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Da necessidade de aplicação da resposta à acusação e da absolvição sumária, previstas no procedimento comum ordinário e sumário do Código de Processo Penal, à Lei nº 11.343/2006

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Agenda 15/01/2012 às 14:55

No trâmite da Lei nº 11.343/2006, deve ser assegurada a oportunidade de o acusado apresentar defesa preliminar (após a sua notificação); em seguida, não sendo o caso de rejeição da denúncia, resposta à acusação (após a sua citação), chegando-se à etapa em que juiz verificará se é o caso de absolvição sumária do acusado.

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo estudar o procedimento especial previsto na Lei 11.343/2006, e a sua aplicação frente à reforma introduzida pela Lei 11.719/2008 ao Código de Processo Penal, relacionando-o aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com enfoque na previsão específica de defesa preliminar e sua compatibilidade com o disposto nos artigos 396, 396-A e 397 do Código de Processo Penal. Este estudo é de suma importância aos aplicadores do direito, bem como aos sujeitos da relação jurídico-processual, pois assegura ao acusado submetido ao procedimento especial da Lei 11.343/2006 a oportunidade de apresentar resposta à acusação e de ser absolvido sumariamente. Para tanto, foram utilizados os métodos comparativo, dedutivo e fenomenológico, mediante pesquisa jurisprudencial em nossos tribunais e das divergências doutrinárias existentes. Assim, confrontando todos os entendimentos encontrados com a técnica jurídica processual e com a ordem constitucional, defendemos que ao procedimento especial previsto na Lei 11.343/2006 deve ser aplicado o disposto nos artigos 396, 396-A e 397 do Código de Processo Penal, por ser essa a interpretação que se extrai após uma análise sistemática do ordenamento jurídico, bem como por tal determinação se encontrar expressa nos parágrafos 2º e 4º do artigo 394 do Código de Processo Penal. Por derradeiro, a aplicação das normas processuais penais nos moldes defendidos pela presente pesquisa, se coaduna com os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da razoável duração do processo, da celeridade processual e da segurança jurídica, assegurando uma tutela jurisdicional célere, justa, efetiva e adequada.

Palavras-chave: Procedimento especial. Resposta à acusação. Absolvição sumária. Princípios constitucionais. Aplicação.


INTRODUÇÃO

Em que pese a Lei 11.343/2006 estabelecer um procedimento especial para a apuração dos delitos nela previstos, exceto quando aplicado o procedimento da Lei 9.099/1995, é preciso realizar uma interpretação sistemática dos seus dispositivos com o ordenamento jurídico atual.

Com a reforma promovida pela Lei 11.719/2008 no Código de Processo Penal, temos a previsão legal, nos seus artigos 396 [01] e 396-A [02], da resposta à acusação, peça a ser apresentada pela defesa no prazo de dez dias após a decisão do magistrado que recebe a denúncia e a sua respectiva citação, com aplicação no procedimento comum ordinário e sumário.

O conteúdo dessa resposta é amplo, pois o acusado poderá arguir preliminares; defender tese de absolvição, ou mesmo de desclassificação do delito, ou ainda, pleitear a aplicação de atenuantes ou causa de diminuição de pena, ou seja, alegar toda a matéria que possa influir no mérito da causa; oferecer documentos; especificar as provas que serão produzidas ao longo do processo, arrolando as testemunhas que pretende ouvir quando da audiência de instrução, debates e julgamento (até o máximo de oito, no caso do rito ordinário, ou cinco, no caso do sumário, em relação a cada fato), sob pena de preclusão e, no mesmo prazo de dez dias, o acusado pode apresentar as exceções pertinentes, que serão processadas em apartado, nos moldes dos artigos 95 a 112 do Código de Processo Penal. Sobre o tema, cumpre transcrever a lição de Damásio de Jesus [03]:

A resposta escrita constitui o momento adequado para: (i) arrolar testemunhas (no máximo oito – procedimento ordinário – ou cinco – procedimento sumário); (ii) arguir preliminares; (iii) deduzir alegações que interessam à defesa (sem caráter preclusivo e sem ônus de impugnação específica); (iv) oferecer documentos e especificações; (v) especificar as provas que pretende produzir. Se houver a arguição de exceções (arts. 95 a 112 deste Código), estar serão processadas em apartado.

