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Coisa julgada inconstitucional e os dogmas da segurança jurídica e da supremacia constitucional

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Agenda 03/03/2012 às 14:32

A relativização da coisa julgada será sempre cabível nas situações em que a consolidação dos preceitos constitucionais se mostrar imperativa, ainda que fora das hipóteses taxativas previstas na lei.

1. INTRODUÇÃO

As linhas que se seguem versam sobre o instituto da coisa julgada inconstitucional. Tem-se como objetivo principal sopesar os dogmas constitucionais da segurança jurídica, da supremacia constitucional e da justiça das decisões judiciais, perpassando pela análise da teoria da invalidade dos atos inconstitucionais e pela problemática da inexigibilidade das decisões judiciais transitadas em julgado fundadas em leis ou atos normativos supervenientemente declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Nessa senda, com fulcro na análise da legislação e doutrina pertinentes, bem como de publicações e outros elementos de divulgação científica postos à disposição da comunidade acadêmica, busca-se trazer uma contribuição ao debate acerca da coisa julgada inconstitucional, oferecendo à comunidade jurídica bases teóricas mais sólidas a esse respeito.


2. ANÁLISE DA PROBLEMÁTICA

Nas palavras de Enrico Tulio Liebman (1945), a coisa julgada pode ser conceituada como a qualidade da sentença e de seus efeitos, qualidade esta que consiste em sua imutabilidade, cuja autoridade só é oponível às partes do processo.

Discorrendo sobre a temática, o Prof. Luiz Ivani de Amorim e Araújo (1999, p. 43), discorre que:

“Distinguem os doutrinadores a coisa julgada material da coisa julgada formal. Esta é consequência ou do não aproveitamento dos prazos para interposição do recurso, ou porque todos os permitidos foram interpostos; aquela, impede questionar, noutro processo, o que já foi anteriormente decidido. Assim, a coisa julgada formal só vale para os litigantes - autor e réu –, enquanto na material os seus efeitos se projetam para além do processo, ocasionando efeito erga omnes”.

Ainda nessa linha, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 637) acrescentam:

“[...] ao dizermos que a coisa julgada material incide sobre o efeito declaratório, deseja-se - em primeiro lugar - afirmar que ela toca no elemento declaratório das sentenças declaratórias, condenatórias, constitutivas, executivas e mandamentais - e não apenas na “declaração” própria da sentença declaratória -, projetando para fora do processo um efeito declaratório imutável”.

A ideia de jurisdição trazida ao nosso modelo neoconstitucionalista a partir do histórico aporte romano, ensarta o exercício da judicatura como a legitimação sumária advinda do Poder Soberano do Povo num dado território, de modo a dizer, de forma definitiva, o direito, e acautelar conjunturas de ameaça quando oportunamente apresentadas ao Estado-Juiz.

Essa proposta de jurisdição nos conduz à inferência de que a função da magistratura é destinada a dizer, de forma definitiva, o direito diante do caso concreto. Na prática, não é difícil perceber-se o desfecho de um processo, particularmente quando se está diante de um processo de cognição, cuja lei concreta, representativa do silogismo entre a vontade geral (lei abstrata) e a vontade pretendida em face de quem se resiste (pedido deduzido), é cristalizada em um mandamento sentencial.

Nesse sentido, Chiovenda (2002, pp. 439 e 440) aduz:

“Toda norma encerrada na lei representa uma vontade geral, abstrata, hipotética, condicionada à verificação de fatos que, em regra, podem multiplicar-se indefinidamente. Cada vez que se verifica o fato ou grupo de fatos previstos pela norma, forma-se uma vontade concreta da lei, ao tempo em que toda vontade geral e abstrata nasce da vontade particular que tende a atuar no caso determinado”.

Todavia, não basta à Jurisdição a simples materialização do comando regulador do caso concreto. Conforme posicionamento da doutrina clássica, é preciso que tal regulação possua contornos definitivos, imutáveis, os quais sejam aptos não apenas a proporcionar segurança aos envolvidos na relação processual, mas também a demonstrar a autoridade dessa faceta de Poder Estatal.

