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Ação coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos filhos de pai depressivo pós-parto

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Agenda 18/12/2011 às 15:33

5 AÇÃO CIVIL COLETIVA

Definir os direitos individuais homogêneos, esclarecer a legitimidade do Ministério Público e a sua aplicação para a defesa daqueles direitos com o fito de fundamentar sua aplicação para uma solução jurisdicional mais ampla, célere e justa. Observados, naturalmente, os princípios da legalidade, do contraditório e do devido processo legal.

5.1 Os direitos Individuais homogêneos particularmente considerados

O Direito como ciência social que é tem que acompanhar as necessidades da sociedade em que está inserido. Assim, a atividade legislativa não se exaure no momento da elaboração das leis, mas tem que se adequar às mutações constantes a que está exposto e para prestar a tutela jurisdicional devida e efetiva tem que atender aos reclames da sociedade.

Dentro deste contexto foram desenvolvidos os chamados direitos individuais homogêneos, conforme esclarece o Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (BRASIL, 2010).

Neste diapasão, Didier Júnior (2010, p. 76) explica:

O legislador foi além da definição de direitos difusos e coletivos stricto sensu e criou uma nova categoria de direitos coletivos (coletivamente tratados), que denominou direitos individuais homogêneos (art. 81, par. Ún., III, do CDC). A gênese dessa proteção/garantia coletiva tem origem nas class actions for damages, ações de reparação de danos à coletividade do direito norte-americano.

Assim, os direitos individuais homogêneos são uma categoria distinta dos direitos difusos, pois estes têm a característica de serem indetermináveis e, também, se distinguem dos transindividuais, pois estes são de natureza indivisível, ou seja, de modo contrário àqueles. Deste modo leciona o singular Teori Albino Zavascki:

Direito coletivo é direito transindividual (=sem titular determinado) e indivisível. Pode ser difuso ou coletivo stricto sensu. Já os direitos individuais homogêneos são, na verdade, simplesmente direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não desvirtua essa sua natureza, mas simplesmente os relaciona a outros direitos individuais assemelhados, permitido a defesa coletiva de todos eles. `Coletivo’, na expressão `direito coletivo’ é qualificativo de ‘direito’ e por certo nada tem a ver com os meios de tutela. Já quando se fala em `defesa coletiva’ o que se está qualificando é o modo de tutelar o direito, o instrumento de sua defesa (Teori Albino Zavascki, Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos cit., Revista de processo, n. 78, p. 33).

Deste modo resta esclarecido que a homogeneidade decorre não da coletividade, mas da similitude entre os referidos direitos. Por decorrerem de direitos semelhantes, é preocupação da doutrina a otimização da prestação jurisdicional, conforme salienta Marinoni (2010, p. 300):

Os direitos individuais homogêneos, contrariamente ao que ocorre com as duas outras espécies de direito já examinadas, são em verdade direitos individuais, perfeitamente atribuíveis a sujeitos específicos. Mas, por se tratar de direitos individuais idênticos (de massa), admitem - e mesmo recomendam, para evitar decisões conflitantes, com otimização da prestação jurisdicional do Estado – proteção coletiva, através de uma única ação. Assim, deve ser porque tais direitos são uniformes (nascem de um mesmo fato-gênese ou de fatos iguais), permitindo, então, solução unívoca.

Importante destacar o aspecto da identidade do fato-gênese, pois embora se busque a tutela coletiva, não se pode olvidar que a violação ou ameaça à lesão de direito é perfeitamente apreciável, assim ensina Marinoni (2010, p. 300):

Estes direitos individuais homogêneos, portanto, não são transindividuais, mas nitidamente individuais. Também não são indivisíveis, permitindo perfeita identificação da porção correspondente a cada um dos interessados. Poderia, assim, cada um dos lesados buscar a reparação de seu efetivo prejuízo. Porém, por inúmeras circunstâncias – dentre as quais sobressai, muitas vezes, a exigüidade do dano experimentado pelos sujeitos individualmente, ainda que a soma total seja relevante – é mais apropriado a proteção coletiva.