Por conseguinte, após a apresentação da referida defesa, consoante determina o artigo 397 do Código de Processo Penal [04], o magistrado analisará se é o caso de absolvição sumária do acusado ou não.

Assim, logo no início do processo, o magistrado poderá julgar antecipadamente o mérito da demanda, absolvendo desde logo o acusado, o que se mostra compatível com a visão garantista do Direito Processual Penal atual, já que a persecução penal contra o denunciado chegará ao fim. Sobre o tema, cumpre transcrever os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci [05]:

Essa situação equivale ao julgamento antecipado da lide, que ocorre na esfera cível. Em verdade, está-se possibilitando ao juiz, já tendo recebido a denúncia ou queixa, mas tomando conhecimento das alegações do réu, até então inéditas, com o oferecimento de documentos ou outras provas, possa terminar a demanda, absolvendo o acusado desde logo.

Portanto, temos que tal defesa volta-se, primordialmente, à absolvição sumária do acusado, logo, ao mérito da demanda, ao contrário da defesa preliminar prevista no artigo 55 da Lei 11.343/2006, que tem como objetivo principal convencer o magistrado de que a denúncia não deve ser recebida, ou seja, visa atacar eventuais vícios de ordem formal do feito. Nesse sentido, cumpre mencionar os ensinamentos do promotor de justiça Ricardo AntonioAndreucci [06]:

Como é cediço, a Lei de Drogas traz em seu bojo um instituto garantista denominado defesa preliminar, impropriamente chamado de defesa prévia pela própria lei, consistente na possibilidade do acusado, após oferecida a denúncia pelo Ministério Público, mas antes de ser recebida, ter a oportunidade de defender-se, contraditando as acusações que lhe foram lançadas, visando justamente influir no convencimento do magistrado, levando-o à rejeição da peça acusatória.

Assim, verifica-se que não há incompatibilidade entre tais defesas, podendo, ambas, serem aplicadas ao procedimento da Lei 11.343/2006, pois o caput do artigo 48 da referida legislação especial prevê a aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo Penal.

Por conseguinte, é importante ressaltar que, como os artigos 396 a 397 do Código de Processo Penal constituem normas de caráter geral, não houve a revogação da defesa preliminar do artigo 55 da Lei 11.343/2006, pois, conforme assegura o parágrafo 2º do artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a lei nova, quando estabelece disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a legislação anterior.

Ademais, se não admitirmos a aplicação da resposta à acusação no rito da Lei 11.343/2006, não será permitido ao magistrado absolver sumariamente o acusado, caso verifique uma das hipóteses do artigo 397 do Código de Processo Penal, pois não há como absolvê-lo em um processo que ainda não chegou a existir, devendo o juiz aguardar até o momento da sentença para, só então, julgar o mérito da causa, o que é prejudicial ao acusado e contrário aos ditames constitucionais, caracterizando um verdadeiro retrocesso. Esse também é o entendimento de Laila Scheer [07]:

Há, então, dois momentos diversos: defesa preliminar, a fim de serem levantadas as questões pertinentes a (im)possibilidade do recebimento da denúncia e resposta à acusação, buscando motivações para a absolvição sumária.

(...) O aspecto relevante, pois, reside na circunstância de que na Lei nº. 11.343/06 está prevista a notificação do acusado antes do recebimento da denúncia, o que possibilita ao magistrado, a partir da defesa apresentada, rejeitar a exordial acusatória. Mas, se isso não ocorrer, o acusado será citado e será efetivado um juízo pleno da pretensão punitiva que, apenas quando exaurido por completo, pode terminar em absolvição sumária.

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Assim, caso a denúncia não seja rejeitada, o acusado passará por todas as fases do processo penal, para, talvez, ser beneficiado pela absolvição sumária.

