim, é de clareza solar que o parágrafo 2º do artigo 5º nos garante que existem direitos e garantias individuais dispersos em dispositivos por todo o texto constitucional, não sendo apenas os elencadas no artigo acima citado.
Assim, o parágrafo 2° do artigo 5° da Constituição Federal nos traz duas conclusões: a primeira, que a própria Constituição Federal impõe que em todo o seu corpo podem existir direitos e garantias individuais, não sendo exaustivo, portanto, o rol do artigo 5°; a segunda conclusão que se chega da interpretação correta daquele parágrafo 2°, é a de que os direitos e garantias concernentes aos princípios da própria Constituição e de tratados internacionais firmados pelo Brasil integram a seleta lista, mesmo que estejam localizados em outro lugar, que não no rol do artigo 5°.
Por outro lado, ao se interpretar o inciso IV, do parágrafo 4º, do artigo 60, percebe-se, facilmente, que o referido dispositivo refere-se à não abolição de todo e qualquer direito ou garantia individual elencados na Constituição, não fazendo qualquer ressalva de que precisam estar previstos no artigo 5º, deixando a certeza de que por todo o corpo do texto constitucional pode haver dispositivos que tratem dos direitos e garantias fundamentais, e que tais dispositivos devem ser protegidos de maneira a não serem exterminados do nosso ordenamento.
Diante dessa conclusão, parece-nos insofismável que todo e qualquer garantia e direito individuais previstos no corpo da Constituição Federal de 1988 são insusceptíveis de emenda tendente a aboli-los, ou mesmo restringi-los.
Vejamos, sobre o assunto, a posição de Ives Gandra Martins:
Os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea. Não são eles apenas os que estão no art. 5°, mas, como determina o parágrafo 2° do mesmo artigo, incluem outros que se espalham pelo Texto Constitucional e outros que decorrem de implicitude inequívoca. Trata-se, portanto, de um elenco cuja extensão não se encontra em Textos Constitucionais anteriores.. [05]
Vicente Paulo também traz importante lição atestando a existência de direitos fundamentais dispostos em outros artigos da Constituição Federal que não no artigo 5°. Senão vejamos:
Os direitos fundamentais fora do catálogo são aqueles previstos fora do catálogo dos direitos fundamentais, em outros artigos da Constituição. O direito ao meio-ambiente, por exemplo é um direito fundamental de 3ª geração, previsto no artigo 225 da CF (não catalogado, portanto.) [06]
Destarte, demonstrada, de forma vigorosa, a existência de direitos e garantias individuais espalhados pelo texto da Carta Política de 1988, fato que é pacífico na doutrina pátria, tratar-se-á adiante da análise e comprovação de que a inimputabilidade penal encerra disposição pétrea, por ser garantia individual das pessoas com menos de 18 (dezoitos) anos.
04. O ARTIGO 228 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
O artigo 228, por estabelecer um direito individual fundamental, já que é relacionado à liberdade, notadamente à liberdade do adolescente (ser ainda em formação) em face do Estado, não pode ser alterado por emenda constitucional que vise a restringir esse direito, visto que este faz parte do regime especial dos direitos fundamentais, incidindo a limitação do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal de 1988.
Aludido artigo constitucional busca garantir a não imputação criminal, e o conseqüente cerceamento da liberdade da pessoa menor de 18 (dezoito) anos, que deverá receber uma proteção especial por parte do Estado, uma vez que o Poder Constituinte Originário, entendeu que o adolescente menor de 18 (dezoitos) anos ainda é um ser em desenvolvimento físico, mental, espiritual, emocional e social.
Tem-se, portanto, que quando a Constituição Federal de 1988, no caput do artigo 228, afirma que as pessoas menores de 18 (dezoito) anos são inimputáveis penalmente, está, na verdade, expressamente garantindo que toda pessoa menor de 18 (dezoito) anos terá um tratamento especial quando praticar atos penalmente contrários à lei.
