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Trabalho escravo: novas perspectivas de erradicação

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Agenda 13/06/2012 às 08:22

A PEC 438/01 permite o confisco (sem indenização, pois) de imóveis rurais e urbanos onde for constatada a prática de trabalho em condições análogas às de escravo. Temos aí o mais importante instrumento para a segunda abolição.

SUMÁRIO. 1 – Introdução. 2 – Trabalho Escravo. 2.1 – A Designação. 2.2 – Caracterização na Atualidade do que seja Trabalho Escravo. 2.3 – Comparativo entre as Peculiaridades do Trabalho Escravo “Clássico” e o “Moderno”. 2.4 – A Proteção Constitucional Atual. 2.5 – A Proteção no Plano Infraconstitucional.  2.6 – As Novas Perspectivas de Erradicação: Mudanças Legislativas. 3 – Conclusão. 4 – Referências Bibliográficas.


1 - INTRODUÇÃO

É sabido que a Lei Áurea foi assinada em 1.888, e com ela foi abolida a modalidade “clássica” de escravidão[1] no país.

Contudo, passados todos esses anos, a realidade tem mostrado que o Brasil (e outros países também) ainda assiste – lamentavelmente – a cenas do que se convencionou chamar de “escravidão contemporânea”.

Em ambas as formas (tanto a escravidão “antiga” como a “contemporânea”), a dignidade do ser humano é atingida violentamente, e ele (o escravo) é tratado como uma mera “coisa”.

Hoje, entretanto, a escravidão contemporânea, além de mais rentável ao “Senhor” (o custo de ter um escravo é quase zero), atinge a todas as raças, sexos, idades e regiões (meio rural ou mesmo urbano[2]).

É bem verdade também que o Estado tem tentado combater essa chaga.

Ao longo dos anos, novos meios e instrumentos têm sido tentados para extirpar essa – triste - realidade.  Podemos citar como exemplo: a assunção de compromissos internacionais, o aperfeiçoamento da legislação (como a nova redação dada ao art. 149 do CP pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003), a assinatura de termos de cooperação entre órgãos estatais (e.g., como aquele firmado entre Ministério do Trabalho e Emprego-MTE, o Ministério Público Federal-MPF, o Ministério Público do Trabalho-MPT e a Secretaria de Polícia Federal-SPF em 08.11.94[3]), a publicação de uma “Lista Suja do Trabalho Escravo”[4] (a lista relaciona empregadores flagrados ao explorar trabalhadores em condição análoga à da escravidão) e a atuação intensiva do Ministério Público do Trabalho e de outros entes[5].

As formas de erradicação do trabalho escravo, contudo, devem ser aperfeiçoadas, sob pena desse mal persistir ainda por mais longos anos.

Diversos projetos tramitam no Congresso Nacional no sentido de propiciar a erradicação do trabalho escravo, sendo o principal deles a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 438/01. Essa PEC tem a grande virtude de atacar a raiz do problema, pois confisca[6] as terras em que for flagrado o trabalho escravo. Ou seja: inviabiliza economicamente a atividade.  

Se aprovada essa PEC e outros projetos de lei em curso no Congresso Nacional, poderemos, em curto espaço de tempo, finalmente comemorar a erradicação do trabalho escravo.   


2 – TRABALHO ESCRAVO

2.1 – A Designação

Embora não haja uniformidade na doutrina, hoje se dá preferência à utilização de termos como “condição análoga à de escravo”, “trabalho forçado” ou “trabalho escravo contemporâneo”.

O jurista Cícero Rufino Pereira[7], entretanto, prefere chamar mesmo de “trabalho escravo”, pelo maior grau de indignação - e esse deve ser mesmo o sentimento - que essa definição apresenta.

E essa é justamente a definição que adotamos neste estudo.

2.2 – Caracterização na Atualidade do que seja Trabalho Escravo

Na caracterização do trabalho escravo ou forçado, é imperioso que o trabalhador seja coagido a permanecer prestando serviços, seja impossibilitando ou mesmo criando embaraço ao seu desligamento. Por coação, entende-se que pode ser exercida: moral, psicológica e física.

Christiani Marques[8] entende que o trabalho escravo ou forçado é:

a exploração violenta da pessoa humana, cativada por dívidas contraídas pela necessidade de sobrevivência e forçada a trabalhar, pelo aliciamento feito por pessoas que lucram com o fornecimento e a utilização de sua força de trabalho em propriedades rurais (na maioria das vezes, além de muito afastadas, estão localizadas na região norte do Brasil, onde a fuga é difícil, perigosa e arriscada.

