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Um contributo ao estudo da génese do interesse processual no Direito português

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Agenda 01/03/2012 às 14:04

7. Consagração do interesse processual no Anteprojecto de MANUEL DE ANDRADE ao Código Civil de 1967

Depois da proximidade alcançada pelo Código de SEABRA relativamente conteúdo do interesse em agir nos moldes da corrente alemã do interesse-necessidade, da “tentativa” frustrada da sua autonomização por FRANCISCO JOSÉ DE MEDEIROS, da sua autonomização por PALMA CARLOS e MANUEL DE ANDRADE e da sua consagração no Anteprojecto e Projecto do Código de Processo Civil de 1961, da Comissão VARELA, viria ainda a Ciência Jurídica Portuguesa a testemunhar a sua consagração no Anteprojecto do Código Civil de 1967 de MANUEL DE ANDRADE ([38]).

Para além das experiências relativas aos trabalhos preparatórios do Código de Processo Civil de 1961, de que a figura do interesse em agir foi objecto, por iniciativa da Comissão liderada por ANTUNES VARELA, também o Anteprojecto que esteve na base do Código Civil de 1967 ([39]), da autoria de MANUEL DE ANDRADE, lhe fez referência expressa no § 1.º ([40]).

Apesar do tratamento legislativo da figura do interesse processual, atenta a sua índole adjectiva, constituir uma tarefa privativa dos processualistas e, cuja consagração e regime jurídico estão reservados aos códigos processuais, a versão primitiva do nosso Código Civil tomou, por iniciativa de MANUEL DE ANDRADE, a ousadia de se subrogar nessa competência.

Aquela ingerência civilista não era, todavia, singular em face do direito estrangeiro.Com efeito, Código Civil Brasileiro de 1919 exigia a presença de interesse processual ao dispor no seu art. 76.º, que «Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral» ([41]).

Ora, o Anteprojecto do Código Civil vigente, na esteira do Código de Seabra ([42]), viria a colocar sobre a alçada da tutela civil as situações quer de ofensa aos direitos subjectivos, quer de mero receio de que a mesma se concretize, pondo em relevo a exigência de que aquele fosse suficientemente sério ([43]) para justificar o interesse em agir. Como dá nos dá conta PAULO MOTA PINTO ([44]), «Em Portugal, o Anteprojecto de Manuel de Andrade referia já, no § 1.º, que a protecção da lei abrangia as ofensas meramente receadas, se o receio for bastante sério para legitimar a necessidade de tutela jurídica» (itálico nosso).

Adoptando uma concepção claramente influenciada pela corrente germânica do interesse-necessidade, assente na construção do interesse processual enquanto necessidade de tutela jurídica (rechtsschutzbedürfnis), o Anteprojecto de MANUEL DE ANDRADE reflectia, assim, a leitura que o Autor retirava do conteúdo do instituto ([45]) e que iria durante muito tempo [e ainda continua (!) a] nortear diversos outros Autores ([46]) nacionais e magistrados ([47]) dos nossos tribunais.


8. A consagração no Anteprojecto e no Projecto do Código de Processo Civil de 1967 da Comissão VARELA

Vencidos os preconceitos dogmáticos decorrentes da confusão que há muito se vinha estabelecendo no Direito Português, entre o interesse em agir e a legitimidade, pela primeira vez aquele instituto ganhava entre nós, pelas vozes de PALMA CARLOS e MANUEL DE ANDRADE um relevo próprio, sem qualquer paralelo no passado ([48]).

Embora se tratasse, à época, de uma nova figura jurídica, sem tradição no nosso processo civil, emanada pelo foro doutrinal e sem um apoio seguro na lei ([49]), o próprio legislador não se mostrou indiferente àquele panorama.

