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A prevalência da justiça estatal e a importância do fenômeno preclusivo

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Agenda 24/05/2012 às 14:50

8. O instituto da preclusão como princípio processual

O instituto da preclusão pode ser concebido como verdadeiro princípio processual, ao passo que considerado não em si mesmo, mas no seu complexo, organizado em sistema dentro da estrutura processual, decorrente de uma evolução (processual) histórica, com vista ao direito e precípuo funcionamento desta estrutura, garantindo às partes uma solução razoavelmente rápida e coerente da causa posta.[68]

Em termos mais objetivos, poderíamos resumir que o princípio da preclusão, pela consolidação de sua importância no desenvolvimento célere e programado do procedimento, “exprime nada mais do que uma genérica exigência inerente a qualquer processo”.[69]

Contrapondo-se a esse princípio, temos o da unidade da causa, também chamado de “liberdade processual” (como opta, dentre outros, Riccio), ou “unidad de vista” (nas exatas palavras de Hugo Alsina), segundo o qual podem as partes apresentar suas alegações e provas, com ampla liberdade, até o momento da sentença – e, mais raramente, mesmo em segunda instância, podem alegar fatos novos e propor a prova dos mesmos.[70] Evidentemente, na órbita processual contemporânea, não existe mais espaço para esse sistema de notória liberdade das partes;[71] podendo-se citar, para efeitos históricos, o Código de Processo Civil francês, de 1806,[72] no qual as próprias partes determinavam a ordem do procedimento; como também o Código de Processo Civil italiano de 1865;[73] e mais recentemente, com os mesmos propósitos, a denominada contrarreforma do CPC italiano, de 1950.[74]

Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, em interessante passagem, expõe que pela ótica do princípio da preclusão, a divisão do procedimento em fases traz consigo a exigência de serem realizadas as respectivas providências na fase processual correspondente ou dentro de determinado espaço de tempo, findo o qual o ato já não se poderá realizar; acrescentando que “não há dúvidas de que a ameaça de preclusão constitui princípio fundamental da organização do processo, sem o qual nenhum procedimento teria fim”.[75]

De acordo com esse posicionamento, adverte Couture que a preclusão está, de fato, no processo moderno, erigida à classe de um princípio fundamental do procedimento, manifestando-se em razão da necessidade de que as diversas etapas do processo se desenvolvam de maneira sucessiva, sempre para a frente, mediante fechamento definitivo de cada uma delas, impedindo-se o regresso a momentos processuais já extintos e consumados.[76]

Taruffo, da mesma forma, registra enfaticamente que a preclusão é um instrumento indispensável para a disciplina do processo, e para assegurar que o procedimento se desenvolva de modo ordenado e funcional.[77] Em semelhante linha, Andriolli deixa consignado que a preclusão é ingrediente indispensável da construção da noção de processo, representando juntamente com o procedimento, a sua “expressão formal”.[78]

 Por aqui, em precisa máxima, Arruda Alvim defende que a preclusão é a “espinha dorsal do processo”, no que respeita ao seu andamento, pois é o instituto através do qual, no processo, se superam os estágios procedimentais, e não deixa de ser também um instituto propulsionador da dinâmica processual.[79] Ainda, Dierle José Coelho Nunes, em interessante ensaio sobre o ponto, expõe que, ao longo da história, a preclusão vem apresentando-se, nos grandes sistemas processuais, como “fator de estruturação do procedimento”, para seu perfeito dimensionamento espácio-temporal.[80]

Portanto, a preclusão é instituto consolidado do processo civil, imprescindível para a consecução dos seus fins, razão pela qual não se pode cogitar da viabilidade de qualquer movimento de reforma que busque a sua exclusão do ordenamento processual. Caso venhamos a falar então, de lege ferenda, em eventual movimento de redução de seus préstimos (sistema elástico de preclusão) seguramente não estamos mais na órbita do instituto como princípio; passamos a analisá-lo sob o prisma de técnica[81]. Avancemos, pois, para o próximo item.


9. O instituto da preclusão como técnica processual

Forçoso, pois, reconhecer o espaço da preclusão como técnica processual. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira entende ser a preclusão uma técnica,[82] cujo fito principal consiste em emprestar maior eficiência ao processo, sem informalizá-lo, restringindo os poderes das partes.

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A sua definição como técnica emerge, pois, do fato de o instituto poder ser aplicado, com maior ou menor intensidade, tornando o processo mais ou menos rápido, impondo ao procedimento uma maior ou menor rigidez na ordem entre as sucessivas atividades que o compõem, tudo dependendo dos valores a serem perseguidos prioritariamente pelo ordenamento processual de regência de uma determinada sociedade, em um dado estágio cultural.[83]

Em linguagem figurada e objetiva, podemos dizer que se o remédio é indispensável (espaço da preclusão como princípio), a dosagem do remédio pode variar (espaço da preclusão como técnica).

