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A imunidade tributária objetiva do art. 150, VI, ''d” da Constituição Federal aplicada aos e-readers

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Prender-se a um conceito de livro estabelecido pelo legislador ordinário, como o firmado na Lei 10.753/2003, não pode obstruir a atualização da interpretação constitucional pelo processo da mutação constitucional.

Resumo: O presente trabalho busca analisar a imunidade tributária objetiva prevista no art. 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Federal de 1988 e a possibilidade de sua extensão para os e-readers (dispositivos eletrônicos de leitura de livros digitais). Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas quer servir, ao menos, de introdução a essa querela proporcionada pela evolução tecnológica.

Palavras-Chave: Imunidade Tributária, Livro Eletrônico, E-reader


INTRODUÇÃO

Kraft já dizia, na década de 1960, que as normas pressupõem os valores, e o que as normas exigem é que os valores sejam realizados (LEISINGER & SCHIMITT, 2002, p. 18). Sendo assim, quais os valores que, apropriando-me da linguagem freiriana caracterizada pela submersão nos sentidos, encharcam as imunidades tributárias previstas na Carta Magna brasileira e, mais especificamente, a imunidade que desemboca no livro?

Se Kraft tem razão, ao compreendermos os valores que influenciam a norma só nos restará uma opção: realizá-la em toda a sua extensão. Se fizéssemos menos do que isso, estaríamos atacando as próprias bases da Constituição, perigando derribar os sustentáculos de nossa nação.

Portanto, urge a questão: até onde vai a imunidade objetiva prevista no art. 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição federal de 1988? E, mais especificamente, além de mais tangível para o alcance deste estudo, estariam os e-readers (dispositivos eletrônicos para leitura de livros, revistas, etc) compreendidos dentro dessa imunidade? Esse é o objetivo deste estudo, traçar os conceitos relativos às regras constitucionais de imunidade e sua aplicabilidade aos dispositivos eletrônicos de leitura de livros digitais.


1 COMPETÊNCIA E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Impossível tratar do tema imunidades tributárias sem tecer comentários, por mais breves que sejam, sobre competência tributária. A relação entre ambas, como é de ampla sapiência, é uma relação de grande intimidade, pois suas regras estão identificadas estruturalmente. Ademais, a competência está compreendida apenas dentro dos limites impostos pelas imunidades.

A competência tributária é um atributo, uma aptidão jurídica, conferida pelo legislador constituinte aos entes políticos para criar, in abstracto, tributos. A Constituição Federal, inclusive, apresenta os contornos e os limites para a competência tributária que foi dada, de forma privativa, às pessoas políticas. Ademais, a competência tributária surge como verdadeiro corolário da forma de Estado federativa adotada pelo Brasil, promovendo a coexistência harmônica entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios enquanto pessoas políticas isonômicas e autônomas, dotadas de competência legislativa plena sobre as matérias distribuídas a cada uma pela Constituição da República.

É exatamente como contorno e como delimitação que surge a figura da imunidade, uma regra jurídica com sede constitucional que representa uma delimitação negativa da competência tributária e, de acordo com a maior parte da doutrina, uma verdadeira “incompetência tributária”.  Nas palavras de Carrazza (2010, p. 745), “a competência tributária é desenhada também por normas negativas, que veiculam o que se convencionou chamar de imunidades tributárias”. Já o ilustre professor Paulo de Barros Carvalho (2004, p. 181) propõe o seguinte conceito de imunidade tributária:

Classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.

Portanto, como norma denegadora de competência que é, a imunidade só faz sentido frente ao conjunto de regras que estabelecem competência para que os entes políticos instituam tributos. Portanto, sua inteligibilidade está condicionada ao contraste com as regras que concedem competência. Fica, assim, evidente a intimidade entre competência e imunidade tributárias.

Todavia, a imunidade tributária apresenta uma dúplice natureza e, de acordo com Regina Helena Costa (2010, p. 79), “de um lado, exsurge como norma constitucional demarcatória da competência, por continente de hipótese de intributabilidade, e, de outro, constitui direito público subjetivo das pessoas direta ou indiretamente por ela favorecidas”. Ou seja, a imunidade constitui tanto uma proteção constitucional ao contribuinte como uma proibição aos entes políticos de exigir os tributos em face de determinadas pessoas, bens ou situações.

