6 CONCLUSÃO
Findado o estudo proposto é possível considerarmos que os postulados do Direito Penal do Inimigo descritos e, porque não dizermos, legitimados por Jakobs, aguçam o sentimento de diferenciação social e exacerbam a dicotomia “nós contra eles”, pois se funda no estabelecimento de categorias de seres humanos: os cidadãos e os inimigos.
Os pressupostos do Estado de Direito não admitem esse modelo de categorização e discriminação. As máximas garantistas orientam o sistema no sentido de assegurar a todos a condição de cidadão, não sendo possível cogitar a perda do status de pessoa e, muito menos, a seleção de inimigos.
Inicialmente, buscou-se demonstrar alguns elementos da teoria proposta por Jakobs e a ressalva por ele apresentada de que o fato de não falarmos ou não desejarmos falar em Direito Penal do Inimigo não o faz sucumbir. Além disso, a formulação do discurso meramente descritivo e não legitimador por ele apresentado mereceu detida análise, já que ao descrever o fenômeno olhando-o de fora, como ele mesmo disse, fundamentou o que dizia apenas descrever. É certo, porém, que não se pode ignorar o discurso de Jakobs e simplesmente supor que no Estado de Direito o modelo por ele apresentado não existe. Entre o dever-ser e o ser há um intervalo assombroso.
A segregação social em duas categorias de seres humanos, inimigos e cidadãos, não representam, para Jakobs, esferas incomunicáveis e isoladas. Estas categorias estão inseridas no mesmo contexto do Direito Penal e um mesmo indivíduo seria tratado como pessoa em dado momento e, em outro, como fonte de perigo. A diferenciação no tratamento destinado ao indivíduo estaria a depender do comportamento do sujeito diante do ordenamento jurídico. Para ser tratado como cidadão e, portanto, ter seu comportamento regulado pelo Direito Penal do Cidadão, o sujeito deve oferecer garantias mínimas de que se comportará como pessoa. Se assim não for, isto é, se o indivíduo não oferecer essa segurança cognitiva suficiente e reincidir persistentemente na prática de delitos, não seria adequado tratá-lo com pessoa, pois tal privilégio violaria o direito das outras pessoas à segurança. A este estaria reservado o Direito Penal do Inimigo.
As características do Direito Penal do Inimigo foram sintetizadas em três aspectos: adiantamento das barreiras da punibilidade; aumento significativo de pena dos tipos penais que integram essas legislações e diminuição ou até mesmo eliminação de algumas das garantias processuais básicas.
Os aspectos assinalados evidenciam a negação dos princípios do garantismo penal estatuídos por Ferrajoli. Na perspectiva do Direito Penal do Inimigo é licito segregar de forma extremada o criminoso contumaz, posto que este não oferece segurança para viver em sociedade; com a lente do garantismo, o que devemos buscar é o fato praticado e sua repercussão penal. O indivíduo em si não é o objeto da sanção penal, mas o fato. Este determina os limites e os contornos da intervenção estatal sancionadora. As garantias, é bom dizer, não são instrumentos de segurança apenas para o acusado, mas para toda a sociedade.
Por fim, nomear as teses postuladas por Jakobs como Direito significa a legitimação da ofensa a todos os cidadãos, criando regras de exceção. Entretanto, a simples manifestação de incongruência do sistema por ele proposto e sua inadequação no contexto do Estado de Direito não o elimina. Mas é evidente que tolerar decisões fundadas em um Direito Penal simbólico e legitimador de teses de exceção avilta a própria Constituição. Sánchez, laconicamente, compreende que “à vista de tal tendência, não creio que seja temerário prognosticar que o círculo do Direito Penal dos ‘inimigos’ tenderá, ilegitimamente, a estabilizar-se e a crescer”[52] .
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS
[1] JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo. Organização e Introdução Eugênio Pacelli de Oliveira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 17.
[2] SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. – (Série as ciências criminais no século 21; v. 11). p. 38.
[3] MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito Penal do inimigo: a terceira velocidade do Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2008. p. 182.
[4] SANTOS, Juarez Cirino dos. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: < www.icpcjur.com.br/images/direito_penal_do_inimigo.pdf>. Acesso em: out. 2009.
[5] JAKOBS, Günther. 2008. p. xxv.
[6] Ibidem, p. xxv.
[7] JESUS, Damásio de. Direito Penal do Inimigo[1]: Breves Considerações. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/10836> Acesso em: out. 2009.
[8] SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. – (Série as ciências criminais no século 21; v. 11). p. 150.
[9] JAKOBS, Günther. 2008, p. xxv.
[10] Ibidem. p. 1.
[11]JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 21.
[12] JAKOBS, Günther. 2008. p. 2-3.
[13] Ibidem, p. 3.
[14] Ibidem, p. 7.
[15] CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. O Direito Penal do Inimigo e o Constitucionalismo: mise-em-scène de uma proposta funcionalista. Artigo analítico inserido ao final da obra de Jakobs (2008, p. 131).
[16] JAKOBS, Günther. 2008. p. 7.
[17] Ibidem, p. 47.
[18] Ibidem p. 41.
[19] JAKOBS, Günther. 2008. p. 39-40.
[20] Ibidem, p. 17.
[21] JAKOBS, Günther. Ciência do Direito e ciência do Direito Penal. Tradução Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Coleção Estudos de Direito Penal, volume I. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 38.
[22] SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. 2002. p. 149.
[23] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. 2008. p. 29.
[24] JAKOBS, Günther. 2008. p. 38.
[25] Ibidem, p. 28.
[26] JAKOBS, Günther. 2008. p.28.
[27] JÚNIOR, Otávio Binato. Do Estado social ao Estado penal: o direito penal do inimigo como novo parâmetro de racionalidade punitiva. 2007. 198f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2007. p. 136.
[28] SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. 2002, p. 149.
[29] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. 2008. p. 67.
[30] JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. 2008. p. 53.
[31] Ibidem, p. 71-72.
[32] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 117-118, apud MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito Penal do inimigo: a terceira velocidade do Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2008. p. 266.
[33] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 191.
[34] Ibidem, p. 21.
[35] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. 2007. p. 118.
[36] SANTOS, Juarez Cirino dos. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: < www.icpcjur.com.br/images/direito_penal_do_inimigo.pdf> Acesso em: out. 2009.
[37] SANTOS, Juarez Cirino dos. O direito penal do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: < www.icpcjur.com.br/images/direito_penal_do_inimigo.pdf> Acesso em: out. 2009.
[38] ZAFFARONI, 2007. p. 192.
[39] CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. 3. ed. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 19.
[40] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 84-85.
[41] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 85.
[42] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. 2007. p. 173.
[43] Ibidem.
[44] FAYET, A Sentença Criminal e suas Nulidades, p. 49-50, apud CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. 3. ed. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 32.
[45] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9. ed. rev. atualiz.. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 388.
[46] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Fabri, 1991, apud GALVÃO, Fernando A. N. Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 691.
[47] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique., 2007. p. 707.
[48] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e Ragione, p. 208 apud CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. 3. ed. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 13..
[49] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. 2007. p. 107.
[50] CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. O Direito Penal do Inimigo e o Constitucionalismo: mise-em-scène de uma proposta funcionalista. Artigo analítico inserido ao final da obra de Jakobs (2008, p. 131).
[50] JAKOBS, Günther. 2008. p. 7.
[51] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 86.
[52] SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. – (Série as ciências criminais no século 21; v. 11). p. 151.