É neste contexto que surge o fenômeno da coisa julgada, elemento definidor da jurisdição, o qual impõe a imutabilidade dos efeitos emanados do comando judicial concretizado na sentença.

Esta imutabilidade, porém, segundo os clássicos, não se reveste, em um primeiro momento, de caráter absoluto, vez que se permite à parte da relação processual, ao seu sucessor a título universal ou singular, ao terceiro prejudicado ou ao Ministério Público, no interregno de dois anos contados da data do trânsito em julgado da decisão, ajuizar ação rescisória, cujo objetivo é desconstituir o julgado (mais precisamente os seus efeitos definitivos), desde que presentes quaisquer das hipóteses expressamente previstas em lei (arts. 485 e seguintes do Código de Processo Civil Brasileiro - CPC). Assim, apenas após o decurso desse prazo legal (dois anos) é que a decisão judicial passaria a ostentar uma imutabilidade de caráter absoluto, não sendo mais cabível, em tese, a sua rescisão, ainda que presentes as hipóteses previstas em lei.

Não obstante tal entendimento, muitos doutrinadores e estudiosos do direito passaram a expor a tese de que não seria cabível admitir que uma decisão judicial manifestamente contrária a todos os fins de justiça esperados do Poder Judiciário pudesse produzir validamente efeitos e não ser desconstituída, ainda que já transcorrido o prazo legal para a sua rescisão, mormente quando violasse princípios e regras diretamente encartadas na Constituição Federal.

É nessa linha de raciocínio que nasce e ganha força na doutrina e jurisprudência pátrias a teoria da coisa julgada inconstitucional.  Trata-se de fenômeno teórico-jurídico que também objetiva a flexibilização ou desconsideração de provimentos jurisdicionais imutáveis, porém, não com fulcro nas hipóteses expressamente previstas no art. 485 do CPC, mas sim, com fundamento constitucional, cujo substrato decorreria da própria interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao texto magno quando do julgamento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis ou atos normativos federais ou estaduais.

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Segundo os estudiosos, a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional defende a possibilidade da desconsideração do dispositivo sentencial transitado em julgado fundado em lei ou ato normativo declarado incompatível com a Constituição pelo Supremo Tribunal Federal. Dita acepção teórica tem por pressupostos: a natureza relativa e infraconstitucional da coisa julgada, o aquilatamento constitucional de princípios de mesma grandeza, a consagração da supremacia constitucional e a não soberania dos atos judiciais.

Neste diapasão, vislumbra-se a ocorrência da res judicata inconstitucional mais frequentemente em três hipóteses, quais sejam: a) aplicabilidade de norma eivada pelo vício da inconstitucionalidade; b) não aplicabilidade de norma constitucional sob o argumento de ser esta inconstitucional; e c) aplicabilidade de interpretação normativa em desconformidade com a Constituição Federal.

Inobstante, adverte, por oportuno, o grande professor Ovídio Baptista da Silva (2000, p.167), que:

“[...] outra, aliás, não é a conclusão a que chega Schwab, em sua obra, considerada já clássica, sobre o assunto, quando afirma que o efeito de exclusão causado pela coisa julgada atingirá toda a cadeia de fatos similares, mas não abrangerá os fatos que não guardem relação com o material do primeiro processo, vale dizer, que correspondam a uma pretensão discrepante da exposta na primeira demanda [...]; pois ‘o objeto litigioso é a petição de uma resolução designada no pedido. Essa petição necessita, contudo, em qualquer caso, ser fundamentada por fatos’ [...]”.

A bem da verdade, não há que se perquirir algum conteúdo de caráter substancial da res judicata, porquanto, nela, inexiste elemento de fundo. De fato, nessa compreensão sistêmica, seu conteúdo operacional possui como meta apenas pôr em evidencia uma situação jurídica no Plano Judiciário através de ferramentas democráticas, a exemplo da publicidade, revelando unicamente uma intenção de convencer sobre se é certo ou não o direito vindicado.

