Muitas vezes, a mera comparação dos princípios do credor e devedor por meio do sistema de pesos e contrapesos mostra-se insuficiente. Para isso, propõe-se demonstrar que tais direitos poderão ser confrontados por meio das teorias que vêm sido usadas no direito constitucional, podendo ter sua análise delongada ao direito civil e processual civil, em especial, ao direito obrigacional.
1. A teoria dos conceitos fundamentais do Direito no plano do direito obrigacional
Os termos "dever" e "direito", principalmente no campo do direito obrigacional, carecem de uma análise sistemática acerca dos vocábulos de direito e dever. Entretanto, a maioria dos termos jurídicos em sua interpretação e utilização muitas vezes se mostra equivocada.
Analisando os estudos de Hohfeld (1965), pode-se traduzir que há expressões que possuem aplicação além do campo do direito (intermediário), sendo estes termos genéricos e específicos do ramo do direito que ajudam na compreensão do significado, relacionando os conceitos e aplicando-os.
Para Hohfeld (1965), a palavra "direito" tem sentido impreciso, detendo diversos significados, como: imunidade, liberdade, privilégio, prerrogativa, faculdade, isenção, autoridade, poder, pretensão legítima, interesse legítimo, atribuição, garantia, capacidade, competência, autorização, permissão, licença, franquia, impunidade, concessão, título, opção, limitação de responsabilidade, prioridade, preferencia, jurisdição, independência, autarquia, autonomia, oponibilidade, etc.
Afunilando o conceito de "direito", poder-se-ia partir do conceito de "dever", pois este tem um significado mais restritivo, que complementa o conceito de "direito", porém em oposição, assim como obrigação, responsabilidade, incapacidade, incompetência, proibição, limitação, caducidade, carga, condição, prestação, serviço, gravame, impedimento, incompatibilidade, inabilidade, ausência de direito, restrição, ligamentos, débito, inibição etc.
Reduzir os conceitos ligados às duas famílias de expressões, redefinindo direito subjetivo e dever subjetivo, fazendo com que somente sejam utilizados os demais conceitos na ausência de um, pode se fazer representar mais adequadamente. Essa redução, feita a partir da linguagem e estudos dos juristas, resgata os termos utilizados com distinções úteis; no entanto, essa utilização muitas vezes mascara a distinção com o uso ambíguo do mesmo termo utilizado para descrever situações diferentes.
Na perspectiva do campo obrigacional, sob a ótica que existem duas partes - um credor e um devedor - no direito cada forma ativa legal é apresentada em relação ao significado passivo que, ao invés de complementá-lo, se opõe a ele, criando seu próprio objeto de contraditório. Vale salientar que as modalidades jurídicas, apesar de distintas, não se excluem, apenas ajudam a esclarecer os fatos jurídicos.
Desta forma, Hohfeld se propôs elucidar o significado das noções fundamentais e relações recíprocas, não se propondo a estabelecer determinado ordenamento jurídico nem estabelecer quais são fatores de condicionamento social dentro dos quais é provável que surjam alguns direitos, nem tampouco estabelecer em um determinado ordenamento jurídico o que é justo ou conveniente para ter esses direitos. O estudo de Hohfeld é um ensaio de jurisprudência analítica, ajudando na solução de problemas, pois elucida a forma de pensar neles.
É a partir de seu estudo que Hohfeld tenta "refletir diretamente" em todas as questões jurídicas. É evidente que a verdadeira análise dos trusts e outras participações se funda a equity sobre uma questão que deve atrair ainda mais extremos expoentes do pragmatismo jurídico. Na tradução para o português, trust poderia ser entendido como um instituto ou interesses jurídicos, tanto os fundados no conjunto de regras, enquanto equity como um conjunto de regras.
A referência especial que há sobre o tema dos trusts e de outros interesses fundados na equity só tem sido motivada pelo fato de que existem diferenças consideráveis de opinião prevalecente visivelmente ilustra a necessidade de tratar, mais intensa e sistemática do que é habitual, a natureza e a análise de todos os tipos de interesses jurídicos.
Hohfeld tenta tratar da natureza do direito e das relações jurídicas, destacando certos temas muitas vezes negligenciados que podem ajudar a compreender e resolver problemas práticos do direito. Somente se propôs a lucidar o significado das noções fundamentais e relações recíprocas.