Para finalizar essa relevância, Didier Júnior (2010, p. 77) aponta:

Ou seja, o que têm em comum esses direitos é a procedência, a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou de fato que lhes conferem características de homogeneidade, revelando, nesse sentir, prevalência das questões comuns e superioridade na tutela coletiva.

Embora se saiba que se trate de uma criação jurídica, a sua importância reside justamente na possibilidade de uma efetiva prestação jurisdicional, possibilitando a celeridade processual e o devido processo legal. Neste sentido, explicita Didier Júnior (2010, p. 76):

A importância prática desta categoria é cristalina. Sem sua criação pelo direito positivo nacional não existiria possibilidade de tutela coletiva de direitos individuais com natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade, decorrente da manifestação/padronização das relações jurídicas e das lesões daí decorrentes. A ‘ficção jurídica" atende a um imperativo do direito, realizar com efetividade a Justiça frente aos reclames da vida contemporânea. Assim, "tal categoria de direitos representa uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva(molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva(em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada."( GIDI, Antonio. Coisa Julgada e litispendência em ações coletivas, p. 20.) são Paulo: Saraiva, 2005.

Assim, embora se trate de uma coletivização, não se pode esquecer que para o requerimento desta medida faz-se necessária a adoção de uma situação abrangente- embora possa posteriormente ser individualizado. Neste sentido Didier Júnior (2010, p. 77) aduz:

Nessa perspectiva, o pedido nas ações coletivas será sempre uma "tese geral" que beneficie, sem distinção, os substituídos. As peculiaridades dos direitos individuais, se existirem, deverão ser atendidas em liquidação de sentença a ser procedida individualmente.

Destarte, importante individualizar a circunstância que se pretende levar a juízo, para a sua apreciação, para que se possibilite o conhecimento devido da tese-geral que pode, embora tratada de uma forma coletiva, na fase de liquidação de sentença exaurir as peculiaridade de cada caso.

Situação perfeitamente aplicada ao caso da depressão pós-parto masculina, pois pelo que foi amplamente exposto anteriormente, o que vulnera nesta patologia são direito fundamentais, em especial, dos impúberes, tais como o direito à vida, à saúde (incluído neste a mental), à dignidade da pessoa humana e ao convívio social.

5.2 A legitimidade do Ministério Público na Ação Coletiva

Conforme o explicitado, a família ganhou especial atenção do Estado, não só por reconhecer nela a sua menor unidade constitutiva, mas também por envolver direitos fundamentais indisponíveis. Ademais atribuiu aos pais o munus público, não podendo mais ser interpretado como um simples direito dos genitores, o poder familiar e, na sua ausência, cabe o Ministério Público o dever de zelar por referidos direitos.

Neste diapasão, não podemos esquecer que, inclusive, no micro sistema das ações coletivas o Parquet é legitimado extraordinário para a defesa dos direitos individuais homogêneos, conforme o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público; [...]

Logo, a sua legitimidade é concorrente e extraordinária e o instrumento processual hábil não é a Ação Civil Pública (ACP), conforme Theodoro Júnior (2010, p. 515):

A legitimação extraordinária concedida às pessoas do art. 82 do Código de Consumidor, em se tratando de tutela dos direitos individuais homogêneos, não é ampla, sendo, tão-somente, "restrita à ação coletiva de responsabilidade por danos individualmente sofridos por consumidores" [23]. Isto, porém, não se faz por meio da ação civil pública, como já se firmou.

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Reconhecendo e deferindo o tratamento devido a esta instituição essencial à função jurisdicional, o poder originário de 1988 positivou em seu art. 127: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

Consoante este entendimento, vale lembrar o dispositivo do Código Civil:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. (grifo nosso)

Referidos direitos são tão importantes que encontram respaldo na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tais como:

A Assembléia  Geral proclama 

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.   

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.   

Artigo III

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo  VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.   

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXV

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.   
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e  liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIV

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.   

2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas. (BRASIL, 2011).

Assim, por serem direitos individuais homogêneos que transcedem o ordenamento jurídico pátrio, dada a sua importância e encontra respaldo, inclusive, na Daclaração Universal de Direitos Humanos, a mencionada instituição encontra-se devidamente respaldada para requerer ao magistrado a adoção da medida que lhe pareça pertinente para a segurança do menor, e não exclui a possibilidade do pedido de suspensão do poder familiar.