Assim, o interesse processual viria a ser consagrado expressamente no Anteprojecto do Código de Processo Civil de 1961 ([50]), elaborado pela Comissão de Revisão liderada peço Professor ANTUNES VARELA, da qual fizeram parte, entre outros, os juízes conselheiros LOPES CARDOSO, JOSÉ OSÓRIO, EDUARDO COIMBRA, DIAS FREIRE e o advogado e professor universitário PALMA CARLOS ([51]) [cfr. arts. 17.º, alínea e), 99.º, 100.º, n.º 3 e 537.º, n.º 2] e posteriormente aperfeiçoado ([52]) no Projecto da autoria da mesma Comissão [cfr. arts. 19.º, alínea e), 100.º, n.º 3 e 518.º, n.º 2] ([53])

Dispunha o artigo 99.º do Anteprojecto do CPC – “Há interesse processual na acção sempre que a situação de carência da parte justifica o recurso às vias judiciais”. Esta noção era, como ressalta claramente à vista, influenciada pelas premissas de uma das grandes correntes dogmáticas existentes sobre o interesse processual – a corrente alemã do interesse-necessidade.

De outro ângulo, embora a pretensão de consagração do interesse processual, enquanto necessidade de tutela jurídica no Código Civil não tenha logrado efeito na redacção definitiva do diploma em 1967, o substrato do pressuposto assente na necessidade de recurso ao processo e aferido pela situação de carência de tutela jurídica, nos moldes já anteriormente traçados no MANUEL DE ANDRADE ([54]), foi aproveitado pela Comissão de Redacção ao Código de Processo Civil de 1961 ([55]).

Todavia, pese embora a incompletude de que, na nossa óptica, padece a letra do art. 99.º do Anteprojecto, este preceito não permaneceu, à semelhança de todos os outros que lhe diziam respeito, na redacção final do actual CPC.

Apesar disso, julgámos ter o processo civil português colhido alguns louros da mera previsão do interesse processual nos pergaminhos do CPC. À parte o facto de o texto do art. 99.º ter constituído a base de outros diplomas normativos, quer nacionais ([56]), quer estrangeiros ([57]), a consagração legal do interesse processual terá certamente contribuído para sensibilizar a ciência jurídica portuguesa no que tange à admissibilidade do instituto no nosso processo civil.


9. Autonomização legislativa do interesse processual em 1998, 1999 e 2002

A não consagração do interesse processual pelo legislador processual civil no actual Código de Processo Civil não impediu a sua consagração noutros sectores da legislação portuguesa.

Com efeito, as dúvidas que contendiam com a questão da autonomia entre a legitimidade e o interesse em agir e que terão perturbado a consagração deste último pelo legislador processual civil em 1961, desfizeram-se cerca de 40 anos, para o legislador processual penal e para o legislador processual administrativo.

Em 1998, o Código de Processo Penal era o primeiro diploma normativo português a fazer referência expressa ao interesse em agir. Dispõe, sob epígrafe «Legitimidade e interesse em agir», o n.º 2 do art. 401.º, por força da alteração fomentada pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto de 1998 ([58]), que «Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir» (itálico nosso).

O CPP abre, deste modo, portas ao interesse em agir no Direito Processual Penal Português, no que respeito aos recursos, e já não no que diz respeito à promoção do processo, matéria onde a sua aplicação é deveras controvertida ([59]). No entanto, àquela alteração legislativa não pode deixar de ser reconhecido um importante papel de censura legislativa a relativo sector da jurisprudência que ainda identificava o interesse em agir com a legitimidade ([60]).

O reiterar legislativo da autonomia do interesse processual teria continuidade pela mão ao legislador processual desportivo consagrando em 1999 o interesse processual no Regimento do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol Profissional ([61]). Segundo o art. 24.ª daquele diploma, «Há interesse processual na acção sempre que a situação de carência da parte justifique o recurso às vias judiciais». Trata-se, como é evidente, da noção avançada pelo art. 99.º anteprojecto do CPC elaborado pela Comissão Varela e a que fora adoptada pelo Código de Processo Civil de Macau ([62]).

