SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O CARÁTER ESSENCIAL DOS SERVIÇOS PRESTADOS POR MEIO DE EMPRESAS SUBCONTRATADAS. 3. VINCULAÇÃO DA CONTRATANTE E DOS SUBCONTRATADOS À ADMINISTRAÇÃO: OBRIGAÇÃO DE MANTER A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS CONTRATADOS. SUBCONTRATAÇÃO E ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO.. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
A subcontratação é uma realidade vivida intensamente no seio da Administração Pública, na medida em que cada vez mais é comum a terceirização de atividades empresariais, dada a crescente especialização das empresas, a especificidade de certos serviços ou mesmo a grande abrangência territorial de certos contratos.
Paralelamente a isso, a disciplina das licitações, que rege as contratações no âmbito da Administração Pública, vem aos poucos se amoldando para também regular as relações jurídicas decorrentes dos contratos de terceirização.
No presente artigo, pretende-se lançar uma luz sobre uma questão que se mostra obscura, que é a da responsabilidade das empresas fornecedoras de serviços (terceirizadas) perante a Administração Pública.
É típico o caso em que uma empresa vence uma licitação e terceiriza alguns de seus serviços para outras empresas (subcontratação), sendo que, por alguma razão, a empresa subcontratada deixa de prestar adequadamente o serviço contratado.
O que se percebe é que a doutrina tende a afirmar que inexiste qualquer vínculo entre tais empresas subcontratadas e a Administração Pública, havendo que se falar apenas na relação jurídica entre a empresa efetivamente contratada, vencedora da licitação, e a Administração. Dessa forma, a rigor, caberia à Administração apenas reivindicar junto à empresa contratada o cumprimento dos serviços prestados pelas subcontratadas.
Essa solução, todavia, não resolve situações nas quais as empresas fornecedoras/terceirizadas/subcontratadas deixam de prestar adequadamente o serviço sem que seja possível substituí-las. Nessas hipóteses, às vezes acionar a empresa contratada não basta para resolver o problema, ainda mais ao se considerar que o que está em jogo pode ser a prestação de um serviço público de caráter essencial.
Como se verá a seguir, é plenamente possível que a Administração Pública demande, de forma autônoma, que empresas subcontratadas cumpram suas obrigações, haja vista o vínculo especial que se estabelece entre elas e a Administração Pública, a partir do momento em que os serviços são prestados em prol do serviço público.
2. O CARÁTER ESSENCIAL DOS SERVIÇOS PRESTADOS POR MEIO DE EMPRESAS SUBCONTRATADAS
Ao tratar do regime jurídico dos serviços públicos, a doutrina é unânime em eleger, como um de seus elementos básicos o “princípio da continuidade”, atribuindo-se-lhe o condão de impedir a interrupção dos serviços públicos e concedendo aos administrados o pleno direito a que referido serviço não seja suspenso ou interrompido[1].
Diógenes Gasparini[2] esmiúça o denominado princípio da continuidade dos serviços públicos, aduzindo que
Os serviços públicos não podem parar, porque não param os anseios da coletividade. Os desejos dos administrados são contínuos. Daí dizer-se que a atividade da Administração Pública é ininterrupta. Assim. não se admite, por exemplo, a paralisação dos serviços de segurança pública, de distribuição de justiça. De saúde, de transporte e de combate a incêndios. Por essa razão, não se concebe a greve em serviços dessa natureza e em outros considerados, por lei, como imprescindíveis ao desenvolvimento e à segurança da comunidade.
Dessa forma, vê-se que os serviços públicos não podem ser paralisados, na medida em que as demandas da coletividade também não detêm solução de continuidade.
Tal situação se acentua naquelas atividades desempenhadas dentro do serviço público com caráter de essencialidade, como vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, ao debater sobre a possiblidade ou não de corte no fornecimento de energia, por força de inadimplemento, quando referido corte atingirá a prestação de serviço essencial por órgãos públicos. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA DESTINADA A SERVIÇOS ESSENCIAIS. INTERRUPÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTERESSE PÚBLICO PREVALENTE.