Muito oportuna é a lição do doutrinador José Cláudio Monteiro de Brito Filho[9] sobre o que seja trabalho em condições análogas à de escravo:

(...) podemos definir trabalho em condições análogas à condição de escravo como o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador.

Para o citado jurista, “trabalho em condição análoga à de escravo” é gênero, sendo espécies o “trabalho forçado” e o “trabalho degradante”.

E, de fato, a partir da promulgação da Lei nº 10.803/2003, que deu nova redação ao crime tipificado no art. 149 do CP, pode-se dizer que trabalho análogo ao de escravo é o gênero, sendo espécies o trabalho forçado, a jornada exaustiva e o trabalho em condições degradantes.

Por isso, não é somente a falta de liberdade de ir e vir que caracteriza o trabalho escravo, mas também o trabalho sem as mínimas condições de dignidade do trabalhador.

O conceito de “trabalho forçado” está contido na Convenção n. 29 da OIT, art. 2º, 1, que é aquele exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente. Excluiu dessa definição o serviço militar obrigatório, bem como qualquer outro serviço que faça parte de obrigações cívicas normais dos cidadãos de um país plenamente autônomo, aqueles exigidos em virtude da condenação judicial, nos casos de força maior e aqueles pequenos serviços de uma comunidade, no interesse da coletividade. O “trabalho forçado” seria uma categoria mais ampla, que envolveria diversas modalidades de trabalho involuntário. A sua caracterização, portanto, fica ligada à falta de liberdade (seja na aceitação, seja no momento do desligamento) na prestação dos serviços.

Relevante o apontamento de José Cláudio Monteiro de Brito Filho[10] no sentido de que a “liberdade” é a nota característica do conceito de trabalho forçado. Logo, sempre que o trabalhador não puder decidir, voluntariamente, pela aceitação do trabalho, ou então, a qualquer tempo, pelo desligamento do serviço, ocorrerá trabalho forçado, não devendo ser atribuída à conjunção “e” que une as duas hipóteses previstas no art. 2º, 1, da Convenção nº 29 da OIT, a condição de conjunção aditiva.

O Ministério Público do Trabalho (MPT), após intenso debate dentro da própria instituição (novembro de 2009), definiu o que considera “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho”, e o fez por meio de duas orientações oriundas da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE).

São elas, respectivamente:

ORIENTAÇÃO DA CONAETE 3:

“Jornada de trabalho exaustiva é a que, por circunstâncias de intensidade, frequência, desgaste ou outras, causa prejuízo à saúde física ou mental do trabalhador, agredindo sua dignidade, e decorra de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a sua vontade”.

ORIENTAÇÃO DA CONAETE 4:

“condições degradantes de trabalho são as que configuram desprezo à dignidade da pessoa humana, pelo descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial os que se referem à higiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimentação, ou outros relacionados a direitos de personalidade, decorrentes de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a vontade do trabalhador”.  

Para arrematar, oportuna é a lição de Marcello Ribeiro Silva[11] sobre o alcance da expressão “trabalho em condições degradantes”:

A pesquisa da doutrina permite concluir, portanto, que o trabalho em condições degradantes é caracterizado por condições subumanas de trabalho e de vivência; pela inobservância das normas mais elementares de segurança e saúde no trabalho, de forma a expor o obreiro a riscos à sua saúde e integridade física; pela exigência de jornada exaustiva, tanto na duração quanto na intensidade; pelo não fornecimento ou fornecimento inadequado de alimentação, alojamento e água, quando o trabalhador tiver que ficar alojado durante a prestação dos serviços; pelo não pagamento de salários ou retenção salarial dolosa; pela submissão dos trabalhadores a tratamentos cruéis, desumanos ou desrespeitosos, capazes de gerar assédio moral e/ou sexual sobre a pessoa do obreiro ou de seus familiares; enfim, por atos praticados pelo empregador ou seus prepostos que, flagrantemente, violem o princípio da dignidade da pessoa humana, por impor condições laborais inaceitáveis.

Assim, haverá trabalho em condições degradantes quando, independentemente de o serviço ser prestado voluntariamente pelo trabalhador, houver abuso na sua exigência pelo tomador dos serviços, tanto no que diz respeito à sua quantidade – extensão e intensidade - quanto em relação às condições oferecidas para sua execução.

2.3 – Comparativo entre as Peculiaridades do Trabalho Escravo “Clássico” e o “Moderno”

A escravidão clássica, aquela em que juridicamente um homem se transforma em propriedade de outro mediante retribuição financeira, não existe mais.

Hoje, o aviltamento da dignidade humana se dá por outras formas, e quiçá mais lesivas que outrora. E não é só: atinge a todas as raças, sexos, idades e regiões (rural ou urbano).

