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O critério da eficiência na defesa da concorrência

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Agenda 08/05/2012 às 10:18

4. A questão da eficiência.

Uma vez verificada a potencial ilicitude da conduta ou operação analisada passa-se então a verificar se esta conduta não se mostra razoável. Assim, a legislação na busca pela prevenção e repressão dos ilícitos concorrenciais já prevê um critério que claramente exclui a ilicitude da conduta ou operação. Este é o critério da eficiência.

A teoria neoclássica apresenta dois modelos de eficiência, a alocativa e a produtiva. A alocativa relaciona-se com a distribuição dos recursos na sociedade e a produtiva relaciona-se com os custos de produção das empresas[43].

A Lei nº 8.884/94 coloca a prevenção às infrações a ordem econômica como uma de suas finalidades. Essa prevenção é feita por meio do controle de atos e contratos, nos termos do artigo 54.  Assim, há um procedimento para o controle preventivo dos atos de concentração e neste procedimento os atos e contratos são submetidos à apreciação do CADE para uma análise dos benefícios e malefícios[44]. Vejamos a redação do caput do artigo 54:

Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.

(Brasil, Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994. Vade Mecum. 3º edição atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva. 2007. p. 1501)

Dentro deste sistema, para saber se uma determinada operação deve ou não ser apresentada ao CADE, é preciso verificar se ela preenche os requisitos do § 3º do artigo 54. Esta apresentação deve ser feita de acordo com o prazo estipulado no § 4º do mesmo artigo, sob pena de se aplicarem as sanções previstas no § 5º deste artigo. Quanto aos §§ 4º e 5º, estes receberam uma nova interpretação da Resolução nº 15 do CADE, esta, por sua vez, é bastante criticada pela doutrina, pois não apresenta definições claras, gerando uma enxurrada de aplicações de multas por intempestividade na apresentação das operações[45]. Vejamos então, o que diz a redação dos parágrafos citados:

Art. 54. (...)

§ 3º Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em vinte por cento de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).

§ 4º Os atos de que trata o caput deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de quinze dias úteis de sua realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação em três vias à SDE, que imediatamente enviará uma via ao CADE e outra à SEAE.

§ 5º A inobservância dos prazos de apresentação previstos no parágrafo anterior será punida com multa pecuniária, de valor não inferior a 60.000 (sessenta mil) Ufir nem superior a 6.000.000 (seis milhões) de Ufir a ser aplicada pelo CADE, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 32.

(Brasil, Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994. Vade Mecum. 3º edição atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva. 2007. p. 1501)

Esta apreciação pode resultar na aprovação do ato, para tanto, é preciso que o ato preencha os requisitos apresentados nos §§ 1º e 2º, que apresentam a idéia de eficiências compensatórias, em que um ato aparentemente ilícito, pode ser aprovado quando o ato de concentração acarreta em ganhos de bem-estar que justificam e compensam a sua realização[46]. Vejamos a redação destes dois parágrafos:

Art. 54. (...)

§ 1º O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as seguintes condições:

I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:

a) aumentar a produtividade;

b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou

c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;

II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro;

III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços;

IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.

§ 2º Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste artigo, desde que atendidas pelo menos três das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, quando necessários por motivo preponderantes da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final.

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(Brasil, Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994. Vade Mecum. 3º edição atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva. 2007. p. 1501).

Portanto, consideram-se ganhos de eficiências aqueles ganhos de bem-estar específicos ao ato de concentração, prováveis de serem obtidos e, em alguma media, verificáveis[47].

Já a outra finalidade da Lei nº 8.884/94 é a repressão às infrações a ordem econômica. Para tanto, ela traz nos artigos 20 e seguintes os atos e condutas que representam estas infrações a ordem econômica.

O artigo 20, naquilo que Paula Forgioni chama de “duas almas”, protege a livre iniciativa e a livre concorrência, bem como protege também o consumidor, impedindo que a ele sejam impostos preços excessivos[48]. Vejamos então a redação deste artigo:

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros;

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.

§ 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.

§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.

(Brasil, Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994. Vade Mecum. 3º edição atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva. 2007. p. 1496)

Desta forma, observa-se que neste ponto, também no § 1º, aparece novamente uma possibilidade de se tornar uma conduta aparentemente ilícita em lícita por conta da eficiência. Todavia, neste ponto a excludente é absoluta e não exige elementos justificadores, afinal, trata-se de um poder de mercado adquirido através do crescimento interno do agente e que apresenta efeitos macroeconômicos positivos[49].