Muitas vezes os interesses jurídicos parecem inadequados porque não se baseiam em uma análise suficientemente ampla e discriminatória das relações jurídicas em geral. Destacar certos temas negligenciados que podem ajudar a entender e solucionar problemas práticos e cotidianos do direito.
Ora, partindo dos conceitos de Hohfeld que direito é caracterizado como um uma pretensão, que ao mesmo tempo se correlaciona ao conceito de dever, no campo obrigacional estes conceitos, sob a mesma linha desta pesquisa, poderiam ser identificados como do credor, de cobrar o que é devido, e do devedor em pagar o que é devido. Trata-se de uma via de mão dupla, onde poder-se-ia dizer que esta pretensão tem o dever como limitação, e vice-versa, não podendo o credor cobrar mais do que é devido.
Já o conceito de privilégio (ou liberdade), se contrapõe ao de dever. Em se tratando de direitos obrigacionais, um privilégio concedido ao devedor em não ter seu salário penhorado ocorre também em razão da ausência de pretensão, ou seja, não há dispositivo legal que determine a penhora da porcentagem salarial. Para que este fato ocorra, é necessária a sujeição do credor, consubstanciada na invocação do poder judiciário para o alcance de seus direitos.
Portanto, através da análise de casos concretos, Hohfeld chega à conclusão que o direito em sentido estrito é uma pretensão com respaldo legal, e que toda pretensão tem um dever correlato obrigatoriamente, dado que para que uma pretensão baseada na lei seja violada é necessário que algume descumpra seu dever proveniente e criado pela mesma lei (FERREIRA, 2007, p. 39).
Da mesma forma, essa ausência de pretensão não importaria em danos ao devedor, uma vez que o credor já sofre danos por aquele causado. Basta evidenciar que não existe ilegalidade no ato praticado pelo juiz que defere o pedido de penhora de apenas uma parte do salário do devedor; a ausência de pretensão seria um privilégio, como a negativa de um poder ou ausência de um dever, não estando sob os meandros de nenhum dever que o impeça de realizar certo ato.
A falta de precisão da terminologia jurídica, quando muitas vezes há o chamado interesse jurídico, mas não há definição do que seria propriamente o direito. O interesse jurídico do credor, derivado do objeto sob o qual se exerce o direito de propriedade, ligando o detentor do direito e o objeto físico correspondente, que é o crédito detendo este poder ou sobre a relação jurídica formada, sobressai sobre a imunidade, ou liberdade que um indivíduo possui de não sfrer o controle de outrem.
Logo, os direitos obrigacionais tendem a estar sempre aliados aos chamados direitos operacionais (ou constitutivos, causais ou dispositivos), cujo abrigo das regras jurídicas gerais aplicáveis bastam para modificar as relações jurídicas, isto é, para criar uma nova relação e extinguir uma anterior, ou para cumprir ambas funções simultaneamente, constituindo um poder. Tal fato se dá em razão dos "poderes serem espécies do gênero direito, sendo assim, se um poder for violado este se transforma em direito, pois gera uma pretensão contra a parte que deveria sujeitar-se, mas não o fez" (FERREIRA, 2007, p. 49).
Entrentanto, a necessidade de fatos probatórios na relação credor-devedor para a promoção do crédito, uma vez verificados, já proporcionam alguma base lógica – não conclusiva – para inferir algum outro fato, que poderá ser operacional ou intermediário para outro fato probatório. Sob esta ótica, estes fatos incitariam a responsabilidade por atos ilícitos, no caso, o não cumprimento da obrigação do devedor em razão do privilégio de abstenção ou de políticas públicas que a este acobertam.
Segundo o direito positivo, tanto os fatos operacionais como os probatórios devem ser analisados em algumas das seguintes maneiras: a) por via de reconhecimento judicial; b) por via de reconhecimento como fatos notórios; c) através da percepção dos juízes; d) pela interferência dos juízes (jurisprudência). O que poderia ser detalhadamente explicado da seguinte forma:
o direito permanece inerte, ou seja, não é exercido até que um dever correlato seja descumprido. Já no caso do poder, ele pode ser exercido de pronto, tendo outra parte que sujeitar-se a este. O direito será exercido através de uma ação judicial, o poder é exercido de pleno, porém se a parte que deveria sujeitar-se não o fizer também gerará uma ação judicial, ou seja, o poder irá se transformar em direito lato sensu, pois acarreta em uma pretensão com respaldo legal (FERREIRA, 2007, p. 49).