É mais comum, contudo, a sua incidência no meio rural, onde o isolamento, as dificuldades de acesso, a pobreza e a desinformação são maiores. O quadro é ainda mais crítico nos Estados do Maranhão, Pará, Mato Grosso e Tocantins, onde mais se concentram as operações fiscais.

Não são poucos os trabalhadores resgatados na atualidade na condição de escravos.

Dados atualizados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que, entre 1995 e 2010, 39.169 trabalhadores[12] foram resgatados nessa condição desumana no território nacional. Por sua vez, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima que essa chaga afete, pelo menos, 20 milhões de pessoas no mundo inteiro.

A forma mais corriqueira da escravidão moderna é a chamada servidão por dívidas.

Abaixo, seguem as principais diferenças entre as formas antiga e atual de escravidão, as quais constam na “Cartilha do Trabalho Escravo” elaborada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT)[13]:

PROPRIEDADE LEGAL

ANTIGA ESCRAVIDÃO: Permitida. O governo garantia por lei o direito a possuir um escravo, pois ele era tratado como uma mercadoria.

NOVA ESCRAVIDÃO: Proibida. Uma pessoa não pode ser proprietária de outra. É crime com punições previstas no código penal.

CUSTO DE COMPRA

ANTIGA ESCRAVIDÃO: Alto. Para comprar escravos uma pessoa tinha que ter bastante riqueza. Acredita-se que em 1850 um escravo podia custar o mesmo que R$ 120 mil [de] hoje.

NOVA ESCRAVIDÃO: Muito baixo. Os escravos não são comprados, mas aliciados e, muitas vezes, o patrão gasta apenas com o transporte do trabalhador até a propriedade.

LUCROS

ANTIGA ESCRAVIDÃO: Baixos. Os proprietários lucravam pouco, pois tinham gastos com a manutenção do trabalhador.

NOVA ESCRAVIDÃO: Altos. Se alguém fica doente, é simplesmente mandado embora, sem nenhum direito.

MÃO DE OBRA

ANTIGA ESCRAVIDÃO: Escassa. Era difícil conseguir escravos. Os proprietários dependiam do tráfico negreiro, da prisão de índios ou de que seus escravos tivessem filhos que também seriam escravizados.

NOVA ESCRAVIDÃO: Descartável. Há muitos trabalhadores desempregados em busca de algum serviço e qualquer adiantamento em dinheiro é bem-vindo. Na Amazônia, por exemplo, um “gato” pode aliciar um trabalhador por R$ 100.

RELACIONAMENTO COM O PROPRIETÁRIO

ANTIGA ESCRAVIDÃO: Longo período. Um escravo podia passar a vida inteira trabalhando numa mesma propriedade.

NOVA ESCRAVIDÃO: Curto período. Depois que o serviço acaba, o escravo é mandado embora sem receber nada, tem que procurar outro trabalho e pode até virar escravo novamente.

DIFERENÇAS ÉTNICAS

ANTIGA ESCRAVIDÃO: Importantes para a escravização. No Brasil, os negros eram vistos como inferiores e por isso podiam se tornar escravos.

NOVA ESCRAVIDÃO: Não são importantes. Os escravos são pessoas pobres e miseráveis, mas não importa a cor da pele.

MANUTENÇÃO DA ORDEM

ANTIGA ESCRAVIDÃO: Ameaças, castigos físicos, punições para servir de exemplo aos outros escravos e até assassinatos.

NOVA ESCRAVIDÃO: Ameaças, castigos físicos, punições para servir de exemplo aos outros escravos e até assassinatos.

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2.4 – A Proteção Constitucional Atual

A Constituição Federal vigente, já em seu preâmbulo, propõe assegurar a proteção da liberdade, os direitos sociais e individuais e o bem-estar.

A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, vilipendiados com a realização do trabalho escravo, têm expressa previsão no art. 1º, II e IV, na condição de princípios fundamentais.

O pleno exercício das liberdades individuais vem protegido no caput e incisos do art. 5º, e os direitos sociais ligados à pessoa do trabalhador estabelecidos no art. 7º.

Dentre os princípios da atividade econômica previstos no art. 170 da CF/88, temos a função social da propriedade (inciso III) e a busca do pleno emprego (VIII), sem esquecer que ela – a ordem econômica – é fundada na valorização do trabalho e tem por fim assegurar a todos a existência digna (caput).  

Na mesma linha de proteção ao trabalho escravo, no plano constitucional, temos ainda a previsão de desapropriação para fins de reforma agrária (art. 184), a chamada desapropriação-sanção. Ela, contudo, é realizada mediante indenização[14]

2.5 – A Proteção no Plano Infraconstitucional

No plano infraconstitucional, temos as Convenções ns. 29 e 105 da OIT; a Declaração da OIT Sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, no qual a vedação ao trabalho forçado é um princípio a ser observado por todos os Membros, até por aqueles que não ratificaram as Convenções; o art. 4° da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948); Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (2000), art. 3.