Todavia, não se deve entender tais proteções especiais dadas aos adolescentes como um incentivo à violência, decorrente da sensação de impunidade pelas infrações cometidas por menores de 18 (dezoito) anos, pois na verdade o que está se garantindo constitucionalmente é que a liberdade desses jovens não será tolhida da mesma maneira que seria de um maior de 18 (dezoito) anos, e não que eles não terão nenhuma reprimenda pelas infrações que cometerem.
Sendo assim, tem-se que o artigo 228 da Constituição Federal de 1988 não visa impedir, por exemplo, que a legislação especial, notadamente o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, seja aplicado para reprimir infrações cometidas por menores de 18 (dezoito) anos, muito pelo contrario, a garantia que é trazida no artigo 228 da nossa atual Constituição Federal é a de que nem mesmo a legislação especial poderá, quando dispor de medidas repressivas, tratar o menor da mesma forma que um maior seria tratado, implicando a sua imputabilidade.
Note-se que o afirmado, nesse ponto, está claramente disposto na segunda parte do artigo 228, em que se percebe que o adolescente, apesar de inimputável penalmente, responde na forma prevista na legislação especial, aparecendo dessa forma como um direito individual, além de uma garantia social de responsabilização de adolescente, ocorrendo, assim, a responsabilização do menor, todavia, na forma disposta na legislação especial. Restando, dessa maneira, uma responsabilização especial, não penal, o que, sem dúvida, denota que essa garantia é um direito individual do adolescente e, portanto, inserido inegavelmente em uma cláusula pétrea, absolutamente impossível de sofrer reforma ou alteração mesmo por emenda constitucional que importe no seu extermínio ou restrição.
Destarte, da análise do referido artigo, conclui-se que o mesmo encerra uma garantia de não aplicação do Direito Penal, ou seja, uma liberdade negativa em face do Estado, assim como por exemplo, as cláusulas de não-aplicação de pena de morte ou de prisão perpétua, que são garantias de não-aplicação do Direito Penal máximo a todos. Sendo assim, conseqüentemente, pode-se afirmar que ambas são cláusulas pétreas, garantidas pelo artigo 60, da Constituição Federal.
Inegável, e extremamente importante para o presente estudo, é o fato de que o Poder Constituinte Originário quis evitar qualquer possibilidade de que o Estado pudesse vir a punir criminalmente os menores de 18 (dezoito) anos, deixando expressa a idade limite para a imputabilidade penal.
Observe-se, ainda, que o Poder Constituinte Originário poderia simplesmente ter deixado para a legislação especial definir a idade em que o jovem seria imputável penalmente, todavia assim não o fez, preferindo deixar esculpido no artigo 228 da Carta Maior de 1988 o seu entendimento de que somente a partir dos 18 (dezoito) anos é que ao jovem poderá ser imputada a prática de condutas criminosas.
Referida escolha se deve ao fato de que o Poder Constituinte Originário visou, ao menos no plano normativo, assegurar que as crianças e os adolescentes pudessem se desenvolver de maneira completa, saudável e digna, determinando ser dever do Estado e de toda sociedade priorizar e assegurar às crianças e aos adolescentes os mínimos direitos necessários ao seu desenvolvimento, como se pode ver no artigo 227, in verbis, da Constituição Federal de 1988.
Art. 227. É dever da família, sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida à saúde, à alimentação, à educação, ao laser, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Tem-se, dessa forma, a certeza do que foi afirmado acima, visto que a analise dos dispositivos constitucionais 227 e 228, fora feia de maneira sistemática, não os focando isoladamente, mas sim de forma a considerar o texto constitucional como um todo.
Desta feita, cabe ao intérprete, ao buscar o sentido e o alcance de uma determinada norma constitucional, confrontá-la com os outros dispositivos normativos da mesma espécie, não podendo se contentar, sob pena de obter uma interpretação equivocada, com a análise de somente um dispositivo isoladamente.
