Introdução:
A competitividade no mundo dos negócios fez os empresários buscarem alternativas comerciais para vencer a concorrência. Uma dessas alternativas foi realizar parcerias com outros empresários, em diversos níveis, para fomentar ou aumentar seus negócios.
Surgiram, assim, os contratos de colaboração, conceituados por Fábio Ulhoa Coelho[1] “aqueles em que um dos contratantes (empresário colaborador) se obriga a criar, consolidar ou ampliar o mercado para o produto do outro contratante (empresário fornecedor)”, explicando ainda que em tais contratos, “os empresários articulam suas iniciativas e esforços com vistas à criação ou consolidação de mercados consumidores para certos produtos”
Um desses contratos de colaboração é a franquia (ou franchising), que iremos analisar abaixo.
Um problema recorrente – e que vamos abordar no presente estudo – diz respeito a ações trabalhistas em que o empregado contratado pelo franqueado busca atribuir responsabilidade solidaria ou subsidiária ao franqueador, que, salvo em casos de fraude comprovada, efetivamente não tem essa responsabilidade.
I. O contrato de franquia:
A franquia empresarial é o sistema pelo qual um empresário – o franqueador – cede a outro empresário – o franqueado – o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional, mediante remuneração direta ou indireta.
A franquia é contrato atípico, embora regulamentado em alguns aspectos pela Lei 8955/94. É que a referida lei não estabelece todos os direitos e deveres do franqueador e do franqueado, de forma que eles decorrerão das cláusulas contratuais livremente pactuadas.
O contrato de franquia, ou franchising, embora seja um contrato atípico, é conceituado na abalizada doutrina de Fran Martins como
o contrato que liga uma pessoa a uma empresa para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de comercializar marcas ou produtos de sua propriedade sem que, contudo, a essas esteja ligada por vínculo de subordinação[2].
Da lição de Fábio Ulhoa Coelho, extrai-se que, no contrato de franquia,
o franqueador autoriza o uso de sua marca e presta aos franqueados de sua rede os serviços de organização empresarial, enquanto estes pagam royalties pelo uso da marca e remuneram os serviços adquiridos conforme previsão contratual[3].
O traço principal que contorna a relação entre franqueador e franqueado é a autonomia. José Cretella Neto observa que a “característica marcante do contrato de franchising é a criação de relações de colaboração econômica e estratégica entre duas empresas independentes” (grifos não do original)[4].
São, portanto, duas empresas distintas e autônomas entre si, cada qual com sua personalidade jurídica própria, ligadas apenas por um contrato mercantil. Não há entre elas nenhum tipo de envolvimento, seja por sociedade, seja por coligação ou participação.
II. Contrato de trabalho
Conforme definição legal, estampada no art. 442 da CLT, contrato de trabalho individual é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego, realizado entre empregador (CLT/2º) e empregado (CLT/3º).
Contrato de trabalho tácito é aquele que decorre de fatos. É a reiteração na prestação do serviço do empregado ao empregador sem oposição deste.
Expresso é o contrato acordado de maneira transparente, sem qualquer margem de dúvida. Pode ser escrito ou verbal.
O contrato de trabalho tem como característica ser um acordo de caráter privado, bilateral, consensual, sinalagmático, comutativo, de adesão, de trato sucessivo e oneroso. Como bem define Luciano Martinez,
é negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (o empregado) obriga-se, de modo pessoal e intransferível, mediante o pagamento de uma contraprestação (remuneração), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), que assume os riscos da atividade desenvolvida e que subordina juridicamente o prestador[5] (grifos não do original).
Desta forma, as obrigações decorrentes do contrato de trabalho apenas dizem respeito às partes contratantes. Todos os direitos decorrentes do contrato, como contraprestação do trabalho realizado pelo empregado, devem ser saldados pelo empregador. Somente em casos excepcionais, decorrente de obrigações solidárias ou subsidiárias, pode-se atribuir essa responsabilidade a terceiros.
III. Solidariedade e subsidiariedade
III.1. Obrigações solidárias
Solidariedade é um fenômeno jurídico que ocorre quando, havendo pluralidade de credores ou de devedores, um dos vários credores possa receber por todos, ou um dos vários devedores deva pagar tudo, como se fosse o único devedor.
Dispõe o Código Civil, no art. 264, que há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.
As obrigações solidárias implicam que a exigência da dívida possa ser feita a apenas um ou alguns dos devedores solidários que, exigidos, deverão pagar a dívida toda. O pagamento feito por um dos devedores solidários extingue a obrigação.
Não se pode confundir responsabilidade solidária com responsabilidade subsidiária. São coisas diferentes. Enquanto esta tem caráter acessório, supletivo, aquela tem caráter principal, complementar.