O art. 149 do CP[15] tipifica como crime a redução a condição análoga à de escravo. É comum, ainda, o oferecimento de denúncia penal contra o infrator em conjunto também com os artigos 203, §§ 1º e 2º (frustração de direito assegurado por lei trabalhista)[16], e 207, §§ 1º e 2º (aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional) [17], todos do CP, tudo em concurso formal homogêneo (sem aplicação do princípio da consunção), conforme recentemente admitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)[18].

Oportuno citar ainda a Lei n. 10.608/02[19].

Como ato normativo tendente a combater o trabalho escravo, imprescindível é a citação das Portarias[20] do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que disciplinam a “Lista Suja”. Trata-se de lista que contém infratores flagrados explorando trabalhadores na condição análoga à de escravos.

Quanto à existência da citada “Lista Suja”, há forte resistência de alguns (poucos, é verdade) setores da sociedade[21]. Argumentam, em síntese, que essa lista feriria o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF), o princípio da reserva legal e da legalidade (art. 5º, II e XXXIX, da CF), da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), do devido processo legal e da ampla defesa e contraditório e de que a edição da mencionada Portaria extrapola a competência administrativa do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e invade a esfera de atuação do Judiciário (ao excluir o caso de sua apreciação antes da inserção dos nomes no Cadastro). Nada de mais equivocado.

A inclusão do infrator só ocorre “após decisão administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo” (art. 2º da Portaria Interministerial SEDH/MTE nº 2/2011).

A jurisprudência dos Tribunais Superiores também tem entendido ser válida a “Lista Suja”.

O principal julgamento sobre a validade dessa lista ocorreu no precedente que segue abaixo, oriundo do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA MTE 540/2004. INCLUSÃO DO NOME DA IMPETRANTE NO CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM MANTIDO TRABALHADORES EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ATO DETERMINADO PELO MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO EM AVOCATÓRIA MINISTERIAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. LEGITIMIDADE DA ATUAÇÃO DOS AUDITORES-FISCAIS DO TRABALHO. INADEQUAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA VERIFICAR SE A EMPRESA PRATICA TRABALHO ESCRAVO.

1. Hipótese em que o Mandado de Segurança foi impetrado contra ato imputado ao Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, referente à determinação de inclusão do nome da impetrante no cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condição análoga à de escravo, instituído pela Portaria 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego.

2. Os fatos descritos nos Autos de Infração lavrados contra a impetrante são extremamente graves: condições degradantes de trabalho; alojamentos superlotados (onde os empregados dormiam em redes); retenção intencional de salários; jornada excessiva, com início às 4h30; não-fornecimento de água potável; intervalos menores que uma hora para repouso e alimentação dos trabalhadores; proibição expressa de que os obreiros pudessem parar para comer o lanche que eles mesmos levavam para as frentes de trabalho; recibos de pagamentos com valores zerados ou irrisórios; inexistência de instalações fixas ou móveis de vasos sanitários e lavatórios (segundo os fiscais, "em uma das frentes de trabalho, encontramos uma tenda montada, com um buraco de 50 cm de profundidade, sem vaso sanitário e nas outras frentes de trabalho não havia qualquer instalação sanitária"); ausência de fornecimento e de utilização de equipamentos de proteção adequados aos riscos da atividade; falta de material necessário à prestação de primeiros socorros, etc.

3. Os precedentes do STJ reconhecem, em julgados análogos, a ilegitimidade do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego para figurar no pólo passivo do mandamus. No entanto, o caso em análise apresenta uma peculiaridade: todos os processos administrativos referentes aos autos de infração lavrados contra a empresa foram avocados pelo Ministro de Estado do Trabalho, conforme autoriza o art. 638 da CLT. A avocatória ministerial deveu-se à "excessiva demora na conclusão dos autos no âmbito da Superintendência Regional do Pará" e foi realizada "como medida de correição, para se evitar novas irregularidades na aplicação da lei e no procedimento administrativo", inclusive com sugestão de abertura de "processo administrativo disciplinar, para fins de apuração de responsabilidade." 4. Em síntese, a impetrante alega que: a) a Portaria 540/2004 é inconstitucional, pois fere o Princípio da Legalidade e o da Presunção de Inocência; b) os auditores fiscais do trabalho carecem de atribuição legal para fiscalizar a empresa; c) não há trabalho escravo em suas dependências.