Assim aduz Guerra Filho (2001, p.68):

“A coisa julgada, portanto, não possui um conteúdo substancial, ao contrário da sentença, resultado do ato de prestação da tutela jurisdicional, enquanto decisão que põe fim ao processo, acatando ou rejeitando o pedido (...). Nesse contexto, a coisa julgada aparece como artifício ou mecanismo de que se vale o ordenamento jurídico para implementar o convencimento e a certeza sobre a existência ou não de um direito ou qualquer outra situação jurídica, exercendo, assim, um papel ideológico de legitimação desse mesmo ordenamento e de garantia de sua manutenção, pois evita o confronto dos indivíduos em si e com o próprio ordenamento, ao tornar incontrovertido, em princípio, o resultado da função cognitiva do processo, que leva à atuação do direito em um caso concreto. Trata-se, portanto, de um conceito operativo, indissociável daquele outro a que se reporta, o de sentença”. 

Desse modo, constitui equívoco de percepção fenomenológica afirmar a coisa julgada como garantia essencial do direito à segurança jurídica, visto que tal direito já é assegurado pelo ato jurisdicional que consubstancia comando normativo, fazendo fluir a vontade estatal.

Oportuna e necessária, neste ponto em específico, a exposição dos efeitos jurídicos gerados a partir do reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de que a lei ou ato normativo contrariam a Constituição da República, visto que, via de rega, a depender do tipo de controle de constitucionalidade, os efeitos serão distintos.

Quando a Suprema Corte, no exercício do controle de constitucionalidade, prolata a inconstitucionalidade, constitucionalidade ou desconformidade de lei ou ato normativo através do controle concentrado, o efeito jurídico principal (declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, com ou sem redução de texto) possui, via de regra, extensão erga omnes, caráter vinculante e efeitos retroativos (ex tunc). De outra sorte, quando a ferramenta de controle de constitucionalidade utilizada pelo Supremo Tribunal Federal for a via de exceção (controle difuso), reza a doutrina majoritária que o efeito jurídico principal tem extensão, em regra, inter partes, caráter não vinculante e efeitos não retroativos (ex nunc).

Excepcionalmente, caso a lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal seja suspenso pelo Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal, o efeito jurídico principal, via controle difuso, passará a ter alcance erga omnes.

Neste diapasão, embora não haja consenso doutrinário e jurisprudencial quanto ao caráter não vinculante da decisão prolatada pela Corte Constitucional no controle difuso de constitucionalidade, o entendimento majoritário é pela sua extensão, em regra, apenas às partes (efeito inter partes).

O dogma da imutabilidade das decisões judiciais busca validade no ideal de intangibilidade da coisa julgada material, tendo fulcro na interpretação do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988, o qual confere status constitucional à res judicata. Todavia, necessário se faz entender a dimensão dessa garantia constitucional, o que será explicitado mais adiante.

Outro sustentáculo emprestado à teoria da imutabilidade das decisões judiciais é o entendimento acerca da taxatividade do artigo 485 do CPC e, por conseguinte, do exaurimento das hipóteses legais a permitir a relativização da coisa julgada. Assim, somente nas hipóteses expressamente previstas em lei (e dentro do prazo legal) seria cabível a rescisão do julgado.

Do mesmo modo, apontam os defensores da imutabilidade da coisa julgada o princípio da segurança jurídica, o qual aportaria como preceito fundamental e teria como corolários a legitimação da não eternização de contendas judiciais e, em consequência, a valoração da inalterabilidade de dispositivos sentenciais acobertados pelo manto da coisa soberanamente julgada.

 Contudo, apesar de louváveis – e até certo ponto irretocáveis – os entendimentos anteriormente expostos, não se pode olvidar que a consagração da imutabilidade de dispositivo sentencial amparado por coisa julgada inconstitucional fere, sobremaneira, a supremacia constitucional e a verticalização normativa, vez que afronta princípios constitucionais de igual ou superior valor ao da segurança jurídica, tais como o princípio da constitucionalidade e o da justiça das decisões judiciais.