Assim, aplicar o disposto nos artigos 396, 396-A e 397 do Código de Processo Penal ao procedimento especial previsto na Lei 11.343/2006, está de acordo com uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, além de ser compatível com os princípios da Constituição Federal, uma vez que, com tal aplicação, haverá a concretização do primado da razoável duração do processo, do contraditório e da ampla defesa, constituindo o devido processo legal.


A ANÁLISE DO TEMA À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Após realizarmos uma análise de todo o ordenamento jurídico e chegarmos à conclusão de que os dispositivos do Código de Processo Penal que versam sobre a resposta à acusação e absolvição sumária, além de abranger o procedimento comum ordinário e sumário, também devem incidir ao procedimento especial da Lei 11.343/2006, é necessário verificar o que o Código de Processo Penal estipula, expressamente, sobre o assunto.

Com a reforma efetuada pela Lei 11.719/2008, o parágrafo 2º do artigo 394 do Código de Processo Penal [08], buscando suprimir eventuais lacunas dos procedimentos especiais, estipulou a aplicação do procedimento comum a todos os processos, exceto quando a lei previr regra em sentido contrário.

Assim, por tal dispositivo, o Código de Processo Penal corrobora, expressamente, com a tese defendida neste artigo, já que o procedimento especial da Lei 11.343/2006 apenas é omisso quanto à previsão de resposta à acusação e absolvição sumária, mas não prevê a sua não aplicação, ou mesmo, não apresenta regramento em sentido contrário.

Se não bastasse tal previsão legal, em complemento, o parágrafo 4º do mesmo artigo 394 do Código de Processo Penal [09], determina que as disposições dos artigos 395 a 398 do referido Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados por este diploma legal.

Verifica-se que o legislador, com a Lei 11.719/2008, buscou a criação de uma uniformização dos ritos processuais, a fim de assegurar aspectos de defesa considerados mínimos, ou seja, com tal previsão, embora admita a coexistência de outros procedimentos especiais, ao acusado, deve ser assegurada, sempre, a etapa processual de análise da rejeição da denúncia, consoante o artigo 395 do Código de Processo Penal, a oportunidade de apresentar resposta à acusação, após a sua citação, conforme os artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal, bem como a possibilidade do magistrado, logo no início do processo absolvê-lo sumariamente, nos moldes do artigo 397 do Código de Processo Penal.

Sobre o tema, cumpre transcrever a lição do doutrinador Damásio de Jesus [10]:


Uniformização do rito processual (art. 394, § 4º)

O CPP dispõe que as normas dos arts. 395 a 399 aplicam-se a todos os processos em primeiro grau de jurisdição, salvo no Júri, independentemente do rito estabelecido (comum ou especial, previsto no CPP ou fora dele). Assim, em todos os procedimentos penais deverá haver: 1º) oferecimento da denúncia ou queixa (art. 394); 2º) recebimento da denúncia ou queixa; 3º) citação do acusado para resposta escrita; 4º) apresentação da resposta escrita; 5º) absolvição sumária (art. 397); 6º) se não for o caso de absolvição sumária (art.397), designa-se audiência de instrução e julgamento (art. 399).

Diante do exposto, por expressa previsão legal do Código de Processo Penal, no artigo 394, parágrafos 2º e 4º, deve ser aplicado no procedimento especial previsto na Lei 11.343/2006, os seus dispositivos que versam sobre a resposta à acusação e absolvição sumária. Contudo, como a matéria é controvertida, a seguir, analisaremos as principais posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema.


DAS CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS

Neste tópico, analisaremos as controvérsias existentes na doutrina e na jurisprudência frente à aplicação, ou não, da resposta à acusação e da etapa processual que assegura a absolvição sumária do acusado, consoante os artigos 396, 396-A e 397, todos do Código de Processo Penal, ao procedimento especial previsto na Lei 11.343/2006.