(...)
3. As Turmas de Direito Público do STJ têm entendido que, quando o devedor for ente público, não poderá ser realizado o corte de energia indiscriminadamente, em nome da preservação do próprio interesse coletivo, sob pena de atingir a prestação de serviços públicos essenciais, tais como hospitais, centros de saúde, creches, escolas e iluminação pública.
4. Agravo Regimental não provido.
(STJ, AgRg no Ag 1329795/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 03/02/2011)
Do mesmo modo, ao tratar sobre o direito de greve no serviço público, o Supremo Tribunal Federal entendeu por aplicar a Lei nº 7.783/1989, porém com várias ressalvas, todas atinentes à continuidade do serviço público. No julgamento do Mandado de Injunção n° 708/DF, o Supremo Tribunal Federal deixou expressa a possibilidade de o juízo competente impor a observância do regime de greve mais gravoso por envolver serviços ou atividades essenciais. A esse respeito, é interessante observar o teor do voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes na oportunidade:
“No mérito, acolho a pretensão tão-somente no sentido de que se aplique a Lei no 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos.
Nesse particular, ressalto ainda que, em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, não estou a afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de órgão competente, seja facultado ao juízo competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de “serviços ou atividades essenciais”, nos termos dos já mencionados arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989.
Creio que essa complementação na parte dispositiva de meu voto é indispensável porque, na linha do raciocínio desenvolvido, não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses “serviços ou atividades essenciais” seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos “essenciais”.
Isto é, mesmo provisoriamente, há de se considerar, ao menos, idêntica conformação legislativa quanto ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade que, se não atendidas, coloquem “em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (Lei no 7.783/1989, parágrafo único, art. 11).”
Não é por outra razão, também, que não se admite a “exceptio inadimpleti contractus” (exceção do contrato não cumprido) nas contratações administrativas que envolvem serviços públicos essenciais[3]:
No direito administrativo o particular não pode interromper a execução do contrato, em decorrência dos princípios da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público sobre o particular.
Bem se vê, portanto, que o serviço público, especialmente quando se trata de serviço público essencial, não pode ser paralisado, nem mesmo diante da alegação de que a Administração Pública não está dando cumprimento à sua obrigação contratual (exceptio inadimpleti contractus).
Todavia, o que fazer quando o serviço é prestado não por aquele que a Administração contratou, mas sim por terceiros, subcontratados por aquele?
Como se verá a seguir, os subcontratos não podem se furtar de cumprir suas obrigações alegando que a empresa que os contratou não está cumprindo a sua parte no contrato, na hipótese em que isso gere prejuízo à prestação de serviços públicos essenciais.
3. VINCULAÇÃO DA CONTRATANTE E DOS SUBCONTRATADOS À ADMINISTRAÇÃO: OBRIGAÇÃO DE MANTER A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS CONTRATADOS. SUBCONTRATAÇÃO E ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO.
Se a vinculação do contratado aos princípios da Administração Pública é bastante clara, na medida em que ele figura, efetivamente, como parte obrigada na avença, tendo aderido a todos os seus termos, diferente é a situação dos eventuais subcontratados, que não possuem contrato algum com o Poder Público, embora para ele prestem serviços.
Passe-se, portanto, à análise da vinculação de subcontratados aos termos dos já mencionados princípios da Administração Pública.
Pois bem. Em primeiro lugar deve-se perquirir se o caso é mesmo de subcontratação: quando determinadas obrigações possuírem características muito específicas, o contrato for de abrangência nacional ou, de forma geral, nos casos em que se mostre impossível entregar a prestação contratual adequadamente de motu próprio, é dado à contratada terceirizar a execução de certos serviços, por meio do instituto da subcontratação.
A própria lei federal das licitações públicas e contratos administrativos, a Lei n. 8.666/93, prevê essa opção em seu art. 72:
Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.