5.3 A adequação entre a prestação da tutela jurisdicional e a tutela de direito material

O acesso à justiça é aparentemente simples, porém envolve fatores complexos e aplicação que requer um maior cuidado, por se tratar não só do acesso ao Poder Judiciário, mas a devida prestação da tutela jurisdicional com todos os meios a ela inerentes.

É cediço que o processo é um meio de realização do direito material, quando sofre lesão ou ameaça a direito, mas para a realização da justiça é necessário que seja assegurado não só o direito de ação bem como o direito de ter do Estado as providências necessárias para o atendimento de suas necessidades, bem como para a promoção do sentimento de pacificação social - que é um dos objetivos do Direito.

Sob este prisma, explanar aspectos do acesso à justiça vislumbrando a adequação da tutela jurisdicional à tutela do direito material, haja vista, embora ramos distintos da ciência Jurídica, não se pode olvidar que se inter-relacionam num sentido de dependência – embora sejam diferentes.

O Estado ao avocar a competência de dizer o direito, com o fim de promover a paz social por meio da realização da justiça, e a limitação, permitida somente em algumas hipóteses legais, da autotutela restringiu o poder judicante às suas normas legais. Para tanto, utilizou-se de meios pré-definidos para garantir a segurança jurídica de seus jurisdicionados e lançou mão de recursos para ilidir o abuso de autoridade e ampliar o acesso ao Judiciário, em princípios elevados a nível constitucional, tais como: princípio da legalidade, do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da adequação e da fungibilidade, dentre outros. Assim esclarece Marinoni (2010):

O art. 5o, XXXV, da Constituição Federal, afirma que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Entende-se que essa norma garante a todos o direito a uma prestação jurisdicional efetiva.

A sua importância, dentro da estrutura do Estado Democrático de Direito, é de fácil assimilação. É sabido que o Estado, após proibir a autotutela, assumiu o monopólio da jurisdição. Como contrapartida dessa proibição, conferiu aos particulares o direito de ação, até bem pouco tempo compreendido como direito à solução do mérito.

A concepção de direito de ação como direito a sentença de mérito não poderia ter vida muito longa, uma vez que o julgamento do mérito somente tem importância – como deveria ser óbvio – se o direito material envolvido no litígio for realizado - além de reconhecido pelo Estado-Juiz. Nesse sentido, o direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa direito à efetividade em sentido estrito.

Deste modo, deve-se inicialmente esclarecer o que a doutrina mais arrazoada entende por acesso à justiça para delimitar este aspecto de modo mais preciso. Assim, para Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p. 33):

Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Como se verá no texto, para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais.

A ordem jurídico-positiva (Constituição e leis ordinárias) e o lavor dos processualistas modernos têm posto em destaque uma série de princípios e garantias que, somados e interpretados harmoniosamente, constituem o traçado do caminho que conduz as partes à ordem jurídica justa. O acesso à justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas (no cível e no criminal) a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa (princípio do contraditório), podendo exigir dele a (d) efetividade de uma participação em diálogo -, tudo com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação. Eis a dinâmica dos princípios e garantias do processo, na sua interação teleológica apontada para a pacificação com justiça.

Pode-se inferir, que a doutrina moderna a concebe não só como o direito de ação, mas como esse direito amplamente concebido, o devido processo legal, o princípio do contraditório e efetividade de uma participação em diálogo. Nesta esteira, Dinarmarco esclarece, citando Kazuo Watanabe (2009, p, 35), que:

Acesso à justiça é acesso à ordem jurídica justa (ainda, Kazuo Watanabe), ou seja, obtenção de justiça substancial. Não obtém justiça substancial quem não consegue sequer o exame de suas pretensões pelo Poder Judiciário e também quem recebe soluções atrasadas para suas pretensões, ou soluções que não lhe melhorem efetivamente a vida em relação ao bem pretendido. Todas as garantias integrantes da tutela constitucional do processo convergem a essa promessa-síntese que é a garantia do acesso à justiça assim compreendido.