É importante observar que a solidariedade não se presume: ela resulta de disposição expressa na lei ou do contrato (Código Civil, art. 265).
No direito do trabalho, encontramos expressa previsão legal acerca da responsabilidade solidária na CLT, no art. 2º, § 2º, que trata do grupo de empresas: sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
Luciano Martinez salienta que “para fins trabalhistas, a coligação de duas ou mais empresas beneficiárias de um mesmo contrato de emprego, produz para todas elas uma situação de responsabilidade solidária”[6].
Portanto, para que se reconheça a solidariedade, é indispensável que haja a coligação, de sorte a constituírem um grupo de empresas.
III.2. Obrigações subsidiárias.
A obrigação subsidiária tem caráter acessório e supletivo à obrigação principal. Trata-se de um fenômeno jurídico pelo qual alguém é chamado a cumprir uma obrigação quando o devedor principal não a cumpriu.
O caráter acessório se revela na medida em que o credor deve, primeiro, exigir a obrigação do devedor principal para, somente ao depois, exigir do devedor subsidiário. É o que ocorre, por exemplo, no caso da fiança (Código Civil, art. 827), ou na execução dos sócios da sociedade (Código Civil, art. 1024).
Na Justiça do Trabalho é muito comum o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do tomador do serviço, nos casos de terceirização e subempreitada.
TST, súmula 331.
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE.
(...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
(...)
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
IV. A ausência de responsabilidade do franqueador pelas dívidas trabalhistas do franqueado.
O contrato de franquia estabelecido entre franqueador e franqueado é um contrato de colaboração, vale dizer, de parceria entre dois empresários, onde um destes – franqueador – ajuda na organização da empresa, transferindo tecnologia (know how), licenciando o uso de sua marca e, eventualmente, fornecendo produtos para serem vendidos.
Não há, todavia, o fornecimento de mão de obra, que é contratada diretamente pelo franqueado.
Em tal relação temos duas empresas distintas, cada qual com sua autonomia e personalidade jurídica própria, e a única relação que as une é o contrato de franquia. E assim, como define José Cretella Neto, “do ponto de vista contratual, considera-se o franqueado como empresário independente, proprietário de um fundo de comércio...”[7].
O contrato de franquia caracteriza-se, como bem disse Carlos Alberto Bittar,
pela licença outorgada a empresa comercial autônoma, para colocação de produtos no mercado com o uso da marca do titular, que lhe presta assistência técnica e comercial, tudo mediante percentual incidente sobre o respectivo faturamento (grifos não do original)[8].
Não há, pois, subordinação jurídica entre tais empresas. O contrato de franquia não produz nenhum tipo de controle jurídico do franqueador sobre o franqueado e não gera coligação ou participação de nenhuma forma entre as empresas contratantes.
Essa relação não enseja responsabilidade solidária em face de ausência de disposição legal a respeito. E não havendo disposição legal, não se pode falar em solidariedade, como visto acima.
TST, SBDI-1, OJ 191.
CONTRATO DE EMPREITADA – DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL – RESPONSABILIDADE. Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.
TST, SBDI-1, OJ 185.
CONTRATO DE TRABALHO COM A ASSOCIAÇÃO DE PAIS E MESTRES - APM – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA DO ESTADO. O Estado-Membro não é responsável subsidiária ou solidariamente com a Associação de Pais e Mestres pelos encargos trabalhistas dos empregados contratados por esta última, que deverão ser suportados integral e exclusivamente pelo real empregador.
Também não conduz à responsabilidade subsidiária, sendo inaplicável a súmula 331, IV e VI, do TST.
A responsabilidade subsidiária prevista na mencionada súmula decorre de um contrato de trabalho, no qual o empregado trabalha, não para o seu empregador, mas para um terceiro, cliente dele.
Não se tem isso aqui. O empregado é contratado diretamente pelo franqueado e para ele presta serviço. Não há nenhuma relação entre o empregado e o franqueador.
O empregador, conforme art. 2º da CLT, é a empresa que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Nada disso se aplica ao franqueador.
A relação entre franqueador e franqueado não gera responsabilidade subsidiária, eis que ausente o requisito básico da prestação de serviço do empregado ao franqueador. O franqueador não se beneficia do trabalho prestado por outrem ao franqueado, nem assume os riscos do negócio deste.
A jurisprudência pátria firmou-se nesse entendimento.