5. No Direito Constitucional contemporâneo, inexiste espaço para a tese de que determinado ato administrativo normativo fere o Princípio da Legalidade, tão-só porque encontra fundamento direto na Constituição Federal. Ao contrário dos modelos constitucionais retórico-individualistas do passado, despreocupados com a implementação de seus mandamentos, no Estado Social brasileiro instaurado em 1988, a Constituição deixa em muitos aspectos de ser refém da lei, e é esta que, sem exceção, só vai aonde, quando e como o texto constitucional autorizar.

6. A empresa defende uma concepção ultrapassada de legalidade, incompatível com o modelo jurídico do Estado Social, pois parece desconhecer que as normas constitucionais também têm status de normas jurídicas, delas se podendo extrair efeitos diretos, sem que para tanto seja necessária a edição de norma integradora.

7. A Constituição é a norma jurídica por excelência, por ser dotada de superlegalidade. No Estado Social, seu texto estabelece amiúde direitos e obrigações de aplicação instantânea e direta, que dispensam a mediação do legislador infraconstitucional. Mesmo que assim não fosse, há regramento infraconstitucional sobre a matéria, diferentemente do que afirma a impetrante.

8. A Portaria MTE 540/2004 concretiza os princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, da CF), da Valorização do Trabalho (art. 1º, IV, da CF), bem como prestigia os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de erradicar a pobreza, de reduzir as desigualdades sociais e regionais e de promover o bem de todos (art. 3º, I, III e IV, da CF). Em acréscimo, foi editada em conformidade com a regra do art. 21, XXIV, da CF, que prescreve ser da competência da União "organizar, manter e executar a inspeção do trabalho." Por fim, não se pode olvidar que materializa o comando do art. 186, III e IV, da CF, segundo o qual a função social da propriedade rural é cumprida quando, além de outros requisitos, observa as disposições que regulam as relações de trabalho e promove o bem-estar dos trabalhadores.

9. Some-se a essas normas o disposto no art. 87, parágrafo único, I e II, da Constituição de 1988, pelo qual compete ao Ministro de Estado, entre outras atribuições estabelecidas na Constituição e na lei, exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e "expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos".

10. Além de ter fundamento na Constituição, a Portaria 540/2004 encontra amparo na legislação infraconstitucional. O art. 913 da Consolidação das Leis do Trabalho é claro ao estabelecer que "o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio expedirá instruções, quadros, tabelas e modelos que se tornarem necessários à execução desta Consolidação." 11. Também os Tratados e Convenções internacionais, que, segundo a teoria do Monismo Moderado, ingressam no Direito Brasileiro com status de lei ordinária, veiculam diversas normas de combate ao trabalho em condições degradantes. Em rol exemplificativo, deve-se registrar a Convenção sobre a Escravatura (Decreto 58.562/1966) e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho números 29 (Trabalho Forçado e Obrigatório) e 105 (Abolição do Trabalho Forçado), ambas ratificadas pelo Brasil (Decreto 41.721/1957 e Decreto-Lei 58.882/1966, respectivamente).

12. Não há, pois, como falar em violação do Princípio da Legalidade.

13. No mais, a impetrante alega que a redução do trabalhador à condição análoga à de escravo é crime (art. 149 do Código Penal) e, como tal, a constatação administrativa de sua prática só pode produzir efeitos após o trânsito em julgado de sentença condenatória, sob pena de violação do Princípio da Presunção de Inocência.

14. Como se sabe, no Direito brasileiro, as instâncias penal, civil e administrativa não se confundem. Vale dizer: se o processo administrativo observou os trâmites legais, e nele foi produzida prova suficiente para bem caracterizar a conduta reprovável, a sanção (ou, no caso dos autos, medida administrativa) pode ser aplicada independentemente de prévia condenação criminal.

15. No caso dos autos, conforme regra inscrita no art. 2º da Portaria 540/2004, a determinação para inclusão do nome da empresa no Cadastro foi tomada após decisão final em processo administrativo que observou os Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório.

16. Vale lembrar que o processo administrativo rege-se pelos Princípios da Administração Pública, dentre os quais se destaca o Princípio da Publicidade. Daí a conclusão de que o Cadastro que veicula o nome das empresas que tiveram seus autos de infração declarados subsistentes, em processo administrativo regular, não penaliza a pessoa jurídica, apenas assegura transparência à atuação do Administrador, in casu também contribuindo para informar a sociedade sobre as ações dos órgãos públicos destinadas a erradicar o trabalho degradante no Brasil.

17. Ao contrário do afirmado pela impetrante, o art. 11 da Lei 10.593/2002, que dentre outros temas dispõe sobre a Carreira de Auditor-Fiscal do Trabalho, legitima a fiscalização realizada por esses agentes públicos.

