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A recepção ou não do inciso II, § 3º, do art. 138 do CP no crime de calúnia frente aos princípios da ampla defesa e da reserva legal

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Agenda 13/10/2011 às 10:02

CAPÍTULO III - Normativo legal. Crimes contra a Honra. Breve exposição acerca da calúnia.

3. Calúnia. Conceituação

O crime de calúnia vem expressado no Art. 138, CP, verbis: "Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime. Pena: Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa".

A conceituação legal sofreu algumas variações nas codificações anteriores, mas manteve sua base principal. O código de 1830, fiel ao Código Francês, esboçava legislação parecida com a atual. No seu artigo 229 asseverava que "Julgar-se-á crime de calúnia o atribuir falsamente a alguém um fato, que a lei tenha qualificado criminoso e em que tenha lugar a ação popular ou procedimento oficial de justiça".

Já o Código Penal de 1890 conceituava calúnia no seu artigo 315 como sendo "Falsa imputação feita a alguém de fato que a lei qualifica crime". Assim, a atribuição falsa de fato definido como crime, circunda o crime de calúnia. Saindo desse campo, crime de calúnia não há.

Para Damásio de Jesus [21]"calúnia é o fato de atribuir a outrem, falsamente, a prática de fato definido como crime (CP, art. 138, caput)". Assentando outros quesitos é que Cézar Bitencourt aduz que [22] "Calúnia é a imputação falsa a alguém de fato definido como crime. (...) A calúnia é, em outros termos, uma espécie de "difamação agravada" por imputar, falsamente, ao ofendido não apenas um fato desonroso, mas um fato definido como crime" pontificando, ainda, que:

São previstas duas figuras típicas: a) imputar falsamente (caput): tem o sentido de atribuir, acusar; b) propalar ou divulgar (§ 1º): é tornar público. Para que o fato imputado possa constituir calúnia, precisam estar presentes, simultaneamente, todos os requisitos do crime: a) imputação de fato determinado qualificado como crime; b) falsidade da imputação; c) elemento subjetivo – "animus caluniandi". A ausência de qualquer desses elementos impede que se possa falar em fato definido como crime de calúnia.

Assim, para que se concretize o crime de calúnia necessário, de antemão, que a afirmação constitua fato típico, antijurídico e culpável (não se adentrando ao mérito se a culpabilidade é pressuposto do crime ou da pena). Aliado a isso, a afirmação deve ser inverídica, com o Animus de efetuar a calúnia. Faltando qualquer desses requisitos, crime de calúnia não há. Nesse tocante seguem julgados [23].

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA. CALÚNIA PROFERIDA POR ADVOGADA CONTRA SERVIDOR PÚBLICO NO CURSO DE PROCESSO PREVIDENCIÁRIO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DESNECESSIDADE DE PROFUNDA ANÁLISE DA PROVA PARA SE CONSTATAR A INEXISTÊNCIA DE DOLO DA AGENTE. ANIMUS NARRANDI E/OU DEFENDENDI EVIDENCIADO. ATIPICIDADE DO ATO IMPUTADO À PACIENTE. FALTA DE JUSTA CAUSA À PERSECUÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.(...) 2. Se os fatos que deram azo ao processo-crime estão impregnados de animus narrandi e/ou defendendi e apresentam-se em total consonância com o relatado pelos clientes da paciente, tanto nas declarações que prestaram, quanto nos depoimentos de suas testemunhas perante a autoridade judicial, resta evidenciada a ausência de dolo por parte da advogada, que simplesmente agiu no exercício regular de seu direito, que era defender seus constituintes. (...) 4. Ordem concedida para trancar a ação penal.

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CALÚNIA CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO. AÇÃO PENAL. ÂNIMO DE NARRAR OS FATOS DE QUE SE TEM CONHECIMENTO. TIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE ANIMUS CALUNIANDI. DIREITO DEPETIÇÃO. FALTA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O paciente exerceu o legítimo e constitucional direito de petição, manifestando inconformismo perante o Chefe do Ministério Público no Estado de São Paulo quanto ao curso das investigações e providências judiciais tomadas na Comarca de São Carlos, sendo queos fatos descritos na denúncia são atípicos por falta do elemento subjetivo do tipo previsto no art. 138 do Código Penal, que consiste no ânimo de caluniar, e cuja verificação não demanda dilação probatória na hipótese dos autos [24].