Outra proximidade interessante é a existente entre as imunidades e os princípios constitucionais tributários. A primeira vista, tanto a imunidade como os princípios são capazes de gerar os mesmos efeitos, ou seja, limitar o poder de tributar. Todavia, princípios tributários são normas e diretrizes gerais que servem para indicar valores do ordenamento e funcionam como vetores para o estudo do Direito Tributário. Não servem para estabelecer imunidade sobre determinados fatos ou situações. Todavia, as imunidades, nas palavras da professora Misabel Derzi (2011, p. 347):

1) são normas que somente atingem certos fatos e situações, amplamente determinadas (ou necessariamente determináveis) na Constituição); 2) reduzem, parcialmente, o âmbito de abrangência das normas atributivas de poder aos entes políticos da Federação delimitando-lhes negativamente a competência; 3) e, sendo proibições de tributar expressas (ou fortes), têm eficácia ampla e imediata; 4) criam direitos ou permissões em favor das pessoas imunes, de forma juridicamente qualificada.

Por fim, faz-se importante salientar que, como regra geral, as imunidades dizem respeito apenas a impostos. Contudo, excepcionalmente, a Constituição consagra outras imunidades, por imperativo de justiça, como, e.g., a imunidade daqueles reconhecidamente pobres, em relação a certas taxas e emolumentos (art. 5°, LXXIV, LXXVI).

Dessa forma, ao proibir a tributação de determinadas pessoas, bens e situações, a Constituição Federal traçou o aspecto negativo da competência tributária, o que se convencionou denominar imunidades.


2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE LIVROS

Ao se falar em imunidade, a primeira impressão que surge é a ideia de proteção. Essa proteção, inclusive, não é novidade no mundo jurídico. Já em Roma, muitos séculos atrás, os cidadãos desfrutavam de certas imunidades. Embora pagassem um tributo como uma forma de participação na sociedade romana, uma espécie de afirmação por serem cidadãos romanos, certos tributos não lhes eram exigidos. Não se cobravam deles, segundo Schoueri (2011, p. 375), “os tributos provinciais, cuja cobrança era odiosa, diante da avidez e arbítrio dos publicanos”.

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A imunidade, como já abordado, está ligada, via de regra, aos impostos. Daí poder se dizer que a imunidade é uma não sujeição ao munus público, visto que os impostos são os tributos destinados a cobrir os gastos gerais da coletividade e devem, pois, ser suportados igualmente por todos, na medida de sua capacidade econômica. Sendo assim, as imunidades são verdadeiras exceções a regra.

Didaticamente, as imunidades podem ser classificadas em: 1) imunidades subjetivas, que alcançam as pessoas em decorrência de suas naturezas jurídicas; 2) imunidades objetivas, que protegem bens, fatos ou situações; 3) imunidades mistas, que são conferidas tanto por aspectos objetivos como por aspectos subjetivos.

A imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, e que interessa para o nosso estudo, é um típico exemplo de imunidade objetiva. Tal proteção é concedida em função do objeto comercializado, ou seja, o livro, e não em função da pessoa que o comercializa. Assim, essa imunidade “abrange somente os impostos incidentes sobre a importação, a produção industrial e a circulação das mercadorias mencionadas, como o II, IPI e o ICMS, e não os impostos sobre a renda e o patrimônio de editoras e livreiros, por exemplo” (SCHOUERI, 2010, p.378).

O mencionado artigo da Constituição assim dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

VI - instituir impostos sobre:

(…)

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Em uma rápida leitura do artigo acima colacionado já é possível compreender que, diferentemente das imunidades subjetivas, que tem como um de seus fundamentos a ausência de capacidade contributiva, esta imunidade objetiva dos livros nada tem a ver com aquele princípio, pois o legislador constituinte quis estimular a atividade cultural que se dá através da leitura e não proteger a capacidade econômica das editoras ou livrarias. Ademais, pode-se falar em defesa da liberdade de expressão, informação e da liberdade de manifestação do pensamento, todas liberdades fundamentais e pilares do Estado Democrático de Direito.

Portanto, a mens legis do dispositivo que concede a imunidade sobre o livro direciona-se ao incremento da cultura e a sua disseminação na sociedade (COSTA, 2012, p. 176). E, por se tratar de uma imunidade objetiva, o conteúdo dos livros, jornais e periódicos não afeta a sua proteção, já tendo a jurisprudência entendimento bastante amplo nesse sentido.

Todavia, tal norma tributária de imunidade foi introduzida no Sistema Normativo em 1988, isto é, mais de 23 anos atrás, quando muitas mídias hoje extremamente populares sequer existiam. Assim, ao passo em que a jurisprudência é bastante uniforme quanto a independência do conteúdo, a questão torna-se bastante delicada ao se tratar do meio físico em que a mensagem é transmitida. Atualmente, existe muito dissenso entre os tribunais e, a jurisprudência, em uma primeira análise, exige que a publicação se dê em forma de livro, jornal ou periódico cujo suporte físico seja o papel.

