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A crítica à morosidade do Judiciário e aos direitos dos juízes (privilégios?)

Agenda 23/02/2012 às 14:16

Não se pode comparar “salário” de juiz com o médio da imensa massa da população brasileira, pois é um critério capcioso, sórdido e inapropriado para concluir que ganha muito; mas sim com a remuneração de profissionais do setor privado cuja atividade exija semelhantes estudos, aprimoramento, atualização, preparo, conhecimento, cultura e responsabilidade.

 

Excesso de simplicidade no trato do que é sofisticado não pode produzir bons resultados. Problemas de grandes proporções geralmente têm vários culpados. Muitos não estão dispostos a aceitar sua responsabilidade.

Poucos estão habilitados para falar do Judiciário. O público externo, mesmo advogados experientes e membros da OAB, em regra, não reúnem condições ideais para assunto desta magnitude. Quase sempre conhecem somente a parte visível dos problemas.

Opiniões equivocadas têm dado o tom (desafinado) das críticas.

A sociedade precisa ser informada que a morosidade do Judiciário não o atinge na mesma extensão e profundidade em todos os seus ramos e graus de jurisdição. Não é possível colar o mesmo rótulo indigno para todos os processos e juízes. A generalização é um pecado imperdoável.

Os órgãos judiciários não têm a mesma estrutura e grau de informatização. Enfrentam problemas diferentes em cada ramo e Estado da federação. O funcionamento do Judiciário é tema complexo. Não admite visões reducionistas e simplistas, meias-verdades ou discurso demagógico.

Não é honesto transmitir para a sociedade, como se fosse uma realidade única, homogênea e incontestável, uma mesma visão catastrófica sobre o Judiciário.

Não presta homenagem à verdade, afirmar que um processo tem duração de dez anos em primeiro grau de jurisdição, como, com a devida vênia, de forma inconsequente e irresponsável, afirmaram alguns representantes da OAB em entrevistas para jornais de grande circulação no final de janeiro/início de fevereiro de 2012. São casos isolados, que constituem exceções.

Na Justiça do Trabalho, pelo menos no Estado do Paraná, da distribuição até a sentença, um processo não demora mais que um ano. A média fica entre seis e oito meses. Evidente que por motivos que fogem do controle do Judiciário alguns processos podem ser mais lentos. No TRT da 9ª Região um Recurso Ordinário é julgado entre três meses (isso mesmo, três meses!) e um ano, quando muito. Que dez anos são esses, cara pálida?

Diz a verdade para a sociedade, esclarecendo que esta demora absurda, ainda que excepcional, geralmente ocorre na Justiça Comum dos Estados e, certamente, há explicações para este fenômeno incômodo e, talvez, inaceitável, que deve ser buscada nos autos. Seguramente, o menos culpado por este retardamento é o juiz, sempre ressalvando exceções, claro.

Cada processo judicial tem uma história única, capaz de fornecer justificativa sobre seu estágio evolutivo, fundada em fatos provados nos respectivos autos. Os advogados, mormente os mais experientes, sabem disso. Não se pode admitir demagogia e leviandade com a opinião pública, manipulando a ignorância, a intolerância e as paixões populares.

Nós, que tivemos oportunidade de estudar, temos maior responsabilidade social que os outros que não tiveram.

Temos obrigação de desenvolver o senso crítico, abandonando o senso comum, nem sempre apropriado para as complexidades e sofisticações das relações humanas. Uma das formas de se fazer isso é investir parte de nosso tempo e de nossos recursos financeiros em aquisição de conhecimento e cultura geral.

Devemos criar o hábito da leitura, incluindo textos de filosofia, sociologia, antropologia, os clássicos da filosofia política, além de outros conhecimentos das áreas de ciências humanas e ciências sociais aplicadas, em vez de nos limitarmos à dogmática jurídica, que é uma leitura, considerada isoladamente, quase sempre muito chata. Precisa ser temperada com outros conhecimentos que lhe complemente e lhe dê um sentido mais amplo, extenso e profundo.

A interdisciplinaridade, na formação de uma visão holística do mundo, da vida e de todos os seus problemas, é impositiva e inafastável para aqueles que atuam na área jurídica e desejam compreender melhor o ser humano, ajudando-o a resolver seus problemas cotidianos.

Voltando ao núcleo do tema, cabe ressaltar que muitas vezes é do interesse da parte e do seu procurador que haja lentidão processual. A maioria dos advogados, por exemplo, pelo que tenho acompanhado pela imprensa, é contra a redução das oportunidades de se recorrer de uma decisão judicial.

Se é verdade que o sistema judiciário nacional é lento, não menos verdade é que quem faz as leis o quer assim. As leis são o que as classes dominantes querem que sejam. Não fique perplexo, caro leitor. As instituições funcionam de acordo com a vontade e o interesse das elites econômicas e políticas, em todos os lugares e épocas, independentemente do sistema político vigente. Há muito discurso retórico e ideológico para iludir o povo.