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Semelhante papel viria a ter o legislador processual administrativo em 2002, consagrando o interesse processual para as acções de simples apreciação, no CPTA. Reza o art. 39.º daquele diploma, sob a epígrafe «Interesse processual em acções de simples apreciação» aprovado pela Lei 15/2002 de 22 de Fevereiro de 2002, que «Os pedidos de simples apreciação podem ser deduzidos por quem invoque utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida, designadamente por existir uma situação de incerteza, de ilegítima afirmação por parte da Administração, da existência de determinada situação jurídica, ou o fundado receio de que a Administração possa vir a adoptar uma conduta lesiva, fundada numa avaliação incorrecta da situação jurídica existente».

Todavia, uma interrogação subsiste – por que razão o legislador processual civil ainda não consagrou o interesse processual? Esta é uma questão para a qual não temos resposta…


Notas

([1]) No sentido de uma «lenta elaboração» do direito, vide CAMPOS LIMA, O Estado e a Evolução do Direito, Livraria Ailland e Bertrand, Lisboa, 1914, p. 6.

([2]) Cfr. JÜRGEN SCHMIDT, Privatrecht und Gesellschaftsordnung, RTh 6, 1975, p. 33; MENEZES CORDEIRO, «Evolução Juscientífica dos Direitos Reais», in R.O.A, 1985, p. 71.

([3]) Cfr. MENEZES CORDEIRO, «Evolução…», p. 71.

([4]) Considerando que as origens doutrinárias do interesse processual na doutrina portuguesa tiveram forte eco no direito brasileiro, embora sem especificar essa relevância, cfr. ANTONIO CARLOS FONTES CINTRA, Interesse Processual em Chiovenda: antes e hoje, Provas Complementares de Doutoramento em Ciências Jurídicas (Processo Civil) Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 6. Este é um dado que nos parece desprovido de qualquer veracidade, porquanto além de não ser visível em que é que a construção do interesse processual pela doutrina portuguesa terá influenciado a doutrina brasileira, a sua autonomização no direito brasileiro ocorreu primeiramente do que no direito português. Com efeito, o rigor científico do dado avançado pelo Autor supra citado surge abalado quando nos confrontamos com abordagens doutrinais do interesse em agir na doutrina brasileira ainda no final do século XIX, o que na doutrina portuguesa não sucedia. Embora só com o CPC de 1939 (art. 2.º) o interesse em agir tenha logrado consagração expressa, a sua admissibilidade no Direito Brasileiro remontava já a um período anterior mediante construção doutrinária a partir dos escolhos justinianeus. Cfr. JOÃO MONTEIRO, Programma do Curso de Processo Civil ou Apontamentos para as Lições da 3.ª Cadeira do 4.º anno da Faculdade de Direito de S. Paulo, vol. II, Companhia Industrial de S. Paulo, S. Paulo, 1900, pp. 23 ss; Theoria do Processo Civil e Commercial, Duprat e C., São Paulo, 1912, pp. 103 ss.; TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das Leis Civis, vol. I, Senado Federal, Brasília, 2003, p. XCI.

([5]) Perfilhamos nesta tarefa, quer no que diz respeito à metodologia de abordagem histórica do direito (investigação dos precedentes das instituições e princípios jurídicos no passado), quer no que concerne à sua finalidade (descoberta das razões que justifiquem a juridicidade vigente), ALMEIDA COSTA, História do Direito Português, 3ª ed. (reimp.), Almedina, Coimbra, 2005, p. 28.

([6]) Cfr. Metahistory – The Historical Imagination in Nineteenth-Century Europe, The Johns Hopkins University Press, Baltimore, 1975, passim.

([7]) Referindo-se a uma função legitimadora da história do direito, vide ANTÓNIO M. HESPANHA, Poder e Instituições no Antigo Regime, Cosmos, Lisboa, 1992, p. 12.

([8]) Cfr. BERRIAT-SAINT-PRIX, Cours de Procedure Civile, 1821, p. 195.

([9]) As Ordenações Filipinas estiveram em vigor desde 1603, sendo posteriormente confirmadas por D. João IV.