Destarte, fica claro que é necessário mais do que simplesmente ter direito ao ingresso com a ação, mas faz-se necessário a adoção de medida processual adequada às necessidades do requerente, por isso, que a tutela jurisdicional adequada é para Melo (2009):

A tutela jurisdicional adequada seria assim aquele que o Estado despende ao jurisdicionado, cumprindo adequadamente os objetivos pleiteados. É a entrega ao cidadão do provimento jurisdicional mais adequada a situação posta em conflito, com o intuito de resolver completamente a lide.

A idéia de tutela jurisdicional adequada parte da máxima chioveniana de que o processo, através do Estado, deve dar tudo aquilo e exatamente que se pleiteia.

Com isso, não basta que haja apenas tutela jurisdicional, ou seja, não é suficiente que o Estado por meio da jurisdição estabeleça uma solução. É imprescindível que esta solução seja, de fato, adequada aos reclamos daquele que dela necessita.

O objetivo da chamada tutela jurisdicional adequada, diante desses argumentos, é o de fornecer aquela prestação jurisdicional que solucionará a lide no plano do direito material. Em outras palavras, dando essa conotação à tutela, o Estado pretende não só fornecer um caminho para solução, mas efetivamente solucionar o problema a ele colocado.

Isto porque as normas processuais são instrumento para resguardar o direito material, e sua validade no plano prático, deve ser vislumbrado de acordo com a capacidade de atingimento de seu objetivo, como esclarece Souza (2009):

Como é sabido, todo o direito processual nada mais é do que um instrumental posto a serviço da realização do direito material, de modo que nada vale termos normas de natureza material extremamente avançadas, como são, por exemplo, no Brasil, de um modo geral, as normas previstas na Constituição Federal em matéria de proteção a direitos, ou a legislação ambiental em vigor ou, ainda, o Código de Defesa do Consumidor ou o Estatuto da Criança e do Adolescente. Todas estas normas jurídicas têm conteúdo extremamente avançado, buscando realmente a transformação da sociedade brasileira em uma sociedade mais justa e solidária. Entretanto, de nada adianta a existência dessas normas se não existirem mecanismos aptos a atuarem em caso de sua violação. É aí que entra o acesso à justiça, pois precisamos de um instrumento que nos garanta que, em caso de violação ou simples ameaça de violação a nossos direitos, temos aonde nos socorrer, podemos exigir o cumprimento forçado da norma violada ou a atuação da sanção pelo descumprimento.

Consoante este entendimento, Machado (2009) afirma:

Quanto aos escopos do processo, o problema do escopo jurídico parece-nos merecer especial atenção. Ao passo que toda a doutrina processual tende atualmente a ressaltar o caráter instrumental do processo, considerando fundamental que dedique-se a tutelar adequadamente os direitos de quem mereça tutela, parcela considerável dos processualistas insiste em recusar que a tutela dos direitos possa figurar dentre os escopos do processo. Referimo-nos particularmente à postura adotada por Dinamarco, que em sua obra fundamental dedicou-se a negar a possibilidade de incluir a tutela dos direitos no rol dos escopos do processo. Até porque o processo teria, segundo o eminente processualista, apenas um escopo jurídico, consistente em atuar a vontade do direito. Essa postura, entretanto, contrasta com as cada vez mais acentuadas tendências a aproximar o direito processual do direito material e a submeter todo o processo, bem como a teoria processual, a uma revisão orientada pelo ideal da efetividade.

Deste modo vislumbramos de forma clara e lógica que o acesso à justiça implica não só no direito de requerer a prestação jurisdicional, mas uma ação positiva do ponto de vista de resolução do conflito, e um entrelaçamento com as normas de direito processual que têm que ser eficaz para a proteção contra lesão ou ameaça a direito material. Assim, mais uma vez devemos recorrer a mais conceituada doutrina sobre o que vem a ser ação de direito material, citando Machado (2009):

O conceito de ação de direito material tende a ser resgatado, pois pensar o processo a partir do direito material exige o encontro de um ponto de contato entre os dois planos. No âmbito da dogmática pode enfrentar dificuldades a idéia de que o processo realiza ou tutela direitos, mas isto se deve a uma defasagem conceitual. Em realidade, o processo (deve) realiza(r) ações de direito material, que por sua vez podem não corresponder a direitos subjetivos (26). Assim, a pretensão à adequada tutela jurisdicional é pretensão não simplesmente a uma sentença, mas a uma sentença que em caso de procedência realize a ação de direito material.

