4. O Posicionamento dos Tribunais de Contas em relação à adesão a ata de registro de preços.
A Corte de Contas da União, diante da prática excessiva e sem limites de contratações através do instituto do carona, reconhece existir um mercado paralelo de aquisições de bens e serviços contratados sem licitações. Todavia, não reconheceu a invalidade do procedimento.
O TCU, em sua manifestação sobre o tema no Acórdão 1487/2007 apenas limitou o uso do carona, solicitando ao Poder Executivo uma solução destinada a limitar as contratações realizadas através desse instituto, que até o presente momento mantêm-se inerte sobre as contratações pelo sistema de carona.
Sobre esse aspecto, destaca-se da decisão do Tribunal de Contas acerca do carona os dizeres do Ministro relator Valmir Campelo:
“6. Diferente é a situação da adesão ilimitada a atas por parte de outros órgãos. Quanto a essa possibilidade não regulamentada pelo Decreto nº 3.931/2001, comungo o entendimento da unidade técnica e do Ministério Público que essa fragilidade do sistema afronta os princípios da competição e da igualdade de condições entre os licitantes.
(...)
8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerado que a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas.
9. A propósito do comentário acima, trago em reforço a lição do Prof. Marçal Justen Filho, (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª ed.) em que comenta a necessidade de se contar com uma precisa definição dos quantitativos mínimos e máximos das compras ou serviços a serem licitados, de modo a garantir estabilidade ao certame no que se refere à formação dos preços: “É imperioso determinar os quantitativos máximos cuja aquisição se prevê no período de um ano. Mas, além disso, deverão estabelecer-se os quantitativos para cada aquisição individual. Por outro lado, não se pode admitir formulação genérica para os lotes. Não será válida previsão de que os quantitativos em cada aquisição serão fixados discricionariamente, sem qualquer limite, pela Administração. Será defeituoso, por exemplo, o edital que estabelecer que a Administração poderá requisitar o fornecimento de lotes entre um quilograma e dez toneladas. Ora, isso inviabiliza a formação de preços, atemoriza os fornecedores diligentes e estimula os imprudentes, além de ter outros efeitos como se verá abaixo. Em suma, a adoção de registro de preços não significa afastar a previsão de que os editais devem descrever de modo preciso o objeto da licitação. Ou seja, o sistema de registro de preços não pode gerar a ampliação dos custos de transação para o particular. A incerteza sobre quantitativos mínimos e máximos se reflete no afastamento dos empresários sérios e na elevação dos preços ofertados à Administração. Basta um pequeno exemplo para evidenciar o problema. É possível formular um juízo aplicável a qualquer objeto, numa sociedade industrial razoavelmente desenvolvida. Trata-se do princípio da escala, que significa que quanto maior a quantidade comercializada tanto menor o preço unitário dos produtos fornecidos. Assim, o preço unitário não será o mesmo para fornecer um quilo de açúcar ou dez toneladas. Se não for estabelecido um lote mínimo para requisição, o particular se verá num dilema econômico invencível. Seus custos serão diversos em função das quantidades. O resultado será a formulação de preços médios. Logo, sempre que a Administração formular requisição de lotes de maior dimensão, acabará pagando valor superior ao que poderia ter obtido - se o licitante dispusesse da informação sobre a dimensão dos lotes.
Dito de outro modo, a Administração deve aproveitar o sistema de registro de preços para obter preços por atacado, evitando os preços de retalho. Para tanto, tem de estabelecer lotes mínimos que permitam aos potenciais interessados formular a proposta mais vantajosa.
Por outro lado, a fixação de quantitativos máximos é imposição essencial, derivada das normas orçamentárias, do princípio da isonomia e da economicidade.”
10. Vê-se, portanto, que a questão reclama providência corretiva por parte do órgão central do sistema de serviços gerais do Governo Federal, no caso, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, razão pela qual, acompanhando os pareceres emitidos nos autos, firmo a conclusão de que o Tribunal deva emitir as determinações preconizadas pela 4ª Secex, no intuito de aperfeiçoar a sistemática de registro de preços, que vem se mostrando eficaz método de aquisição de produtos e serviços, de modo a prevenir aberrações tais como a narrada neste processo (TCU. Acórdão n°1.487/2007).”
Acerca da Decisão mencionada, comenta Marçal Justen Filho (2007):
“O TCU incorporou razões jurídicas que devem ser tomadas em conta quando se pretender adotar a prática da carona. O Acórdão 1.487/07 demonstra que a contratação adicional, não prevista originalmente, é potencialmente danosa aos cofres públicos. Daí se segue que a sua adoção envolve a assunção do administrador público do risco de produzir uma contratação equivocada. A comprovação de que a prática do carona produziu enriquecimento injusto e indevido para o fornecedor privado deve conduzir à severa responsabilização dos agentes estatais que a adotaram.”
Diante do acórdão do Tribunal de Contas da União nº. 1.487/2007 – Plenário, a União não regulamentou o uso do carona, somente normatizou o instituto de acordo com a Orientação Normativa da AGU nº. 21, de 1º de abril de 2009, que autoriza a adesão a ata de registro de preços aos demais entes públicos federais e não admite que os seus órgãos utilizem o registro de preços dos Estados, Municípios e Distrito Federal, in verbis:
“ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 21, DE 1º DE ABRIL DE 2009
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 00400.015975/2008-95, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
É VEDADA AOS ÓRGÃOS PÚBLICOS FEDERAIS A ADESÃO À ATA DE REGISTRO DE PREÇOS, QUANDO A LICITAÇÃO TIVER SIDO REALIZADA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL, MUNICIPAL OU DO DISTRITO FEDERAL (BRASIL, AGU, 2009).”