Abordaremos, principalmente, a interpretação que se tem dado aos parágrafos 2º e 4º do artigo 394 do Código de Processo Penal, por nós já analisados, bem como as justificativas apresentadas frente aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Inicialmente, é importante mencionar que o Supremo Tribunal Federal, por meio do ministro Marco Aurélio, se pronunciou acerca da necessidade de se observar o parágrafo 4º do artigo 394 do Código de Processo Penal no que tange ao procedimento especial previsto na Lei 8.038/1990, ou seja, embora tal procedimento, assim como o da Lei 11.343/2006, estipule o instituto da defesa preliminar, também deve ser assegurado ao acusado a oportunidade de apresentar resposta à acusação, bem como a possibilidade de ser absolvido sumariamente, nos termos dos artigos 396, 396-A e 397 do Código de Processo Penal.

A interpretação adotada pelo ministro Marco Aurélio, foi no sentido de aplicar tal dispositivo de maneira abrangente, uma vez que, segundo a literalidade do referido artigo, o disposto nos artigos 395 a 398 do Código de Processo Penal deve ser aplicado aos procedimentos de primeiro grau de jurisdição, e o procedimento previsto na Lei 8.038/1990 se refere ao procedimento a ser observado pelos tribunais.

Portanto, em que pese a matéria da decisão não envolva, diretamente, o procedimento especial da Lei 11.343/2006, os motivos e argumentos utilizados pelo ministro Marco Aurélio podem ser aplicados ao caso em tela por analogia. Vejamos o seu pronunciamento [11]:

(...) é de notar que a Lei nº 8.038/90 não exaure os procedimentos alusivos à ação penal originária da competência dos tribunais. O artigo 9º nela inserido estabelece que a instrução obedecerá, no que couber, ao procedimento comum do Código de Processo Penal, podendo o relator delegar a realização do interrogatório ou de outro ato da instrução a juiz ou membro de tribunal com competência territorial no local de cumprimento da carta de ordem.

Pois bem, com a modificação decorrente da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, o artigo 396 do Código de Processo Penal passou a prever que, nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, em dez dias. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começa a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. Já o novo artigo 396-A do mesmo diploma preceitua que, na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo que interesse à própria defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.

O fato de, neste processo, a denúncia ter sido recebida antes da vigência da citada lei não afasta a aplicação no que os dispositivos legais tratam de matérias ligadas ao devido processo legal e, mais precisamente, à defesa do acusado. Entendo-os plenamente aplicáveis à espécie.

Observe que os argumentos mencionados pelo ministro Marco Aurélio são os mesmos utilizados pela presente pesquisa, ou seja, os artigos 396, 396-A e 397 devem ser aplicados aos procedimentos especiais, pois constituem inovação legislativa que atende a visão garantista do nosso ordenamento jurídico, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa e, sobretudo, do devido processo legal.

Nesse mesmo sentido, temos o entendimento de Fernanda Maria Alves Gomes Aguiar [12], Leonardo Barreto Moreira Alves [13], Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar [14], bem como do juiz de direito Teodomiro Noronha Cardoso [15], este último ressalta que, embora o momento para a realização do interrogatório do acusado, previsto na Lei 11.343/2006, não tenha sido alterado diante da reforma efetuada no Código de Processo Penal pela Lei 11.719/2008, o mesmo não pode ser afirmado no que tange ao instituto da resposta à acusação e à possibilidade de absolvição sumária do acusado, vejamos:

Obviamente, não cabe ao intérprete promover qualquer mudança na audiência de instrução e julgamento, prevista no art. 57, da Lei 11.343/06, porque as disposições do art. 400, da Lei 11.719/08, sequer derrogaram a sistemática da Lei Especial Antidrogas.

Destarte, da interpretação conjunta dos §§ 4º e 5º, do aludido art. 394, da Lei de Reforma, deduz-se que as disposições gerais do procedimento ordinário aplicar-se-ão de forma subsidiária ao procedimento da Lei Antidrogas, máxime, o instituto da absolvição sumária, do art. 397, não previsto na citada Lei Antidrogas, mas, sua adoção no rito da referida Lei 11.343/06 é indiscutível.

Esse também é o entendimento do desembargador Tristão Ribeiro [16], do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo:

TÓXICO. Tráfico. Nulidades processuais. Inocorrência. Desnecessidade, nos casos dos crimes previstos na Lei de Tóxicos, de realização do interrogatório ao final da instrução. Procedimento especial da Lei 11.343/06 que continua em vigor após a fase do artigo 397, do Código de Processo Penal, nos termos do artigo 394, § 2º e § 4º, do mesmo Código (...)