Ora, analisados diversos casos onde o credor persevera no alcance de seu crédito, pela própria análise do direito positivo, os fatos operacionais contribuiriam com porcentagem da penhora salarial do devedor, pois a própria base lógica chega à conclusão que por vezes, este é o único meio para o alcance deste crédito. Ademais, analisados estes fatos, comprova-se que são suficientes, pois são afrontados mediante ação judicial (ação de execução), fatos notórios (no caso o devedor não paga a dívida porque não quer, ou dificulta a ação da justiça), e sob a ótica judicial e por entendimento majoritário, determina-se a restrição salarial.
Um dos maiores obstáculos à compreensão clara dos enunciados jurídicos é acreditar na suposição que todas as relações jurídicas podem ser reduzidas a direitos (subjetivos) e deveres, e que estes ultimos são, portanto, adequados para analisar os interesses jurídicos mais complicados, tal como os trusts, opções de compra, contratos, interesses futuros, interesses coletivos etc.
Hohfeld faz uma tentativa de ser capaz de revelar não só o significado intrínseco dos termos jurídicos e seu alcance, mas também as suas relações mútuas e métodos que continuar a aplica-los judicialmente na solução de problemas específicos que surgem no tribunal. Direitos e deveres, privilégios e ‘não-direitos’, autoridade e sujeição, imunidade e incompetência são o que poderia se chamar de denominador comum do direito.
2. As teorias da vontade e do interesse direcionadas ao direito do credor
Para uma análise mais substancial do direito do credor, é forçoso reconhecer que o examine a natureza do direito e o seu papel na teoria moral pode acomodar uma escala de possíveis descrições, devendo explicar o papel dos direitos em diferentes teorias políticas e morais. Ademais, cuida-se de alguns (ou todos) atributos tradicionalmente pressupostos ou associados aos discursos sobre direitos (sejam eles de cunho legal, moral ou político).
Afirmar que alguém é titular de um direito difere de dizer que seria bom, adequado ou nobre que tal pessoa recebesse, ou o bem em questão, ou o que desejasse alcançar. Direitos como: valor, dignidade, autonomia, legalidade e antagonismo são frequentemente caracterizados por terem um certo caráter de legalidade e, mesmo, antagonismo; o direito tem cunho legal ou social, caráter negativo ou positivo.
Harel (2005) sugere traçar uma teoria sobre direitos acarreta resultados parciais. Tendo os direitos facetas diferentes, deve ser analisada em um primeiro momento sua natureza, consubstanciada na estrutura lógica: lógica ou formal, sua força e importância e o contexto da razão prática. Em um segundo momento, o papel do direito é analisado, baseado na teoria da moral, e se seu valor tem caráter fundamental ou ocorre por derivação, no discurso sobre a promoção desses direitos.
Há também para a análise da questão entre direitos de credores e devedores os "direitos Hohfeldianos", que tratam da natureza dos direitos partindo de sua forma, lógica e substância. Inicialmente, fala-se em direito à prestação, ou um dever; a seguir, há as liberdades, também chamadas de privilégios. O poderes, ou competências, justificam as sujeições dos poderes e as imunidades, ou ausência de poder, vêm em contrapartida a estes poderes, explica-se.
Estes direitos defendidos por Hohfeld não operam individualmente, mas conjuntamente. Há um esquema defendido pelo autor, onde "os direitos a pretensões consistem em deveres alheios de não censurar ou interferir no exercício individual do direito à manifestação de pensamento; liberdades incluem a liberdade de se expressar de modos diferentes (ou não se expressar, tão-só); e imunidades protegem contra a alteração desses direitos a pretensões e liberdades" (HAREL, 2005, p.198). Todos estes direitos estão intimamente ligados, sejam em sentido relacional, sejam estes opostos.
