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Trabalho prisional: da previsão legal à realidade carcerária brasileira

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Agenda 28/11/2011 às 07:17

Além dos benefícios que estão previstos na legislação como remição, progressão de regime e outros, a maior importância do trabalho, está na reconquista da auto-estima, da ocupação do tempo e da capacitação que muito ajuda no momento da liberdade.

Resumo: O estudo procura abordar a regulamentação do trabalho dentro da prisão a partir das regras da Organização das Nações Unidas e da Lei de Execução Penal. São apresentadas as dificuldades enfrentadas na realidade do Sistema Prisional, como a superlotação, a falta de interesse das empresas na mão-de-obra carcerária, a exploração do trabalho dos presos e a falta de investimentos e fiscalização por parte do governo. Aborda-se também a importância do trabalho na vida dos apenados, meio de ocupar o tempo, de aprender um ofício, formar a personalidade, manter o equilíbrio psicológico, como também, meio de adquirir os benefícios previstos na lei, tais como a remição, o livramento condicional e a progressão de regime. Conclui-se que o trabalho dentro da prisão traz benefícios aos apenados, porém é necessário que as determinações legais sejam aplicadas e que o preso tenha acesso a alimentação, higiene, saúde, educação e ambientes salubres que incentivem a mudança de vida, pois somente o oferecimento de trabalho não fará que, ao final da pena, os apenados estejam aptos a voltar à sociedade. O método utilizado para a realização da pesquisa é o dedutivo.

Palavras-chave: Sistema Prisional; Trabalho; Legislação.


INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objeto o estudo do Trabalho Prisional a partir da análise das Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos da ONU (Organização das Nações Unidas) e da LEP - Lei de Execução Penal Brasileira (Lei 7.210/84). Objetiva-se investigar a realidade Carcerária Brasileira a fim de verificar o grau de aplicabilidade da Legislação vigente no que diz respeito ao Trabalho.

Impulsionaram a pesquisa os seguintes problemas:

Para tanto, serão estudadas as disposições legais sobre o trabalho na prisão, com uma abordagem ampla às normas da ONU e ao Capítulo III da LEP.

Em seguida será analisada a realidade do trabalho no Sistema Prisional Brasileiro, suas principais dificuldades e as oportunidades de trabalhos oferecidos aos apenados.

Finalmente, será abordado o papel do trabalho na vida dos presos, especialmente na questão da remição, ressocialização e não reincidência no crime.


1. DISPOSIÇÕES LEGAIS SOBRE O TRABALHO NA PRISÃO

O Trabalho no início dos tempos era considerado um castigo, o próprio significado da palavra Trabalho, do latim tripalium, indica suplício, tortura, sofrimento, condição inferior1. Entretanto no desenvolver da história da humanidade a idéia de Trabalho deixou de ser aquela em que trabalhar é algo para os não livres e passou a ser motivo de enobrecimento, uma atividade humana importante, passando a ser na atualidade uma questão de status social.

O Trabalho é um direito social dos apenados conforme artigo sexto da Constituição da República Federativa do Brasil.2 Para Rosa3 “embora o recluso seja um trabalhador de uma espécie peculiar – pois o Trabalho que executa é conseqüência de sua pena - a tendência é colocá-lo em igualdade de condições com o trabalhador livre, no que se refere à aplicação das leis sociais.”

Na prisão o Trabalho, não tem viés de castigo, é um direito que os possibilitará de serem úteis, não ficando na ociosidade e desenvolvendo habilidades que poderão ser úteis no momento da liberdade.

1.1. Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos (ONU)

Desde muito tempo as Organizações Internacionais, em especial a ONU, têm grande preocupação pela proteção e defesa dos Direitos Humanos e não é diferente quando esses humanos estão cumprindo alguma pena.

Podem-se destacar as várias Declarações e Tratados que versam sobre os direitos fundamentais do ser humano, no entanto ater-se-á aqui às “Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos”4 adotadas pelo Primeiro Congresso da Organização das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através da sua resolução 663 C (XXIV) de 31 de Julho de 1957 e pelo Conselho Econômico e Social através da resolução 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977.

Essas Regras Mínimas existem como parâmetro para a definição das leis nacionais a todos os Estados que são signatários da ONU.