A doutrina de Luiz Flávio Gomes e Patrícia Donati [17] corrobora com essa tese:

O art. 55 da Lei 11.343 /2006 prevê a defesa preliminar (antes do recebimento da denúncia). O art. 396 do CPP prevê resposta escrita. Este último dispositivo deve incidir na lei de drogas (por força do 4º do art. 394 do CPP). Ou seja: no procedimento relacionado com delito de drogas (tráfico etc.) temos duas defesas previstas nas leis. A primeira (art. 55) tem por meta alcançar a rejeição da denúncia (nos termos do art. 395 do CPP). A segunda tem o escopo de alcançar a absolvição sumária (art. 397 do CPP). Duas defesas com objetivos distintos (ajustáveis, claro, aos arts. 395 e 397 do CPP). Esse é o devido processo legal hoje vigente no Brasil. O art. 55 não foi derrogado. O 4º do art. 394 não retirou nenhum direito do réu, ao contrário, só favoreceu.

O procedimento nos delitos de tráfico de entorpecentes etc., como se vê, mais parece um monstrengo que uma legislação avançada. De qualquer modo, essas são as leis que temos no Brasil. Devemos fazer mil arranjos para se saber o que vigora e o que não vigora. Para nós, a existência de duas defesas é o que está nas leis vigentes. Coerência entre elas existe, desde que cada uma tenha uma finalidade distinta. Outro detalhe: considerando-se que o art. 400 do CPP não se aplica para as leis especiais, o interrogatório na lei drogas vem em primeiro lugar. Aqui reside outra distinção dos procedimentos relacionados com os delitos de drogas. É tudo muito confuso, mas pelas leis vigentes, assim é! São temas complexos que nossos tribunais superiores terão que enfrentar.

Ademais, temos a posição do promotor de justiça Ricardo Antonio Andreucci [18], que entende que, pela aplicação do parágrafo 4º do artigo 394 do Código de Processo Penal ao procedimento especial da Lei 11.343/2006, haveria o surgimento de um "procedimento híbrido", segundo tal doutrinador:

Sem embargo da envergadura jurídica dos defensores de ambas as posições, cremos que a solução mais acertada encontra-se em uma posição intermediária, híbrida, compatibilizando as novas disposições procedimentais da Lei nº 11.719/08 com a sistemática garantista da Lei de Drogas, permitindo ao acusado defender-se preliminarmente, antes do recebimento da denúncia.

Isso porque não pode a nova sistemática processual subtrair ao acusado o direito conquistado de contrariar a acusação antes da análise, pelo magistrado, da admissibilidade da peça acusatória, direito esse de cunho nitidamente penal, corolário da ampla defesa constitucionalmente garantida.

Ademais, é bom que se diga, o art. 394, § 4º, do Código de Processo Penal, determina a aplicação a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados pelo Código, das disposições dos arts. 395 a 398, em nada interferindo na defesa preliminar. A saber: o art. 395 do Código de Processo Penal menciona que "a denúncia ou queixa será rejeitada quando...", dando o nítido entendimento de que apenas a partir desse momento processual é que o novo rito será aplicado aos procedimentos especiais. A defesa preliminar, portanto, por ser anterior ao recebimento da denúncia, não pode ser suprimida, devendo ser mantida e integrada ao rito híbrido.

Porém, em sentido contrário, há doutrinadores que defendem que o rito especial previsto na Lei 11.343/2006 deve ser aplicado de maneira exclusiva, sem a incidência dos artigos 396, 396-A e 397 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, temos a lição de Cleber Masson [19], que afirma que o disposto no parágrafo 4º do artigo 394 do Código de Processo Penal não merece aplicação, pois constitui em um mandamento genérico, contrário à previsão estabelecida no caput do seu artigo 396, que é peremptório ao restringir a resposta escrita exclusivamente aos procedimentos ordinário e sumário. Esse doutrinador explica:

Em uma primeira análise, o instituto aparenta ser genericamente aplicável a todas as ações penais cujo trâmite se desenvolva em primeiro grau de jurisdição, inclusive aos crimes tipificados pela Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).