3.1. O crime de calúnia e suas particularidades

Segundo a doutrina, se trata de crime comum, formal, comissivo, instantâneo e doloso. Em tese é admitida a tentativa, dependendo do meio utilizado, com por exemplo, o envio de carta.

Dessa forma, pratica o crime de calúnia aquele que imputa, falsamente, a outrem, fato definido como crime. Para que se perfectibilize o delito o fato deve estar conceituado no espaço e no tempo. Em outros termos: aquele que o pratica deve fazer referência descrevendo uma situação fática, concreta. Fugindo-se disso não estamos falando de calúnia e sim de mero insulto ou outro crime contra a honra.

Assim, nos dizeres de Nucci, para haver a incidência do Art. 138 do CP na situação concreta, é preciso que o agente descreva o fato [25]: "no dia tal, às tantas horas, na loja Z, o indivíduo emitiu um cheque sem provisão de fundos". A avalizar o assentado segue julgado:

HABEAS CORPUS. ADVOGADO DENUNCIADO POR CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. SUPOSTAS OFENSAS PROFERIDAS CONTRA MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES. PERSEGUIÇÃO ANTISSEMITA. ARTIGO 20 DA LEI Nº 7.716/89. DECLARAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA SUPOSTA CONDUTA CRIMINOSA ATRIBUÍDA AO SUJEITO PASSIVO. FALTA DE JUSTA CAUSA.

1. O crime de perseguição antissemita encontra-se tipificado no artigo 20 da Lei nº 7.716/89, cuja conduta consiste em "praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". 2. Todavia, não se depreende das declarações atribuídas ao paciente a necessária individualização da suposta conduta criminosa imputada ao sujeito passivo, circunstância que impede a caracterização do crime de calúnia, para o qual se exige a falsa imputação de fato determinado, concreto e previsto no ordenamento jurídico como crime [26]

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Cumpre não descurar que a calúnia assenta-se na honra objetiva do ofendido, bastando que outrem tenha conhecimento do fato endereçado à vítima para que o delito em tela seja consumado. Pressupõe-se o dano ao bem tutelado. O elemento normativo do tipo está contido no termo falsamente. Assim, não basta a imputação de fato definido como crime, exige-se que este seja falso e que o caluniador tenha conhecimento de tal falsidade.

Tal crime só admite a forma dolosa, mesmo porque o ofensor tem de saber ser falsa a imputação dirigida ao ofendido, ou seja, comete o crime assumindo o risco de vir a ser processado por isso.

Por outro lado, exigindo-se a lei que o fato seja crime, a imputação de fato definido como contravenção poderá configurar o crime de difamação, mas não configurará delito de calúnia.

Também não constitui crime de calúnia a imputação de fato atípico e a imputação de fato verdadeiro. Este último item constitui verdade relativa, caso os fatos imputados se referirem àquelas pessoas elencadas no Art. 141, inciso I do Código Penal.

Da mesma forma, para a doutrina, apesar do legislador se referir a querelante nos crimes contra a honra, é patente a possibilidade de sua aplicação quando o processo por crime contra este bem tutelado iniciar-se mediante denúncia e não queixa.

Nesse sentido é a doutrina de Espínola Filho para quem [27] "A despeito de usada, no artigo, a expressão – querelante -, a regra não poderá ser afastada, se a ação penal tiver sido promovida por denúncia".

A título complementar, Guilherme Nucci pondera que o termo querelante deve ser entendido [28]

como a vítima do crime contra a honra. Nem sempre, no entanto, o crime contra a honra terá, no pólo ativo, o ofendido. Pode ocorrer de o Ministério Público assumir a titularidade da causa, nos casos em que haja representação da vítima, funcionário público ofendido no exercício de suas funções (art. 145, parágrafo único, do Código Penal).


CAPÍTULO IVExceção da Verdade.