A partir da Regra de número 71 até a 76 encontram-se várias disposições que buscam garantir aos apenados condições dignas de Trabalho dentro da prisão, como a proibição de trabalhos penosos, a adequação do Trabalho às aptidões físicas e mentais do condenado e Trabalho de natureza útil.

De acordo com a Regra 71-4, o “Trabalho proporcionado será de natureza que mantenha ou aumente as capacidades dos presos para ganharem honestamente a vida depois de libertados.” Complementa-se tal disposição com a Regra 72-1: “a organização e os métodos de Trabalho penitenciário deverão se assemelhar o mais possível aos que se aplicam a um Trabalho similar fora do estabelecimento prisional, a fim de que os presos sejam preparados para as condições normais de Trabalho livre”.

A proteção, segurança e saúde garantidas aos trabalhadores livres são também asseguradas aos que trabalham em estabelecimentos penitenciários, os quais devem indenizar os presos que porventura sofram algum acidente de Trabalho - é o que reza a Regra 74.

Já as regras 75 e 76 dispõem que as horas de Trabalho dos presos devem ser fixadas em lei e que estes têm direito ao dia de descanso e a tempo livre para a educação e outras atividades. O Trabalho deverá ser remunerado de uma maneira equitativa, sendo permitido que os reclusos utilizem parte da remuneração para adquirir objetos de uso pessoal ou que enviem à sua família; a administração da penitenciária deverá ainda constituir um fundo que será entregue ao preso quando ele for posto em liberdade.

A partir destas regras chamadas de mínimas, passar-se-á a analisar o que a Lei de Execução Penal Brasileira estabelece a respeito do Trabalho na prisão.

1.2. Lei de Execução Penal

No dia 11 de julho de 1984 foi promulgada a Lei 7.210, a conhecida LEP – Lei de Execução Penal, trazendo uma visão mais humana no que se refere ao Tratamento dos presos e ao seu processo de reabilitação. Observa-se que foi feita segundo as orientações da ONU, visando garantir aos apenados o tratamento baseado na dignidade da pessoa humana. Delmanto Júnior5 ressalta que a LEP foi: “elaborada por juristas do mais alto nível, sobretudo humanístico, com sensibilidade e crença no potencial de recuperação do ser humano, desde que tratado com dignidade no cárcere.”

Encontram-se no Capítulo Terceiro da LEP as disposições relacionadas ao Trabalho no Sistema Prisional Brasileiro, que destaca o Trabalho como um dever social e uma condição da dignidade humana e que deverá ter finalidade educativa e produtiva. De acordo com o artigo 28, in verbis: “O Trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.”

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Mais do que um dever, o Trabalho dentro da prisão é um direito do apenado, pois “através do Trabalho preencherá o vazio dos seus dias (...), fortalecerá seu caráter e sua personalidade, aprenderá algo, (...) mostrar-se-á útil perante si mesmo, seus colegas, a sociedade e sua família.”6

O Estado tem o direito de exigir que o preso trabalhe oferecendo condições dignas, e criando o hábito do Trabalho, que pode contribuir de várias formas, conforme leciona Arús7:

Do ponto de vista disciplinar, evita os efeitos corruptores do ócio e contribui para manter a ordem; do ponto de vista sanitário é necessário que o homem trabalhe para conservar seu equilíbrio orgânico e psíquico; do ponto de vista educativo o Trabalho contribui para a formação da personalidade do indivíduo; do ponto de vista econômico, permite ao recluso de dispor de algum dinheiro para suas necessidades e para subvencionar sua família; do ponto de vista da ressocialização, o homem que conhece um ofício tem mais possibilidades de fazer vida honrada ao sair em liberdade.

Para alcançar todos esses aspectos, é fundamental a aplicação do que dispõe o parágrafo primeiro8 do referido artigo, pois o ambiente de Trabalho deve ser marcado pela higiene, asseio, imunização, aeração, precauções com a segurança e a saúde dos trabalhadores.

Destaca-se o Art. 41, III da LEP, que prevê o direito a Previdência Social, caso ocorra um acidente de Trabalho, o apenado deverá ter acesso a este benefício, já que essa eventualidade poderá diminuir sua capacidade laborativa ou até mesmo afastá-lo do Trabalho.

Já o parágrafo segundo9 dispõe que o Trabalho dos apenados terá um regime diferenciado, pois não estará sujeito à Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, visto que sua natureza é outra, pois nasce junto com a pena. E esse regime garante alguns direitos e não oferece outros, gerando grandes discussões acerca das garantias trabalhistas dos apenados.