A importância do meio físico no qual se apresenta a publicação é matéria até hoje não pacificada. Por exemplo, já se aceitou que o livro de pano não deixa de gozar da imunidade; por outro lado, discos contendo contos infantis não foram considerados livros. Atualmente, a grande polêmica gira em torno dos livros que se apresentam em meio eletrônico (CD-ROM). Continuam a ser livros, apesar de não se apresentarem em papel? A doutrina encontra-se dividida e a jurisprudência ainda não se posicionou a respeito. (SCHOUERI, 2012, p. 404).

A grande dúvida que envolve os estudiosos do assunto diz respeito ao seguinte: devemos continuar aplicando a norma de acordo com o contexto tecnológico em que foi produzida e introduzida no sistema ou devemos expandir aqueles estritos termos e atualizá-los para as possibilidades do século XXI? Antes de respondermos tal questionamento, devemos responder uma outra pergunta: afinal, o que se entende por livro?

2.1 Conceito de livro: do papel ao meio digital

Existem muitas e variadas interpretações que podem ser construídas para incluir ou excluir uma mídia do albergue da imunidade tributária contida no art. 150, VI, “d”. É, pois, de aceitação geral que o conceito de livro é um conceito em aberto, sendo deveras complexo e ambíguo. De acordo com o Dicionário Silveira Bueno (1996, p. 399), livro é uma “reunião de folhas impressas ou manuscritas em volume; obra em prosa ou verso com certa extensão”. Já para a Enciclopédia Larrousse (1999, p. 3633), livro é um “conjunto de folhas impressas e reunidas em volume encadernado ou brochado”. A UNESCO, na década de 1960 e para fins estatísticos, considerou o livro “uma publicação impressa, não periódica, que consta de no mínimo 49 páginas, sem contar as capas”.

Contudo, se empreendermos o estudo do conceito de livro através de sua evolução histórica, encontraremos que os primeiros livros foram escritos em tábuas de barro cozido ainda na Antiguidade. Com o tempo, o livro foi lentamente sendo aperfeiçoado, como os textos primevos que eram registrados manualmente em rolos (volumen) e, mais adiante na história, cortados em folhas, dobrados e costurados em cadernos (codex). Modernamente, com a evolução e popularização da internet, os livros digitais (e-books) surgiram como o possível sucessor do tradicional livro de papel. De acordo com Martin Claret (2007, p. 5), hoje “o livro é um produto industrial. Mas também é mais do que um simples produto. O primeiro conceito que deveríamos reter é o de que o livro como objeto é o veículo, o suporte de uma informação”.

Para o ilustre professor Eduardo Sabbag (1998, p. 366), o livro pode ser:

(…) impresso em papel; pode ser um livro virtual, no espaço cibernético; pode conter folhas soltas ou cosidas; pode vir com capa flexível ou dura; pode conter informação científica ou leviana; entre outras tantas e multifacetadas possibilidades. A nosso sentir, os livros são suportes materiais utilizados à propagação de um pensamento formalmente considerado. Nesse passo, o livro deve conter uma base física (em papel ou em mídia eletrônica) e uma finalidade “espiritual” de geração do bem educativo.

Todavia, Bernardo Ribeiro de Moraes (1998, p. 137) ensina que “livro é um vocábulo gênero, que vem a ser toda edição comercial de obra literária, científica, musical, técnica ou pedagógica, gravado ou impressa em reunião de folhas em cadernos, destinada à leitura”. Para esse autor, a impressão para leitura é elemento fundamental para o conceito de livro, excluindo todos os outros suportes que não sejam o papel.

A Lei n° 10.753, de 30 de outubro de 2003, que institui a Política Nacional do Livro, considera livro (art. 1°, II) como o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida. Tal lei traz, em seu art. 2°, sua definição de livro, considerando-o como a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento. Portanto, em um primeiro momento, a lei diz ser livro o texto impresso em papel. Todavia, o parágrafo único desse mesmo artigo, em seu inciso VII, estabelece uma equiparação entre o livro impresso em papel e os livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual.

Com a leitura do referido artigo fica bastante evidente que o legislador ordinário impôs uma condição para que o livro digital possa ser equiparado ao livro impresso em papel, qual seja, desde que para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual. Mas, para Costa (2012, p. 177), o legislador “possibilitou a extensão da imunidade tributária considerando a deficiência física e não exclusivamente a extensão do conceito em decorrência da funcionalidade do equipamento emissor de mensagem”.  Dessa forma, de acordo com a vontade do legislador ordinário exposta na Lei 10.753/2003, o conceito de livro está restrito ao suporte físico papel, não abarcando o livro digital senão em expressa exceção.

