Resumo: Este artigo constitui uma análise do Projeto de Lei 2.126/2011, denominado Marco Civil da Internet no Brasil, em comparação com o panorama da utilização da Internet e a influência humana quanto à segurança das informações no ciberespaço. O intuito, além de apresentar o Projeto de Lei, é expor pontos fortes e apontar artigos que suscitam questionamentos e devem ser revisados. Sugere a elaboração de um regulamento para orientar a execução do Projeto de Lei, caso aprovado, e desenvolvimento de ações neste sentido.
Palavras-chave: Marco Civil da Internet, Projeto de Lei 2.126/2011, regulamento, fator humano, segurança, ciberespaço.
1. INTRODUÇÃO
Conhecido como Marco Civil da Internet, o Projeto de Lei 2.126/2011 estabelece um regulamento civil do uso da Internet no Brasil. A abertura dos debates sobre a necessidade de um marco regulatório civil quanto à utilização da Internet foi iniciativa do Ministério da Justiça (MJ) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O professor Ronaldo Lemos, da FGV, publicou, em 22 de maio de 2007, um artigo defendendo a necessidade de criar regras para o uso da Internet:
Para inovar, um país precisa ter regras civis claras, que permitam segurança e previsibilidade nas iniciativas feitas na rede (como investimentos, empresas, arquivos, bancos de dados, serviços etc.).
De acordo com a Exposição de Motivo Interministerial (EMI) de número 00086/2011, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ), em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, desenvolveu o anteprojeto de lei após discussões realizadas com a sociedade por meio da Internet, no período entre outubro de 2009 e maio de 2010, em blog1 hospedado na plataforma Cultura Digital2. O citado documento informa que a sociedade participou com mais de dois mil comentários diretos e muitas manifestações no Twitter3 e Identi.ca4. Tal metodologia de consulta da opinião pública para elaboração do anteprojeto reforça o caráter social e democrático a ser atribuído à Internet.
O Marco Civil da Internet é apresentado em cinco capítulos. O primeiro trata dos fundamentos, dos conceitos para interpretação do documento e dos objetivos que o norteiam. O segundo capítulo enumera os direitos dos usuários, afirma que o acesso à Internet está relacionado ao exercício da cidadania, assim como também a Organização das Nações Unidas (ONU) defende, e discorre sobre garantias como a de não ter o acesso à Internet interrompido. Assuntos polêmicos como responsabilidades por danos decorrentes de ações na Internet, solicitação de histórico de registros, privacidade, tráfego de dados, dentre outros são tratados no terceiro capítulo. A atuação do poder público quanto à Internet está definida no quarto capítulo que discorre sobre regras para sites públicos, atuação no desenvolvimento da Internet no Brasil, incentivo cultural e padronização quanto à utilização de tecnologias. O quinto e último capítulo finaliza garantindo o exercício dos direitos de uso da Internet de modo individual e coletivo.
Com a eventual aprovação deste projeto de lei, mudanças significativas quanto à utilização da Internet farão parte da vida dos, aproximadamente, 78 milhões de internautas brasileiros (a partir de 16 anos – IBOPE/NIELSEN - setembro/2011), empresas responsáveis por serviços de Internet, profissionais de tecnologia, áreas correlativas ao exposto nos artigos e poder público. Surgem questionamentos e preocupações quanto à privacidade, tratamento de informações de conexões e acessos a aplicações, como assegurar a cada cidadão acesso à Internet, postura dos provedores de acesso quanto a gestão do serviço prestado aos usuários e a atuação do poder público no desenvolvimento da Internet no Brasil.
No decorrer deste artigo, serão apresentados os pontos controversos existentes acerca do Marco Civil da Internet.
