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Direito Ambiental brasileiro: surgimento, conceito e hermenêutica

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Para entender o conceito de Direito Ambiental e a jurisprudência atualizada sobre o tema, é necessário entender a evolução histórica da legislação de proteção ao meio ambiente e a hermenêutica a ser utilizada.

RESUMO: Este artigo aborda o tema Direito Ambiental brasileiro. Diz-se brasileiro por pretender observar sinteticamente seu surgimento em nosso país, passando por sua conceituação, hermenêutica e interpretação jurídica pretoriana no julgamento de questões relacionadas ao meio ambiente pela predominância das normas de Direito Ambiental, mais especificamente com a aplicação do princípio da precaução para inverter o ônus da prova em desfavor do empreendedor de atividade potencialmente perigosa ao meio ambiente. Assim, esse novo ramo do Direito surge constitucionalizado no ordenamento jurídico brasileiro impondo uma nova visão sobre ele próprio, para a consecução do objetivo de equilíbrio ecológico, disciplinando a relação homem-natureza. O Direito Ambiental está diretamente relacionado à vida e à saúde, dignas e com qualidade para as pessoas das gerações presente e futura, portanto sua estrutura normativa se sobrepõe aos demais ramos do Direito para que estes observem sua “nova roupagem constitucional” quando lidam com o tema meio ambiente. Esta visão já começa a ser observada em recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça.

Palavras-chave: Direito Ambiental. Hermenêutica. Princípio. Meio ambiente.


1 INTRODUÇÃO

Em todos os continentes o tema meio ambiente cada vez mais ganha espaço, tanto na mídia quanto nos debates acadêmicos e políticos, seja pelas catástrofes ambientais como o recente vazamento de petróleo no litoral do Estado americano da Louisiana, região do Golfo do México, após a explosão de uma plataforma petrolífera da empresa British Petroleum, em abril do ano de 2010 (G1, Vazamento, 2010); seja pela patente relutância dos Estados Unidos em ratificar tratados internacionais relacionados à proteção ambiental, como o Protocolo de Quioto (LIMA, 2003).

O Brasil não poderia estar fora das discussões ambientais regionais e mundiais, posto que é um dos países que tem sob seu domínio territorial uma das maiores bases em biodiversidade da Terra. Aqui, o tema meio ambiente não se tornou relevante para o Direito apenas após a Constituição Federal do Brasil de 1988, em verdade é fruto histórico da evolução humana, assim como o próprio Direito.

Mas José Afonso da Silva (2010) lembra que a conscientização sobre o meio ambiente é prévia e é nascedouro da legislação de todos os países. No Brasil, escopo deste artigo, também já predominou a total desproteção jurídica ao meio ambiente, as primeiras normas surgiram com o Código Civil de 1916 que possibilitava ações, no direito de vizinhança, para impedir o mau uso da propriedade; seguido do Decreto 16.300, de 31.12.1923, que criou uma Inspetoria de Higiene Industrial e Profissional; depois, surgiu o Decreto 23.793, de 23.1.1934, instituindo o Código Florestal (revogado pelo atual Código Florestal, Lei 4.771/65); a Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452/43, normatizando a segurança e medicina do trabalho[1]; assim por diante, passando pela Lei nº 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, até chegar-se à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O constituinte de 1988, em função do histórico ditatorial do Brasil, preocupou-se em assegurar ao máximo diversos direitos e garantias que entenderam como fundamentais, assim como o próprio ordenamento que estava prestes a surgir; a solução encontrada baseou-se hierarquia normativa divulgada por Kelsen, assim a melhor forma de proteger esse Ordenamento seria a constitucionalização formal de diversos direitos, tornando a Constituição Federal de 1988 (quando à sua extensão) analítica ou não sintética (LENZA, 2009, p.39), em função da estabilidade normativa produzida pela rigidez no processo legislativo de alteração das normas constitucionais quando comparadas com as normas infraconstitucionais.

A Constituição de 1988, no que se refere ao tema deste trabalho, inovou o ordenamento não por introduzir um novo tema, Direito Ambiental, mas pela forma de abordar e de constitucionalizá-lo, reservando inclusive um capítulo próprio (VI), dentro do Título VIII (que trata da Ordem Social), determinando a observação sistêmica no arcabouço constitucional sobre o meio ambiente.