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O Judiciário depende dos poderes Executivo (orçamento) e Legislativo (leis). Juiz não faz leis. Não tem as chaves do cofre. Apenas interpreta e aplica as leis elaboradas pelo Legislativo e sancionadas pelo Executivo. A autonomia financeira do Judiciário na prática não existe. Esta autonomia, quando muito, permite aos tribunais elaborar seus orçamentos, que podem ou não ser aprovados pelo Legislativo e ratificados pelo Executivo.

O sistema recursal brasileiro é irracional. Admite dezenas de recursos num mesmo processo. Quem não tem razão no processo, também não tem interesse em sua rápida tramitação. Quem faz uso ilimitado dos recursos processuais, muitas vezes de forma abusiva, fundamentando sua conduta no surrado – e nem sempre leal - discurso do contraditório e da ampla defesa, são as próprias partes em litígio (para atender seus exclusivos interesses privados, independentemente se são ou não justos).

Em regra, são os sempre zelosos e habilidosos advogados dos litigantes que manejam todos os meios recursais disponibilizados pelo sistema processual, enquanto for do interesse dos seus clientes, mesmo que não tenham razão alguma. Almejam o êxito processual. Distribuir justiça deve ser preocupação dos juízes.

Neste enfoque, não é razoável que por meio da OAB (em campanha em defesa do CNJ), venham a público conceder entrevistas à imprensa criticando a morosidade do Judiciário, como se nada tivessem com isso.

Devemos aceitar que nem tudo é culpa dos outros. O fardo é muito pesado para um só carregar. Temos esta mania de ficar procurando culpados para justificar o insucesso de nossas escolhas. A aceitação do fracasso é dolorosa. Quem participa de um processo judicial – partes, juízes e advogados, por exemplo - deve ter a honradez de assumir a parcela de responsabilidade que lhe cabe nos resultados produzidos, incluindo eventual lentidão.

Não é aceitável passar para a sociedade a ideia de que os maiores culpados são os juízes. Sejamos honestos e mostremos a realidade tal qual ela é, com seus vícios e virtudes, seus erros e acertos.

Outro aspecto que chamou a atenção na época do movimento nacional da OAB em defesa do CNJ (31 de janeiro de 2012), pelos menos em algumas entrevistas de alguns dos seus representantes, diz respeito a misturar três temas que não guardam absolutamente nada entre si: 1) lentidão do Judiciário; 2) direitos dos juízes; 3) poderes amplos para o CNJ.

O movimento foi em defesa do terceiro tema (em defesa do CNJ), todavia, aproveitaram a oportunidade para agredir o Judiciário, vinculando lentidão processual com direitos dos juízes, que teimam em qualificar de privilégios.

Sou formado em Direito desde 1989. Sou juiz há quase 17 anos. Tivesse ficado na advocacia, estaria ganhando quatro ou cinco vezes mais, mas não teria 60 dias de férias, recesso, feriados prolongados, vitaliciedade e aposentadoria integral com paridade de vencimentos. Certo. Isso é privilégio? Não.

São incentivos para que o advogado abandone a advocacia e ingresse em nova carreira. Se não for assim, a magistratura não atrai os melhores. A sociedade estará mal servida.

Não fossem os “privilégios” concedidos aos juízes, talvez eu tivesse continuado na advocacia que na época se mostrava promissora, embora de resultados financeiros lentos (depois de cinco anos de exercício).

Sim, nasci em família muito pobre, conheci a fome quando era criança e fui apresentado ao sofrimento pela falta do mínimo necessário. A boa educação em casa e a dedicação aos estudos me salvaram da miséria. Os aspectos citados, aliados a uma boa remuneração, na época de minha decisão, foram fundamentais para minha escolha.

Saliente-se que juiz tem uma limitação absurda em sua vida privada, além de muitos direitos que os outros têm e ele não tem (exemplos: ser candidato a cargo eletivo, ser filiado a partido político, ter empresa, ser síndico do prédio onde mora, ser presidente da associação de moradores, ser gerente de uma sociedade da qual é sócio, ter quantas profissões quiser, exceto uma de professor, etc.).

Imagina se alguém presencia um juiz num boteco bebendo cerveja e falando alto, ou em uma boate dançando música eletrônica à vontade como qualquer pessoa, ou em alguma discussão de trânsito, ou falando palavrão naqueles momentos que as pessoas geralmente estão um pouco fora de controle, ou em flagrante cometendo uma infração de trânsito, ou se, por variadas razões, é mal educado com alguém numa dada situação de estresse. As pessoas que acham que temos muitos “privilégios” e são cegas para as limitações, vão “cair de pau” em cima disso, para o deleite de todos. 