Isto porque na escolha do sistema preclusivo a ser entabulado na lei processual, entra em jogo, conforme a melhor doutrina, a política de processo que se deseja perseguir – destacando Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, em momento histórico de encerramento do ciclo da ditadura militar no Brasil, a influência que as classes dominantes exercem no amoldamento do procedimento.[84] Por sua vez, na Itália, aponta Guarneri[85] como nos regimes totalitários (v.g., o fascista), em comparação às democracias, é mais rígida e mais intensa a aplicação da técnica da preclusão, ligada à ânsia de rapidez que domina o procedimento, somada ainda a uma redução do direito de argumentação das partes e a uma forte carga oficiosa do processo.

É nesse cenário, aliás, que adequadamente podem ser entendidas as passagens de Eduardo Garcia Máynez e Karl Engisch, no sentido de que as regras técnicas constituem os meios obrigatoriamente empregados para se conseguir um propósito, mas não prejulgam o próprio fim – sendo, portanto, em si, avalorativas (ou “moralmente indiferentes”, para usarmos a expressão destacada pelo jurista alemão).[86] Explicitando esse aspecto, Aroldo Plínio Gonçalves comenta que a noção de técnica envolve tão só o de conjunto de meios adequados para a consecução dos resultados desejados, de procedimentos para a realização de finalidades.[87]

Sob outro enfoque envolvendo a preclusão como técnica processual, Paolo Biavati bem descreve que o modelo de preclusão a ser adotado em determinado país também deve atentar para a capacidade prática daqueles operadores do direito o seguirem, sob pena de falência do sistema e procura por uma fórmula diversa.[88] Ou seja, o legislador, ao estabelecer um regime preclusivo, deve estar atento à história do processo dentro da comunidade, a fim de que, por regra, se evite uma revolução abrupta na forma de se encarar o andamento do procedimento/aplicação da técnica da preclusão (de uma fórmula mais rígida para uma mais flexível, ou vice-versa), sob pena de novas soluções contra legem serem desenvolvidas na realidade forense.

No Brasil, já observava Liebman, o instituto encontra acentuada aplicação, já que herdamos do processo comum medieval certa rigidez das técnicas da eventualidade e da ordem legal. O jurista italiano refere, com propriedade, que especialmente no sistema processual pátrio temos uma série de estágios que se devem suceder em ordem fixa, cada qual destinado a determinadas atividades e separados preclusivamente do que se lhe segue, de modo que as atividades que não tenham sido realizadas no momento próprio, normalmente não poderão ser realizadas mais nesse processo.[89]

Diversamente, no sistema europeu-continental, observa Zanzucchi, a tradição histórica, especialmente a partir do final do século XIX e início do século XX, encaminhou-se para progressivo incremento da oralidade no processo – destacando-se, nesse sentido, países como a Áustria, a Alemanha, a França e a Itália.[90]

Repare-se, nesse contexto, que a preclusão ganha destaque quando estamos diante de um processo eminentemente escrito, como o brasileiro, já que em processos onde a oralidade tem relativa maior aplicação, como nos principais sistemas europeus, a tendência natural é que sejam realizados, com a colaboração das partes e de uma só vez, mais atos processuais (atingindo-se um máximo de identidade física e unidade/concentração), o que converge para o aumento da liberdade de atuação dos participantes e reduz, consequentemente, a participação rígida do instituto.[91]

Caminhando no sentido de reduzir a complexidade do procedimento cível, incrementando a oralidade do rito, com uma consequente diminuição da aplicação da técnica da preclusão, desenvolveu-se recentemente no Brasil a implementação do rito sumaríssimo. Quanto ao rito comum ordinário (previsto no CPC, nos arts. 282 e ss.), eminentemente escrito, a perspectiva que se poderia projetar seria uma melhor utilização da audiência preliminar (art. 331), a qual vem sendo indevidamente suprimida dos feitos, mesmo os que envolvem exclusivo interesse interpartes. Mesmo assim, pelo que se nota, ainda mais frente ao direito comparado (v.g., Alemanha[92] e Itália[93]), é ainda rudimentar a procura, no nosso sistema, por alternativas que viessem a efetivamente estabelecer a oralidade como importante dogma processual (onde possa substancialmente ser aplicado o princípio da colaboração), a ser amplamente fixado no ordenamento e, a partir daí, devidamente cumprido na prática forense.


10. A aplicação do fenômeno preclusivo frente à adoção simultânea de múltiplos procedimentos pelo ordenamento processual

Relevante que destaquemos, nessas últimas linhas, em maiores detalhes essa possibilidade de utilização de mais de um procedimento jurisdicional. Ocorre que justamente como decorrência lógica da aplicação da preclusão, como técnica processual, temos, por regra, a adoção simultânea de inúmeros procedimentos por um determinado ordenamento processual – ou seja, ao lado daquele iter padrão (rito comum ordinário), outros são propostos pelo ordenamento, como alternativa, em situações específicas previstas em lei.