18. A impetrante acrescenta que o Ministério Público do Trabalho esteve por duas vezes em suas dependências e não constatou a existência de trabalho escravo. Contudo, importa observar que a fiscalização pelo MPT e pelo Ministério do Trabalho são independentes, sem falar que a inspeção realizada pelo Parquet ocorreu em data bem anterior à fiscalização que ensejou a presente impetração.

19. Por fim, verificar a ausência de trabalho escravo na empresa demandaria análise de fatos e ampla dilação probatória, incompatível com o rito do Mandado de Segurança.

20. O trabalho escravo - e tudo o que a ele se assemelhe - configura gritante aberração e odioso desvirtuamento do Estado de Direito, sobretudo em era de valorização da dignidade da pessoa, dos direitos humanos e da função social da propriedade.

21. O Poder Público acha-se obrigado, pela Constituição e pelas leis, não só a punir com rigor o trabalho escravo e práticas congêneres, como a  informar à sociedade sobre a sua ocorrência, por meio de mecanismos como o cadastro de empregadores: em síntese, um modelo oposto ao silêncio-conivência da Administração, que até recentemente era a tônica da posição do Estado em temas de alta conflituosidade.

22. A rigor, a impetrante busca, pela via transversa do ataque ao cadastro de empregadores, impugnar os auspiciosos efeitos do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, o que não é objeto, nem poderia ser, do presente Mandado de Segurança.

23. Mandado de Segurança denegado, cassada a liminar anteriormente concedida e prejudicado o Agravo Regimental da União.

(STJ, MS 14.017/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 01/07/2009)

No Tribunal Superior do Trabalho (TST), a compreensão é de que a Portaria, contudo, não pode retroagir para alcançar autuações anteriores à vigência do ato normativo atacado. Confira-se:

TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO - INCLUSÃO EM CADASTRO DE EMPREGADORES - AUTUAÇÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA PORTARIA 540/04 DO MTE - PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS E DA SEGURANÇA JURÍDICA. A intenção da União em ver efetivada uma medida administrativa imposta por legislação com início de vigência posterior à ocorrência do fato que lhe daria ensejo não respeita os princípios da irretroatividade das leis, previsto no art. 6º da LICC, atual Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, e da segurança jurídica, pois quando o Autor foi autuado pela conduta de reduzir seus trabalhadores a condição análoga à de escravo, o fato era valorado pela legislação vigente à época, com as consequências por ela impostas, não podendo a norma sancionatória alcançar fatos ocorridos antes de sua edição. Recurso de revista desprovido. (TST, RR - 86700-66.2009.5.23.0076, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 14/09/2011, 7ª Turma, Data de Publicação: 16/09/2011)

No Supremo Tribunal Federal (STF) o tema ainda não foi enfrentado no seu mérito, já que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 3347[22] foi extinta por perda de objeto (decorrente da perda de vigência da norma impugnada, a Portaria 540/04).  

2.6 – As Novas Perspectivas de Erradicação: Mudanças Legislativas

Quando o assunto é trabalho escravo, o foco deve ser mesmo de erradicação, e não de mero combate. Esta última é meramente paliativa.

Não obstante os avanços nos instrumentos de combate ao trabalho escravo, o que se nota é que estamos ainda muito distantes da verdadeira erradicação.

É comum a constatação de reiteração da prática (criminosa) do trabalho escravo. Prova desse cenário é o precedente que segue, oriundo do Tribunal Superior do Trabalho (TST):

RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL COLETIVO - REDUÇÃO DE TRABALHADOR A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO - REINCIDÊNCIA DAS EMPRESAS - VALOR DA REPARAÇÃO. O Tribunal local, com base nos fatos e nas provas da causa, concluiu que as empresas reclamadas mantinham em suas dependências trabalhadores em condições análogas à de escravo e já haviam sido condenadas pelo mesmo motivo em ação coletiva anterior. Com efeito, a reprovável conduta perpetrada pelos recorrentes culmina por atingir e afrontar diretamente a dignidade da pessoa humana e a honra objetiva e subjetiva dos empregados sujeitos a tais condições degradantes de trabalho, bem como, reflexamente, afeta todo o sistema protetivo trabalhista e os valores sociais e morais do trabalho, protegidos pelo art. 1º da Constituição Federal. O valor da reparação moral coletiva deve ser fixado em compatibilidade com a violência moral sofrida pelos empregados, as condições pessoais e econômicas dos envolvidos e a gravidade da lesão aos direitos fundamentais da pessoa humana, da honra e da integridade psicológica e íntima, sempre observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Na hipótese, ante as peculiaridades do caso, a capacidade econômica e a reincidência dos recorrentes, deve ser mantido o quantum indenizatório fixado pela instância ordinária. Intactas as normas legais apontadas. Recurso de revista não conhecido. (TST, RR - 178000-13.2003.5.08.0117, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 18/08/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: 27/08/2010)

E a reincidência se dá justamente pela ausência de sanções mais severas, e que possam inviabilizar economicamente a atividade do infrator.