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 CONCEITUAÇÕES DE MEIO AMBIENTE E DIREITO AMBIENTAL

O meio ambiente tem conceito legal fixado na Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, chamada de Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 3º, inciso I, prescrevendo-o como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

O tema, de suma importância para a sobrevivência humana, vem sendo discutido em eventos nacionais e internacionais, como seminários, congressos e conferências, onde se debate o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

A palavra ambiente, de acordo com o Dicionário Brasileiro Globo (FERNANDES, 1995), significa, dentre outros termos, designativo do meio em que cada um vive; o ar que se respira e que nos cerca; esfera, círculo, meio em que vivemos.

José Afonso da Silva (2010, p. 17), ao considerar o conceito de ambiente, afirma a redundância da expressão meio ambiente, na medida em que os termos “meio” e “ambiente” possuem o mesmo significado: “lugar, recinto, espaço onde se desenvolvem as atividades humanas e a vida dos animais e vegetais”.

Mais adiante, ainda José Afonso da Silva (2010, p. 18), afirma que essa redundância é necessária para reforçar o sentido significante de determinados termos, em expressões compostas, onde o termo reforçado tenha sofrido enfraquecimento no sentido em que é aplicado. Com isso, o legislador nacional preferiu usar a palavra “meio ambiente” para dar maior exatidão na ideia que o termo inserido na norma quer transmitir.

Sandro Nahmias Melo (2001, p. 18) opta por utilizar a referida expressão, haja vista que é a expressão utilizada na Constituição Federal de 1988 (art. 225), assim como na legislação infraconstitucional.

Assim, pode-se dizer que meio ambiente é o espaço em que os seres vivem, se reproduzem, desenvolvem suas atividades cotidianas. É o lugar onde os seres vivos encontram condições para viver. O meio ambiente é composto por fatores abióticos e fatores bióticos. Os fatores abióticos são aqueles que não se apresentam de forma viva, porém influenciam a comunidade dos seres vivos que os rodeia, sendo exemplos a água, o solo, o ar, os sons. Já os fatores bióticos são aqueles se apresentam de forma viva, como as plantas, os animais, as bactérias, os vírus. Os fatores sociais e culturais que cercam o homem são de suma importância nas relações com o meio ambiente.

O art. 225 da Constituição Federal de 1988, ao tratar do meio ambiente ecologicamente equilibrado, usa a expressão bem de uso comum do povo, portanto o meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence todos de uma só vez, não sendo possível a sua individualização. Da mesma forma, a Lei nº 6.938/81, em seu art. 2º, inciso I, considera o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente protegido, tendo em vista o uso coletivo.

A Constituição do Estado do Amazonas, em seu art. 229, apresenta que “todos têm direito ao meio ambiente equilibrado[...]”, demonstrando, mais uma vez que o meio ambiente pertence a todos os indivíduos.

Assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se distancia do homem-indivíduo como seu titular, para englobar um número indeterminado de pessoas, destinando a proteção genérica dos grupos ou da humanidade. Logo, percebe-se que tem natureza jurídica de direito difuso, pois os titulares deste direito subjetivo que se pretende proteger são indeterminados e indetermináveis.

Em relação ao Direito Ambiental, da mesma forma que o meio ambiente, não possui um conceito conciso acerca de sua definição. O direito ambiental tem por escopo abordar toda a matéria que verse sobre a proteção ambiental.

O Direito Ambiental é um direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica (MACHADO, 2009, p. 54).

José Afonso da Silva (2010, pp. 41 e 42) define Direito Ambiental da seguinte forma:

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Como todo ramo do Direito, também o Direito Ambiental deve ser considerado sob dois aspectos: a) Direito Ambiental objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente; b) Direito Ambiental como ciência, que busca o conhecimento sistematizado das normas e princípios ordenadores da qualidade do meio ambiente.

Em nível nacional, quem primeiro esboçou sobre a proteção jurídica do meio ambiente foram os juristas Sérgio Ferraz e Diogo de Figueiredo Moreira Neto, esses juristas conceituaram esta disciplina como “Direito Ecológico” (ANTUNES, 2007, p. 07).

De Plácido e Silva (2008, p. 260) lembra que:

Embora haja quem vá distinguir entre o Direito Ambiental e o Direito Ecológico, referem-se ambos, em sentido amplo, ao conjunto de normas e princípios tendentes à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.