2. O MARCO CIVIL DA INTERNET
2.1. PANORAMA ATUAL DA INTERNET NO BRASIL
De acordo com SEGURADO (2011), até o final de 2009, ano em que se iniciou a discussão sobre a criação do Marco Civil da Internet, existiam 26 propostas distintas sobre o tema, o que demonstra a preocupação dos parlamentares brasileiros em regular o meio cibernético. Apesar de o Projeto de Lei 2126/11 ter sido elaborado de modo colaborativo, ou seja, com a participação da sociedade, surgiram muitos comentários contrários à iniciativa de regular a Internet, com a alegação de que o Marco Civil da Internet tolheria a liberdade de expressão e segurança de dados pessoais. Entretanto, coube aos defensores do Marco Civil da Internet a justificativa de que os artigos do PL 2.126/2011 visam evitar que a Internet seja utilizada como meio para prática de delitos, proporcionando mais segurança no ciberespaço5 ao mesmo tempo em que não fere direitos fundamentais previstos na Constituição Federal - CF.
O IBOPE6 aponta que, no Brasil, o número de pessoas que acessa a Internet atingiu 77,8 milhões em 2011. Deste total, 87,0% dos 45,4 milhões de internautas, ativos em agosto de 2011, estão inseridos em comunidades virtuais, trocando informações, expondo suas vidas e participando de grupos e páginas diversas. Outro dado preocupante, quanto à segurança, é o crescimento de 45,0 % do e-commerce7 no primeiro semestre de 2011 no Brasil, de modo que o montante de pessoas que colocaram seus nomes, endereços e números de cartões de crédito em diversos sites de compras, durante o primeiro semestre, foram de 11,5 milhões de consumidores.
O ciberespaço é tão povoado quanto o físico, repleto de transações sociais e comerciais, desacordos e delitos. Os crimes incluem: extorsão, estelionato, vandalismo, jogos trapaceiros, fraude, ataques a sistemas de tráfego aéreo, invasão de privacidade, difamação, espionagem, pedofilia, apologia a crimes hediondos etc. Antigos delitos com nova roupagem despontam no ciberespaço preocupando os internautas brasileiros que acabam por expor informações na Internet.
De acordo com SCHINEIER (2001, p.255), não importa quão seguras sejam as aplicações, redes ou hardwares, a interação dos usuários com o meio virtual constitui risco de segurança, ou seja, “as pessoas normalmente representam o elo mais fraco na corrente da segurança”. Afirma ainda que seria inútil investir somente em técnicas de criptografias para protocolos, softwares mais seguros dentre outros artifícios caso o fator humano seja ignorado.
Um desafio em toda a discussão sobre o Marco Civil da Internet é como estabelecer regras quanto à utilização do ciberespaço, sem prejudicar questões de avanços econômicos (e-commerce) e a liberdade de expressão. Conteúdos publicados na Internet não necessitam de autorização prévia, ou seja, qualquer indivíduo pode difundir qualquer informação. Em razão da liberdade de expressão e do fluxo de informações, a Internet atua como transformadora social, econômica, cultural e política.
2.2. CAPÍTULO I - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
O primeiro capítulo do Projeto de Lei expõe os fundamentos, princípios e objetivos estabelecidos quanto à regulação do uso da Internet no Brasil. É reconhecida a amplitude mundial da Internet e apontado como um dos fundamentos da utilização do ciberespaço o “exercício da cidadania em meios digitais” e os Direitos Humanos. Quanto aos princípios que regem o Marco Civil da Internet, destaca-se a preocupação em garantir a proteção da privacidade e informações pessoais dos usuários, bem como a característica colaborativa da Internet.
De acordo com o Art. 4º, o Marco Civil da Internet visa conduzir à utilização do ciberespaço para a propagação de conhecimento e cultura, além de ser meio de comunicação de assuntos públicos. Objetiva a promoção do “direito de acesso à Internet a todos os cidadãos” e o estimula a adesão de padrões tecnológicos abertos por parte de todos os níveis da federação. O grande diferencial deste Projeto de Lei para outros que tramitam pelo Legislativo é que, ao contrário de focar em questões criminais, o ponto de partida é estabelecer direitos e deveres com relação à utilização da Internet assegurando o exercício dos direitos constitucionais dos quais todos os cidadãos brasileiros devem se valer.