De fato, estatui o artigo 394, § 4°, do Código de Processo Penal que "as disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código".

O texto de lei, contudo, não pode ser interpretado de forma isolada, mas sistematicamente. Com efeito, agiu impropriamente o legislador ao criar a mencionada regra genérica. Ensejou espaço para a dúvida e para a contradição, desnecessariamente, pois em seu artigo 396, caput, o Código de Processo Penal foi peremptório ao restringir a resposta escrita exclusivamente aos procedimentos ordinário e sumário.

Destarte, o texto do artigo 394, § 4° deve ser relativizado, para o fim de aplicar-se a resposta escrita somente aos ritos ordinário e sumário, espécies do procedimento comum, e não a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados pelo Código de Processo Penal.

Da mesma forma, já decidiram os desembargadores Ivan Leomar Bruxel [20] e Marco Aurélio de Oliveira Canosa [21], ambos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, segundo este último:

TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APELAÇÃO DEFENSIVA. PRELIMINARES - Pretensão à adoção de rito misto ou híbrido. A alegação de que é obrigatória a abertura dos prazos defensivos previstos no artigo 55 da Lei n.º 11.343/06 e artigo 396 do CPP não tem passagem. Precedentes da Corte. - Na espécie, o digno Juiz de Direito observou o comando contido no art. 55 da Lei n. 11.343/06, tendo sido ofertada a defesa prévia. - Não há, assim, nulidade a ser reconhecida (...)

Adotando esse posicionamento, temos o desembargador Manuel José Martinez Lucas [22], também do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E PORTO ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA. Argumentação de nulidade do feito por falta de observância concomitante dos arts. 396 do Código de Processo Penal e do art. 55 da Lei nº 11.343/06, como se fosse possível o oferecimento de duas defesas escritas antes do início da instrução processual. Artigos 394, § 2º, do CPP e 48 da Lei de Drogas. Tais dispositivos legais deixam claro que o procedimento a ser seguido é o previsto na lei especial, à qual se aplica, subsidiariamente, o procedimento comum previsto no Código de Processo Penal, o que foi observado no presente processo (...)

Ocorre que tal posição é contrária ao texto expresso do parágrafo 4º do artigo 394 do Código de Processo Penal, bem como ao do caput do seu artigo 396, já que este, em momento algum, dispõe que a resposta à acusação é aplicada somente ao procedimento comum ordinário e sumário.

No mesmo sentido é a lição de Renato Marcão [23], que entende inconciliáveis o disposto nos artigos 396, 396-A e 397 do Código de Processo Penal com o procedimento especial da Lei 11.343/2006, uma vez que a resposta preliminar, prevista nesse rito especial, estaria substituindo a resposta à acusação da legislação ordinária.

Por conseguinte, tal doutrinador ensina que estando presente qualquer das hipóteses de absolvição sumária do referido artigo 397, o magistrado deverá rejeitar a denúncia, o que seria mais benéfico ao acusado. Veja tal posicionamento:

Sabido é que o procedimento especial previsto nos arts. 55 a 58 da Lei de Drogas dispõe de forma contrária ao que está expresso nos art.s 396 a 397 do CPP e, diga-se de passagem, com melhor técnica.

(...) No âmbito da Lei de Drogas, somente após a efetiva apresentação da resposta é que o juiz, não sendo caso de rejeição, avaliação mais uma vez pertinente após a resposta escrita, irá receber a acusação, designar audiência de instrução e julgamento, e seguir conforme o disposto nos arts. 56 a 58.

(...) Dir-se-á que o art. 397 do CPP instituiu hipóteses de absolvição sumária, e que permitir ao juiz tal possibilidade é benefício que não se deve subtrair ao "acusado", devendo se assegurar sua incidência em todo e qualquer procedimento, mas tal forma de pensar também não é suficiente para impor a aplicação de tal instituto ao procedimento regulado na Lei de Drogas nos moldes em que tipificado no Código de Processo Penal, não sendo demais salientar que estando presente qualquer das hipóteses reguladas no art. 397 do CPP, no âmbito da Lei de Drogas o juiz sequer receberá a denúncia, o que uma vez mais traduz considerável vantagem ao denunciado.

