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A arbitragem como forma de solução de conflitos no processo civil.

Aspectos práticos, críticos e teóricos

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Agenda 01/01/2012 às 10:22

DIREITO ESTRANGEIRO

Sem qualquer pretensão de se desenvolver um amplo estudo comparativo do instituto da arbitragem e outros conexos, entre sistemas de direito ou mesmo entre os ordenamentos de outros países, ou de outros tempos ( não se pretende conferir um amplo destaque intertemporal ou extraterritorial ), não se pretende dizer que se cuide de um capítulo referente a direito comparado, parecendo adequado nomear o capítulo como direito estrangeiro.

E isso é feito porque, ainda que sem maior pretensão comparativa, ao se destacar como o instituto é disciplinado em outros países, pode-se dizer, ao menos, que se lança uma pequena contribuição em sede de possíveis idéias para aprimoramento do instituto no direito nacional.

Convém ainda que se destaque, de modo a que se evitem celeumas, que não se pretende, neste capítulo, abordar o plano da arbitragem entre Estados, enquanto instituto do direito internacional público ( com o exame de Convenções e Tratados Internacionais, como os destacados no Capítulo sobre aspectos históricos da arbitragem, a Convenção de Nova York sobre a Arbitragem ou a Uncitral – Lei Modelo de Arbitragem Comercial Internacional, esta última de 21 de junho de 1.985, aprovada em sessão da Comissão das Nações Unidas para Direito Comercial, realizada em Viena [38] ), o que escaparia aos escopos preconizados na problematização da presente monografia, posto que, o que se pretende é uma abordagem sucinta e referencial de como o instituto da arbitragem, no âmbito do direito interno, é aplicado em outros países do Mundo.

Com relação a este aspecto, de se ponderar que a distinção presente no direito brasileiro, entre cláusula compromissória e compromisso arbitral, como componentes da chamada convenção de arbitragem, não se faz presente em alguns ordenamentos jurídicos europeus, tal como se dá no processo civil alemão, em que apenas e tão somente, com ambas as funções, o compromisso arbitral. [39]

Nesse país, a exemplo do que ocorre no direito brasileiro, a arbitragem somente será possível, no âmbito privado, em relação a direitos patrimoniais disponíveis (questões de direito civil determinadas por um contrato, denominado contrato arbitral [40]), nos estritos termos da norma contida no artigo 1.025 e seus parágrafos do Código de Processo Civil alemão ( o ZPO – Zivilprocessordnung de 1.989 ).

Detalhe interessante, do direito alemão, diz respeito ao fato de que, se o referido compromisso for silente a respeito da forma de composição do juízo arbitral, cada parte deverá nomear um árbitro, e esses dois árbitros, em conjunto, deverão nomear um terceiro [41], o que, pelo óbvio, evita que se leve o dissenso para solução perante a jurisdição estatal.

Mas, diversamente do que se dá no direito alemão, outros países europeus adotam o critério de diferenciar entre os institutos da cláusula compromissória e o compromisso arbitral ( institutos dos quais se cuidará nos capítulos que se seguirão ), como exemplos desses países, de se destacar o Código Processual Civil do Cantão de Berna, na Suíça, em seus artigos 381 e seguintes, ou o Código de Processo Civil italiano, nos seus artigos 806 e 808, além do que ocorre no direito francês e no direito belga. [42]

De início, ressalta-se que o ordenamento jurídico italiano prevê, na sua própria Constituição, a possibilidade de julgamento efetuados por cidadãos estranhos aos quadros do Poder Judiciário, justamente na parte do texto constitucional que proíbe os Tribunais de exceção. Neste sentido, a norma contida no artigo 102 da Constituição da Itália:

"Art. 102 –

A função jurisdicional é exercida por magistrados ordinários, instituídos e disciplinados pelas normas de organização judiciária. Não podem ser instituídos juízes extraordinários ou juízes especiais. Podem apenas se instituir, junto a órgãos judiciários ordinários, seções especializadas para determinadas matérias, também com a participação de cidadãos idôneos, alheios à magistratura. A Lei disciplina os casos e as formas de participação direta do povo na administração da justiça" [43].

Como peculiaridade do direito italiano, tem-se o fato de que, nos termos do regime preconizado pelo Código de Processo Civil em vigor (Codice di Procedura Civile de 1.994), as relações entre os árbitros e as partes são analisadas como um contrato de locação de serviços, do qual decorrem direitos e obrigações recíprocos, tal como preconizado nos artigos 813 e 814 do referido diploma legal. [44]

Isso decorre, aliás, de forma expressa pelo teor deste último consectário, ou seja, a norma contida no artigo 814 deste diploma estrangeiro. Neste sentido, de se pedir licença para transcrevê-la na íntegra:

"Art. 814 –

( Direitos dos árbitros ). Os árbitros têm direito ao reembolso das despesas e aos honorários pelo serviço prestado, salvo se tiverem renunciado no momento da aceitação, ou com sucessivo ato escrito. As partes são mantidas solidariamente ao pagamento, salvo ressalva entre elas." [45]