Parte da doutrina Brasileira entende que a LEP, quando fala dos direitos trabalhistas do preso, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista que a Carta Magna proíbe a discriminação entre os trabalhadores. A LEP estaria, pois, promovendo uma distinção entre o trabalhador livre e o encarcerado, no momento em que veda a aplicação das normas da CLT ao Trabalho prestado pelo apenado.

Por outro lado, existe o entendimento de que se todos os direitos trabalhistas assegurados aos trabalhadores livres forem garantidos aos trabalhadores presos, haveria um desestimulo no que tange a contratação da mão-de-obra carcerária.

Não cabe aqui desenvolver essas controvérsias, porém destaca-se a profunda análise de Baqueiro10 enumerando os direitos que seriam garantidos aos presos conforme a Constituição Federal:

Portanto, o preso tem direito à assinatura da CTPS, remuneração, participação nos lucros da empresa, repouso semanal remunerado, férias remuneradas de 18 dias, adicional por hora extra, respeito pelas normas de higiene e saúde no Trabalho e recolhimento do FGTS. Acredita-se não serem devidos o direito à associação sindical, a aplicação das Convenções e Acordos Coletivos, seguro-desemprego, adicional noturno e o direito de greve. (grifo nosso)

Sabe-se que na realidade ainda não existe um consenso com relação a isso e que os trabalhadores apenados acabam contando com o mínimo de direitos.

Segundo a leitura do artigo 29, “o Trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a ¾ do salário mínimo vigente”, pois o preso tem o direito de perceber remuneração em contraprestação à sua força física e psíquica desprendida. Assim sendo, irá receber um salário que seja adequado aos fins sociais a que seu labor se destina.

Em seu parágrafo primeiro determina a destinação do produto da remuneração, que deverá atender: a) a indenização pelos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais; d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nos itens anteriores

Já o restante, conforme o parágrafo segundo deverá ser depositado para a constituição de pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado após o cumprimento da pena, pois ao ser colocado em liberdade é importante que o preso possua recursos com que possa manter-se até conseguir um Trabalho e envolver-se no convívio social.

Diante desta previsão pode-se dizer que há um incentivo para a realização do Trabalho, que não tem caráter de “forçado”, mas sim de caminho para alcançar a ressocialização. Difícil talvez seja alcançar todos os objetivos previstos para a remuneração, que é um valor mínimo e deve ser destinada a tantos fins.

Verifica-se que em seus artigos seguintes11 a LEP continua a dispor sobre o dever do Trabalho, contudo destacando a importância da individualização da pena, tendo em vista que cada preso deverá desenvolver um Trabalho que corresponda às suas aptidões e capacidade, a sua habilitação, condição pessoal, necessidades futuras e oportunidades oferecidas pelo mercado.

Neste sentido, claras se tornam as lições de Mirabete12:

O Trabalho nas prisões (...) tem como finalidade alcançar a reinserção social do condenado e, por isso, deve ser orientado no sentido das aptidões dos presos, evidenciadas no estudo da personalidade e outros exames, tendo-se em conta também, a profissão ou o ofício que o preso desempenhava antes de ingressar no estabelecimento. Na medida do possível deve permitir-se que o preso eleja o Trabalho que prefere e para o qual se sinta mais motivado e atraído. (...) de tal modo que o preso se sinta realizado pelo prazer funcional sentido no processo laboral e pelo seu resultado.

Da mesma forma, os apenados idosos, doentes ou deficientes físicos devem exercer atividades laborais que se adaptem as suas circunstâncias pessoais.

Com relação à jornada de Trabalho, há a recomendação de que não seja inferior a seis nem superior a oito horas diárias, havendo descanso nos domingos e feriados. A importância desta disposição reside na recomendação de que os apenados tenham a mesma jornada que um trabalhador livre, a fim que obtenham disciplina e capacidade de rendimento que irá facilitar sua reinserção no mercado de Trabalho, quando postos em liberdade.

Com relação ao gerenciamento do Trabalho poderá ser feito por fundações ou empresas públicas que tenham autonomia administrativa que devem ter como objetivo do Trabalho a formação profissional do condenado.

A entidade gerenciadora está incumbida de promover e supervisionar a produção, como também encarregada de comercializá-la. Deverá suportar as despesas inclusive com a remuneração dos trabalhadores.