Todavia, doutrinadores como Roque Antônio Carrazza (1997, p. 404), a partir de uma interpretação da Constituição Federal, ensinam e defendem que:

são os fins a que se destinam os livros e equivalentes e, não, sua forma que os tornam imunes a impostos. Livros, na acepção da alínea d do inc. VI do art. 150 da CF, são os veículos do pensamento, vale dizer, os que se prestam para difundir ideias, informações, conhecimentos etc. Pouco importam o suporte material de tais veículos (papel, celuloide, plástico etc.) e a forma de transmissão (caracteres alfabéticos, signos Braille, impulsos magnéticos etc.).

Contrariamente ao pensamento apresentado, outro grupo de doutrinadores, aqui representados por Luís Eduardo Schoueri, mostram que essas concepções não são, de modo algum, aceitas em sua generalidade. Schoueri (2011, p. 404) se posiciona da seguinte maneira:

Parece correto afirmar que a imunidade concedida aos livros consiste em privilégio constitucional destinado a um conjunto específico e limitado de situações, razão pela qual o contribuinte, por encontrar-se no campo do Domínio Econômico, está sujeito ao Princípio da Livre Concorrência. Em tal situação, tendo em vista a presença de vetor indicativo da existência de capacidade contributiva e a ausência de um fundamento para a concessão de um privilégio constitucional, uma interpretação ampla da abrangência da referida imunidade torna-se amplamente criticável. Essa interpretação ampla, típica dos direitos humanos, seara na qual prevalece o princípio do in dubio pro libertate, é dotada de exagero, apresentando analogia ingênua entre a cultura tipográfica e a eletrônica. A imunidade sob análise, como de resto ocorre com qualquer outro privilégio constitucional, deve ser interpretada de acordo com a letra da lei e com os objetivos e a finalidade da concessão, observando-se o postulado da razoabilidade. Nesse sentido, não há razão para estender esta imunidade para além do que o constituinte expressamente protegeu.

Em defesa da tese contrária a extensão da imunidade aos livros eletrônicos ou digitais (e-books) pesa a informação de que houve, durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, a discussão de um projeto que estendia a imunidade aos livros, jornais e periódicos veiculados em meios diversos do papel, inclusive meios eletrônicos ou virtuais e que o mesmo, por óbvio, foi rejeitado (ALEXANDRINO & PAULO, 2011, p. 181). Assim, para os defensores dessa corrente, o argumento de que os meios hoje existentes eram pouco utilizados ou inexistentes naquela época não poderia, em tese, vingar.

Ademais, a atual posição do Supremo Tribunal Federal nega a possibilidade de extensão da imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da CRFB/88, aos livros digitais. Tal posicionamento só poderá ser revertido com o julgamento do RE 595.676/RJ, de relatoria do Min. Marco Aurélio. Esse Ministro, aliás, já foi relator, juntamente com o Ministro Maurício Corrêa,  de uma decisão muito interessante, nos autos do RE 174.476-SP, a qual define que a razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional está “no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normatizados, capazes de inibir a produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos”. Pode-se retirar de tal decisão argumentos favoráveis a imunidade dos livros eletrônicos.


3 DISPOSITIVOS ELETRÔNICOS DE LEITURA DE LIVROS DIGITAIS: E-READERS

Há, atualmente, uma infinidade de aparelhos que possibilitam a leitura de livros digitais. Aliás, o próprio computador, o celular e, mais modernamente, o tablet possuem essa função. Contudo, existem dispositivos voltados especificamente para a realização dessa tarefa: os e-readers. Tratam-se, portanto, de dispositivos eletrônicos que tem como função a exposição e a leitura de livros digitais (e-books). E, assim como para o mundo dos tablets existe o Apple iPad, no mundo dos e-readers há o Amazon Kindle, o aparelho para leitura de e-books mais popular no mundo.

De acordo com a Amazon, que comercializa o produto, o Kindle é um e-reader que possibilita aos seus proprietários pesquisar e comprar livros pela internet (online) e baixá-los (download) aos dispositivos para que se realize sua leitura. O aparelho ainda permite a navegação por blogs, jornais, periódicos e outras mídias digitais disponíveis na rede mundial de computadores. De acordo com Costa (2012, p. 179), “na maioria das vezes, equipamentos da espécie são providos da tecnologia conhecida como e-ink, ou, se preferir, tinta digital. A sensação proporcionada pela tecnologia dos equipamentos de leitura de e-books aproxima, com perfeição, os e-readers dos livros convencionais”. Em decorrência da excessiva tributação sobre esses dispositivos eletrônicos, o preço praticado no Brasil impede a sua popularização – mesmo que a empresa brasileira Positivo tenha lançado, na esteira do sucesso da americana Amazon, o primeiro e-reader nacional chamado Positivo Alfa.

