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A importância das serventias extrajudicias no processo de desjudicialização

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Agenda 17/10/2011 às 15:10

4. ATRIBUIÇÕES QUE PODERÃO SER TRANSFERIDAS PARA A ESFERA EXTRAJUDICIAL

Este capítulo tem por escopo analisar os seguintes institutos: de separação, divórcio, partilha e inventário extrajudiciais, quando houver interesse de incapazes; da usucapião extrajudicial, em todas as suas modalidades; do procedimento de dúvida pela via administrativa, e o da arbitragem realizada pelos Tabeliães de Notas. Seguindo uma tendência irreversível, estes institutos serão provavelmente destinados às Serventias Notariais e Registrais em um futuro próximo, uma vez que esses serviços conferem, tanto quanto, ou até mesmo mais segurança e eficácia do que os morosos procedimentos judiciais.

4.1. SEPARAÇÂO, DIVÓRCIO, PARTILHA, E INVENTÁRIO QUANDO HOUVER INTERESSE DE MENORES OU QUANDO HOUVER TESTAMENTO

Pode-se afirmar que o processo de desjudicialização segue uma tendência no sentido de se admitir a administração de separações, divórcios, partilhas e inventários pelos Cartórios sem as restrições impostas pela Lei 11.441/07.

Quanto aos inventários, por que se obstar a atuação do notário na abertura da sucessão quando houver testamento? Configura esta proibição um verdadeiro contra senso, posto que, a existência de uma disposição de última vontade vem facilitar o trabalho deste profissional, que dotado de fé pública, se responsabilizará pelo fiel cumprimento do desejo do testador. Ademais, deve-se considerar que, se o ato testamentário pode ser livremente lavrado pelo notário, sem qualquer interferência judicial, não há razão para se impedir que o mesmo profissional que o lavrou possa abrir a sucessão administrativamente. Em entrevista ao Jornal do Notário, Cláudia Stein Vieira, responde à pergunta se ela concorda com a vedação de se realizar inventário extrajudicial quando existe testamento,

Não, de forma alguma. Penso que se o testamento é feito perante o Tabelião, ninguém melhor que ele para verificar se formalmente o testamento atende todos os requisitos. Havendo maiores e capazes, eles próprios é que vão deliberar acerca da concordância no cumprimento daquele testamento. Inexiste razão que justifique esta vedação. Sou totalmente a favor [62].

Considerando os interesses de incapazes nestes procedimentos, também não há óbice à atuação do notário. O Ministério Público poderá ser ouvido antes que se lavre qualquer ato notarial, conferindo-se assim a plena garantia de proteção a esses interesses, sem que o Poder Judiciário precise ser acionado.

Neste sentido entende Francisco Eduardo Loureiro, desembargador do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo (TJ-SP)

[...] Talvez o próximo passo seja autorizar as separações em que há interesse de incapaz, desde que haja consenso e com a participação do promotor de justiça. Se não há briga, não há litígio, não há porque o juiz ser obrigado a dar uma sentença, pode ser uma solução adequada [63].

Ainda, nesta linha, discorre Clilton Guimarães dos Santos, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, que admite até mesmo a dispensa da atuação do parquet:

Os notários poderiam incorporar outras atribuições no processo de desjudicialização, com a finalidade de desafogar o Judiciário, a exemplo das escrituras de separações e divórcios consensuais quando o casal possuir filhos menores, com uma ratificação final ou participação do Ministério Público, malgrado em termos técnicos se deva pensar até na dispensabilidade disso. O acordo celebrado partiria de pais no exercício amplo e conjunto do poder familiar, podendo dar como solução mais adequada, em princípio, a guarda ou alimentos [64].

Como exposto, não há qualquer óbice em se proceder às separações, divórcios, partilhas e inventários extrajudicialmente, sendo, por conseguinte, desnecessárias as restrições impostas pela Lei 11.441/07.

4.2. TODAS AS MODALIDADES DE USUCAPIÃO

O ordenamento jurídico pátrio prevê várias formas de usucapião. A usucapião de imóveis urbanos e de imóveis rurais é tratada pela Constituição Federal nos arts. 183 e 191.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua morada ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 191. Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua morada, adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. [65]

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A Lei 10.257 /01, Estatuto da Cidade, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana, estabelece a usucapião especial de imóveis urbanos, no caso das áreas com perímetro acima de 250m², ocupadas por população de baixa renda. Dispõe o art. 10 que:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados), ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel, urbano ou rural. [66]

O Código Civil de 2.002, por sua vez, estabelece as diretrizes da usucapião extraordinária e da usucapião ordinária.

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possui por dez anos [67].

Dentre as modalidades apresentadas, somente a usucapião prevista no art. 183 da Carta Magna foi objeto de desjudicialização, nos termos da Lei 11.977/09, como já exposto anteriormente.

Entretanto, a usucapião administrativa, em todas as suas modalidades, deverá se tornar, dentre em breve, uma realidade no ordenamento jurídico pátrio. O precedente introduzido pela Lei 11.977/07, que determina que a regularização fundiária de áreas urbanas se processe nos Cartórios Extrajudiciais, demonstra a grande conveniência de se realizar o procedimento da usucapião administrativamente.