Com efeito, como afirma Leon Fredja[4], “o contrato administrativo é pessoal, sem ser personalíssimo, e a lei permite que, excepcionalmente, a contratada transfira ou ceda a terceiros a execução do objeto, dada a concentração, racionalização e especialização de atividades”.
A segunda questão que se impõe perquirir é se a contratada conseguiria prestar sozinha os serviços contratados com a Administração, e se a falta na prestação dos serviços pelas subcontratadas poria em risco a prestação de serviço público. É que, nesses casos, não se pode conceber que a Administração Pública fique de mãos atadas diante de eventuais ameaças dos subcontratados de paralisarem a prestação do serviço.
Deveras, pode a Administração exigir dos subcontratados a manutenção da prestação dos serviços contratados, essenciais ao desempenho das atividades administrativas. Com efeito, ao tempo em que as subcontratadas aceitaram desempenhar um serviço intrinsecamente relacionado com as atividades do Poder Público, vincularam-se ao princípio da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público sobre o particular, não podendo, assim, ameaçar paralisar a execução dos seus contratos.
De fato, a proibição da invocação, por parte das subcontratadas, da “exceção do contrato não cumprido”, derivado do princípio da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público sobre o particular, mostra-se clara, na medida em que sua obrigação contratual reflete diretamente na prestação do serviço público essencial. Assim, cabe a eles – subcontratados – cobrar eventual inadimplemento contratual do contratante principal, não podendo, entretanto, suspender a prestação dos serviços, em face dos interesses públicos postos em jogo, os quais são, sem sombra de dúvidas, muito superiores aos interesses meramente econômicos dos subcontratados.
Não bastasse isso, verifica-se que as subcontratações, nas hipóteses suscitadas, possuem um traço peculiar, que possibilita que a Administração Pública exija diretamente de tais subcontratados a manutenção dos serviços prestados.
É que a contratada principal, ao contratar com seus fornecedores para prestar serviços diretamente ao Poder Público, isto é, executar diretamente partes do objeto do contrato que possui com a Administração, acabou por efetuar uma espécie de “estipulação em favor de terceiro”, modalidade de contrato no qual uma pessoa (o estipulante) convenciona com outra (o promitente) uma obrigação, em que a prestação será cumprida em favor de outra pessoa (o beneficiário), como afirma Caio Mário[5].
Segundo Caio Mário, na estipulação em favor de terceiros, o beneficiário assume, à época da execução do referido contrato, a figura de credor, podendo exigir diretamente a execução do contrato. Confira-se[6]:
Relações entre promitente e terceiro. Não aparecem na fase de celebração do contrato. Na de execução, o terceiro assume as vezes do credor, e, por isto, tem a faculdade de exigir a solutio. Dúvida não se suscita, em nosso direito, em que o terceiro é titular de ação direta para este efeito. Muito embora não seja parte na sua formação, pode intervir nele com a sua anuência, e, então, é sujeito às condições normais do contrato (Código Civil, art. 436), enquanto o estipulante o mantiver sem inovações. Os encargos e deveres que lhe resultem têm de ser atendidos, ainda que não haja ele anuído na fase de formação, pela razão simples de que se apresenta como credor condicional, que tem o poder de exigir e a faculdade de receber sub conditione, de realizar determinado fato para com outrem (modus).
A propósito dos efeitos dessa modalidade contratual, leia-se o art. 436 do Código Civil:
Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.
Fácil concluir, pelo exposto, que, mesmo sem participar diretamente da subcontratação, a Administração Pública será a beneficiada com os serviços derivados dos subcontratos, podendo exigir diretamente das subcontratadas a execução de tais contratos.
Dessa forma, compreende-se que a clássica proibição da invocação da exceptio inadimpleti contractus (exceção do contrato não cumprido) em contratos administrativos deve ser estender para além da empresa contratada principal, abrangendo também as suas subcontratadas, ainda mais nos casos em que não se possa atribuir à Administração Pública nenhuma parcela de culpa pelo eventual inadimplemento do contratado principal perante seus fornecedores.