Assim, pode-se dizer que o Direito Ambiental trabalha as normas jurídicas dos vários ramos do direito, bem como se relaciona com outras áreas do saber humano como a biologia, a física, a engenharia, o serviço social. É, portanto, o Direito Ambiental, multidisciplinar que busca ajustar o comportamento humano com o meio ambiente que o cerca em busca do equilíbrio entre ambos. Outra importante constatação é o fato de ser um direito difuso, ou seja, pertence a todos os cidadãos e não a uma ou outra pessoa ou conjunto de pessoas determinadas.

2.2 PARADIGMA

Aclara-se cada vez mais a necessidade de proteção ao meio ambiente, não por causa do binômio do meio ambiente pelo meio ambiente, ou seja, o meio ambiente por si mesmo; mas pelos seres humanos e ele, afinal esse (pelo menos o meio ambiente natural) é independente do ser humano, entretanto, este é vitalmente dependente e integra aquele.

Ao se perceber esta integração e pela própria sistemática Marxista do Direito, o meio ambiente se transforma em um bem e passa a integrar o Direito, como foi visto, como bem de uso comum do povo ou patrimônio público.

O meio ambiente equilibrado como sistema necessário à sadia qualidade de vida, à vida digna da pessoa humana, ou simplesmente à vida humana, irradia por todo ordenamento jurídico as suas normas.

Não se pode esquecer que para a subsistência humana é necessário a utilização (tornar útil, no caso a natureza ou o meio ambiente, aos propósitos humanos) da natureza, que leva à geração de resíduos de toda espécie. Como bem afirma Cristiane Derani (2008, p. 54) “não há produção sem recursos naturais”.

Entretanto, a qualidade ambiental está diretamente ligada à vida e à qualidade de vida das pessoas. Há de se encontrar um equilíbrio em ciclos renováveis que possam tornar possível a manutenção da vida digna, especialmente a humana.

A busca deste equilíbrio ou “justa medida” é o que busca o Direito Ambiental com suas regras proibitivas, permissivas e impositivas de condutas, claramente antropocêntricas; resultante, para Cristiane Derani (2008, p. 57), “como todo novo ramo normativo que surge, o direito ambiental responde a um conflito interno da sociedade, interpondo-se no desenvolvimento de seus atos”.

Cristiane Derani (2008, p. 56) continua:

O direito ambiental é em si reformador, modificador, pois atinge toda a organização da sociedade atual, cuja trajetória conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem, o que jamais ocorreu em toda a história da humanidade. É um direito que surge para rever e redimensionar conceitos que dispõem sobre a convivência das atividades sociais.

Norma Sueli Padilha (2002, pp. 22/23) ao demonstrar a interdisciplinaridade do direito ambiental afirma:

O Direito Ambiental, revigorado pela nova roupagem constitucional dada ao tema do meio ambiente, deve atuar sobre toda e qualquer área que envolva tal matéria, impondo a reformulação de conceitos, institutos e princípios, exigindo a adaptação e reestruturação do modelo socioeconômico atual com o necessário equilíbrio do meio ambiente, tendo em vista a sadia qualidade de vida.

Para Paulo de Bessa Antunes (2007, pp. 22 a 23):

Há que se observar que a relação do DA [Direito Ambiental] com os demais ramos do Direito é transversal, isto é, as normas ambientais tendem a se incrustar em cada uma das demais normas jurídicas, obrigando que se leve em conta a proteção ambiental em cada um dos demais “ramos” do Direito [...] o DA penetra em todos os demais ramos da Ciência Jurídica [...], não se encontra em “paralelo” a outros “ramos”, e, nesta condição, é um Direito que impõe aos demais setores do universo jurídico o respeito às normas que o formam, pois o seu fundamento de validade é emanado diretamente da Norma Constitucional.

Alerta, Fernando Aguillar (2010, p. 146) que “[a] interdisciplinaridade não pode ser confundida com a transdisciplinaridade. Esta última responde a necessidades integrativas, a construção de uma nova língua entre diversas disciplinas.”

2.3 HERMENÊUTICA PRETORIANA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2.3.1 A hermenêutica

Fernando Herren Aguiar enfatiza (2010, pp. 1 a 43), em seu estudo historicista acerca da metodologia do Direito, que “[o] direito é uma ciência interpretativa [...]”, mas também adverte que “[...] nem mesmo a lei seria necessária se pudéssemos interpretá-la de qualquer maneira”. Sendo a hermenêutica a ciência balizadora da interpretação restrita, que se pretenda científica.