4. Anotações acerca da "Exceção da verdade". Noção histórica.

A "exceção da verdade" não é novidade no ordenamento jurídico, tendo resquícios quando o próprio direito punitivo engatinhava. Reprisando a doutrina do genitor do direito penal brasileiro, pode se afirmar que a condição de falsidade e o seu corolário lógico da "exceção da verdade" são, na espécie, conceitos que remontam à legislação bastante distante. Nos dizeres de Hungria [29]:

Na Idade Média, prevaleceu, de modo geral, a mesma regra, enquanto não foi impugnada pelo direito canônico. Proclamava a Igreja princípio diametralmente oposto: veritas convicii non excusat. Não podia a doutrina cristã da tolerância e do perdão admitir que alguém ficasse sujeito à livre censura de outrem, ainda que por faltas realmente cometidas. (...).

Na precisa contribuição de Cézar Roberto Bitencourt [30], "a exceção da verdade significa a possibilidade que tem o sujeito ativo de poder provar a veracidade do fato imputado (arts. 138, § 3º, do CP), através de procedimento especial (art. 523 do CPP)".

De forma resumida, Damásio discorre que [31] "Exceção da verdade é a prova da veracidade do fato imputado. (...) para existir calúnia, é necessário que seja falsa a imputação. Logo, quando verdadeira, inexiste delito". Sentenciando que (grifamos) "provando o sujeito que está sendo processado por calúnia, que a imputação era verdadeira, isto é, que o ofendido realmente praticou o fato definido como crime, deve ser absolvido por ausência de tipicidade".

Assim a "exceção da verdade" é instrumento posto à disposição da parte ré para que a esta tenha a possibilidade de demonstrar a veracidade de sua afirmação. Fazendo-o, exime-se do crime de calúnia, haja vista faltar a elementar "falsamente", requisito básico para a configuração do crime em comento. Nesse tocante segue ilustrativo julgado [32].

EXCEÇÃO DA VERDADE. CRIME DE CALUNIA. CODIGO PENAL, ART. 138, C/C 141, II, E ART. 138, PARAGRAFO 3. i - Os acusados, ora excipientes, no mês de março de 1990, com base no art. 91, vii, da constituição do estado de minas gerais, ofereceram perante a assembléia legislativa, denuncia contra o excepto, imputando-lhe a pratica dos crimes de responsabilidade definidos no art. 9., inciso vii, e art. 74 da lei n. 1.079, de 10.04.50. Afirmaram que a declaração de bens do governador, apresentada em 1989, em obediência ao disposto no art. 9. Das disposições transitórias da constituição estadual, não conferia com aquela apresentada em 1986, por exigência da lei eleitoral, concluindo, assim, que o então governador em sua ultima declaração de bens, sonegara alguns deles. ii - No bojo desta exceção, todavia, os excipientes provaram as afirmações que fizeram contra o então governador, ou seja que ainda detinha a propriedade de alguns bens imóveis que não fez constar de sua declaração de bens, em 1989, sendo irrelevante, para o seu acolhimento, saber se o excepto agiu com dolo ou erro. iii - Exceção da verdade que se julga procedente.

A "exceção da verdade" é elemento de defesa. A parte ré nos crimes contra a honra, como matéria de defesa reprisa aquilo que anteriormente afirmara, escrevera, proclamara etc. Conforme expressado alhures, nada nega, nada desdiz; ao revés, prossegue na sua empreitada inicial. Apenas insiste que seus atos iniciais são verdadeiros e por isso não cometeu crime algum.

Nesse sentido segue julgamento do Superior Tribunal de Justiça [33]

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. EXCEÇÃO DA VERDADE.

"A exceção da verdade não constitui ação, mas meio de defesa. Inadmiti-la, no caso, implicaria cercear o direito de defesa do excipiente, com ofensa à garantia constitucional da ampla defesa (Constituição, artigo 5º, LV)" (EXVERD nº 09/DF, Corte Especial, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU de 26/06/1992). Ordem denegada.

Nesse ato há uma mescla de defesa e acusação. Defesa quanto ao fato de jamais ter cometido crime contra a honra (calúnia); acusação na medida em que insiste e busca provar que aquele que lhe move a ação cometeu determinado crime.