Como dito no tópico anterior, o Superior Tribunal de Justiça, interpretando a citada proibição da invocação da exceptio inadimpleti contractus em contratos administrativos nos casos de corte no fornecimento de água e energia, já externou a correta aplicação da proibição em caso de serviços públicos essenciais. Da mesma forma, os subcontratados não podem fugir à prestação dos serviços contratados pela contratada principal em benefício da Administração Pública, na medida em que a entrega do serviço público deles dependa.
Por fim, vale a pena mencionar recente decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região no sentido veiculado no presente artigo, em lide envolvendo o Ministério Público da União, a empresa Via Telecom e várias de suas subcontratadas, a respeito de contrato para prestação de serviços de telecomunicação. Confira-se o seguinte trecho da decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento n. 0061643-08.2011.4.01.0000/DF:
Com efeito, sendo certo que o contrato celebrado entre a União (MPU) e a VIA TELECOM admitia a subcontratação parcial do objeto contratado, mediante prévia autorização do contratante (cfr. cláusula décima sexta), e, por óbvio, as subcontratadas tinham ciência de que prestavam serviços ao MPU, é inegável a existência de um vínculo jurídico-obrigacional entre as subcontratadas e a União. Esse liame administrativo estabeleceu-se tão logo ocorreram as respectivas subcontratações, uma vez que a avença entre o MPU e a VIA TELECOM prolongou-se para abarcar, também, as subcontratadas. Estas, portanto, passaram a ser regidas por normas de direito público, porque, efetivamente, executam serviços em prol do poder público, decorrente de relação obrigacional que se estendeu, vinculando-as à contratação principal com o MPU.
(...)
Não fosse isso, a necessidade de continuidade de serviço público essencial, tal qual é o prestado pelo Ministério Público, aliada à supremacia do interesse público sobre o privado constituem fundamentos suficientes para compelir particulares a prestar serviços essenciais e de urgência, mesmo sem a existência de qualquer contrato prévio, como ocorre, por exemplo, em situações nas quais hospitais privados são forçados a prestar os necessários cuidados a pacientes que não podem ser atendidos na rede pública. Ora, no caso concreto, a urgência exsurge do fato de que nenhum contrato emergencial de tão grande porte poderia ser celebrado com a correspondente operacionalização e efetivação da prestação de serviços em período inferior aos 4 meses já demandados pela 2ª colocada, o que implicaria na prejudicial paralisação da rede nacional do MPU nesse interregno.
4. CONCLUSÃO
Ao se compreender claramente que a subcontratação nada mais é que uma estipulação em favor de terceiro (terceiro este a Administração Pública), vinculando-se os subcontratados aos princípios e regras do Direito Administrativo, mormente os da continuidade do serviço público, da supremacia do interesse público sobre o particular e da consequente proibição da invocação da cláusula exceptio inadimpleti contractus, resta patente a sua vinculação à execução do contrato administrativo e, assim, a impossibilidade de se paralisarem os serviços subcontratados, especialmente quando se tratar da prestação de serviço público essencial, tendo os subcontratados total noção de que prestam serviço diretamente à Administração Pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2001
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. 3, Contratos, 1ª ed. eletrônica, Rio de Janeiro, 2003,
SKLAROWSKY, Leon Frejda. Subcontratação e cessão de contrato administrativo. Revista de Direito Administrativo, v. 214, Rio de Janeiro: Renovar, out/dez 1998
Notas
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 672
[2] GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 15.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
[4] SKLAROWSKY, Leon Frejda. Subcontratação e cessão de contrato administrativo. Revista de Direito Administrativo, v. 214, Rio de Janeiro: Renovar, out/dez 1998, p. 148.
[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. 3, Contratos, 1ª ed. eletrônica, Rio de Janeiro, 2003, p. 75.
[6] Op. cit., p. 79.