Corroborando este pensamento, Didier Júnior (2010, p. 40):

O princípio da inafastabilidade garante uma tutela adequada à realidade de direito material, ou seja, garante o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da situação de direito material. Do princípio da inafastabilidade, é possível retirar-se o princípio da adequação da tutela jurisdicional. Também é possível retirá-lo do direito fundamental a um processo devido: processo devido é processo adequado. Lembre-se que o devido processo legal é uma cláusula geral, de onde se podem retirar outros princípios, tal como o da adequação. Há quem entenda, ainda, que o princípio da adequação decorre do princípio da efetividade, também esse corolário do devido processo legal.

E a referida interferência é de tamanha importância que há corrente doutrinária que defende que o órgão jurisdicional pode proceder à essa adequação, por se tratar de direito fundamental, mesmo sem anterior previsão legislativa. Didier Júnior. (2010, p. 41) esclarece:

Há, porém, quem defenda a possibilidade de órgão jurisdicional proceder à adequação judicial mesmo sem anterior previsão legislativa. Se a adequação do procedimento é um direito fundamental, cabe ao órgão jurisdicional efetivá-lo, quando diante de uma regra procedimental inadequada às peculiaridades do caso concreto, que impede a efetivação de um direito fundamental(à defesa prévia, à prova, à efetividade etc.). É como afirma Humberto Ávila, referindo-se ao devido processo legal , do qual é preciso lembrar, se extrai o princípio da adequação: " No plano da eficácia direta, os princípios exercem uma função integrativa, na medida que justificam agregar elementos não previstos em subprincípios ou regras. Mesmo que um elemento inerente ao fim que deve ser buscado não esteja previsto, ainda assim o princípio irá garanti-lo. Por exemplo, se não há regra expressa que oportunize a defesa ou abertura de prazo para manifestação da parte no processo- mas elas são necessárias-, elas deverão ser garantidas com base direto no princípio do devido processo legal.

Destarte, acessar a justiça compreende não só o que foi posto legalmente, mas transcede o formalismo exarcebado para alcançar o fim objetivado, que é a promoção da paz social e a justiça.

Vislumbrar o acesso a justiça é mais do que recorrer ao que está posto positivamente. Para efetivá-la é necessário uma compreensão do Direito como um todo, para que se possa alcançar o fim desejado, com a satisfação da prestação jurídica adequada e a efetivação do serviço estatal com eficiência, observando sempre o direito material.

Quando o requerente recorre ao Poder judicante quer mais do que simplesmente ingressar com ação, quer participar de todo o processo, de forma ampla, podendo defender os seus direitos e influenciar no convencimento do magistrado, quer quando tiver a tutela que seja adequada ao pedido que foi formulada e quer, ainda que o pedido não seja deferido em sua totalidade, saber que lhe foi oportunizada a chance. Por sua vez, o Estado tem que ter o procedimento previamente estabelecido, e quando isso não existe, deve, ainda assim, resguardar o direito do jurisdicionado.

A atividade legislativa fixa os limites judicantes, mas isso não impede que ele na prática adeque o processo às suas reais necessidades, pois caso contrário a sentença não seria apta a resguardar o que foi pedido. Afinal, o objetivo é sempre buscar a tutela do direito material, por meio das normas adjetivas, ou seja, processuais.

5.4

Aplicação da Ação Coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos

Observando a tendência processual, que inclui os processos coletivos e a observância da prestação jurisdicional coletiva, a exposição de motivos do Anteprojeto do Código de Processo Coletivo Brasileiro (BRASIL, 2008b) dispõe:

Os processos coletivos passaram a servir de instrumento principalmente para os denominados novos direitos, como o do meio ambiente e dos consumidores, desdobrando-se, ainda, em estatutos legislativos específicos, como a Lei n. 7.853, dispondo sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência; a Lei n. 7.913, para proteção dos investidores em valores mobiliários; a Lei n. 8.069, para a defesa das crianças e dos adolescentes; a Lei n. 8.429, contra a improbidade administrativa; a Lei n. 8.884, contra as infrações da ordem econômica e da economia popular e a Lei n. 10.741, dispondo sobre o Estatuto do Idoso, prevendo expressamente a defesa coletiva dos respectivos interesses e direitos. (grifo nosso)

Embora sejam novos direitos, não podemos dizer que são direitos novos, posto que na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na parte preambular temos que:

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, [...]