Outro dado interessante da forma como o ordenamento jurídico italiano analisa a questão da arbitragem é o fato de que o laudo arbitral deve ser proferido na Itália, sendo certo que se poderá promover ação própria para reconhecimento da nulidade, revogação ou oposição por parte de terceiros, sendo certo que as partes devem ser expressas, no estabelecimento da convenção no sentido de que tal possibilidade será vedada. [46]

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E, como disciplina dessas hipóteses de nulidade, revogação e oposição mencionadas acima, existe todo um Capítulo no Código de Processo Civil Italiano, ou seja, o Capítulo V (Das Impugnações ), do Título VIII (Da Arbitragem) do Livro IV (Dos Procedimentos Especiais).

Tal Capítulo teve essa rubrica inserida pelo artigo 13 da Lei nº 25 de 05 de janeiro de 1.994 [47], e contém, em seu bojo, um artigo específico, contendo as situações em que se admitirá a discussão sobre nulidade (as impugnações por nulidade), que seria o de número 829, com nove incisos.

Para que se entendam tais hipóteses, conveniente que se proceda também à transcrição do referido artigo de lei estrangeira. Neste sentido:

"Art. 829 –

(Causas de nulidade). A impugnação por nulidade é admitida, não obstante qualquer renúncia, nos casos seguintes: 1) se o compromisso é anulado; 2) se os árbitros não foram nomeados com as formas e os modos prescritos nos Capítulos I e II do presente título, mesmo que tenha sido deduzida no julgamento arbitral; 3 ) se o laudo foi pronunciado por quem não podia ser nomeado árbitro pela norma do artigo 812; 4) se o laudo foi pronunciado fora dos limites do compromisso ou não se pronunciou sobre alguns dos objetos do compromisso ou contiver disposições contraditórias, salvo as do artigo 817; 5) se o laudo não contiver os requisitos indicados nos números 3, 4, 5 e 6 do § 2º do artigo 823, salvo o disposto no § 3º do artigo dito; 6) se o laudo foi pronunciado depois do vencimento do termo indicado no artigo 820, salvo o disposto no artigo 821; 7) se no procedimento não forem observadas as formas prescritas pelos juízes, sob pena de nulidade, quando as partes tenham estabelecido a observação da norma do artigo 816 e a nulidade não for sanada; 8) se o laudo for contrário a outro laudo precedente não mais impugnável ou a uma sentença precedente já passada por julgamento entre as partes, mesmo que a exceção relativa tenha sido deduzida no julgamento arbitral; 9) se não foi observado no procedimento arbitral o principio do contraditório. A impugnação por nulidade é ainda admitida se os árbitros não observaram as regras de direito, salvo se as partes os tiverem autorizado a decidir segundo a equidade, ou tiverem declarado o laudo não impugnável. No caso previsto no artigo 808, § 2º, o laudo estará sujeito à impugnação também por violação e falsa aplicação dos contratos e acordos coletivos." [48]

Não é preciso dizer que, em ordenamentos com este tipo de orientação, com tais possibilidades de remessa da questão decidida pelo árbitro à jurisdição estatal, o instituto, que tem como principal vantagem uma celeridade que não pode ser obtida quando se acessa o sistema público de jurisdição, acaba por perder grande parte de sua praticidade, de modo que a parte deve se resguardar para evitar que tal acesso seja aberto à parte contrária, caso essa venha a se tornar sucumbente.

No direito francês, o ordenamento processual civil (Code de Procédure Civile de 1.995) traz, como diferencial, o fato de se poder atribuir aos árbitros, através do compromisso (pois, como dito linhas atrás, esse modelo europeu também admite a coexistência da cláusula compromissória e do compromisso arbitral), a prática de atos de instrução. [49]

Em tal ordenamento não se verifica o inconveniente do direito italiano, como acentuado acima, no sentido de que possa haver recurso à jurisdição estatal (no sistema francês um recurso de cassação) ou pedido de revogação da arbitragem, pelas próprias partes (poderão, no entanto, estabelecer no compromisso, a impossibilidade de recurso para o próprio árbitro ou Tribunal arbitral, sendo certo que, no silêncio, se presume a possibilidade de tal recurso, denominado como apelo) embora exista a possibilidade de impugnação por terceiros. [50]

Na Espanha, o Código de Processo Civil (Código de Enjuizamiento Civil) não disciplinou a arbitragem, instituto que é tratado por lei especial, no caso, a Lei 36 de 05 de dezembro de 1.988. [51]

Nesse sistema, a exemplo do que ocorre nos demais citados acima, sem exceção, a arbitragem poderá ser de equidade ou de direito, a critério das partes, mas, chama-se a atenção para o fato de que, diversamente do que ocorre nos mencionados ordenamentos, no sistema espanhol, se a arbitragem for de direito, os árbitros, necessariamente, deverão ser advogados. [52]

Como curiosidade, de se destacar o sistema constitucional da extinta União Soviética, quando ainda se cuidava de um Estado sob regime comunista (na sua Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, aprovada em 07 de outubro de 1.977) que estabelecia, em sua norma contida no151 que somente Tribunais participariam da administração da Justiça [53], o que, num primeiro momento, poderia implicar numa idéia de exclusão da idéia da arbitragem privada.