Alexandre de Morais destaca como uma das principais características dos direitos fundamentais o seu caráter de complementaridade, reforçando a importância, que acima se ressaltou, da interpretação dos dispositivos constitucionais em confronto com os demais dispostos no texto da Carta Maior de 1988. Vejamos referida lição:
h) complementaridade (os direitos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte). [07]
Remetemo-nos agora à importante fato ocorrido em 1996, quando o advogado Rolf Koerner Júnior, enquanto integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, obteve aprovação unânime de um parecer contrário à proposta de Emenda à Constituição 301/96, que objetivava alterar a redação ao artigo 228 da Constituição Federal, diminuindo a imputabilidade penal para 16 (dezesseis anos). Vejamos trecho do referido parecer, o qual atesta a tese defendida, da natureza pétrea do artigo 228 da Constituição Federal de 1988:
Apesar de a norma do art. 228, da Carta Magna, encontrar-se no Capítulo VII (Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso), do Título VIII (Da Ordem Social), não há como lhe negar, em contraposição às de seu art. 5º (Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, do Título, II, dos Direitos e Garantias Fundamentais), a natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Escreveu J.J. Gomes Canotilho que "os direitos de natureza análoga são os direitos que, embora não referidos no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico constitucional idêntico aos destes. Então, nesse aspecto, na regra do art. 228, da Constituição Federal, há embutida uma 'garantia pessoal de natureza análoga' , dispersa ao longo do referido diploma ou não contida no rol específico das garantias ou dos meios processuais adequados para a defesa dos direitos. [08]
O artigo 228 da Constituição Federal, ao estabelecer a idade mínima para a imputabilidade penal, assegura a todos os cidadãos menores de 18 (dezoito) anos uma posição jurídica subjetiva, qual seja, a condição de inimputável diante do sistema penal. Tal posição, por sua vez, gera um estado jurídico objetivo: o de ter a condição de inimputável respeitada pelo Estado.
Luiz Flávio Gomes defende a tese que aqui se busca também defender, ou seja, que o artigo 228 da Constituição Federal de 1988 é cláusula pétrea, sendo, por isso, impossível à alteração de tal dispositivo. Vejamos trecho do referido artigo:
Vale lembrar, que no tocante a menoridade penal, o ordenamento jurídico pátrio filiou-se ao sistema biológico (etário), que preconiza a análise, tão somente, da idade, não entendendo como relevante, a verificação da capacidade concreta do agente.
O grande cerne da questão se relaciona com a constitucionalização da inimputabilidade do menor de dezoito anos. A Constituição Federal, no seu artigo 228, recepcionando o comando da norma penal, determina da mesma forma, que os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis e sujeitos à legislação especial.
Muito se discute se, em razão dessa previsão constitucional a menoridade penal assumiu ou não status de cláusula pétrea. Segundo nosso ver, não há como negar que se trata de norma constitucional que compõe o conteúdo rígido da nossa Constituição Federal, tendo em vista o disposto nos artigos 5º, § 2º e 60, § 4º, ambos do aludido diploma.
Assim sendo, nem mesmo por meio de emenda constitucional é possível alterar a idade mínima da imputabilidade penal, haja vista que se apresenta como questão intrinsecamente vinculada à própria personalidade humana. [09]
Acompanhando o entendimento de Luiz Flávio Gomes, a Doutora em Direito Penal pela PUC/SP, Alice Biachini, também expressa sua importante e precisa opinião sobre o tema aqui abordado. Senão vejamos:
Conclusão: nem sequer por emenda constitucional é possível alterar-se a idade da imputabilidade penal, porque se trata de um direito individual fundamental relacionado com o desenvolvimento da personalidade humana [10].
Sendo assim, não restam dúvidas de que o artigo 228 da Constituição Federal de 1988 traz sim um direito individual fundamental, pelo que, se torna impossível a sua alteração, mesmo que por emenda constitucional, visto que se trata de um direito trazido e protegido por uma cláusula pétrea.