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,   Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

Tudo isso porque, naturalmente, os direitos fundamentais antecedem quaisquer outros direitos, afinal direito à vida, à saúde, à dignidade, são direitos referentes à própria formação do indivíduo. Após o seu desenvolvimento os demais se desenvolvem consequentemente. Logo, o que mudou não foram os direitos, mas a forma como eles são tratados, ou seja, coletivamente.

Assim, o instrumento processual hábil para a defesa dos referidos direitos não é a Ação Civil Pública, conforme ensina Theodoro Júnior (2010, p. 298):

Os direitos individuais homogêneos, embora não sejam, por razões óbvias, definidos como transindividuais, também podem ser tutelados por meio da ação coletiva, inclusive com a possibilidade da utilização de medida específica, delineada a partir do art. 91 do CDC. Esteprocedimento determinado - que pode ser empregado sem prejuízo de qualquer outro- se justifica porque a lesão a interesses de massa possuem especificidades que impõem a adaptação de procedimento às suas necessidades. É nesse sentido que o art. 81 do CDC afirma, em seu parágrafo único, inciso III, que "a defesa coletiva será exercida quando se tratar de interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum" (grifo nosso).

Esta tendência encontra-se positivada no at.1º do Anteprojeto do Código de Processo Coletivo Brasileiro:

Art. 1º.

Da tutela jurisdicional coletiva Para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos são admissíveis, além das previstas neste Código, todas as espécies de ações e provimentos capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Art. 2º. Objeto da tutela coletiva A ação coletiva será exercida para a tutela de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os direitos subjetivos decorrentes de origem comum.

Esta visão que despreza o individualismo da prestação judicial é uma tendência que há de ser observada pela sua eficácia. Tem que ser acrescido o fato da sentença ter eficácia erga omnes, conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. (grifo nosso)

Auxilia no entendimento da extensão dos efeitos desta sentença Araújo Filho (2000, p. 116):

Não por outra razão se determinou no CDC, art. 103, III, que a sentença terá eficácia erga omnes. Ou seja, como anotou a doutrina os titulares dos direitos individuais serão "abstrata e genericamente beneficiados.

Tal ingerência se justifica pela relevância do direito material em epígrafe. Objetivar uma tutela jurisdicional não só justa, mas apta a coibir a lesão e/ou ameaça a direito existente é o fim do direito se o entendermos como uno e indivisível. Não podemos relevar a segundo plano o fato do sistema de freios e contrapesos que é o Direito: assim o direito ao convívio familiar, a saúde em sua plenitude, ao exercício do poder familiar, bem como da proteção do Estado tem que ser harmoniosa e razoável. Entretanto tem que ser realizado de um modo eficaz ao ponto de não permitir o perecimento do objeto da ação, pela ausência da celeridade processual, e nem tão discrepantes suas sentenças ao ponto de gerar o inconformismo no âmbito social.

Assim, se todas as ações derivam de um fato comum, eles podem comensurados, os direitos individuais homogêneos restam caracterizados e o nosso ordenamento jurídico positivou um micro-sistema que permite a individualização na fase de liquidação. Se foram discriminados os legitimados, o objeto da ação e o procedimento a ser adotando- observando princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e o contraditório. Nada mais lógico do que aplicar a opção processual que o nosso ordenamento jurídico dispõe. Afinal, o que se busca é a adequação da tutela de direito processual à tutela do direito material tão amplamente discutida.

Sobre a autora
Kathleen Persivo Fontenelle Barros

Bacharel em Direito (Unifor) e graduanda em Ciências Contábeis (UFC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Kathleen Persivo Fontenelle. Ação coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos dos filhos de pai depressivo pós-parto . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3091, 18 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20622. Acesso em: 23 nov. 2024.

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