Vale ressaltar, ainda, que, ao contrário do que muitos afirmam, a natureza da coisa julgada, além de relativa, é infraconstitucional (prevista na legislação processual pertinente), sendo o seu respaldo constitucional apenas quanto aos efeitos do fenômeno da retroatividade de leis que inovam o ordenamento jurídico. Sob este mote, preleciona Luiz Henrique Diniz Araújo (2007, p.124):

“Uma vez afirmado que nosso entendimento é pela possibilidade da desconstituição da coisa julgada inconstitucional, cabe enfrentar um aparente obstáculo. E tal falso obstáculo é o art. 5º, XXXVI, da CF, com a seguinte dicção: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Desse dispositivo decorre a pergunta: o princípio da res judicata foi constitucionalizado no Direito brasileiro? Mesmo havendo quem pense o contrário, nossa posição é no sentido de que o art. 5º, XXXVI, da CF, se trata de regra de direito intertemporal, protegendo a coisa julgada contra nova lei. Assim, tal dispositivo constitucional não serviria para preservar a coisa julgada quando prolatada em confronto com a própria Constituição Federal. Verifica-se, pois, que a intangibilidade da coisa julgada tem exclusivamente proteção infraconstitucional, razão por que, assim como os atos legislativos e administrativos, os atos judiciários, inclusive a sentença sob o pálio da coisa julgada, não podem estar a salvo do controle de constitucionalidade”.

Ante este panorama, repise-se, não pode haver consagração da absolutividade da coisa julgada inconstitucional, vez que tal fato implicaria, por via transversa, na própria rejeição da supremacia constitucional.

A imutabilidade da coisa julgada, sob o argumento de consagração da segurança jurídica, não tem o condão de afastar os efeitos negativos – jurídicos e sociais ­– advindos da institucionalização da res judicata inconstitucional. Sob esta ótica, assevera Humberto Theodoro Júnior (2006, p.126):

“Com efeito, institucionalizou-se o mito da impermeabilidade das decisões judiciais, isto é, de sua imunidade a ataques, ainda que agasalhassem inconstitucionalidade, especialmente, após operada a coisa julgada e ultrapassado nos variados ordenamentos, o prazo para a sua impugnação. A coisa julgada, neste cenário, transformou-se na expressão máxima a consagrar os valores de certeza e segurança perseguidos no ideal Estado de Direito. Consagra-se, assim, o princípio da intangibilidade da coisa julgada, visto, durante anos, como dotado de caráter absoluto. Tal é o resultado da ideia, data vênia equivocada e largamente difundida, de que o Poder Judiciário se limita a executar a lei, sendo, desta, defensor máximo dos direitos e garantias assegurados na própria Constituição”.

Os contornos absolutistas emprestados à coisa julgada, portanto, têm convalidado o desrespeito à Constituição da República, o afastamento do princípio constitucional da justiça das decisões judiciais, a soberania dos atos judiciais e o descrédito do Direito – como fenômeno jurídico – no meio social.

A doutrina processualista majoritária nacional defende a absolutividade da coisa julgada, exceto quanto às expressas hipóteses de seu abrandamento previstas no artigo 485 do Código de Processo Civil, tudo com fundamento no princípio da segurança jurídica. Em contrapartida a esta maioria, no entanto, surgem novos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, calcados em uma interpretação constitucionalista do processo, no sentido de refutar a intangibilidade absoluta das decisões judiciais, mormente quando da ocorrência da coisa julgada inconstitucional.

Ante este panorama, observa-se que o ideal de relativização da coisa julgada tem fulcro nos postulados de equacionamento principiológico, de infraconstitucionalidade da coisa julgada, de Supremacia Constitucional e de não soberania dos atos judiciais.

O fato de o regramento institucional da res judicata constar no Código de Processo Civil, então lei ordinária, com respaldo constitucional apenas quanto ao fenômeno da retroatividade normativa (segundo fundamentos anteriormente expostos), reforça a tese da sua infraconstitucionalidade, mas, em verdade, o atributo da coisa julgada material é, com evidência, indispensável ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do que se denomina de acesso ao Poder Judiciário. Desse modo, a Coisa Julgada Material, uma vez comungada com as inclinações magnas do ordenamento jurídico, estaria a corresponder à função primordial da jurisdição estatal.