Veja-se a definição do termo hermenêutica, que se faz nas palavras de De Plácido e Silva (2008, p. 387):

Do latim hermenêutica (que interpreta ou que explica), é empregado na técnica jurídica para assinalar o meio ou modo por que se devem interpretar as leis, a fim de que se tenham delas o exato sentido ou o fiel pensamento do legislador. Na hermenêutica jurídica, assim, estão encerrados todos os princípios e regras que devam ser judiciosamente utilizados para a interpretação do texto legal. E esta interpretação não se restringe ao esclarecimento de pontos obscuros, mas a toda elucidação a respeito da exata compreensão da regra jurídica a ser aplicada aos fatos concretos.

A hermenêutica é utilizada não simplesmente no sentido de interpretar, explicar as palavras, ela é utilizada como metodologia ou meio científico de se chegar ao exato fim que se pretende alcançar com a palavra inserida no texto.

Carlos Maximiliano (2010, p.9) contribui:

A interpretação colima a clareza; porém não existe medida para determinar com precisão matemática o alcance de um texto; não se dispõe, sequer, de expressões absolutamente precisas e lúcidas, nem de definições infalíveis e completas. Embora clara a linguagem, força é contar com o que se oculta por detrás da letra da lei; deve esta ser encarada, como uma obra humana, com todas as suas deficiências e fraquezas, sem embargo de ser alguma coisa mais do que um alinhamento ocasional de palavras e sinais.

Assim, a hermenêutica é trazida ao campo jurídico para exteriorizar o sentido que o texto da lei “quer” exprimir, porém, encontrando-se estagnado, aguardando uma situação concreta para que o aplicador do direito possa adequar a letra da lei ao caso em análise.

As leis são criadas, apresentando o Direito Positivo, para atender as situações existentes no momento de sua elaboração. Mas com o passar do tempo novas situações aparecerão, situações que se assemelharão com aquela que deu origem a lei, porém, o seu desdobramento terá uma finalidade diferente. Nas palavras de Carlos Maximiliano (2010, p. 10): “fixou-se o Direito Positivo; porém a vida continua, evolve, desdobra-se em atividades diversas, manifesta-se sob aspectos múltiplos: morais, sociais, econômicos”.

O aplicador do direito, ao se deparar com uma situação concreta e que não foi prevista pelo legislador, deverá fazer a análise contextual do caso e, ao adequar o fato à norma, o mesmo não alterará a letra da lei, porém, dará uma nova finalidade ao texto desta, para chegar ao objetivo que a lei pretende alcançar.

Ou seja, como reflete Carlos Maximiliano (2010, p. 10):

Transformam-se as situações, interesses e negócios que teve o Código em mirar regular. Surgem fenômenos imprevistos, espalham-se novas idéias, a técnica revela coisas cuja existência ninguém poderia presumir quando o texto foi elaborado. Nem por isso se deve censurar o legislador, nem reformar a sua obra. A letra permanece: apenas o sentido se adapta às mudanças que a evolução opera na vida social.

A hermenêutica como ciência lança seus métodos ou processos de interpretação.

Alguns autores, como Carlos Roberto Gonçalves (2008, pp. 27 e 28) e Maximilianus Cláudio Américo Führer (2006, pp. 30 e 31), costumam fazer a divisão da interpretação da seguinte forma: quanto à origem, classificam-se em autêntica, jurisprudencial e doutrinária. A interpretação autêntica é a feita pelo próprio legislador, que cria uma norma com o intuito de explicar a norma criada anteriormente. A interpretação jurisprudencial é a determinada pelos órgãos julgadores. A interpretação doutrinária é a que provém dos estudiosos e comentaristas do direito.

Quanto aos meios: a interpretação pode ser gramatical ou literal, lógico, sistemático, histórico e sociológico ou teleológico. A interpretação é gramatical quando se examina o texto normativo sob a égide das regras da linguística, verificando a pontuação, a colocação das palavras na frase etc. A lógica visa descobrir o sentido e o alcance da norma, a intenção do legislador, por meio de raciocínios lógicos. A Sistemática consiste em interpretar a norma não de forma isolada, mas em conjunto com outras normas pertencentes à mesma jurisdição onde se aplica o direito. A interpretação histórica visa investigar os antecedentes da norma, a fim de descobrir o seu exato significado, relacionando a norma com o momento em que a mesma fora editada. A interpretação sociológica ou teleológica tem por objetivo examinar os fins para os quais a lei foi editada, buscando adaptar o sentido ou finalidade da lei às novas exigências sociais.