Mas, analisando-se os demais artigos da aludida Carta Constitucional, o que se pode observar é que o sistema judicial soviético admitia não somente juízes togados, como também assessores populares, todos eleitos, o que explicaria a forma como denominado o Capítulo 20 desta Constituição (Tribunais e arbitragem) e explicaria, pela possibilidade de juízes leigos (tais assessores populares) a possibilidade de arbitragem nesse sistema.

Mesmo no direito muçulmano, em outro sistema jurídico, de ênfase mística, com fundamentos religiosos, com matizes mais distintas dos sistemas da Common Law e da Civil Law, tem-se situação de admissão da arbitragem, com margens mais ou menos amplas.

Neste sentido, tem-se o quanto informado por José Lopez Ortiz [54], em relação a tal sistematização:

La existência de estas multiples jurisdicciones no excluye el uso por los intersados de un derecho extrajudicial de reparación, bien que el Islam le limita a casos contadissimos; por ejemplo, la reivindicación de la cosa propia, principalmente de manos del que la ha arrebatado injustamente; pero aun este caso se le impone siempre al que intente ejercitar este derecho una limitación; su actividad reinvindicadora no ha de perturbar el orden publico; ante esta eventualidade l camino a seguir es solicitar la intervencion de los tribunales de justicia.

Ademais, no plano do direito internacional público a norma contida no artigo 163 [55] da Constituição Soviética, se referia especificamente a juízos arbitrais entre a extinta União Soviética (U.R.S.S. ou C.C.C.P.) e outros entes de direito público externos (o que, aliás, como frisado linhas atrás, escapa ao objeto do presente estudo, sendo destacado como mera curiosidade pertinente), mas, igualmente se aplicava à resolução de conflitos internos entre empresas e organizações, conflitos esses que implicassem no que o texto constituncional denominava litígios econômicos, com expressa referência a um lei arbitral.

No sistema da common law, ou seja, o sistema que tem por base o direito dos países de colonização inglesa, costuma-se diferenciar entre os sistemas de arbitragem facultativa ou voluntária (voluntary arbitration) daqueles em que, em dadas matérias, a arbitragem se torna compulsória (compulsory arbitration). [56]

Na Austrália, por exemplo, em sede de pendências trabalhistas ( o que se destaca a título exemplificativo pois a presente monografia se presta, como frisado na introdução, a examinar aspectos da arbitragem no processo civil ) a arbitragem é compulsória, valendo os laudos arbitrais, denominados awards, como verdadeiras sentenças, chegando-se a afirmar que, nesse país, os Tribunais Arbitrais são órgãos quase judiciais. [57]

A Nova Zelândia, até meados de 1.991 seguiu a mesma orientação, quando, então, com o advento do Employment Contract Act, voltando-se ao sistema de arbitragem facultativa, o que também ocorre na Grã-Bretanha, em que qualquer causa pode ser submetida a arbitragem [58] (sistema facultativo, portanto, mas que vai além do limite estabelecido no Brasil que restringe a abrangência do instituto aos direitos patrimoniais disponíveis).

Em sede de direito argentino, o instituto não restou esquecido, podendo-se que o Código de Processo Civil e Comercial da Nação (Código Procesal Civil y Comercial de la Nacion) disciplina a arbitragem nos seus artigos 736 a 765, sob um rubrica de juízo arbitral, separado do que a legislação da Argentina denomina juízo de amigáveis compositores (artigos 766 a 772) [59], este último grupo representando os árbitros autorizados a decidirem por equidade (com prazo mais restrito para prolatar laudos – cerca de três meses, contra os seis meses dos árbitros que julgam pelas regras de direito), sendo certo que se chama a atenção para esse regramento, em primeiro lugar, por sua proximidade territorial com o Brasil, o que implica em considerável volume de negócios envolvendo pessoas dos dois países, mas, sobretudo, por orientações interessantes como o fato de que se considerará, pela lei processual argentina, válido um laudo, mesmo que algum dos árbitros oponha resistência em reunir-se para deliberar, e, se houver orientações inconciliáveis entre os entendimentos, contempla-se a possibilidade de nomeação de árbitros para dirimir tais polêmicas.

Ainda dentro do chamado Mercosul, de se frisar que a arbitragem se encontra disciplinada pelo Código Geral de Processo (Código General de Proceso) do Uruguai, em seus artigos 473 e seguintes e pelo Código Processual Civil (Código Procesal Civil) do Paraguai, em seus artigos 774 e seguintes. [60]

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio Cesar Ballerini. A arbitragem como forma de solução de conflitos no processo civil.: Aspectos práticos, críticos e teóricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3105, 1 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20760. Acesso em: 22 dez. 2024.

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