Ao recorrer a exemplos de projetos de lei que se concentram na criminalização do ciberespaço é cabível abordar a Emenda/Substitutivo do Senado (EMS) 89/2003, do Senador Eduardo Azeredo, que reúne os Projetos de Lei 84/1999, 86/2000 e 137/2000, respectivamente do Deputado Luiz Piauhylino, do Senador Renan Calheiros e Senador Leomar Quintanilha, que em seu preambulo explicita que “dispõe sobre os crimes cometidos na área de informática”. O EMS 89/2003, além de referir-se aos artigos dos Projetos de Lei citados e discorrer sobre as obrigações dos provedores de serviços de Internet, adiciona propostas de alteração no Código Penal Brasileiro. Por outro lado, o Projeto de Lei 2.793/2011, dos Deputados Paulo Teixeira, Luiza Erundina, Manuela D’Àvila, João Arruda, Brizola Neto e Emiliano José, embora defenda a criação do Marco Civil da Internet, também trata de tipificações penais.
De acordo com discurso de Guilherme Almeida, assessor da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério de Justiça, ao apresentar a experiência do Marco Civil da Internet à ONU, os próprios cidadãos brasileiros solicitaram um Projeto de Lei, com relação ao uso da Internet no Brasil, que não partisse do pressuposto de que todos que acessam a Internet sejam criminosos em potencial. Tal Projeto de Lei deveria estabelecer medidas que não invadam a privacidade de quem acessa o ciberespaço ou atropelem o direito à liberdade de expressão.
2.3. CAPÍTULO II - DOS DIREITOS E GARANTIAS DOS USUÁRIOS
O Art. 7º dá início ao Capítulo II e dispõe que o “acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania”, em conformidade com o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) que aponta a inclusão digital como um “direito em si e um meio para assegurar outros direitos à população”, uma vez que a Internet tornou-se mais um cenário de manifestação cultural brasileira e diversos serviços do Governo Federal, atualmente, disponíveis aos cidadãos por meio da Internet.
Durante o 1º Fórum da Internet no Brasil, realizado em São Paulo no dia 13 de outubro de 2011, o Deputado Newton Lima, relator da subcomissão do PNBL, colocou-se favorável ao Marco Civil da Internet no sentido de reconhecer a importância da inclusão digital no exercício da cidadania além de tratar do assunto, primeiramente, como uma questão civil e não criminal.
Ainda no artigo 7º são dispostos a inviolabilidade e sigilo das informações que transitam entre usuários do ciberespaço, que somente podem ser violados por determinação judicial, na forma da lei, para investigação criminal ou instrução processual penal, em conformidade com o que reza o artigo 5º inciso XII da CF:
É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Pode-se concluir que, caso uma pessoa ou empresa prestadora de serviços de Internet tenha acesso aos dados de tráfego de qualquer usuário sem a devida determinação judicial, este atropelará um direito fundamental do cidadão citado e poderá ser acionado judicialmente.
O artigo 8º apresenta um ponto que levantou polêmica durante as duas etapas de elaboração colaborativa do Projeto de Lei: o livre e incondicionado acesso à Internet é requisito para o pleno exercício do direito da liberdade de expressão. A CF traz, no inciso IX do artigo 5º, como um dos direitos fundamentais do cidadão, no Brasil, a liberdade de expressar atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, livre de censura.
O princípio envolvido na discussão em pauta, segundo MORAES (2001), é o da exclusividade, que objetiva assegurar ao indivíduo sua identidade. Tal exclusividade rege determinações como as destacadas nos incisos X e XII do artigo 5º da CF que, respectivamente, reza sobre a inviolabilidade do sigilo de dados e o direito à vida privada. É ressaltada a ligação da exclusividade, ou seja, as concepções baseadas na subjetividade intelectual individual não barradas pelo nivelamento social, a preservação da vida privada, sigilo dos dados e a liberdade de expressar-se à despeito de normas ou padrões pré-estabelecidos.
2.4. CAPÍTULO III - DA PROVISÃO DE CONEXÃO E DE APLICAÇÕES DA INTERNET
O artigo 9º do PL 2126/11 apresenta a seguinte redação:
O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo, sendo vedada qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços, conforme regulamentação.