Há também na doutrina, duas teorias americanas que poderiam ser utilizadas na promoção dos direitos dos credores pela jurisdição brasileira: a teoria da escolha, também chamada de teoria da vontade, ou a teoria do interesse. Estas teorias constituem uma luz sobre conflitos de direitos que enfrentam a questão sobre o que direitos protegem. Trata-se de uma "análise conceitual sobre os direitos e determinadas visões políticas e morais. A teoria da escolha e a teoria do interesse são estruturas conceituais em competição, o que reflete discordâncias morais fundamentais" (HAREL, 2005, p. 199).
A teoria da escolha, defendida por Hart (apud HAREL, 2005) considera que há titulares de direitos que devem ser tratados como "pequenos soberanos", tendo suas escolhas protegidas, o que conduziria à autonomia e realização dos titulares de direito. Esta teoria tem como alicerce os direitos defendidos por Hohfeld de poderes e liberdades que, aliados, produzem a proteção de escolhas definitivas.
Tais poderes e liberdades traduzidos no direito do credor consubstanciariam nas suas escolhas, como: o poder de perdoar ou extinguir o débito e o poder de exigir, ou não, o cumprimento do dever (não necessariamente obrigações de pagar, mas também de dar e fazer). Trata-se somente no exercício de vontade do credor, tradução de seu direito subjetivo.
Já a teoria do interesse sustenta que a essência dos direitos é a de proteger e promover interesses dos titulares de direitos. Logo, direito, para esta teoria, seria o benefício de uma obrigação ou dever. Esta teoria difere da teoria da escolha somente na consequência da utilização, não tendo resultado tão prático, uma vez que seu valor final depende de se considerar princípios morais mais amplos, além de limitar os titulares do direito somente aos beneficiários eleitos pela norma.
O interesse nem sempre justifica a imposição de um dever, porque é limitado. Um interesse de cunho social ou político tem aplicação restrita pelos deveres já impostos pelo Estado, ou até mesmo suas aplicações econômicas.
Logo, a teoria da escolha favorece mais ao credor que a teoria do interesse, pois na aplicação da jurisprudência de restrição salarial, em uma análise favorável aos princípios da efetividade e celeridade processual as consequências são direcionadas ao alcance do crédito, enquanto na teoria do interesse, aspectos morais e sociais seriam analisados, como é o caso.
Muitos autores afirmam que uma teoria híbrida seria a solução para o problema na ponderação de princípios e aplicação dos direitos previstos, constituindo um equilíbrio.
3. A teoria da imprevisão e a teoria da ponderação na aplicação de princípios e regras dirigidos a credores e devedores
A teoria da imprevisão e a teoria da ponderação surgem para reestabelecer novos termos entre as relações jurídicas, principalmente onde se mostra necessária a análise de regras, princípios e relações jurídicas conflitantes.
A primeira põe em equilíbrio as relações jurídicas alcançadas por eventos inicialmente não previstos pela norma ou não previstos pelas partes envolvidas na obrigação. Logo, quando fala-se em direito obrigacional, em especial, em dever de pagar, a teoria da imprevisão poderia ser aplicada naquele aquele momento onde o devedor não paga a prestação devida por algum fato que a impediu de fazê-lo (evento futuro imprevisto), fazendo com que seja necessária a propositura de uma ação judicial para a cobrança para que a obrigação seja cumprida.
Ademais, nesta haveria a necessidade de uma busca além da proposta pela lei, que seria a penhora de bens não previstos diretamente por esta. Neste caso, haveria a necessidade de uma análise mais aprofundada da norma em questão, no caso, do código de processo civil quanto à parte da penhora de bens do devedor. Barcellos explica que isso seria possível, uma vez que,
os elementos de fato que se consideram essenciais para provocar a incidência da norma não estão presentes naquele caso, embora do ponto de vista linguístico o enunciado possa ser aplicado; há uma disparidade quanto aos pressupostos de fato entre aquele caso específico e as situações em geral às quais a norma é aplicada comumente. Em suma: a situação específica não estava nas cogitações razoáveis do legislador; não foi prevista por ele pois, se o tivesse sido, a solução seria diversa. Há aqui, como se vê, uma situação de imprevisibilidade e de substancial diferença entre o cenário planejado para a aplicação da norma e o caso (BARCELLOS, 2008, p. 105).