([10]) Cfr. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, p. 34.

([11]) A individualização do fundamento do interesse processual que contende com a protecção dos interesses do réu por referência ao objectivo de evitar prejuízos e incómodos é feita actualmente entre nós por MONTALVÃO MACHADO/PAULO PIMENTA, O Novo Processo Civil, p. 81.

([12]) Cfr. Noções…, p. 82.

([13]) Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções…, cit. p. 82.

([14]) Cfr. Doutrina das Acções Acommodada ao Foro de Portugal, 2.ª ed., Na Impressão Régia, Lisboa, 1824, p. 105.

([15]) À semelhança do que acontecia no Direito Romano com a doutrina do interesse na prestação e que iria ser reiterado na construção do interesse (enquanto) processual pelos juristas alemães no âmbito da corrente do interesse-necessidade (rechtsschutzbedürfnis).

([16]) O arbitramento do interesse do credor pelo prejuízo – além de apresentar relativa similitude com a doutrina que viria a caracterizar o interesse em agir por referência à efectiva violação do direito, ao incumprimento e ao dano – refecte-se analogicamente na doutrina expendida pelo n.º 2 do art. 26.º, do CPC, que dispõe que «O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha» (itálico nosso).

([17]) Cfr. CORRÊA TELLES, Doutrina das Acções…, p. 105, nota 2.

([18]) Cfr. Instituções de Direito Civil Portuguez, Tomo I, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1867, cit. pp. 83-84.

([19]) Cfr. DIAS FERREIRA, Código de Processo Civil Annotado, I, Lisboa, 1887, comentário ao art. 281.º; Sobre o requisito do interesse no CPC de 1876, cfr. ALBERTO DOS REIS, Processo Ordinário e Sumário, I, Coimbra, 1928, p. 250 ss..

([20]) Cfr. BELEZA DOS SANTOS, José, A Simulação no Direito Civil, Coimbra 1955, p. 11.

([21]) Cfr. A Simulação…, cit. p. 12.

([22]) Em sentido próximo qualificando de tradicional o fundamento ou ratio do interesse processual quando fundado na afirmação de um estado de facto lesivo do direito do autor, cfr. DIOGO PEREIRA, Interesse Processual na Acção Declarativa, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 37; CARPI/TARUFFO, Commentario Breve al Codice di Procedura Civile, Padova, Cedam, 2002, p. 294.

([23]) Cfr. ponto 2. Apesar de não estar individualizado no Direito Português, não se pode ignorar o legislador do século XlX manifestava já subtilmente preocupações que contendem com a economia processual, ao condicionar a proposição de uma acção judicial à sujeição prévia das partes à conciliação, salvas os casos previstos na lei. Cfr. DUARTE NAZARETH, Elementos de Processo Civil, Coimbra, 1863. Igual disposição pretendeu consagrar Alexandre de Seabra no seu projecto do Código Civil. Cfr. ANTÓNIO LUIZ DE SEABRA, Código Civil Portuguez – Projecto redigido por António Luiz de Seabra, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1858, p. 638, ao dispor que: «Nenhuma acção pode ser proposta em Juizo contencioso sem que seu objecto tenha sido previamente submettido a conciliação, salvas as excepções declaradas no Código de Processo». Contra a exigência da conciliação prévia naquele período histórico, vide Lopo Vaz de SAMPAIO E MELLO, Estudos sobre Organização Judiciária – Refutação do Juizo Conciliatório, vol. I, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1868, p. 7 ss..

([24]) Cfr. Sentenças (Direito e Processo Civil), Lisboa, 1905, p. 222. No texto reportamo-nos cronologicamente ao ano de 1904, no entanto citamos a obra de 1905, uma segunda edição da das famosas Sentenças, motivada pelo sucesso da primeira no ano anterior.

([25]) O Autor não fala expressamente em “interesse em agir”, utilizando tão-somente a expressão “interesse”, à semelhança aliás de alguma doutrina francesa que apenas se reportava ao intérêt.