Reconhecendo essa viável pluralidade de procedimentos, o jurista austríaco Hans Schima defende a possibilidade de construção de uma Teoria Geral dos Procedimentos, a determinar quais os problemas são comuns a eles e de que maneira então poderiam ser enfrentados; criando-se uma identidade viável de temas jurídicos empregados; e ainda um consenso em relação à via comum que todos os procedimentos deveriam percorrer.[94]

No sistema pátrio, visualiza-se, além do rito comum ordinário (art. 282 e ss. do CPC), o rito comum sumário (art. 275/281 do CPC), o rito sumaríssimo (Lei n° 9.099/95 e Lei n° 10.259/01), além de ritos especiais (regulado em legislação extravagante e também no CPC) – levando-se em consideração determinados critérios, como a matéria controvertida, as partes envolvidas e o valor da causa arbitrado inicialmente.

Dos ritos sobreditos, necessário observar que o sistema pensado por Alfredo Buzaid só não previa o rito dos Juizados Especiais, aqui denominado de “sumaríssimo”. Para o organizador do CPC de 1973, o rito sumaríssimo seria aquele previsto nos arts. 275/281 (conforme sua exposição de motivos, Capítulo VI), o qual deveria durar em média não mais do que dois meses. Não emplacando o modelo na prática forense devido sucesso, foi necessário se pensar em rito mais célere e desburocratizado (o desenvolvido pela Lei n° 9.099/95 e pela Lei n° 10.259/01 – respectivamente para a Justiça Estadual e Justiça Federal), relegando-se para segundo plano o rito sumário, hoje quase em desuso.[95]

Tal constatação é realmente relevante porque as diferenças orgânicas dos procedimentos (em número de fases e duração de cada uma delas) determinarão, diante do caso concreto, lapso temporal maior ou menor da demanda, complexidade maior ou menor desta, desenvolvimento em maior ou menor grau da concentração e da oralidade no processo – sendo o fenômeno preclusivo sempre sensível a esses importantes aspectos, tudo a importar em uma consequente maior ou menor aplicação de seus préstimos.

 


Conclusão

Em apertadíssima síntese do que ficou registrado neste ensaio, confirma-se a importância do estudo do fenômeno preclusivo, a partir da fixação do processo estatal com principal via de solução dos litígios, não obstante a possibilidade de serem incrementadas outras vias alternativas (como a mediação e principalmente a arbitragem).

A prevalência do sistema processual institucionalizado pelo Estado determina para a maior relevância do julgamento a ser tornado público, servindo o teor do decisum para outros casos próximos – efeito prospectivo da decisão com o selo estatal, que não se pode exigir dos (confidenciais) acordos extrajudiciais integrantes das soluções alternativas de controvérsias.

O instituto da preclusão, devidamente valorizado nesse contexto, oferece segurança jurídica à medida que disciplina a atividade das partes no processo, estabelecendo prazos e formas adequadas para as intervenções em contraditório (preclusão de faculdades); fazendo-se também importante para a limitação da atividade do juiz, o qual não pode em toda e qualquer matéria reapreciar de ofício objeto de ponderação já tornada pública (preclusão de questões).

De qualquer forma, inegável reconhecer que há matérias, de ordem pública, não sujeitas ao regime preclusivo para o Estado-juiz (como as condições da ação e os pressupostos processuais, as nulidades, a matéria probatória, o erro material e a prescrição), razão pela qual concluímos pelo acertamento no realce dado à preclusão de faculdades, já que o instituto representa, de fato, o maior limitador para o agir das partes no processo.

Se é verdade que a preclusão se faz indispensável para o processo civil moderno (é, pois, princípio processual, vinculado em especial à atividade das partes ao longo de todo o iter), também é justa a ponderação de que pode ser aplicada de forma mais rígida ou mais elástica (como técnica processual), dependendo da forma como tratada pelo ordenamento processual, o qual pode, inclusive, prever mais de um procedimento – levando-se em consideração determinados critérios, como a matéria controvertida, as partes envolvidas e o valor da causa arbitrado inicialmente –, tudo a importar em maior ou menor aplicação dos préstimos da preclusão.

Com relação especificamente ao ordenamento processual brasileiro, temos atualmente a adoção de três grandes procedimentos: o rito comum ordinário, o rito comum sumário e o rito sumaríssimo – assim postados em ordem crescente de simplicidade e oralidade. Nesse diapasão, nota-se que ao se tornar sincrético o procedimento, com separação menos rígida do número de fases e duração de cada uma delas (cenário que não deixa de ser uma tendência contemporânea, inclusive diante dos exemplos vindos do direito processual comparado), torna-se menos drástica e corriqueira a aplicação do fenômeno preclusivo.

Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. A prevalência da justiça estatal e a importância do fenômeno preclusivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3249, 24 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21845. Acesso em: 18 nov. 2024.

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