A primeira divergência, acerca deste artigo, refere-se ao modo como empresas oferecerão serviços de transmissão, comutação ou roteamento. De acordo com FELITTI (2011) muitas empresas, supostamente, fazem distinção quanto aos tipos de conteúdos que trafegam na Internet, isso justificaria situações de degradação de banda, relatadas por usuários de banda larga, ao tentarem estabelecer conexões usando protocolos de transferências, o que caracteriza maior consumo de banda para trocas de grandes arquivos entre servidores.
A moderação de tráfego faz com que as empresas de telefonia e provedores de Internet não precisem injetar mais investimentos em infraestrutura para atender a grande demanda que surgiria caso fossem sustentar, de fato, a velocidade de conexão que anunciam ao venderem assinaturas de serviços de Internet, visto que a grande maioria dos usuários consome pequena quantidade de banda em seu uso diário do ciberespaço.
Embora ELIAS (2011) comente acerca do artigo 9º ser uma tentativa válida de combater a prática do Traffic Shaping8, o disposto ao final deste artigo veda “qualquer discriminação ou degradação do tráfego”, com a seguinte ressalva: “que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada de serviços, conforme regulamentação”. Portanto, as empresas provedoras de banda larga possuem condições para prosseguir com a moderação de tráfego, justificando limitações de infraestrutura ao contrário de efetuar investimentos para atender a demanda de seus clientes.
A grande maioria dos usuários de Internet não dispõe de conhecimento técnico suficiente para reconhecer e contestar a velocidade de conexão realmente fornecida em comparação a ofertas em propagandas e especificada em contrato com a empresa provedora. Em consequência, tais usuários contratam um serviço ainda hoje bastante oneroso e não sabem se recebem o prometido. Em contrapartida, a contratada poderá utilizar a imperícia dos usuários, concernente a tais questões técnicas, para esconder a prática de moderação de tráfego e, quando indagada, poderá até mesmo alegar que a lentidão de conexão relatada pelo cliente é decorrente de limitações do computador ou equipamentos como roteadores e modens do mesmo. Assim, os usuários de Internet continuariam ao arbítrio das empresas provedoras de conexão.
Em outros países, como por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA), a prática da moderação de tráfego vem sendo combatida fortemente. Desde 2008, a Federal Communications Commission (FCC) vêm impondo limitações à moderação de tráfego, assim como um grupo de advogados especializados relatou tal prática ao presidente Barack Obama, de acordo com IDG NOW (2008)
No parágrafo único é vedado, ao provedor de conexão à Internet, acessar de qualquer forma o conteúdo dos pacotes de dados, a menos que exista alguma ressalva legal para tal ato.
2.4.1. Seção II - Da Guarda de Registros
A Seção II do Capítulo IV do Marco Civil da Internet trata da guarda de registros de conexão, trazendo como base a preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem dos envolvidos. Assim, no primeiro parágrafo do artigo 10 o provedor responsável pela guarda terá a obrigação de prover os registros que identifique o usuário, apenas, se houver uma ordem judicial, conforme:
Art.10, § 1º O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar as informações que permitam a identificação do usuário mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção VI deste Capítulo.
Esta Seção suscita grande discussão, no tocante ao tempo de guarda dos registros de conexão. No artigo 11, o Projeto de Lei define que os registros sejam guardados pelo prazo de um ano, em um ambiente seguro e sigiloso. Embora alguns interessados no assunto defendam que a guarda dos registros devam obedecer a um limite mínimo de tempo de três anos, como o Senador Eduardo Azeredo no EMS 89/2003, o professor Ronaldo Lemos em entrevista ao site ARede9 (sic) argumenta que, em estudo feito pela União Europeia, 98,0% das solicitações de registros de acesso referem-se a dados guardados há até um ano, e apenas 2,0% das solicitações referem-se a dados que ultrapassam este prazo.