A penhora de salários teve previsão legal quando da alteração do Código de Processo Civil, entretanto, tal artigo foi vetado pela Presidência antes de promulgada a lei. O legislador previu que seria possível a penhora dos salários em determinadas hipóteses que, entretanto, feria o princípio da igualdade, uma vez que apenas devedores abastados seriam atingidos.
O veto certamente foi pensado cuidadosamente, já que, uma vez promulgado o referido artigo, a pressão dos meios de comunicação social ou mobilização popular se mostrariam em razão do iminente confronto à teoria da impenhorabilidade prevista na Constituição.
Todavia, levantada a possibilidade da penhora salarial, é evidente a necessidade de uma discussão doutrinária acerca do caso; caso fosse aceito o referido preceito, este haveria de estabelecer qual preferência argumentativa dentre as normas constitucionais assentaria a imposição prática deste conflito, o que se mostra viável.
Nesta mesma acepção, a teoria da ponderação, defendida por Alexy (1997), trata de conflito de princípios, seguindo um procedimento próprio. Esse procedimento contém três passos, que estão em relação aos três elementos da proporcionalidade. Em primeiro lugar, o elemento da adequação evidencia-se quando uma colisão de princípios mostra-se adequada, ou seja, quando realiza o mandamento de pelo menos um dos princípios envolvidos. Em segundo lugar, a necessidade, ou seja, quando a solução de uma colisão de princípios é necessária se realiza o mandamento de um dos princípios envolvidos com o menor sacrifício possível dos outros princípios envolvidos. E, por último, a proporcionalidade em sentido estrito, onde uma solução é proporcional se dá precedência ao princípio que, em vista das circunstâncias do caso concreto, tem de fato mais peso.
A solução que atender ao mesmo tempo às máximas de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito deve ser vertida na forma de uma regra de precedência condicionada, quer dizer, de uma regra que enuncia que, dadas certas circunstâncias, o princípio tal deve prevalecer sobre o princípio tal, neste caso, consubstanciada nos princípios da celeridade e efetividade processual versus o princípio da impenhorabilidade salarial.
A ponderação é uma técnica de decisão pela qual se solucionam conflitos normativos que não puderam ser resolvidos pelos elementos clássicos da hermenêutica jurídica (semântico, lógico, histórico, sistemático e teleológico) nem pela moderna hermenêutica constitucional (princípios de interpretação propriamente constitucional, interpretação orientada pelos princípios, etc.). Para tanto, os diversos interesses em oposição, e as normas que os legitima juridicamente, devem ser identificados, agrupados, em função das soluções que indiquem e dimensionados de acordo com as características do caso concreto. A quantidade de elementos normativos em prol de determinada solução e o peso que eles assumem diante das circunstâncias concretas são os principais critérios que vão orientar a ponderação, juntamente com o princípio da proporcionalidade (BARCELLOS, 2008, p. 118).
A teoria da ponderação segue a mesma sistemática da teoria da imprevisão, onde a decisão do julgador é resguardado de opções e interesses políticos, pois o intérprete define linhas próprias a fim de preservar cada um dos preceitos envolvidos.
O fato jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios progredir no sentido da penhora de percentual dos salários de devedores em casos de ações de execução que não se mostra outra alternativa senão esta, define um novo contorno às questões jurídicas existentes, mesmo com as situações de antinomia. Assim também entende Barcellos:
Nada obstante essas previsões, a doutrina entende que, independentemente de autorização legislativa particular, o juiz sempre poderá e deverá empregar a equidade em suas decisões, dando à norma o sentido possível que aproxime, da melhor forma possível, o fim da norma e as circunstâncias do caso concreto (BARCELLOS, 2008, p. 102).
Até recentemente, a ponderação só era aplicada aos casos que dois ou mais princípios de mesma hierarquia entravam em conflito, mas a doutrina em geral está de acordo que a solução de casos como esses não passa por uma subsunção simples, mas por um raciocínio pelo qual se atribuem pesos aos elementos em conflito para, ao fim, decidir por um deles ou ao menos decidir pela aplicação preponderante de um deles.
De qualquer modo, o fato é que durante algum tempo a ponderação esteve claramente vinculada à teoria dos princípios e às características particulares dessa espécie normativa, e ultimamente vem sido aplicada mais amplamente no confronto de direitos subjetivos.