Todavia, vem surgindo, no seio do Direito Tributário pátrio, questionamentos quanto a possibilidade de equiparação desses dispositivos eletrônicos de leitura de livros digitais aos livros convencionais para efeito de imunidade tributária.

Dentre os defensores dessa equiparação encontra-se Marcio Cesar Costa (2012, p. 181), que expõe sua convicção da seguinte maneira:

(…) considerando a finalidade de que o legislador constitucional se valeu ao instituir a imunidade ao livro, qual seja, a de incentivar o acesso às fontes de cultura, não resta dúvida de que o Kindle, cuja funcionalidade compreende a leitura de livros virtuais, deverá ser beneficiado pela imunidade tributária. O legislador constitucional, ao criar a norma que institui essa imunidade, considerou o conteúdo do livro (difusor de conhecimento) e não propriamente o suporte físico – papel. Nessa medida, a imunidade instituída ao livro convencional também deverá ser estendida ao Kindle, considerando que este tem como função a leitura virtual.

Costa também aponta em seu estudo algumas decisões que poderiam ser aplicadas ao caso do e-reader da Amazon, concluindo que o que deve ser considerado é o conteúdo cultural e não o suporte físico. Dentre elas, é digna de realce a decisão proferida nos autos do processo de n° 2009.61.00.025856-1 pelo Juízo da 22ª Vara Federal de São Paulo, em dezembro de 2009, que julgou procedente pedido liminar para reconhecer a imunidade tributária do Kindle, com base no art. 150, VI, “d”, da Carta Magna, mas apenas em relação ao recolhimento dos impostos incidentes na importação.

As opiniões contrárias a extensão da imunidade aos aparelhos de leitura de livros digitais abordam as diversas funcionalidades que alguns desses dispositivos oferecem, como, e.g., a  possibilidade de ouvir música ou, ainda, assistir vídeos. De fato, quando tais dispositivos extrapolam os limites da mera leitura de livros, jornais e periódicos, há uma aproximação deles com outras mídias eletrônicas como o computador ou o tablet e, a partir de então, a possibilidade de extensão parece esmorecer.

Novamente, de acordo com Costa (2012, p. 182), “caso o equipamento revista-se de funcionalidade que permita a difusão do conhecimento e da informação cultural, certamente poderá se beneficiar com a imunidade”. Contudo, deve-se compreender que estender a regra de imunidade de um e-reader para um iPad, por exemplo, tornar-se-ia deveras complicado, afinal “seria difícil, senão impossível, determinar com precisão quanto do valor do segundo aparelho corresponde exclusivamente  à função de leitura de livros” (COSTA, 2012, p. 182).

Há, na seara dos dispositivos que se revestem das características de livro, interessante julgado quanto ao denominado “quicktionary”. Tal dispositivo encarna uma espécie de dicionário eletrônico portátil no formato de uma caneta que, ao reconhecer uma palavra em um texto, automaticamente mostra sua tradução para a língua desejada. Em diversas decisões, especialmente no TRF4, o quicktionary foi equiparado a um livro comum (dicionário), devendo ser, pois, abrangido pela imunidade prevista no art. 150, VI, "d", da CF. Como exemplo desse posicionamento, temos a decisão, de relatoria do Des. Vilson Darós, abaixo colacionada:

IMUNIDADE. LIVROS. QUICKITIONARY. CF/88, ART. 150, INC. VI, ALÍNEA D. O denominado quickitionary, embora não se apresente no formato tradicional do livro, tem conteúdo de livro e desempenha exclusivamente a função de um livro. Não há razão alguma para que seja excluído da imunidade que a Constituição reserva para o livro, pois tudo que desempenha a função de livro, afastados os preconceitos, só pode ser livro. (TRF4, AMS 2000.70.00.002338-5, Segunda Turma, Relator Vilson Darós, DJ 03/10/2001).

Sobre os autores
Leandro Dani

Advogado, Especializando em Direito Tributário e Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica - UNIDERP/ANHANGUERA.

Joseana Reginatto Giacomini

Acadêmica do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANI, Leandro; GIACOMINI, Joseana Reginatto. A imunidade tributária objetiva do art. 150, VI, ''d” da Constituição Federal aplicada aos e-readers. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3289, 3 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22143. Acesso em: 5 nov. 2024.

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