No Tribunal Superior do Trabalho:
CONTRATO DE FRANQUIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 331, IV, DO TST. A jurisprudência se consolida no sentido de não enquadrar a hipótese de franquia, que se exaure porventura na transferência de marca, patente ou expertise, na regra que protege o trabalhador em casos de subcontratação de mão-de-obra. Por isso, não cabe a incidência da Súmula 331, IV, do TST, tendo em vista tratar-se de autêntico contrato civil, cuja relação direta se estabelece entre as empresas, franqueada e franqueadora, e, não, entre esta e o trabalhador, ressalvada, por óbvio, a hipótese de fraude. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR 2581005620035020202 258100-56.2003.5.02.0202, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Julgamento: 06/06/2011, 6ª Turma).
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.496/2007. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. FRANQUIA. SÚMULA N.º 331, IV, DO TST. O contrato de franquia não se confunde com o fenômeno da terceirização de serviços, visto que o franqueador não se beneficia dos serviços prestados pelos empregados da empresa franqueada. De fato, o contrato de franquia, que se encontra regido pelas normas de direito civil, apenas objetiva transferir a terceiros conhecimentos técnicos e administrativos para fins de abertura de empreendimento comercial. Desta feita, não há como imputar ao franqueado, na forma da Súmula n.º 331, IV, do TST, a responsabilidade subsidiária pelos débitos trabalhistas decorrentes da relação de emprego firmada entre o Reclamante e o franqueado. Precedentes da Corte. Recurso de Embargos conhecido e provido. (TST, E-RR 77 77/2005-001-02-00.8, Relator: Maria de Assis Calsing, Julgamento: 19/11/2009, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais).
Nos Tribunais Regionais:
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. SÚMULA 333, IV, DO C. TST. CONTRATO DE FRANQUIA. LEI 8955/94. O contrato de franquia não gera responsabilidade subsidiária do franqueador. (TRT 2ª Região, rel. Luiz Edgar Ferraz de Oliveira. – Proc. 02681.2201.432.02.00-6 – 9ª Turma).
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. FRANQUIA. No caso, configurada a existência de franquia empresarial entre as reclamadas, nos termos da Lei nº 8.955/94, e não tendo o reclamante demonstrado a existência de fraude ou o desvirtuamento do instituto da franquia, não há como reconhecer a responsabilidade subsidiária da segunda reclamada pelos créditos trabalhistas decorrentes da presente ação. Recurso provido. (TRT 4ª região, 1428002120095040383 RS 0142800-21.2009.5.04.0383, Relator: JOÃO BATISTA DE MATOS DANDA, Data de Julgamento: 14/07/2011, 3ª Vara do Trabalho de Taquara).
CONTRATO DE FRANQUIA. O contrato de franquia típico não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária do franqueador, a teor do art. da Lei 8.955/94, que dispõe sobre o contrato de franchising. O contrato de franquia celebrado entre franqueado e franqueador distancia-se completamente da hipótese de terceirização e de grupo econômico, não ensejando responsabilização subsidiária ou solidária, a não ser no caso de haver desvirtuamento do contrato. Não restando provado nos autos tal desvirtuamento, não há como ser a reclamada franqueadora responsabilizada pelos direitos de natureza trabalhista dos empregados da franqueada. (TRT 16ª região, 1834200801616006 MA 01834-2008-016-16-00-6, Relator: AMÉRICO BEDÊ FREIRE, Data de Julgamento: 17/01/2012).
Conclusão
Desde que não haja qualquer tipo de ato fraudulento que macule ou vicie o contrato de franquia, em condições normais e legais, o franqueador não tem responsabilidade pelas obrigações trabalhistas do franqueado no que diz respeito aos empregados contratados por este.
A relação que se estabelece no contrato de franquia é tipicamente de direito empresarial, de mera colaboração, não configurando hipótese de grupo econômico ou de terceirização.
O franqueador é, assim, parte manifestamente ilegítima para figurar no polo passivo de ação trabalhista movida pelo empregado contra o franqueado.
Bibliografia
BITTAR, Carlos Alberto. Contratos comerciais. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2003.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol 1. São Paulo: Saraiva, 2003.
CRETELLA NETO, José. Manual jurídico do franchising. São Paulo: Atlas, 2003.
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2010.
_____. Comentários às súmulas do TST. São Paulo: Atlas, 2010.
SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de, e MENDES, Marcel Kléber. Temas de direito do trabalho de A a Z. No prelo.
SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising. São Paulo: Atlas, 1993.
Notas
[1]Curso de direito comercial, pág. 85
[2] Apud Adalberto Simão Filho, Franchising, p. 31.
[3]Curso de direito comercial, p. 124.
[4]Manual jurídico do franchising, p. 19.
[5]Curso de direito do trabalho, p. 124.
[6]Curso de direito do trabalho, p. 198.
[7]Manual jurídico do franchising, pp. 85-86.
[8]Contratos comerciais, p. 207.