Enfim, o critério da eficiência aparece em nosso ordenamento e protege diversas operações de uma análise superficial que desconsidere os benefícios que ela pode apresentar. Neste sentido, ele ajusta a nossa legislação antitruste aos preceitos básicos de nossa Constituição Federal, que consagra já em seu artigo 1º o valor social da livre iniciativa e, transforma princípios inicialmente econômicos em ferramentas sociais, capazes de buscar a justiça social e os nossos objetivos fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal[50].

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

 III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

(Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. 12ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. P. 17).

Por fim, vale fazer um breve comentário quanto a recente mudança na legislação antitruste brasileira.

 Assim, na constante busca pelo aprimoramento da política de defesa da concorrência implementada no Brasil, surgiu em 2009 o Projeto de Lei nº 06/09. Com origem na Câmara dos Deputados o projeto estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e acomoda grande parte das reivindicações dos estudiosos da área.

O supracitado Projeto de Lei teve origem em outro projeto (PL nº 3.937/04), do mesmo autor (Deputado Carlos Eduardo Cadoca) e ao qual já havia sido apensado um terceiro projeto (PL nº 5.877/05), de origem do Poder Executivo, sendo que por conta deste a reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), programa do governo federal que visa instituir uma série de projetos e políticas para alavancar o crescimento da economia nacional.

Em 30 de novembro de 2011 foi sancionada a Lei nº 12.529, que consagra a expressão Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e estrutura este sistema oferecendo uma nova modelagem aos órgãos de defesa da concorrência. A partir desta nova legislação o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência fica composto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF).

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) passa a ser composto por três órgãos: Tribunal Administrativo, Superintendência-Geral e Departamento de Estudos Econômicos.

De forma sucinta, vale esclarecer que o Tribunal Administrativo é quem assumirá as atuais atribuições do plenário do CADE, julgando os processos administrativos de infração à ordem econômica e analisando os atos de concentração. A Superintendência-Geral é quem assumirá as atribuições da atual Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ), conduzindo investigações e propondo os compromissos de cessão de conduta, as condições de acordos em controle de concentrações e as sanções. O Departamento de Estudos Econômicos exercerá uma função exclusivamente técnica, sendo dirigido por seu Economista-Chefe e com o dever de elaborar estudos e pareceres econômicos, zelando pela qualidade técnica e científica das decisões.

A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF) passará a adotar o papel de advocacia da concorrência, podendo opinar sobre aspectos concorrenciais de normas e políticas em vigor, não passando mais a elaborar pareceres imprescindíveis em análises de atos de concentração econômica e pareceres facultativos em processos de investigação de infração à ordem econômica.

Todavia quanto à prevenção e a repressão às infrações a ordem econômica, pouco se modifica e, mesmo sob nova legislação, tudo o que foi exposto acerca da eficiência continuará válida, sob previsões bastante similares contempladas nos artigos 36 e 88 da Lei nº 12.529.


Conclusão.

Atualmente, o chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência goza de certo prestígio entre os seus pares, tendo sido inclusive bem avaliado no Peer Review 2010 (revisão pelos pares), sendo que segundo este relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o Brasil é tido como líder no combate aos cartéis por seus vizinhos da América Latina.

Assim, é indispensável que nossa política de defesa da concorrência ao observar a dupla instrumentalidade do direito, corrigindo e controlando os fatores desestabilizadores inerentes ao sistema de mercado[51], aplique corretamente o critério da eficiência nas análises realizadas.

Claramente a regulação do mercado transcende a questão econômica e abriga questões sociais e escolhas estatais realmente amplas. Neste sentido, a proibição de concentrações ou condutas que se mostrem na essência muito mais benéficas e eficientes do que meramente anticompetitivas não se mostra razoável e deve, portanto, ser evitada.

Deste modo, nossa legislação prevê o critério da eficiência como uma excludente de ilicitude e isso se dá não apenas pela histórica justificativa de busca pelo bem-estar do consumidor, mas por questões menos ingênuas que levam em consideração a dimensão política do mercado, como a necessidade do Estado de implementar suas políticas econômico-sociais e, também, a necessidade de se preservar ações que convirjam com a busca pelo desenvolvimento e crescimento econômico e industrial.

Enfim, sob o enfoque de políticas desenvolvimentistas que busquem um viés social amplo, o critério da eficiência pode ser um pêndulo importante nas análises concorrências, restringindo as ações cujas eficiências não sejam amplas e permitindo as ações que apresentam econômica e socialmente eficiências compensatórias.


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Brasil, Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994. Vade Mecum. 3º edição atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva. 2007.

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Sobre o autor
Saulo Felipe Caldeira de Almeida

Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Saulo Felipe Caldeira. O critério da eficiência na defesa da concorrência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3233, 8 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21711. Acesso em: 23 dez. 2024.

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