Para Carlos Maximiliano (2010, p. 87):

 A interpretação é uma só; não se fraciona: exercita-se por vários processos, no parecer de uns; aproveita-se de elementos diversos, para outros: o gramatical ou filológico; e o lógico, que se subdivide em lógico propriamente dito, e social ou sociológico. A diferença entre os dois principais processos é que um só se preocupa com a letra do dispositivo; o outro, com o espírito da norma em apreço.

Ou seja, com esse pensamento conclui-se que não se tem vários tipos de interpretação, o que se tem são vários processos ou métodos de interpretar, que se entrelaçam, se completam. Com isso, o autor cita três processos de interpretação: gramatical, lógico e o sistemático.

Assim pondera Carlos Maximiliano (2010, p. 104):

Os vários processos completam-se reciprocamente, todos os elementos contribuem para a descoberta da verdade e maior aproximação do ideal da verdadeira justiça. Aos fatores verbais aliem-se os lógicos, e com os dois colaborem, pelo objetivo comum, os sociais, bem modernos, porém já pressentidos pelos jurisconsultos clarividentes da Roma antiga.

O processo gramatical se dá com a análise da lei sob o ponto de vista linguístico, buscando, por exemplo, obter o significado gramatical da palavra utilizada no texto da lei. Mas só isso não basta, pois se deve verificar se a palavra foi usada de forma ampla ou restrita, já que por vezes, o legislador acaba por usar palavras que alcançam menos do que se pretendia, sendo necessário fazer uma interpretação extensiva, ampliando o sentido do texto. Ou pode ser que ocorra o contrário, quando o legislador utiliza uma palavra por demais abrangente, devendo-se fazer a interpretação restritiva, reduzindo o alcance da lei.

No processo gramatical o intérprete deve verificar o significado das palavras conforme a época em que o texto foi editado. Logo, a interpretação histórica se entrelaça com processo gramatical.

O processo lógico busca reconstruir o pensamento do legislador, visando aprimorar o sentido e o alcance da norma, por meio de raciocínios lógicos, que são mais valorados que os meramente verbais.

O processo sistemático consiste em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. Por umas normas se conhece o espírito de outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as consequentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma (MAXIMILIANO, 2010, p. 104).

2.3.2 Os princípios jurídicos

Princípio, informa De Plácido e Silva (2008, p. 587), “[...] designa a espécie de norma jurídica cujo conteúdo é genérico, contrapondo-se à regra ou do preceito, que é a norma mais individualizada.”

Sendo os princípios que estruturam, norteiam o Ordenamento Jurídico. Na ocorrência de antinomias de normas eles, segundo a teoria de Robert Alexy (2008, p. 90), “[...] ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização [...]”.

Existem os princípios gerais de direito, sendo comuns aos demais ramos, e os princípios específicos dos ramos do Direito. O hermeneuta se utiliza dos princípios gerais e dos específicos para alcançar seu objetivo.

2.3.3 O princípio da precaução

No julgado que se verá, utilizou um princípio específico do direito ambiental para dirimir o caso em julgamento. O princípio é o da Precaução. Veja-se seus contornos.

O princípio da precaução está relacionado ao perigo de dano, não previsto, relacionado à irreversibilidade, sabe-se que a melhor maneira de se proteger o meio ambiente de danos é evitar que tais danos aconteçam, posto que quando é possível a reparação do dano causado, normalmente, mostra-se difícil e custosa (financeira e de tempo) a sua execução.

Paulo Affonso Leme Machado (2009, p. 69) enfatiza que:

A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata de precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta.

2.3.4 Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Em decisão de 25 de agosto de 2009, a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, decidiu, em grau de Recurso Especial (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 972.902-RS), deferir – em respeito ao “Princípio Ambiental da Precaução” – a inversão do ônus da prova (em desfavor da empresa demandada), que havia sido negada nas instâncias inferiores, numa ação civil pública, com o fito reparatório de dano ambiental, promovida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul em face de uma indústria de borracha, veja-se a ementa in verbis:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET – MATÉRIA PREJUDICADA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C O ART. 21 DA LEI 7.347/1985 – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.

1. Fica prejudicada o recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei 7.347/1985 (adiantamento de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito a decisão que determinou a perícia.

2. O ônus probatório não se confunde com o dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente independentes.

3. Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução.