Como se pode observar, o TCU, reputando juridicidade ao sistema de adesão, apenas recomenda a fixação, pelo poder Executivo, de limites em relação ao número de aderentes. Contudo, outros tribunais também já se manifestaram sobre o tema, tais como o Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso, do Distrito Federal e do Estado de Santa Catarina. (NIEBUHR, 2008).
No Mato Grosso (Acórdão nº 475/2007) e no Distrito Federal (Processo 35.501/2005), as cortes atribuíram legitimidade ao procedimento, autorizando assim a sua prática. A Corte de Contas do Estado do Mato Grosso foi um pouco mais além e proibiu que a adesão à ata de registro de preços, no total, ultrapassasse o quantitativo previsto na ata original acrescido de 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicialmente licitado e registrado na ata original.
O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, a seu turno, reconheceu a ilegalidade da adesão à ata de registro de preços (Prejulgado nº 1.895). Veja-se:
“1. O SRP, previsto no art. 15 da Lei (federal) n. 8.666/93, é uma ferramenta gerencial que permite ao Administrador Público adquirir de acordo com as necessidades do órgão ou da entidade licitante, mas os decretos e as resoluções regulamentadoras não podem dispor além da Lei de Licitações ou contrariar princípios constitucionais.
2. Por se considerar o que o sistema de carona, instituído no art. 8º do Decreto (federal) n. 3.931/2001, fere o princípio da legalidade, não devem os jurisdicionados deste Tribunal utilizar as atas de registro de preços de órgãos ou entidades da esfera municipal, estadual ou federal para contratar com particulares, ou permitir a utilização de suas atas por outros órgãos ou entidades de qualquer esfera, excetuada a situação contemplada na Lei (federal) n. 10.191/2001.”
Assim, conforme demonstra a decisão ora apontada, o Decreto Federal vai de encontro aos preceitos constitucionais, de modo que sua utilização pelas esferas federal, municipal e federal deve ser considerada como prática maculada pela total ausência de permissivo legalmente instituído para esse fim.
Ratificando o posicionamento acertadamente adotado pelo Tribunal de Santa Catarina, NIEBUHR (2008) assim se manifesta:
“Em Santa Catarina, o Tribunal de Contas deixou bem claro que a adesão à ata de registro de preços é ilegal. Trata-se de decisão que deve ser tomada como referência pelos demais tribunais de contas do país e, inclusive, pelo Tribunal de Contas da União, que, como visto, perdeu ótima oportunidade para extirpar de uma vez a chaga do carona da Administração Federal.”
5. CONCLUSÃO
O sistema de registro de preços e o sistema de carona são dois institutos correlacionados, porém muito divergentes. O primeiro eleva o princípio da eficiência da administração, pois, de uma única vez, registra preços para aquisição futura ou eventual, precedidos de uma ampla pesquisa do mercado e estrita observância aos preceitos legais. O segundo, regulamentado pelo artigo 8º do Decreto nº. 3.931 e não por lei, fere cabalmente o princípio da legalidade e o dever de licitar imposto pela Constituição Federal, burlando os princípios da licitação pública, facilitando, inclusive, o tráfico de influência e a corrupção, conforme ora demonstrado.
A possibilidade da Administração Pública não realizar certames licitatórios deixa de oferecer oportunidades a potenciais interessados em celebrar os contratos, com preços e condições mais vantajosas à Administração. O aumento de quantitativos e a manutenção das condições iniciais da proposta inicialmente apresentada produzem lucros extraordinários à empresa fornecedora, que se beneficia da economia de escala, caracterizando um mercado paralelo, desvirtuando a real finalidade da utilização da ata de registro de preços disposta na legislação em vigor.
Dessa forma, é crucial que se reconheça, no âmbito da administração pública, que a prática do carona, ao contrário daqueles que a apontam como medida promotora de celeridade e economia, seja reconhecida como prática ilegal e causadora de flagrantes prejuízos à Administração.
Por essa razão, corroborando com o posicionamento do Tribunal de Contas do Estado de Sana Catarina e com os dizeres NIEBURH, faz-se necessária a total vedação da utilização de Atas de Registro de Preços por órgãos que não participaram da licitação, consagrando-se, assim, a transparência dos processos de licitação e a efetiva seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, fim último de todo processo licitatório.
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Notas
[1] “Art. 8º. A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem. (grifo nosso)”.
[2] “As modalidades licitatórias previstas na Lei nº. 8666/93, em muitos casos, não conseguiram dar celeridade desejável à atividade administrativa destinada ao processo de escolha de futuros contratantes (CARVALHO FILHO, 2009).”
[3] Nesse sentido, Joel de Menezes Niebuhr (2008).
[4] Para Niebuhr, “Só alguém muito ingênuo e completamente alienado da realidade nacional pode supor que isso não aconteça com certa freqüência no Brasil.” (2008)
ABSTRACT
The public bidding, based on Law 8.666/93, are divided in two phases: the bidding and the contractual. The Prices Registration System in its turn, ruled by specific laws, is divided in three phases: the bidding, the minute of prices registration and the contract. The second phase of the procedure, the one in which the minute of prices registration (document that formalizes an unilateral pre-contract) is signed, cause effects only to the bid winner, who promises to supply the items or provide a service to the Management through future and successive contracts along one year, being the conditions and the quantities initially presented in its offer kept. Although it produces effect only between the bid winner and the Authority which has promoted the bidding, the Federal Decree-law nº 3.931/01 presents the possibilities of using this registered minute by other authorities which has not initially taken part of the process, this practice was named “hicht-hiking”. In spite of what have been argued by the doctrine, the use of this system cause serious damages to the Management, in a way that its use must be forbidden by the Audit Office, according to what will be shown along this article.
KEY WORDS: Bid, Prices Registration System, Hitch-Hiking