Carecemos, hoje, de um instrumento eficiente, ágil e pedagógico à erradicação do trabalho escravo.

Por muito tempo discutiu-se na jurisprudência qual seria o juízo competente para o processamento e julgamento do crime previsto no art. 149 do CP: estadual ou federal (comum ou até mesmo da justiça do trabalho[23]). Até que o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificasse o assunto no julgamento do Recurso Extraordinário n. 398041[24] em 30.11.06, ratificando a competência da justiça federal (comum), muita energia foi despendida sobre o tema (competência), deixando quase nada para a questão de fundo: a erradicação do trabalho escravo.

Desde 1995 (momento em que o Presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu publicamente o trabalho escravo no Brasil), foram criadas, a partir daí, diversas estruturas governamentais para o combate ao crime de trabalho escravo (tais como: o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado-Gertraf, o Grupo Móvel de Fiscalização, Plano Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo[25], entre outros).

As multas aplicadas pelos órgãos de fiscalização, as ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT)[26], as ações penais propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e a inscrição na “Lista Suja”, a bem da verdade, só combatem o trabalho escravo. Não se vê, nesses instrumentos, apesar de todos os esforços despendidos, uma previsão de erradicação.  

O cenário, contudo, sinaliza que pode realmente mudar.

Isso porque, no dia 22 de maio de 2012, houve a aprovação[27], em segundo turno, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda à Constituição nº 438/01 (a PEC do Trabalho Escravo), com origem no Senado Federal.

Essa citada PEC permite o confisco (sem indenização, pois) de imóveis rurais e urbanos onde for constatada a presença da prática de trabalho em condições análogas às de escravo.

Temos, aí, sem dúvida, o mais importante instrumento de erradicação do trabalho escravo no território nacional.

A PEC voltará ao Senado Federal, pois houve modificações promovidas pela Câmara dos Deputados, especificamente quanto à inclusão dos imóveis urbanos (um avanço, aliás).

O texto final enviado ao Senado Federal, que dá nova redação ao art. 243 da CF/88, está assim redigido:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com a destinação específica, na forma da lei.

A maior resistência à citada PEC do Trabalho Escravo ocorreu na Câmara dos Deputados, principalmente pela bancada de representantes do agronegócio e com base no (infundado) argumento de que seria indispensável que a emenda constitucional definisse o conceito de trabalho escravo. A bancada ruralista, portanto, entende que o conceito de trabalho escravo é subjetivo, podendo gerar insegurança jurídica. Sem razão.

O conceito de trabalho escravo não deve estar contido na Constituição Federal, mas, sim, na lei ordinária. E não é só o conceito que deve ser deixado para a lei ordinária, como também os detalhes do procedimento administrativo necessário ao confisco.   

Com a iminente promulgação da PEC do Trabalho Escravo (já que a batalha mais difícil foi superada, com a votação, em dois turnos, na Câmara dos Deputados), um novo horizonte se apresenta à erradicação do trabalho escravo.

Os órgãos estatais, aí sim, terão, em mãos, uma ferramenta eficaz, ágil e que ataque à raiz da questão (o lucro ilícito), de forma a inviabilizar economicamente a atividade e servir de medida pedagógica.

A certeza da impunidade é, hoje, o maior combustível para a prática do trabalho escravo.

Não só a promulgação da PEC do Trabalho Escravo contribuirá à erradicação dessa chaga. Outros relevantes projetos (acessórios, é verdade) podem contribuir para esse nobre intento.

Segundo o site oficial do Senado Federal[28], temos ainda em tramitação:

Projeto de Lei 2.022/96, do ex-deputado Eduardo Jorge, proíbe empresas que utilizem, direta ou indiretamente, trabalho escravo na produção de bens e serviços de tomar financiamentos da União, fazer contratos com órgãos públicos e de participar de licitações públicas. Já aprovada pelos senadores (na forma do PL 1.292/95, do então senador Lauro Campos), a proposta altera a Lei de Licitações (Lei 8.666/93) e coloca um novo requisito para as empresas que desejam obter financiamentos ou contratos públicos: a apresentação de certificado de regularidade expedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Outro projeto (PLS 487/03), do senador Paulo Paim (PT-RS), está no Senado e tem objetivo semelhante.