(...) O que é causa de absolvição sumária no art. 397 do CPP é causa de rejeição da peça acusatória no âmbito da Lei de Drogas, e, insista-se, não por força do disposto no § 4º do art. 394, mas sim porque o juiz jamais, em tempo algum, deve receber formalmente a acusação inicial e instaurar processo criminal quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou, IV - extinta a punibilidade do agente.

(...) Adotados tais parâmetros, caso se pretendesse aplicar as regras dos arts. 396 a 397 do CPP ao procedimento da Lei de Drogas haveria manifesta incompatibilidade, face à impossibilidade de conciliação das regras comuns do Código de Ritos com as especiais dos arts. 55 e 56 da Lei de Drogas.

(..) Não há dúvida, portanto, que o procedimento regulado nos arts. 55 a 58 da Lei n. 11.343/2006, atual Lei de Drogas, permanece íntegro, sem qualquer modificação decorrente do disposto nos arts. 396 a 397 do CPP, ao contrário do que algumas vezes se tem proclamado em razão do disposto no § 4º do art. 394 do mesmo Estatuto.

Contudo, essa corrente doutrinária também não merece prosperar, porque, conforme já explanado, não há qualquer incompatibilidade entre a defesa preliminar, prevista no artigo 55 da Lei 11.343/2006, e a resposta à acusação, prevista nos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal, já que versam sobre matérias diferentes; aquela sobre vícios processuais, e esta sobre aspectos de mérito da causa.

Também não é correto afirmar que as hipóteses de absolvição sumária, previstas no artigo 397 do Código de Processo Penal, se equivalem às situações que ensejam a rejeição da denúncia, uma vez que, da mesma forma, aquela decisão diz respeito ao mérito da demanda e esta aos aspectos processuais do feito.

Pensar de forma contrária seria prejudicial ao acusado que, ao invés de ser absolvido sobre determinada imputação, teria apenas uma decisão de não recebimento da denúncia, o que não impede que uma nova demanda seja instaurada contra si.

Os doutrinadores Gustavo Octaviano Dinis Junqueira e Paulo Henrique ArandaFuller [24] entendem de forma semelhante, pois acreditam na desnecessidade do acusado apresentar duas espécies de defesa no procedimento especial da Lei 11.343/2006. Porém, tais doutrinadores defendem a possibilidade de se aplicar o artigo 397 do Código de Processo Penal ao rito da Lei 11.343/2006, ou seja, de se absolver sumariamente o acusado. Segundo tal entendimento:

Com a entrada em vigor da nova redação do artigo 396-A do CPP, fez-se necessária resposta à acusação após o recebimento da denúncia ou a defesa preliminar prevista no presente artigo a substitui? Acreditamos que não há necessidade de duas defesas, suprimindo o ato ora estudado a função da resposta à acusação. Assim, a sensível alteração trazida pela reforma do CPP não estaria na duplicidade de oportunidades para oferecimento da defesa, mas sim na incidência do art. 397 do CPP, que permite a absolvição sumária após o oferecimento da resposta à acusação (...)

Porém, pelos argumentos acima já apresentados, tal posição doutrinária não se adequa à boa técnica processual, já que haveria uma incompatibilidade entre a defesa apresentada (que versaria somente sobre os aspectos formais da demanda) e a decisão do magistrado (que versaria sobre o seu mérito).

Sobre o autor
Júlio César Valese

Defensor Público do Estado de São Paulo. <br>Atuação nas áreas de direito penal, processo penal, execução penal e efetivação de direitos fundamentais. <br>Professor de Direito Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALESE, Júlio César. Da necessidade de aplicação da resposta à acusação e da absolvição sumária, previstas no procedimento comum ordinário e sumário do Código de Processo Penal, à Lei nº 11.343/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3119, 15 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20859. Acesso em: 22 dez. 2024.

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