Contudo, ao considerar detalhes concernentes à realidade jurídica no Brasil e o fato de que a prescrição civil, em geral, ocorre em cinco anos é possível questionar a viabilidade da guarda de registros de conexão abranger, apenas, um ano. Ainda no artigo 11, no parágrafo segundo, é proposto que os registros de conexão podem ser guardados por tempo superior ao previsto no Projeto de Lei, contanto que exista requerimento de autoridade policial ou administrativa. Essas disposições podem, também, retardar ou dificultar investigações de crimes cometidos por meio da Internet há mais de um ano. Embora a prescrição criminal varie de acordo com o ilícito praticado, a maioria ultrapassa o prazo de um ano.
A clara distinção entre o tratamento dado a guarda de dados de conexões e dados de acesso a aplicações de Internet é explicitada do artigo 12 ao artigo 16. No artigo 12 é proibida a guarda de registros de acesso a aplicações de Internet por parte da empresa responsável pela provisão de conexão. Já no artigo 13 o provedor da aplicação de Internet pode optar por guardar ou não os registros de acesso às aplicações, contanto que observe o artigo 7º. Ainda ressalva que ao escolher por não guardar os registros de acesso às aplicações de Internet que provê, a empresa não será responsabilizada por danos causados por terceiros decorrentes desta utilização. A guarda de tais registros somente passará a ser obrigatória mediante ordem judicial que deverá especificar o motivo e o período de tempo para o monitoramento. Neste caso a autoridade policial ou administrativa poderá exigir sigilo quanto ao requerimento por parte da empresa provedora.
Embora exista a preocupação em proteger a privacidade dos usuários, a não obrigatoriedade de guarda dos registros de acesso a aplicações de Internet pode retardar investigações ou andamentos de processos que dependem de tais dados, uma vez que, assim como observou ELIAS (2011), somente os dados de conexão podem não ser suficientes considerando a possibilidade de um usuário mal intencionado utilizar softwares que alteram seu real endereço de rede ou mesmo acessarem redes sem fio desprotegidas de modo a deixar rastros falsos pelo ciberespaço.
2.4.2. Seção III - Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros
Importantes disposições são apontadas do artigo 14 ao artigo 16 referentes à responsabilidade de conteúdos gerados e disponíveis na Internet. Primeiramente, o Marco Civil da Internet exime os provedores de conexão de qualquer responsabilidade quanto a conteúdos produzidos e, apenas, considera o provedor de aplicações de Internet como responsável pelo conteúdo danoso caso, após determinação judicial, não adote as devidas providências para tornar indisponível o conteúdo.
Questões que envolvem a responsabilização do provedor de aplicações de Internet quanto a conteúdos ofensivos disponibilizados por terceiros em seus domínios já são amplamente discutidas atualmente e apresentam decisões judiciais compatíveis com o disposto no Marco Civil da Internet. Embora não exista tipificação penal específica para roubo de identidade na Internet, por exemplo, ações judiciais são abertas quanto à criação de perfis falsos em sites de relacionamentos como Orkut10 e Facebook11. O site CONJUR12 (2011) relata a decisão da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que decidiu a favor de um jovem que teve seu perfil, na rede social Orkut, invadido e sua imagem e honra prejudicadas. Na sentença judicial em primeiro grau, a autoridade judiciária entendeu como omissão por parte do Google13 por não tomar as medidas cabíveis depois de contado do reclamante ao relatar a fraude e solicitar a retirada do perfil invadido da referida rede social.
Quanto às informações apresentadas no parágrafo único do artigo 15 e no artigo 16, é importante notar que, caso exista uma ordem judicial para tornar indisponível determinado conteúdo, o provedor de aplicações de Internet deverá entrar em contato com o usuário, responsável pela divulgação de tais informações danosas, informando-lhe do cumprimento da ordem judicial.
Colocando o parágrafo único do artigo 15 sob uma lupa temos que:
Parágrafo único. A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
É fundamental apresentar evidências indubitáveis acerca do conteúdo e sua localização para que a ação judicial tenha validade. Portanto, é apropriado fornecer o endereço eletrônico completo do conteúdo, destacar no mesmo o trecho e/ou imagem que caracteriza o dano, endereço IP de Internet de onde a informação é oriunda e atentar-se a todo e qualquer material, independente do formato, que possa constituir evidência. Outra situação a analisar é que mesmo que a parte ofendida busque medidas judiciais, por exemplo, para ser indenizada por danos que determinado usuário, site ou empresa, supostamente tenha lhe causado ao disponibilizar informações na Internet, caso não apresente evidências da existência de tal material, o responsável por tal conteúdo danoso poderá alterá-lo ou excluí-lo, neste caso já não existiria prova nem possibilidade de mensurar os danos causados.