Ávila (2003) alerta que, apesar da teoria da ponderação ser de grande valia, também chamada de weighing and balancing, não deve ser a única na avaliação e aplicação dos princípios, podendo haver o sopesamento, podendo ser explicado como uma análise de:
razões e contra-razões que culmina com a decisão de interpretação, também pode estar presente no caso de dispositivos hipoteticamente formulados, cuja aplicação é preliminarmente havida como automática (no caso de regras, consoante o critério aqui investigado) (ÁVILA, 2003, p. 35).
Fato é que com julgamentos reiterados acerca dos direitos de credores versus direitos dos devedores, muitas vezes os direitos de uns sobressaem sobre os outros, onde julgadores tentam solucionar estes conflitos normativos da forma menos traumática e mais eficaz, conferindo um poder mais amplo ao julgador. Assim também entende Barcellos:
A ponderação também se presta a organizar o raciocínio e a argumentação diante das situações nas quais, a despeito do esforço do intérprete, haverá inevitavelmente uma ruptura do sistema e disposições normativas válidas terão sua aplicação negada em casos específicos (BARCELLOS, 2008, p. 57).
Desta forma, a estrutura da ponderação, não muito diferentemente da teoria da imprevisão, pode ser assim entendida: primeiramente, identificam os comandos normativos ou normas relevantes mais diversas indicações normativas devem ser agrupadas em função da solução que estavam sugerindo. Cada solução pode realmente ser reportada a um conjunto de normas, mas nada impede que todo o processo envolva apenas duas normas, uma em oposição à outra. Em um segundo momento, são examinadas as circunstâncias concretas do caso e suas repercussões, dividindo-se este momento em duas ponderações: a levada a cabo em abstrato (casos hipotéticos ou situações ocorridas no passado) e a concreta (caso novo particular). E, finalmente, a fase da decisão, onde se estará examinando conjuntamente os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos sobre eles, graduando a intensidade da solução escolhida pelo princípio da proporcionalidade.
Ávila (2003) segue a mesma linha de raciocínio ao afirmar que a teoria da ponderação não é nada mais que uma teoria dos princípios, ou da definição à aplicação dos princípios jurídicos, pois há no primeiro momento a preparação da ponderação, ou análise mais exaustiva possível de todos os elementos e argumentos pertinentes; num segundo momento, a realização da ponderação, fundamentada na relação estabelecida entre os elementos objeto do sopesamento; e, por último, a reconstrução da ponderação, quando há a formulação de regras de relação com pretensão de validade para além do caso. De qualquer forma, serão esses parâmetros que servirão de modelos de solução para o intérprete diante do caso concreto.
Para que a ponderação possa ocorrer, é necessário, primeiramente, examinar a tese em abstrato, a convivência dos enunciados normativos e sua incidência sobre o fato concreto. Em uma segunda oportunidade, verifica-se se as normas convivem confortavelmente ou se apresentam áreas de atrito.
Desta forma, analisando os direitos de credores sobre os direitos dos devedores no caso concreto, partindo do pressuposto dos enunciados normativos que (i) todo credor tem o direito ao seu credito e (ii) há bens e direitos dos devedores que impedem a atuação dos atos executivos provenientes do exercício do direito do credor, considerando que ambos têm previsão legal.
Ora, verifica-se necessária a atribuição de pesos sobre os direitos de credores e devedores, entretanto, informações padronizadas de que direitos dos devedores estão atribuídos favoravelmente no processo de execução fazem com que o direito do credor não seja alcançado. Para Barcellos (2008), esta ponderação pode ocorrer de maneira diversa à aplicação da lei comumente utilizada, cabendo ao aplicador desta ponderação fazer os ajustes e elaborar a melhor tese para a aplicação do direito e promoção da justiça.
A ponderação, como o próprio nome diz, se dá com base em atribuições de pesos às regras, princípios, enunciados e disposições, constituindo um instrumento hábil para a solução dos chamados casos difíceis (hard cases), podendo até mesmo conferir ao intérprete o poder de restringir e até mesmo afastar a aplicação de uma dessas normas, dede que seus motivos tenham como finalidade a aplicação isonômica, entretanto, "nem sempre será possível apresentar parâmetros inteiramente objetivos ou definitivos... o intérprete carregará o ônus especialmente reforçado da motivação. Caberá a ele demonstrar, de forma analítica, por que está se afastando de tais parâmetros" (BARCELLOS, 2008, p. 68).