([26]) Francisco José de Medeiros chegou inclusive a ser Presidente quer do Tribunal da Relação do Porto, quer do Supremo Tribunal de Justiça.

([27]) Cfr. Processo Ordinário e Sumário, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1928, pp. 250 ss..

([28]) Cfr. FRANCISCO JOSÉ DE MEDEIROS, Sentenças…, cit. p. 222.

([29]) A obra doutrinal de Francisco José Medeiros, da qual consta as famosas “Sentenças”, pautou-se aliás pelo vanguardismo no que concerne a outras matérias jurídicas, designadamente a admissibilidade da fiscalização da inconstitucionalidade orgânica pelos tribunais. O juiz viria a ser, a par com Afonso Costa, Alberto dos Reis e Marnoco e Souza, um dos primeiros seguidores da corrente favorável a essa mesma fiscalização. Cfr. ANTÓNIO ARAÚJO, «A Construção da Justiça Constitucional Portuguesa: o nascimento do Tribunal Constitucional», in Análise Social, vol. XXX, (134), 1995 (5.º), pp. 884-885.

([30]) Cfr. FRANCISCO JOSÉ DE MEDEIROS, Sentenças…, cit. p. 222.

([31]) O referido silogismo tem, todavia uma utilidade restrita ao plano de entendimento da distinção teórica bem como da relação que ainda existe entre o interesse processual e a legitimidade. Na prática, a aferição do interesse processual é póstuma à da legitimidade, só existindo se esta se fizer presente no caso sub judice. Deste modo, e conquanto que para que se chegue a um juízo positivo de interesse processual em determinada acção é preciso que esteja verificado o pressuposto da legitimidade, ter interesse em agir (no plano da funcionalidade prática do instituto) acaba por significar que existe ab initio legitimidade. Assim, no plano empírico, dir-se-á que a legitimidade não se confunde com o interesse em agir, mas a sua aferição pressupõe a existência de legitimidade.

Colocando em relevo a verosimilhança da ideia veiculada pelo silogimo em análise, oitenta anos mais tarde, cfr. ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual…, p. 181, nota 2.

([32]) Nomeadamente pela Comissão de Revisão ao Código de Processo Penal de 1998. Cfr. RUI PEREIRA, Actas da Comissão de Revisão ao Código de Processo Penal imposta pela Reforma instaurada por via da Lei 59/98 de 25/08, p. 239. Também alguma jurisprudência tem reconhecido aos dois Autores citados o mérito de autonomizar o interesse processual. Cfr., a título de exemplos o Ac. RL de 10 de Setembro de 2007 (proc. n.º 7923/2007-5, relator Vieira Lamim), disponível em www.dgsi.pt; Ac TC (proc. n.º 3/92, relator Sousa e Brito), disponível em www.pgrl.pt.

([33]) Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Procural, Lisboa, 1940, p. 132.

([34]) Cfr. Noções…, pp. 79-80.

([35]) Não se trata, porém, de uma superação absoluta, mas tão só em termos maioritários, porquanto ainda se verificou num período posterior quem identificasse a legitimidade com o interesse processual, como foi o caso de TEIXEIRA DE SOUSA («Legitimidade Singular…», pp. 75 ss..) e é actualmente o caso de ANA PRATA (Dicionário Jurídico…, p. 787).

([36]) Até então o ilustre Professor, à semelhança de Alberto dos Reis, perspectivava o interesse inserido na legitimidade das partes, chegando mesmo a utilizar, em determinadas passagens a expressão “legitimidade-interesse”. Cfr. MANUEL DE ANDRADE, «Algumas Notas sobre a Legitimidade das Partes nas Acções Anulatórias de Partilhas» – Acórdão de 15 de Maio de 1928,in Boletim da Faculdade de Direito, ano X, Coimbra Editora, Coimbra, 1926-1928, pp. 607, 608, nota 8, e 609.