Na decisão judicial, sendo processada a exceção, impõe-se ao magistrado decidir sobre esta. Se sentenciar com juízo de procedência da exceção, estará absolvendo o réu do delito contra a honra, mercê o que dispõe o art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, haja vista que seu ato não tipificou o crime.

Conforme doutrina José Frederico Marques [34] "A exceção da verdade é meio e modo de defender-se o réu em crime de calúnia ou difamação. Trata-se de uma exceptio, porquanto o réu admite a existência do fato constitutivo da imputação, mas invoca circunstância que impede tal fato de enquadrar-se em descrição legal de figura típica".

Nesse caso, o réu aceita e admite que tenha atribuído a prática de crime ao querelante. A autoria do fato não se discute. Nesse particular, segue importante julgamento do STJ [35]:

RESP - PENAL - PROCESSUAL PENAL - "EXCEPTIO VERITATIS" - NEGATIVA DE AUTORIA - A "exceptio veritatis" é o instituto jurídico pelo qual o réu de ação penal, acusado de prática de calúnia, poderá comprovar a veracidade da imputação. Incompatível com a tese de negativa de autoria.

Assim, na "exceção da verdade" em crime de calúnia, o réu, ao defender-se, reconhece a prática da ação mencionada na parte nuclear do tipo, qual seja, imputar a alguém fato definido como crime; porém, nega uma circunstância constitutiva do tipo, que é a de imputar o crime falsamente. Por ser verdadeira a imputação de crime, não existe o fato típico que a lei qualifica como calúnia. Na realidade, o instrumento visa a dar ao excipiente a possibilidade de provar a veracidade do fato tido por criminoso, afastando a ação penal contra ele aduzida.

Conclui-se dessa forma, que, sendo a "exceção da verdade" essencialmente meio de defesa e, sendo sua garantia cerceada, há ofensa direta ao princípio constitucional da Ampla Defesa. Ao excipiente (réu no processo de crime de calúnia) deve-se garantir o direito de provar qualquer circunstância excludente da responsabilidade criminal. Não admitir a "exceção da verdade" implica cerceamento de defesa, pois estaria impedindo-se ao réu o uso de todos os meios possíveis de resistência processual.

A bem da verdade, a exceção sequer excluiu a tipicidade, ilicitude e antijuricidade, visto que somente se pode excluir aquilo que chegou a existir. Se falta a elementar "falsamente" falta também tipicidade, ilicitude e antijuridicidade.

Desse modo, se caluniar é imputar a outrem falsamente o cometimento de crime e, se a imputação não é falsa, mas verdadeira, desaparece um elemento do tipo, que é a falsidade da alegação. Contudo, tal não se aplica se uma das pessoas envolvidas no fato criminoso for daquelas elencadas no Art. 141, inciso I do Código Penal.

Nesse caso, a parte que diz que fulano (Presidente da República, ou Chefe de Governo Estrangeiro) cometeu desvio de valores, por exemplo, não pode se valer da "exceção da verdade" para provar que tal fato aconteceu, caso venha a ser processado por tal afirmação.

Assim, não obstante a lógica de tal ferramenta, conforme assentado do normativo do Art. 138 § 3º, em comunhão com o Art. 141, I do mesmo estatuto, estando o réu respondendo pelo crime de calúnia, não poderá valer-se da exceção da verdade quando, supostamente, o crime tenha sido praticado pelo Presidente da República, ou por Chefe de Governo Estrangeiro.

Segundo Bitencourt [36], estender-se-ia o mesmo tratamento ao chefe de governo estrangeiro, abrangendo não apenas o chefe de Estado, mas também o chefe de governo (primeiro ministro, presidente de conselho, presidente de governo etc.). Em complemento, a lição de Nelson Hungria para quem [37] "Em pé de igualdade com o presidente da Republica, para ficar a coberto da exceptio veritatis é colocado o chefe de governo estrangeiro. Esta expressão abrange não só o soberano ou chefe de Estado, mas também o "primeiro ministro" ou "presidente de conselho", pois também este é chefe de governo". Aqui, salvo melhor juízo, os doutrinadores buscam a aplicação da analogia em matéria penal, motivo pelo qual esta ampliação não deve ser agasalhada.