4. Recurso especial parcialmente provido

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília-DF, 25 de agosto de 2009 (Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON

Relatora

Veja-se as razões no da Ministra Eliana Calmon (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 972.902-RS):

[...] percebo que a análise sobre o ônus da prova, em ação coletiva por dano ambiental, deve ser dirimida pela interpretação das leis aplicáveis ao mencionado instrumento processual à luz dos princípios norteadores do Direito Ambiental.

Isso porque, em regra, a inversão do ônus probatórios deve assentar-se exclusivamente em disposição expressa de lei. Mas, no presente caso, essa inversão encontra fundamento também em princípios transversais ao ordenamento jurídico, quais sejam, os princípios ambientais.

[...] Vê-se que há uma interdisciplinariedade entre as normas de proteção ao consumidor e às referentes à defesa dos direitos coletivos.

No caso das ações civis ambientais, entendo que o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado – e não a eventual hipossuficiência do autor da demanda em relação ao réu –, nos leva à conclusão de que alguns dos direitos do consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, afinal essas buscam resguardar (e muitas vezes reparar!) o patrimônio público de uso coletivo, consubstanciado no meio ambiente.

A essas normas agrega-se o Princípio da Precaução. Esse preceitua que o meio ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso de incerteza (por falta de provas cientificamente relevantes) sobre o nexo causal entre determinada atividade e um efeito ambiental negativo.

Incentiva-se, assim, a antecipação de ação preventiva, ainda que não se tenha certeza sobre a sua necessidade e, por outro lado, proíbe-se as atuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável.

Além desse conteúdo substantivo, entendo que o Princípio da Precaução tem ainda uma importante concretização adjetiva: a inversão do ônus da prova.

Vê-se a utilização a hermenêutica em ‘favor’ do meio ambiente, demonstrando que a intenção do legislador é proteger o ambiente da melhor forma possível.

De acordo com a Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), em seu artigo 333, inciso I, determina que o ônus da prova incube ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. Porém, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Recurso Especial em comento, não se utilizou do referido artigo, e, em consequência disso, determinou a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor de atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, partindo da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), adequando ao Princípio Ambiental da Precaução.

A Ministra Eliana Clamon ao decidir o caso concreto se utilizou do método de interpretação sistemática, avaliando os fatos e o direito dentro de um sistema com viés ambiental, o qual pode ser apresentado na aplicação do ‘Princípio Ambiental da Precaução’, forçando a regra geral que impõe o ônus da prova àquele quem alega para impor àquele que se defende da alegação.

Dessa maneira, o Superior Tribunal de Justiça se utilizou da hermenêutica para alcançar a finalidade constante na nossa Constituição Federal, em seu artigo 225, que é a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e com sadia qualidade de vida.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça através de sua Coordenadoria de Editoria e Imprensa lançou um informativo, em maio de 2010, confirmando que “princípios de interpretação ajudam o STJ a fundamentar decisões na área ambiental [...] dando-lhes interpretação mais integrativa e atual.”; apesar de não ter o valor jurisprudencial de um julgado é relevante verificar seu conteúdo, pois, de qualquer forma é o órgão de comunicação do Tribunal, veja-se:

Em busca de soluções justas e constitucionalmente adequadas para as causas jurídicas nas quais intervém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem recorrido à aplicação de importantes princípios do Direito Ambiental, dando-lhes uma interpretação mais integrativa e atual.

“São os princípios que servem de critério básico e inafastável para a exata inteligência e interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental, condição indispensável para a boa aplicação do Direito nessa área”, defende o ministro Herman Benjamin, uma das maiores autoridades do STJ no ramo ambiental.

Além de dar suporte na resolução dos conflitos normativos que chegam ao Tribunal, essa “hermenêutica jurídica esverdeada”, na definição do especialista José Rubens Morato Leite, pós-doutor em Direito Ambiental e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tem possibilitado mais transparência e objetividade no processo decisório, conferindo maior legitimidade às argumentações judiciais proferidas. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Princípios..., 2010.)

Assim, esse julgado tende a se tornar paradigma, no sentido de se aplicar tal resultado interpretativo de inversão do ônus da prova em matéria de dano ambiental.

Sobre os autores
Leonardo Araújo Torres

Graduado em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Analista Jurídico do Ministério Público do Estado do Amazonas.

Rodrigo Araújo Torres

Graduado em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Advogado da SUFRAMA em Manaus/AM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Leonardo Araújo; TORRES, Rodrigo Araújo. Direito Ambiental brasileiro: surgimento, conceito e hermenêutica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3248, 23 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21836. Acesso em: 5 nov. 2024.

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