As vantagens deste procedimento têm como fundamento os seguintes pontos. Em primeiro lugar, os requisitos legais para o processo judicial da usucapião são passíveis de demonstração pela via documental, constituindo-se, assim, prova meramente objetiva. Além disso, a demonstração da situação fática que consolida a posse também é feita de forma objetiva, ou seja, torna-se fácil a verificação da existência ou inexistência de posse ad usucapionem [68]. Pelo exposto, conclui-se então, que a usucapião é um instituto que não requer grandes indagações jurídicas, podendo, por isso, a propriedade ser declarada fora da esfera judicial.

Além das vantagens flagrantes, já demonstradas pelo procedimento previsto na Lei 11.977/07, a usucapião extrajudicial para todas as áreas, inclusive as rurais, representará significativo avanço no que concerne a promoção da função social da propriedade, que impõe ao proprietário o dever de utilizar a propriedade de acordo com o interesse da coletividade. Ora, se o proprietário de um imóvel não dá a destinação correta à sua propriedade no tocante à sua função social, abandonando-a ou utilizando-a de forma inadequada, nada mais justo que se disponibilize ao possuidor legítimo desta área um meio eficaz e rápido de ter reconhecido o seu direito de propriedade sobre o bem. Como argumenta Marcos Alcino de Azevedo Torres, "a posse qualificada pela função social deverá prevalecer sobre a propriedade sem função social [69]".

Melhim Namem Chalhub defende que:

De fato, a ação de usucapião, meio judicial clássico de processamento da aquisição da propriedade pelo uso, não chega a cumprir plenamente sua função com a simplicidade e celeridade reclamadas pelas características e pela dinâmica da sociedade contemporânea, notadamente na zona urbana [70].

Desta forma, faz-se necessário que a legislação evolua no sentido de contribuir para tornar efetiva a natureza social da posse, e a função dos cartórios extrajudiciais, nessa empreitada, é de grande valia para conferir celeridade e segurança jurídica ao procedimento.

4.3. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA PELA VIA ADMINISTRATIVA

A dúvida constitui um procedimento típico da legislação pertinente aos Registros Públicos [71]. O Oficial da Serventia Registral, e também o Tabelião de Protesto, têm o poder-dever de recusar o registro de um título que não atenda às formalidades legais, devendo esta recusa ser feita por escrito e fundamentadamente. O interessado, então, inconformado com as exigências formuladas, pode questionar a negativa do Registrador em proceder ao ato, mediante requerimento escrito, através do qual pedirá ao Titular que suscite a dúvida e a encaminhe ao Poder Judiciário, para apreciação quanto aos óbices apostos.

Como afirmado, este inconformismo será apreciado pelo Poder Judiciário, o que significa dizer, que na grande maioria das vezes, representa lentidão para a deliberação sobre tais recursos. Prevê o art. 198 da Lei 6.015/73 que:

Art. 198. Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte: [...] [72]

Pela atual legislação, a celeridade dos atos processados nas Serventias Extrajudiciais fica flagrantemente comprometida. O Oficial do Registro de Imóveis tem o prazo legal de quinze dias para examinar o título [73], e mais quinze dias para proceder ao ato, o que soma um lapso temporal de não mais que trinta dias. Se, ao fim do primeiro prazo, o registrador elaborar qualquer exigência que entenda cabível, o interessado poderá requerer a suscitação de dúvida quanto às exigências feitas pelo Cartório. Porém, a tramitação do procedimento de dúvida no Poder Judiciário mostra-se extremamente morosa, podendo levar, em média, dois anos para chegar a uma decisão final.

A desjudicialização desta etapa dos procedimentos registrais, visando reduzir ao mínimo o tempo de incerteza jurídica, seria de grande valia para a realização do fim a que se propõem as atividades extrajudiciais: simplicidade e celeridade para as questões não contenciosas. A judicialização da dúvida representa verdadeiro contra senso no que tange a desburocratização das relações imobiliárias ou de crédito. Basta imaginar que a parte opte por fazer um contrato de alienação fiduciária, justamente pela simplicidade e celeridade deste procedimento em face da hipoteca. Apresentado o título para qualificação, o Registrador elabora exigência com a qual o interessado não se conforma. Pois bem, este usuário, que optou por este meio extrajudicial de garantia, justamente pelas vantagens da celeridade e simplicidade, terá que se submeter ao procedimento judicial para ter seu recurso apreciado, o que retardará a consecução do ato.

Uma alternativa para este entrave na realização dos atos no Registro de Imóveis e no Tabelionato de Protestos seria a criação de um Tribunal Registral, formado por uma comissão de registradores e tabeliães, ao qual os interessados em impugnar as exigência feitas pelos Titulares de Cartório pudessem apresentar suas dúvidas. Esse Tribunal teria a única função de analisar o cabimento ou não de tais exigências, o que permitiria que todo o procedimento fosse realizado em prazo exíguo, pondo fim, de uma vez por todas, às delongas que geram insegurança à parte. Tal providência, certamente, além de agilizar o trâmite do procedimento de dúvida, desafogaria também os juízes, que, assoberbados de processos, não conseguem dar uma resposta rápida às dúvidas suscitadas pelos usuários dos Cartórios.