Poderá ser admitido o Trabalho externo somente em serviços ou obras públicas, para presos em regime fechado que preencham alguns requisitos:

Há também a exigência de que o limite máximo do número de presos deve ser de 10% do total dos empregados da obra, para que os presos possam integrar-se com os demais trabalhadores, não surjam problemas como fuga, indisciplina, falta de controle e vigilância. Havendo comportamento não admitido em Trabalho externo, sua autorização será revogada.

Conforme destacado no início deste item, a Lei de Execução Penal tem um viés humanista, vendo no apenado um ser humano que precisa ser reintegrado na sociedade. Apresentadas as disposições da LEP sobre o Trabalho, far-se-á uma abordagem da realidade do Trabalho dentro do Sistema Prisional Brasileiro.


2. A REALIDADE DO TRABALHO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Percebe-se que as disposições da Lei são “perfeitas”, como se estivéssemos diante de uma fórmula que simplesmente precisa ser seguida para chegar-se a um resultado certo. Porém, a realidade do Sistema Prisional Brasileiro, como veremos, nem sempre consegue colocar cada coisa no seu lugar, e o resultado certo (reinserção do apenado) não é encontrado.

Neste sentido, destacar-se-á as dificuldades enfrentadas no cotidiano intramuros, especialmente no que diz respeito ao oferecimento de Trabalho aos apenados.

2.1. Dificuldades enfrentadas

Abordar a realidade é falar das dificuldades e da situação caótica que se encontra no Sistema Prisional Brasileiro, pois a cada dia somos bombardeados por notícias, seja pela internet, jornais, televisão e outros meios de comunicação, que revelam grandes problemas: aumento da violência; grande número de presos; precariedade do cárcere; falta de estrutura; ausência de agentes preparados, entre outros.

Sobre esses problemas é que passaremos a discorrer.

2.1.1. Superlotação

A questão da superlotação é preocupante, pois existem cerca de 469.807 apenados em todo o Brasil13, para cerca de 300.000 vagas, o que demonstra uma falta de 169.807 vagas.

Torna-se muito complicado trabalhar com questões como reeducação e ressocialização se não existem nem as mínimas condições de acomodação e higiene. Para Julião14, “Os níveis de superlotação são absolutamente dramáticos e as condições sanitárias vergonhosas. Vestuário e artigos básicos de higiene pessoal, (...) são raramente distribuídos.”

Para Maia15, a superlotação estimula o crescimento da delinquência e de comportamentos violentos:

A superlotação favorece o processo de desumanização, pois estabelece fatores de preconceito no tocante à delinquência; A vida carcerária tem no seu cotidiano a destruição social do preso, uma que o submete a um ambiente degenerativo, estimulante, e reprodutor da violência, sendo pedagógico não para a reeducação, mas para a constituição do comportamento violento.

Essa questão gera inúmeros outros problemas, especialmente no que diz respeito ao Trabalho dos apenados: se há falta de espaço para acomodação, como haverá espaço para o Trabalho?

2.1.2. Falta de Interesse da Empresas

Para que haja a contratação da mão-de-obra de presos é necessário que seja firmado um Contrato entre a Administração Pública e o parceiro privado (empresas).

Contudo, os empresários por vezes não se interessam por esse tipo de mão-de-obra, visto que existe um preconceito e até certo medo em fazer investimentos em presídios, onde teoricamente os riscos são bem maiores. Reportagem da Revista Época16 publicada em janeiro de 2006 revela que: “Um dos fatores é a desconfiança em relação às cadeias. A maioria dos empresários não quer nem pensar no assunto.” E a idéia de que o Trabalho dentro da prisão auxilia e muito na reeducação dos apenados é vista com ceticismo por parte dos empresários e da própria sociedade.

Ainda na reportagem em tela, encontra-se o depoimento de uma empresária de Minas Gerais, que temia muito investir no Trabalho dentro da prisão, dizia ela: "Será que uma rebelião não pode destruir o maquinário que coloquei dentro do presídio?". Esse tipo de temor é encontrado em muitos empresários que até pensam em apostar no Trabalho prisional, mas acabam desistindo por medo de perderem seus investimentos.

Por outro lado, encontram-se empresários que não estão preocupados com a recuperação dos apenados e vêem na mão-de-obra carcerária uma ótima forma de aumentarem seus lucros, essa é nossa próxima dificuldade a ser abordada.