Diante destas e de outras circunstâncias limitativas, o sistema, visto por inteiro, prestigia uma espécie de compensação.

Para os advogados que estiverem lendo este texto e discordando do que estou afirmando, bastam abandonar sua profissão, voltem à escola, estudem por quatro ou cinco anos, com afinco, durante seis horas por dia, sete dias por semana e, assim, um dia gozarão de todos estes “privilégios” na condição de magistrados.

Aceitam o desafio? As vagas estão aí, sobrando, especialmente na Justiça do Estado de São Paulo. Todo ano têm vários concursos para ingresso na magistratura em variados ramos do Judiciário. Duvido que o advogado bem sucedido e estabilizado em sua carreira quer ser magistrado se o critério de escolha se basear apenas na existência de “privilégios”.

Deixemos de hipocrisia, ignorância e intolerância! Que sejamos capazes de desenvolver o senso crítico! Minha consciência, assim como a da grande maioria de meus colegas, está tranquila, porque sou honesto e cumpridor dos meus deveres, trabalho muito, preocupo-me em distribuir justiça mesmo que às vezes erre, e mereço tudo que tenho, incluindo os “privilégios”.

Outra canalhice muito frequente nas críticas é fingir-se de ignorante, ao comparar “salário” de juiz com salário médio da imensa massa da população brasileira, concluindo que juiz ganha muito.

Quanta besteira! “Salário” de juiz não se compara usando critério capcioso, sórdido e inapropriado como este, mas sim, com a remuneração de profissionais do setor privado cuja atividade exija semelhantes estudos, aprimoramento, atualização, preparo, conhecimento, cultura e responsabilidade, a exemplo de um executivo de primeira linha de uma grande empresa, ou de um bem sucedido médico cirurgião, ou até mesmo de um advogado exitoso e de prestígio. Por este critério, mais justo e honesto, juiz perde feio!

Precisamos retirar de nossas vistas a venda da ignorância e da inveja, deixando de avaliar as coisas com base em nosso estado emocional ou com base em nossas frustrações diárias, como nosso emprego e salário, ou, creio que alguns fazem isso, porque estamos insatisfeitos com os serviços judiciários (de um modo geral, ou em casos particulares), por exemplo.

A crítica há que ser responsável, inteligente e construtiva, não leviana, inconsequente e incabível.

Interessante notar que não há maiores dificuldades em se criticar. Qualquer homem de inteligência mediana e de qualquer profissão, mesmo sem muito estudo, é capaz de identificar falhas e imperfeições e fazer críticas.

O difícil é fazer propostas de mudanças para melhorar e/ou substituir o que é criticado.

Para os operadores do Direito que indicam a lentidão processual (sem dúvida um mal, especialmente para quem tem razão), criticando o Judiciário como o único ou o principal culpado por isso, incluindo os advogados, como se estes não contribuíssem para a apontada morosidade, é de se perguntar quais são as propostas para que o processo jurisdicional tramite de forma rápida e no ritmo que eles entendem que deve ter?

Estariam dispostos a aceitar a decisão de primeiro grau, com maior naturalidade, confiando mais no juiz da causa? Estariam dispostos a recorrer menos? Estariam dispostos a se preocupar mais com a distribuição da justiça em vez de priorizar os interesses privados dos seus clientes de quem recebem seus honorários, em regra? Concordariam com a diminuição do número de recursos e das oportunidades de recorrer? Concordariam que de uma decisão judicial condenatória de até certo valor (60 salários mínimos, por exemplo) não coubesse nenhum recurso, quando envolvesse exclusivamente matéria de fato, transitando em julgado a sentença?  Concordariam com a extinção do agravo de instrumento, postergando a discussão do ponto controvertido para o recurso que couber da sentença, nos moldes da Justiça do Trabalho? Concordariam com uma limitação ainda maior no manejo de mandado de segurança contra atos jurisdicionais? Concordariam com a extinção dos tribunais superiores, incluindo o STJ e o TST, mantendo-se apenas o STF, transformado corte constitucional, extinguindo-se o controle difuso de constitucionalidade, mantendo-se apenas o controle concentrado?

Então, quais são as propostas dos senhores advogados para acabar com a nefasta lentidão processual? Qual é a alternativa para substituir o sistema atual que lhes parecem excessivamente moroso? Sim, porque quando criticamos algo devemos estar preparados para oferecer outra coisa no lugar.

São questões que deixo em aberto para reflexão dos que se preocupam com estes temas, com a advertência de que, pela educação a que tivemos acesso, não nos são permitidos a ignorância, o senso comum, a intolerância, as comparações simplistas e as críticas levianas.

Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. A crítica à morosidade do Judiciário e aos direitos dos juízes (privilégios?). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3158, 23 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21139. Acesso em: 20 dez. 2024.

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