Restrições a estrangeiros que exploram trabalho degradante

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) aprovou, em 24 de março deste ano, projeto que proíbe entidades ou empresas brasileiras ou com representação no Brasil de firmarem contratos com empresas que explorem trabalho degradante em outros países. O projeto (PLC 169/09) define como forma degradante de trabalho a que viola a dignidade da pessoa humana nos termos dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como os trabalhos escravo e infantil,  e cuja apuração tenha sido feita por organismos internacionais. A proposta evita o chamado dumping social, que dribla o rigor da legislação interna através da contratação de fornecedores e empresas no exterior que não estão sujeitos às mesmas leis e regras de proteção ao trabalho em seus países. O projeto ainda será analisado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) antes de ser votado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Já aprovado pela Câmara, o texto original foi apresentado pelo senador Walter Pinheiro (PT-BA) quando era deputado.

Responsabilização das siderúrgicas por trabalho em carvoarias

O deputado Rubens Bueno (PPS-PR) apresentou projeto (PL 603/11) que responsabiliza as indústrias que consomem carvão vegetal pela exploração de trabalho escravo em carvoarias da sua cadeia produtiva. A proposta segue a lógica da responsabilidade solidária, ou seja, uma empresa não pode ignorar como um fornecedor se relaciona com seus trabalhadores, base do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (leia mais nas págs. 40 e 55).“Não é possível dissociar a questão do meio ambiente dos problemas sociais e sanitários jungidos às condições de trabalho no elo desta cadeia produtiva”, afirma o deputado, que lamenta que a siderurgia, responsável por 17,5% das exportações do Brasil em 2010, tenha um grande passivo ambiental e social.Para a reduzir custos, afirma o deputado, elas terceirizam a produção do carvão vegetal, fazendo dos donos das carvoarias “testas de ferro”. “Nada mais justo, portanto, que as empresas compradoras do carvão produzido, como empregadoras de fato, venham a assumir as obrigações decorrentes dos contratos de trabalho firmados nas carvoarias”, afirma Bueno. O PL também prevê que as carvoarias forneçam aos trabalhadores banheiros adequados, água potável, acesso a primeiros socorros, local de descanso e equipamentos de proteção individual.

Lista Suja com status de lei

Projeto (PLS 25/05) do senador Pedro Simon (PMDB-RS) transforma em lei a Lista Suja do trabalho escravo, hoje prevista na Portaria 540, de 2004, do Ministério do Trabalho (MTE). A portaria determina a publicação semestral da lista das pessoas e empresas flagradas na exploração de trabalhadores em condições análogas à escravidão. O cadastro é referência para impedir que esses empregadores contratem empréstimos ou tenham qualquer vinculação com órgãos públicos. A proposta de Simon tem regras parecidas com as da portaria do MTE. Estabelece que a inclusão do nome do infrator no cadastro ocorrerá após decisão administrativa final, a partir do auto de infração do fiscal do Trabalho. Para o empregador ter seu nome excluído da lista, será preciso que não haja reincidência por dois anos. Além disso, ele deverá pagar as multas resultantes da fiscalização, débitos trabalhistas e previdenciários. A conversão em lei afastaria questionamentos de que a portaria do MTE invade a competência do Legislativo. Arquivada no final de janeiro, a proposta pode  voltar à pauta do Senado a pedido da frente parlamentar.

Condenados não poderão dar nome a ruas e monumentos

Pelo Projeto de Lei do Senado (PLS) 377/05, de Marcelo Crivella (PRB-RJ), bens da União ou entidades da administração indireta federal não poderão receber o nome de pessoa ou figura histórica condenada pela exploração de mão de obra escrava. A proposta já tem parecer aprovado pela CCJ e aguarda votação final na Comissão de Educação (CE) do Senado. Depois disso, ainda precisa ser votada pelos deputados. Crivella é autor de outro projeto (PLS 9/04), que classifica a submissão de uma pessoa à condição de escravo como crime hediondo. Porém, essa proposta, que já tinha parecer favorável da CCJ do Senado, foi arquivada no final de janeiro e ainda espera pedido para que volte à pauta da CE.

É com a promulgação da PEC do Trabalho Escravo (principal) e de outros projetos de lei em curso no Congresso Nacional (acessórios), pois, que poderemos, após mais de 100 anos, comemorar no país a segunda e definitiva abolição da escravatura.

Sobre o autor
Juliano de Angelis

Procurador Federal. Responsável pela Procuradoria Seccional Federal em Canoas (RS). Ex-sócio da sociedade Bellini, Ferreira, Portal Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/REDE LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANGELIS, Juliano. Trabalho escravo: novas perspectivas de erradicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3269, 13 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21990. Acesso em: 23 nov. 2024.

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