Um instrumento que pode ser utilizado para gerar evidências de conteúdos danosos na Internet é a Ata Notarial, prevista nas atribuições e competências dos Notários no artigo 7º da Lei 8935/94, assim, conforme salienta VOLPI NETO (2004), “o notário, com sua fé pública autentica um fato, descrevendo-o em seus livros. Sua função primordial é tornar-se prova em processo judicial. Pode ainda servir como prevenção jurídica a conflitos.”.
VOLPI NETO (2004) compara o conteúdo disponível na Internet com o oferecido na televisão. O conteúdo da televisão, embora não seja estático, transcorre no tempo e há um registro fixo relativo a cada minuto de programação. No caso da Internet, mesmo o conteúdo não sendo estático ele pode ser alterado a qualquer momento por seu responsável. Neste respeito, a Ata Notarial visa apresentar não somente o conteúdo danoso, mas também que o mesmo esteve ou está disponível publicamente, assim sendo trata-se de uma Ata de Notoriedade.
Mensurar danos imateriais exige o máximo de evidências possíveis. Para tal providência é possível registrar diariamente Atas Notariais como artifício para comprovar o tempo provável que determinado conteúdo esteve disponível ao público, causando danos ao usuário. Portanto, a decisão judicial será pautada não somente pelas evidências do conteúdo divulgado, mas também pelo período abrangido pela infração.
A Ata Notarial consiste em transpor uma informação digital para um documento, contendo a transcrição completa, incluindo indicações a outros endereços de Internet que possam existir no site alvo de tal instrumento. VOLPI NETO (2004) continua seus esclarecimentos apontando que se existirem sons no site, os mesmos devem ser transcritos pelo notário e “gravados em seus arquivos digitais com a assinatura digital do tabelião ou auxiliar autorizado.”.
Como exceção à notificação de execução de ordem judicial, o artigo 16 estabelece que, quando a empresa provedora “tiver informações de contato do usuário” sobre determinada irregularidade, a mesma deverá entrar em contato com o responsável pela publicação do conteúdo, notificando-o. Caso o provedor de aplicações de Internet alegue que não guarda dados de contato de seus usuários poderá se eximir da responsabilidade de notificação, que para o cliente pode caracterizar uma atitude despótica motivada por interesses individuais sem justificativa legal.
BLUM;VAINZOF (2011) argumentam que ao avisar o usuário autor do ilícito sobre o cumprimento da ordem judicial, o mesmo poderia eliminar evidências do crime, de modo que o suposto infrator ficaria impune. Contudo, a possibilidade de exigência de sigilo durante investigações por parte de provedores de conexões e aplicações de Internet dispostas, respectivamente, nos artigos 11 e 18, além de toda a explanação sobre a utilização da Ata Notarial para fins de fundamentar ações jurídicas e/ou administrativas torna tal argumentação questionável.
2.4.3. Seção IV - Da Requisição Judicial de Registros
No artigo 17, “sob pena de inadmissibilidade” a requisição judicial de registros de conexão ou de acesso a aplicações de Internet está condicionada ao fornecimento de “fundados indícios da ocorrência do ilícito”, que prove a ocorrência do ilícito por parte do parte do requerente. Tais indícios são necessários para justificar a requisição dos “registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória” e “período ao qual se referem os registros”. Para tanto, novamente é importante considerar a utilização da Ata Notarial, citada anteriormente.
A questão do sigilo de informações relevantes em uma investigação, levantadas por BLUM;VAINZOF (2011), são tratadas no artigo 18 ao determinar que estão a cargo do juiz as “providências necessárias para garantia do sigilo das informações recebidas”, incluindo a seguridade dos direitos fundamentais do usuário e pedidos de guarda de registros, “podendo determinar segredo de justiça”, ocasião em que somente os advogados das partes envolvidas terão acesso ao processo.