([37]) Seguir-lhe-iam o rasto no que toca a autonomização do interesse processual, CASTRO MENDES em 1978 (Apontamentos das Lições, 1978/79, A.A.F.D.U.L., vol. II, págs. 187 e ss,) ANSELMO DE CASTRO, em 1982, ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA em 1985, entre outros.

([38]) Para uma leitura do Anteprojecto, vide MANUEL DE ANDRADE, «Esboço de um Anteprojecto de Código das pessoas e da família» in BMJ 102, 1961. Embora a data de realização do Anteprojecto ao Código Civil de Manuel de Andrade esteja subtraída aos registos históricos, é sabido pelos que foi antes de 1958, data do seu falecimento. Como nos relata MENEZES CORDEIRO («Os Direitos de Personalidade na Civilística Portuguesa», in R.O.A., p. 1242, nota 55) o Anteprojecto não está datado, tendo sido publicado no BMJ, ao que tudo indica, contra a vontade do próprio Autor.

([39]) Sobre as origens do Código, vide LUIS CORREIA DE MENDONÇA, As Origens do Código Civil de 1966: esboço para uma contribuição, in Análise Social, Vol. XVIII, (72-73-74), 1982, 3.º, 4.º, 5.º, p. 829-867.

([40]) Cfr. PAULO MOTA PINTO, «Direitos de personalidade no Código Civil português e no Novo Código Civil brasileiro», in Revista da Ajuris, Vol. 32, n.º 96, dez. 2004, p. 436.

([41]) No sentido da consagração do interesse processual pelo preceito, cfr. JOSÉ DE AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade Civil, vol. II, Forense, 1979, p. 446; ORLANDO DE ASSIS CORRÊA, Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor, Aide Editora e Comércio de Livros, 1983, p. 28.

([42]) Veja-se as considerações expendidas, a respeito da exigência da violação ou ameaça do direito como condição da concessão das acções no Código de Seabra, por BELEZA DOS SANTOS, A Simulação …, p. 12.

([43]) A seriedade do receio veiculada pelo preceito parece referir-se à objectividade da incerteza, enquanto substrato do interesse em agir nas acções de simples apreciação, não obstante ter o Autor do Anteprojecto nos seus escritos aposto a qualidade de “sério” ao prejuízo potencialmente resultante da existência de uma dada incerteza. Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções…, p. 81.

([44]) Cfr. «Direitos de personalidade…», cit. 436.

([45]) Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções…, p. 79, de onde decorre a caracterização clássica do interesse processual como estrita necessidade de recorrer ao processo.

([46]) Como é o caso, designadamente, e salvo algumas nuances, de LEBRE DE FREITAS, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, Coimbra, 1984, p. 193, nota 55; Introdução ao Processo Civil – Conceitos e Princípios Gerais, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 28, nota 17; ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual…, p. 179; LUSO SOARES, Processo Civil de Declaração, Coimbra, 1985, p. 443; PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 2007, p. 113; REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa…; LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, n.º 3 da anotação ao art. 449.º, n.º 4.

([47]) Cfr., a título de exemplo, o Ac. da RC, de 05.11.2009, proc. n.º 215/09.6TTTMR.C1, Rel. Serra Leitão, in www.dgsi.pt.

([48]) Até então contributo de FRANCISCO JOSÉ DE MEDEIROS (Sentenças…, p. 222) fora possivelmente aquele que mais próximo esteve de conferir autonomia ao interesse processual.

([49]) Apesar dos esforços de MANUEL DE ANDRADE (Noções…, p. 82), um dos mentores do interesse processual no nosso direito, em, por um lado, demonstrar a sua decorrência implícita da doutrina preconizada por alguns artigos do CPC (662, n.º 3, 449.º, n.º 2) e de ter, e, por outro pelo menos indagado sobre essa decorrência de alguns outros preceitos do mesmo diploma (arts. 26.º e 322.º), não era evidente que daí se pudesse retirar uma recepção clara àquele pressuposto no Direito Português.

([50]) Cuja versão final viria a ser aprovada pelo DL n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961.