Neste sentido, discorre Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza:

Entre as tendências e características dos modernos sistemas registrais, insere-se um sistema rápido e eficaz de recursos contra as decisões do registrador. As exigências do mercado, e por que não dizer, da vida moderna, não comportam lentidão na apreciação dos recursos em face das decisões denegatórias de registro [74].

Em países como Espanha, Peru e Portugal, o procedimento da dúvida pode ser levado à esfera administrativa, antes de qualquer questionamento judicial [75]. Esta medida é de grande valia, posto que reduz o tempo da incerteza jurídica criada pela denegatória do Oficial. Ademais, não há qualquer violação ao acesso ao Judiciário, pois este não ficará vedado ao interessado, que tem a esfera administrativa como uma etapa a ser cumprida antes que se chegue à via judicial. Vale ressaltar que, nesta etapa administrativa, a maioria das questões é resolvida pelos profissionais adequados, ou seja, os próprios registradores que integrarem o órgão julgador decidirão quanto ao cabimento ou não das exigências feitas no Cartório.

4.4. ARBITRAGEM REALIZADA PELOS TABELIÃES DE NOTAS

A Lei 9.307/96 [76] insere a arbitragem no já referido contexto de evolução legislativa que vem criando mecanismos simples e céleres de solução de conflitos de interesses, através da desjudicialização das causas de jurisdição voluntária e contenciosa. Reza o art. 1º da lei mencionada que "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis [77]".

Na arbitragem, o Estado permite que um litígio seja dirimido por um terceiro, conferindo à decisão proferida por ele a autoridade de sentença judicial quanto aos seus efeitos, conforme previsto no art. 31 da referida lei.

Art.31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo [78].

Segundo J.E. Carreira Alvim [79]:

O Estado, em vez de interferir diretamente nos conflitos de interesses, solucionando-os com a força da sua autoridade, permite que uma terceira pessoa o faça, segundo determinado procedimento e observado um mínimo de regras legais, mediante uma decisão com autoridade idêntica à de uma sentença judicial. É o denominado sistema de arbitragem, que, a grosso modo, nada mais é do que a resolução do litígio por meio de árbitros, com a mesma eficácia da sentença judicial.

Trata-se de um instituto de grande utilidade, que ajudaria a desafogar o Poder Judiciário não fosse tão pouco utilizado no Brasil. Embora a Lei 9.307/96 tenha estruturado bem as bases da arbitragem, os Tribunais Arbitrais não se organizaram adequadamente de forma a conquistar a confiança da população, que, talvez, por desinformação, ainda prefere recorrer ao Estado-Juiz.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº5243/2009, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, que visa normatizar a competência de todos os delegatários de funções públicas, o que inclui os Cartórios de Notas, para arbitrar questões de jurisdição voluntária que não envolvam interesse de incapazes. O mencionado projeto de lei busca incentivar ainda mais a utilização da arbitragem como meio alternativo aos que buscam soluções para seus litígios. A proposta de alteração do art. 13 da lei 9.307/96 [80] visa fazer constar expressamente que titulares de delegação do Poder Público possam também ser designados como árbitros. Assim, o Tabelião de Notas poderia atuar na composição de conflitos envolvendo indenização por danos. Ou, ainda, o Tabelião de Protestos atuaria na solução de questões referentes a créditos e débitos. O fato é que os titulares de delegação, nos termos da Lei 8.935/94, são profissionais do Direito, dotados de fé pública, capazes, portanto, de auxiliar as partes a dirimir seus conflitos na esfera extrajudicial.

Segundo Rogério Portugal Bacellar, presidente da ANOREG-BR: "A idéia é usar a capilaridade dos Serviços Notariais e de Registro Civil e treinar os notários e registradores para que possam fazer a arbitragem. O objetivo é criar um mecanismo para desafogar os Juizados Especiais [81]".

Se aprovado definitivamente o Projeto de Lei nº 5243/2009, a arbitragem, indubitavelmente, passará a ostentar outro status no cenário jurídico brasileiro. Tabeliães e notários são profissionais do direito, dotados de fé pública, que já gozam de grande credibilidade em meio à população, credibilidade esta que será transferida para a atividade arbitral. A transferência dessa atribuição para os Cartórios, certamente incentivará o uso da arbitragem como meio alternativo de solução de litígios e auxiliará no processo de desjudicialização brasileiro.

Como demonstrado, neste capítulo, a desjudicialização dos institutos acima mencionados representa uma saída para a crise atual que enfrenta o Poder Judiciário. Conferir tais atribuições aos titulares dos Cartórios Extrajudiciais é uma alternativa salutar e segura que propiciará uma maior efetivação dos direitos dos cidadãos.

Sobre a autora
Lígia Arlé Ribeiro de Souza

Substituta do 2º Ofício de Teresópolis - RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Lígia Arlé Ribeiro. A importância das serventias extrajudicias no processo de desjudicialização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3029, 17 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20242. Acesso em: 23 nov. 2024.

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