Nesse sentido, Rosenberg, Schwab e Gottwald (1993, p.915) afirma que “a coisa julgada material é uma consequência necessária do direito à proteção legal dos Tribunais. Sua ancoragem constitucional é encontrada no princípio do Estado de Direito”. Sendo assim, de nada adianta falarmos em direito de acesso à Justiça sem que possamos conceder ao cidadão o direito de ver o seu litígio solucionado em caráter imutável. Todavia, esta segurança deve decorrer muito mais da simetria entre os preceitos concebidos pelo Estado Democrático e a decisão prolatada, do que dos interesses pessoais dos indivíduos em litigância.

O sistema jurídico positivo fornece os elementos essenciais à compreensão do exame e do controle das atividades que envolvem o exercício das funções típicas do Estado (Legislativa, Executiva e Judicial), cujos atos deles emanados devem guardar absoluta fidelidade ao Texto Magno, sob pena de invalidade. Essa submissão ao denominado Princípio da Constitucionalidade é o traço revelador do Estado de Direito, formando um plexo de poderes limitados e controlados pela própria ordem constitucional.

Nesse aclive, a Constituição da República, disciplinadora da estrutura política do Estado, contempla valores fundamentais que permeiam a convivência social. Jorge Miranda (1999, p.123), a esse respeito, esclarece:

“Na Constituição se plasma um determinado sistema de valores da vida pública dos quais é depois indissociável. Um conjunto de princípios filosófico-jurídicos e filosófico-políticos vêm-na justificar e vêm-na criar. Tais valores e princípios balizam e orientam a sociedade e a atuação do Estado de satisfação das necessidades públicas”.

A ideia de que a declaração de inconstitucionalidade de lei nulifica a decisão origina algo que, permissa venia, se pode nomenclaturar de “controle de constitucionalidade da sentença transitada em julgado”. Nessa construção desconsideradora, a retroatividade da decisão que culminou com a declaração de inconstitucionalidade (o que ocorre via de regra, já que os efeitos de tal declaração no controle concentrado são ex tunc) acabaria por fazer com que a coisa julgada a ela contrária fosse fatalmente atingida.

Num plano prático isso implica dizer que, uma decisão fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou em interpretações da lei ou ato normativo contrárias ao texto constitucional, ainda que proferida em processo no qual tenham sido observadas, pelo aplicador do direito, as formalidades e preceitos de ordem material e processual, pode ser nulificada, tudo em respeito à supremacia normativa da Constituição.

O mesmo se diga com relação ao trânsito em julgado do que na atualidade se denomina de “inconstitucionalidade da decisão injusta”, violadora do princípio constitucional da moralidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), já que é dever do magistrado, no exercício de suas funções judicantes, honrar e respeitar às instituições democráticas e os preceitos valorativos da Constituição Republicana quando da prolação sentencial.

Do mesmo modo, existem precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal nos quais o valor justiça foi privilegiado pela corte, a qual entendeu que tal valor essencial deve sempre ser preservado e enaltecido, ainda que para tanto se conceda efeito retroativo ao decisum, em detrimento da segurança jurídica. Nesse segmento, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha (RTJ 09/1.937) preleciona de forma lapidar que “não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem justiça não há liberdade”.

Assim, conclui-se que a ideia da imutabilidade da Coisa Julgada deve estar sempre ligada à compatibilidade do decisum com o texto constitucional, pois, do contrário, conforme o panorama exposto, a eficácia e validade deste ato judicial estarão severamente comprometidas.

Sobre o autor
Philippe Guimarães Padilha Vilar

Oficial de Justiça-Avaliador Federal do Poder Judiciário da União, em exercício perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus, em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILAR, Philippe Guimarães Padilha. Coisa julgada inconstitucional e os dogmas da segurança jurídica e da supremacia constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3167, 3 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21214. Acesso em: 20 nov. 2024.

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