2.1.3. Preso x Escravo

Em fevereiro de 2006, uma reportagem intitulada “Indústria disputa Trabalho barato de preso”17 mostra uma realidade completamente inversa a que discutimos anteriormente, segundo a autora, o interesse pelo Trabalho de apenados tem crescido no Estado de São Paulo, mas, os empresários não estão preocupados com a ressocialização dos presos, ao contrário somente estão interessados em lucrar, pois exploram mão-de-obra barata e criam uma concorrência desleal.

Não é possível negar o grande número de vantagens que uma empresa tem ao oferecer Trabalho a apenados, tendo em vista que os presos não geram os mesmos encargos sociais que um trabalhador livre, eis o que afirma Baqueiro18:

Torna-se vantagem para a empresa a contratação do preso, pois obtém mão-de-obra mais barata do que a oferecida pelo trabalhador livre, fica isenta de alguns encargos trabalhistas e o Estado cede gratuitamente o espaço (sem cobrar aluguel) dentro das penitenciárias para montagem de oficinas de Trabalho; não há inclusive o pagamento de luz nem de água.

Entretanto, essas vantagens são uma forma de despertar o interesse empresarial para fomentar a reeducação de apenados que futuramente estarão livres na sociedade, e não uma forma de criar “escravos”.

Baqueiro19 aponta a realidade da falta de consciência social por parte de muitos empresários:

O que ocorre, em verdade, é o uso dos presos pelo parceiro privado sem qualquer responsabilidade, afrontando os direitos constitucionalmente garantidos, retirando-lhes sua condição humana. Trata-se aqui de Trabalho escravo, (...). Muitas vezes, devido à falta de fiscalização por parte da administração pública, perfazem jornada de Trabalho superior a prevista na LEP e permitida na Constituição; exercem labor em condições insalubres e periculosas.

Infelizmente essa realidade é revoltante, nota-se que o apenado não é visto como um ser humano, não têm seus direitos respeitados e é usado por empresas que não estão interessadas em sua recuperação, mas simplesmente buscam vantagem econômica.

Nesse momento, mister se faz, questionar qual é a atuação do Estado, que permite ações como estas.

2.1.4. Investimentos e Fiscalização por parte do governo

Elionaldo Fernandes Julião20 destaca a falta de ação do Departamento Penitenciário Nacional- Depen, que é vinculado ao Ministério da Justiça, no que diz respeito à criação de diretrizes e fiscalização das ações. Aponta o estudo realizado por ele, que o governo não tem controle do que está sendo realizado, não sabe como os recursos estão sendo empregados, não há acompanhamento e os relatórios que são entregues não descrevem como o dinheiro foi gasto.

Outro ponto destacado foi a disparidade no repasse de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), eis o exemplo citado: “Sergipe recebeu R$ 33,4 milhões, entre 1995 e 2007, para uma população carcerária de 2.228 presos, enquanto, no mesmo período, o Rio Grande do Sul recebeu R$ 50,2 milhões, para 23.814 condenados.”

Do outro lado há a resposta do governo. Encontram-se no site do Ministério da Justiça21, as justificativas relativas ao repasse de verbas do Funpen aos Estados. Segundo o Caderno “Fundo Penitenciário Nacional em números” o que viabiliza a transferência de recursos às Unidades da Federação é a celebração de um convênio, porém para que isso seja feito o Estado interessado precisa preencher algumas exigências, como: adimplência com o Governo Federal, apresentação de Projetos para a construção de Estabelecimentos Penais e Projetos de Reintegração Social. De acordo com o Depen, o critério utilizado para a distribuição de recursos do Funpen é determinado “pela relação entre a população prisional de cada Estado e população prisional total do país. Nesse sentido, quanto maior a população prisional de cada Estado, maior será a tendência daquele Estado em receber um volume maior de recursos.” O Caderno nada diz sobre as normas de fiscalização quanto à aplicação dos recursos repassados.

Fato é que a realidade nos mostra situações de caos, é claro que isso não é um problema só do Governo Federal, mas também dos Governos Estaduais; sabe-se, porém, que muitas vezes não há interesse por parte do Governo, em resolver situações como está, é mais fácil superfaturar obras, desviar recursos e deixar tudo como está.