Assim, fere-se de morte o princípio da Ampla Defesa, pois, não poderá assegurar-se ao réu (no suposto crime de calúnia) todos os meios postos a sua disposição. Também o princípio da Reserva Legal resta maculado, pois se estaria punindo suposto caluniador, não obstante tenha afirmado fato verdadeiro.

4.1. Calúnia de fato verdadeiro. Presunção de falsidade. Uma esdrúxula concepção penal.

De posse das informações discriminadas nos capítulos anteriores, seria de todo imperioso concluir: se da afirmação feita pelo réu no crime de calúnia se extrai uma verdade (que se amolda ao mundo dos fatos), impossível a existência da prática de calúnia. Contudo, tal não procede.

Para Magalhães Noronha (assim como para a maioria da doutrina que discorre sobre o tema) hipóteses há em que a calúnia dispensa a falsidade. Tal se sucede quando não se admite a prova da verdade, como ocorrem nos casos do § 3º do art. 138 do CP, ponderando que [38] "força é convir, então, que a imputação verdadeira constituirá o crime", chegando Nelson Hungria a afirmar que [39] "tem-se de reconhecer que a calúnia é a simples imputação de fato definido como crime, pouco importando se falsa ou verdadeira".

A trazer luz ao tema, o entendimento de Bitencourt, para quem admitir como caluniosa a imputação da autoria de fato verdadeiro (que se encontre definido como crime), afora afrontar a razoabilidade, acaba por ignorar o princípio da Reserva Legal, criando a figura de "calúnia de fato verdadeiro".

De forma ousada pondera que [40] "Assim, o "crime" estaria não na ação "caluniar imputando falsamente", mas na ousadia de indicar quem foi, verdadeiramente, o autor do crime, configurando a mais absurda heresia jurídico penal!", arrematando que ""crime" não seria mais a ação típica, antijurídica e culpável, mas ousar apontar o verdadeiro autor de um crime, se este for o presidente da República ou chefe de governo estrangeiro. Com o devido respeito, isso é autêntica responsabilidade penal objetiva e, o que é pior, por fato não definido como crime".

Total razão ao doutrinador Gaúcho. Criou o legislador uma figura que, fulcrada unicamente em critérios políticos, haja vista buscar dar maior proteção a determinadas pessoas públicas, acaba por sentenciar como culpado alguém que disse a verdade. Reprisando Bitencourt, pune-se quem "ousou apontar o verdadeiro autor de um crime".

Assim, forçoso é questionar se de fato houve recepção ou não do inciso II, parágrafo 3º do Art. 138 do Código Penal no crime de calúnia, frente aos princípios da Ampla Defesa e da Reserva Legal.

4.2. Teoria da recepção das normas infraconstitucionais

Após o surgimento de uma nova Constituição surgem questões pertinentes no que toca às leis infraconstitucionais anteriores, sendo necessário reanalisar qual seu novo alcance. De outro modo, uma análise em especial deverá ser feita: averiguar se a norma anterior se amolda à Carta vindoura. Nesse tocante, deve-se ponderar se houve ou não a sua recepção.

As normas infraconstitucionais que forem compatíveis com a nova Constituição serão recepcionadas; aquelas que apresentem incompatibilidade serão revogadas, não sendo recepcionadas. Vale lembrar que a Constituição nova não guarda qualquer atrelamento com o ordenamento infraconstitucional anterior.

Assim, a incompatibilidade superveniente de atos legislativos, em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhes sejam hierarquicamente inferiores. Nos dizeres de Kelsen [41] "as normas legais ou infraconstitucionais devem se adequar às regras e princípios constitucionais, sendo com estes compatíveis, pois do contrário lhes faltará validade e legitimidade jurídica. É o chamado princípio da supremacia constitucional".

Sobre o autor
Leandro Brescovit

Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESCOVIT, Leandro. A recepção ou não do inciso II, § 3º, do art. 138 do CP no crime de calúnia frente aos princípios da ampla defesa e da reserva legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3025, 13 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20215. Acesso em: 18 nov. 2024.

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