Verifica-se que os meios de restrição no patrimônio do devedor só podem ser caracterizados como princípios, uma vez que o direito buscado pelo credor se baseia principalmente no princípio da dignidade deste, contra o mesmo princípio, daquele. Entretanto, como já mencionado no capítulo anterior, o processo de execução é movido por outros princípios, como o princípio da celeridade e efetividade processual, o que poderia ser considerado como um peso a mais favorável ao credor no alcance de seu direito.
Em contrapartida, pelo mesmo método da ponderação, as regras por vezes se sobressaem aos princípios, criando uma barreira a aplicação destes, o que poderia ser consubstanciado na regra da impenhorabilidade salarial prevista pela constituição, que impede a restrição buscada pelo credor na penhora de 30% (trinta por cento) dos salários. Tal fato se dá pois:
Os princípios que descrevem efeitos relativamente indeterminados, cujo conteúdo, em geral, é a promoção de fins ideais, valores ou metas políticas. E essa indeterminação, ainda que relativa, decorre de a compreensão integral do princípio depender de concepções valorativas, filosóficas, morais e/ou de opções ideológicas" (BARCELLOS, 2008, p. 72).
Diante da multiplicidade de condutas em tese possíveis e adequadas para atingi-lo, as regras são determinadas. Se estas estão de acordo com as normas vigentes e geram uma consequência, são consideradas como válidas. Se não incidem sobre coisa alguma, estas regras são inválidas. Esta invalidade pode ser também em decorrência desta norma estar em desconformidade com a Constituição Federal.
A teoria dos princípios é capaz não só de estruturar racionalmente a solução de colisões de direitos fundamentais. Ela tem ainda uma outra qualidade que, para os problemas teórico-constitucionais que devem aqui ser considerados, é de grande significado. Ela possibilita um meio-termo entre vinculação e flexibilidade. A teoria das regras conhece somente a alternativa: validez ou não validez (ALEXY, 1999, p. 79).
Em uma análise breve sobre princípios e regras, poder-se-ia afirmar que os princípios estão diretamente ligados à promoção da justiça, enquanto as regras promovem a segurança jurídica. O ideal seria a aplicação dos princípios conjuntamente com as regras, promovendo o que poderia ser chamado de "justiça segura". A previsibilidade da aplicação das normas decorre da segurança jurídica por elas promovida, e em equilíbrio com os princípios, há a determinação do que seria justo pelo aplicador do direito.
A ponderação de regras poderá acarretar a ruptura do sistema do Estado de Direito, o que poderia fragilizar sua estrutura; mas, é diante de situações de ruptura do direito e necessidade de aplicação de casos excepcionais que a ponderação se mostra meio interessante no alcance de direitos dos devedores. Mesmo com a incompatibilidade constitucional, a valoração dos princípios processuais aplicados no processo de Execução se mostra eficaz no alcance dos direitos dos credores quando se fala na penhora de 30% (trinta por cento) dos salários dos devedores.
CONCLUSÃO
O abuso de direito por parte de devedores que esquivam-se das restrições patrimoniais nas ações de execução faz mostrar-se necessária a aplicação das regras hermenêuticas para uma melhor análise do caso. Nesses questionamentos e motivados pelas alterações na lei e aplicação dos princípios de celeridade e efetividade processuais, também assegurados na Constituição Federal, além da utilização de teorias constitucionais como a teoria dos conceitos fundamentais, teorias da vontade e do interesse, teoria da imprevisão e teoria da ponderação, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, de acordo com a premissa da invocação do Judiciário para o escopo processual, tem aplicado a relativização das normas ao caso concreto atrelada à penhora de salários dos devedores e efetivação do processo de execução.
REFERÊNCIAS
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ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
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FERREIRA, Daniel Brantes. Wesley Newcomb Hohfeld e os conceitos fundamentais do Direito. In. Direito, Estado e Sociedade. n. 31, p. 33-57, jul/dez 2007.
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