Segundo o artigo 15 inciso III, da Constituição Federal22, presos tem seus direitos políticos suspensos, ou seja, apenados não votam. Talvez esse fato, não estimule os representantes do povo, a investir em políticas e projetos que venham a tornar o Sistema Penitenciário, um lugar que realmente venha a contribuir com a reeducação de quem lá se encontra.

Poder-se-ia destacar ainda outros dificuldades e problemas relacionados ao Sistema Prisional e o quanto eles influenciam na questão do oferecimento de Trabalho aos apenados, entretanto trataremos a seguir de outra realidade atinente ao Cárcere: Oportunidades de Trabalho oferecidas hoje aos apenados.

2.2. Tipos de Trabalho ofertados aos apenados

Apesar de o Sistema Penitenciário Brasileiro ser marcado por desafios constantes, criados por inúmeras dificuldades, encontra-se também possibilidades de oferecimento de Trabalho.

Não existem dúvidas de que o Trabalho facilita o processo de ressocialização. Muitas ações e projetos - sejam de Organizações Não Governamentais, de Empresas Privadas, Órgãos do Estado ou Indústrias, que estão comprometidos com seu papel social e entendem a importância de oferecer oportunidades, mostram como é possível participar efetivamente desse processo que certamente só traz benefícios a toda a sociedade.

No Estado do Paraná23, por exemplo, existem programas que funcionam em parceria com SENAC, SENAI, SESC, SENAR e UFPR, que promovem cursos de formação profissional em diversas áreas como construção civil, serviços, indústria; abrindo frentes de Trabalho dentro do Sistema Penitenciário, onde existem: fábrica de detergentes, uniformes, colchões, fraldas, vassouras e camisetas.

Na Colônia Penal agrícola de Campo Grande24, ocorre uma parceria entre a Secretaria de Justiça e Segurança Pública com a Administração do Sistema Penitenciário, Secretária de Educação e o Conselho da Comunidade de Campo Grande, que é uma organização da sociedade que atua na inserção de reeducandos no mercado de Trabalho. Através deste convênio os presos trabalham restaurando velhas carteiras e mesas que voltam às salas de aula. Antes de desenvolverem esse Trabalho passaram por uma capacitação que os tornou aptos.

Esse tipo de parceria representa vantagem para todos, visto que os apenados aprendem um ofício e ocupam o tempo e o governo economiza por não precisar adquirir mobílias novas.

Em São Paulo25 parcerias com Indústria levam o Trabalho para dentro das penitenciárias, é caso da Empresa Agster, que fabrica artigos esportivos e oferece postos de Trabalho a várias presas. Existem também empresas dos setores metalúrgicos, material plástico e confecções.

Em Minas Gerais26, existe o exemplo de uma empresária que levou para dentro da Colônia Penal Professor Jacy de Assis uma oficina de confecção de capas para celular e os resultados estão sendo ótimos, tanto para ela como para os presos envolvidos na atividade.

No Estado de Santa Catarina27, encontram-se algumas oportunidades, através de convênios com empresas que oferecem Trabalhos na linha de montagem de brinquedos, embalagens de clips e alfinetes, adereços de lingeries, confecções de chinelos, fabricação de bolas de futebol, marcenaria, alfaiataria, oficina mecânica, fabricação de tubos entre outras.

Essa forma de oferecimento de Trabalho, quando feita em consonância com a lei, respeitando os direitos dos apenados e visando sua recuperação, somente traz benefícios a todos os envolvidos.

2.3. Números de presos que trabalham no Brasil

Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça28, no 1° Semestre de 2009 haviam 14.774 apenados trabalhando em algum tipo de atividade externa, sendo 891 mulheres e 13.883 homens. Já no Trabalho interno haviam 74.496 apenados, destes 6.610 mulheres e 67.886 homens. Temos então um total de 89.270 apenados trabalhando, ou seja, precisam ser criados ainda 380. 537. postos de Trabalho para que seja atendido o que dispõe a Lei de Execução Penal.

Após a constatação da realidade com suas dificuldades, possibilidades e números, destacar-se-á a importância do Trabalho na vida dos apenados.

Sobre a autora
Célia Regina Capeleti

Técnica judiciária auxiliar do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, atuando na Comarca de Itajaí (SC), junto ao gabinete da Vara da Fazenda Pública. Acadêmica de Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAPELETI, Célia Regina. Trabalho prisional: da previsão legal à realidade carcerária brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3071, 28 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20512. Acesso em: 5 nov. 2024.

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