O Código de Processo Civil, nos artigos 841 a 846, permite requerer “ao juiz da causa” medidas cautelares de produção antecipada de provas, e assegura que será respeitado o sigilo, resguardadas as evidências e o infrator impedido de prejudicar possíveis investigações.
2.5. CAPÍTULO IV - DA ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO
As diretrizes que permeiam a atuação do Poder Público no desenvolvimento da Internet no Brasil são dispostas ao longo de nove incisos do artigo 19. Prevê a participação de vários setores da sociedade brasileira na criação de “mecanismos de governança transparentes” e a integração tecnológica dos vários “Poderes e níveis da federação” com a finalidade de acelerar a troca de informações e procedimentos. O inciso IV do referido artigo discorre sobre a recomendação de preferencialmente ser utilizado, por parte da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tecnologias e padrões abertos e livres.
De acordo com site do PLANALTO (2011), a intensão do Capítulo IV do Marco Civil da Internet é “dar mais transparência e acessibilidade a informações públicas, de modo a estimular a participação social nas políticas públicas”, e em conformidade com o inciso VII e VIII do artigo 19, “promover programas de capacitação para o uso da Internet e diminuir desigualdades no acesso e uso das tecnologias da informação e comunicação”. O artigo 20 reforça o caráter inclusivo das tecnologias utilizadas nos portais do Poder Público, objetivando atingir o maior número de pessoas oferecendo acessibilidade independente das “capacidades físico-motoras, perceptivas, culturais e sociais”, tornando simples e fácil a utilização de tais portais.
O artigo 21 inclui a utilização segura, consciente e responsável da Internet no “dever constitucional do Estado na prestação da educação”, note, “em todos os níveis de ensino”. Enquanto o artigo 7º associa o exercício da cidadania com o acesso à Internet, fazendo alusão à inclusão digital, o artigo 21 coloca como dever do Estado a educação para utilização da Internet e a adição da mesma a todos os níveis da educação, como mencionado, ou seja, a educação básica (fundamental e médio) e superior.
Tal demanda exigirá a reestruturação do ensino na rede pública no âmbito da inclusão digital, como a reformulação do Plano Nacional de Educação, apresentado pelo MEC [2000], alterações na Lei 9.394/1996, que estabelece as bases e diretrizes para a educação no Brasil, uma vez que a referência seria a educação digital, também para “a promoção cultural”, “o desenvolvimento tecnológico” e formação do cidadão em pleno exercício de sua cidadania e direitos.
O Estado deverá equipar escolas com laboratórios de informática que atendam a todos os alunos, contratar profissionais capacitados para dar manutenção nos equipamentos dos laboratórios, investir em qualificação dos professores quanto à inserir a tecnologia como suporte para suas aulas, divulgar e ensinar a etiqueta digital, garantir segurança aos alunos enquanto acessam a Internet pela rede de computadores da escola e estimular o desenvolvimento cultural e social do aluno no ciberespaço.
Por determinação do artigo 22, será dever do Poder Público utilizar a Internet como “ferramenta social”, desenvolver Políticas Públicas de modo colaborativo, integrar grupos sociais e disponibilizar informações para estimular o questionamento e transformação do meio social, reduzir a desigualdade entre as regiões brasileiras ao sustentar “a produção e circulação de conteúdo nacional”, nivelando o acesso ao conhecimento e desenvolvimento intelectual.
Embora alguns setores do Poder Público desenvolvam ações de combate à exclusão social por meio da inclusão digital, como por exemplo, as ações da Secretaria de Inclusão Digital do Ministério das Comunicações para levar a tecnologia para as áreas rurais do Brasil, de acordo com MC(2011), existe a necessidade de formular ações ainda mais abrangentes. Tal estruturação de ações poderá ser suportada pela criação de um regimento ou regulamento, baseado em planejamento desenvolvido de acordo com o disposto no artigo 23 ao explanar que:
O Estado deve, periodicamente, formular e fomentar estudos, bem como fixar metas, estratégias, planos e cronogramas, referentes ao uso e desenvolvimento da Internet no País.