([51]) Cfr. MONTALVÃO MACHADO/PAULO PIMENTA, O Novo Processo Civil, p. 22.

([52]) Como refere DIOGO PEREIRA, Interesse Processual…, p. 28, nota 30.

([53]) Cfr., a propósito, ANTUNES VARELA, «Linhas Fundamentais do Anteprojecto no Novo Código de Processo Civil», in RLJ, ano 120 (pp. 195, 296, 359 ss.), e ano 121 (pp. 11, 40, 70, 129, 161 e 198 ss.); «Do Anteprojecto ao Projecto do CPC», in RLJ, ano 122 (pp. 97, 129, 161, 193, 229, 258, 294, 323, 357 ss.) e ano 123 (pp. 5, 33, 74 e 97 ss.); RIBEIRO MENDES/LEBRE DE FREITAS, «Parecer da Comissão de Legislação da Ordem dos Advogados sobre o Anteprojecto do Código de Processo Civil», in R.O.A., ano 49, vol. II, 1989, p. 623.

([54]) Para o Autor (Noções…, cit. p. 79) o interesse processual «consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judiciária».

([55]) O próprio Antunes Varela, presidente da Comissão, deixou na sua obra patente o entendimento do interesse processual como necessidade de recorrer aos tribunais, denotando inclusive especial simpatia pela denominação germânica necessidade de tutela judiciária, como se pode ver em ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/ SAMPAIO E NORA, Manual…, p. 179; ANTUNES VARELA/MARIA DOS PRAZERES BELEZA, «Cláusula de Exclusão de Sócios em Estatutos de Sociedades», in CJ, 12, 1, 1987, p. 10. Uma diferença clara ressalta, no entanto, do objecto por referência ao qual se afere a carência de tutela. Se para MANUEL DE ANDRADE (Noções…, p. 79), a referida carência se referia ao direito do autor, para a Comissão Varela a mesma reporta-se à situação jurídica do autor. Em local apropriado teceremos considerações sobre a propriedade deste último entendimento em relação ao primeiro. [remissão texto]

([56]) Referimo-nos à consagração do interesse processual no art. 24.º do Regimento do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol.

([57]) Tem-se aqui em vista a consagração do interesse processual no art. 72.º do CPC de Macau.

([58]) Para uma breve análise sobre algumas das alterações levadas a cabo por aquele diploma, vide JOAQUIM PIRES DE LIMA, «Alguns comentários à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que alterou o Código de Processo Penal», in R.O.A., ano 58.º, vol. I, Janeiro de 1998, pp. 589 ss..

([59]) Considerando, na doutrina brasileira, que o interesse processual não encontra aplicação no processo penal, cfr. NUNES DA SILVEIRA, O Interesse de agir e a sua (In)adequação ao Direito Processual Penal, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Panamá, Curitiba, 2008, pp. 177 ss.. A questão já havia sido colocada por Aldo ATTARDI (L’interesse ad agire, Cedam, Padova, 1958, p. 276), que manifestou igual opinião.

([60]) No sentido de que o legislador autonomizou o interesse em agir no n.º1 do art. 401.º, do CPP, cfr. o Assento n.º 88/99, do STJ, in Diário da República, I Série-A, n.º 185 de 10.08. 1999, p. 5194.

([61]) Aprovado na Sessão de 28 de Agosto de 1999, da Assembleia Geral Extraordinária de 31 de Julho 1999.

([62]) Para um estudo do regime jurídico do interesse processual no direito processual civil Macaense, vide TEIXEIRA DE SOUSA, «O Interesse Processual no Código de Processo Civil de Macau, in Boletim da Faculdade de Direito, 2000, pp. 89 ss..

Sobre o autor
Sérgio Monteiro

Advogado no Porto (Portugal). Mestrando em Direito (Ciências Jurídico Processuais) pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Sérgio. Um contributo ao estudo da génese do interesse processual no Direito português. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3165, 1 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21190. Acesso em: 22 dez. 2024.

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