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Análise da constitucionalidade do sistema de remuneração por subsídios implantado pelo governo do Estado do Espírito Santo

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Agenda 05/08/2012 às 17:55

O modelo de remuneração por subsídio dividido em referência implantado pelo Estado do Espírito Santo é inconstitucional, pois viola não apenas os princípios da igualdade e da isonomia, como também a norma que proíbe acréscimos de qualquer espécie.

Sumário: 1. Introdução; 2. Sistema de remuneração dos agentes públicos; 2.1. Obrigatoriedade de remuneração por meio de subsídio; 3. Leis estaduais de remuneração por subsídio; 3.1. Lei Complementar Estadual nº 420/07; 4. Análise da constitucionalidade; 5. Jurisprudência e doutrina; 6. Possíveis soluções; 7. Considerações finais; 8. Referências.

Resumo: Analisa a constitucionalidade das leis do Estado do Espírito Santo que implantaram o modelo de remuneração por subsídio dividido em referências para algumas categorias de servidores públicos. Em tal sistema, servidores que ocupam o mesmo cargo e exercem idêntica função recebem valores de subsídio diferentes de acordo com o tempo de serviço, o que viola os princípios constitucionais da igualdade e da isonomia e o art. 39, § 4º da Constituição Federal de 1988, o qual determina que o subsídio deverá ser fixado em parcela única, sendo vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.

Palavras-chave: remuneração.subsídio.referência.constitucionalidade.


1 Introdução

Desde o ano de 2002 o autor exerce a função pública de Oficial da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES), na qual ocupa atualmente o posto de primeiro tenente, estando lotado no Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran). Assim, vivenciou no ano de 2007 a implantação pelo Estado do Espírito Santo do sistema de remuneração através de subsídios na Corporação, em cumprimento ao previsto no art. 144, § 9º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que estabelece a obrigatoriedade dos servidores policiais serem remunerados de tal forma.

Ocorre que o modelo implantado trouxe grande insatisfação entre os policiais militares, pois os valores de subsídios são diferenciados para servidores que exercem a mesma função, de acordo com a referência na qual o policial estiver enquadrado.

Muitos militares passaram a perguntar aos Oficiais formados no curso de Direito se tal modelo não seria inconstitucional, por ferir a igualdade e a isonomia. Destarte, tal insatisfação e dúvida quanto à constitucionalidade do sistema de remuneração por subsídios dividido em referências ocasionou a escolha do tema deste trabalho de conclusão de curso, em virtude de sua importância e atualidade.

Desde modo, o presente artigo tem o objetivo precípuo de analisar a constitucionalidade do sistema de remuneração por subsídios dividido em referências implantado pelo Estado do Espírito Santo.


2 Sistema de remuneração dos agentes públicos

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece dois sistemas de remuneração para os agentes públicos[1], a saber: remuneração e subsídio.

Conforme ensinamentos do saudoso Meirelles (2004, p. 451 e 452), o sistema remuneratório ou remuneração em sentido amplo é formado por duas modalidades: remuneração em sentido estrito e subsídio.

A remuneração (em sentido estrito) para Carvalho Filho (2009, p. 696) “é o montante recebido pelo servidor público a título de vencimentos e de vantagens pecuniárias”. Em outras palavras, remuneração é a soma do vencimento e das vantagens pecuniárias recebidas pelo servidor. Mas o que significam tais conceitos?

Di Pietro (2007, p. 564) afirma que vencimento é “a retribuição pecuniária pelo efetivo exercício do cargo, correspondente ao padrão fixado em lei”.

Já vantagens pecuniárias, na lição de Meirelles (2004, p. 461):

São acréscimos ao vencimento do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço, ou pelo desempenho de funções especiais, ou em razão das condições anormais que se realiza o serviço, ou, finalmente, em razão das condições pessoais do servidor. (grifo nosso)

Sucintamente, vencimento é a parte fixa da remuneração, com as vantagens sendo a parcela variável (Di Pietro, 2007, p. 491).

Subsídio é conceituado por Silva (2005, p. 681) como “forma de remunerar agentes políticos e certas categorias de agentes administrativos civis e militares”. Por sua vez Magalhães Filho (2010) entende que subsídio “em termos constitucionais, é definido como uma das espécies de remuneração pelas quais o servidor pode receber a retribuição pelos serviços prestados”.

Em termos históricos representava a retribuição paga a quem exercia cargo eletivo. Possuía caráter de simples auxílio e subvenção pelo exercício de função pública relevante, não possuindo a conotação de remuneração. Contudo, hodiernamente, já havia assumido caráter remuneratório, pois os eleitos deveriam sustentar a si e suas famílias com tal verba durante o exercício do mandato. Assim, o subsídio parlamentar passou a ser dividido em parcelas fixa e variável (Silva, 2005, p. 682).

Ocorre que isso prejudicava a publicidade, pois o cidadão não sabia o real valor recebido pelos agentes públicos. Além disso, a fragmentação da remuneração em múltiplos penduricalhos desfigurava o sistema remuneratório e gerava desigualdades e injustiças (Silva, 2005, p. 683).

Buscando resolver tal problema, a Emenda Constitucional nº 19/98, instituiu novamente o modelo de remuneração por meio de subsídio para os agentes públicos. Com efeito, estabeleceu no art. 39, § 6º da Carta Magna, a obrigatoriedade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicarem anualmente os valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos, reforçando o princípio constitucional da publicidade. Porém, em seu novo sentido, o subsídio deve ser pago em parcela única, possuindo natureza jurídica de remuneração, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.

Nesse sentido, Melo (2004, p. 249) define subsídio como:

A denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio dos pagamentos mensais de parcelas únicas, ou seja, indivisas e insuscetíveis de aditamentos ou acréscimos de qualquer espécie. (grifo nosso)

2.1 Obrigatoriedade de remuneração por meio de subsídio

A Constituição instituiu a obrigatoriedade de remuneração por meio de subsídio para todo agente político[2], qual seja, para todo membro de Poder, detentor de mandato eletivo, Ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais, consoante o disposto no art. 39, § 4º, da Constituição Federal de 1988.

Desta forma, a Lei Maior determinou o sistema remuneratório por meio de subsídio para os seguintes agentes públicos:

a) Chefia do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores de Estado e do Distrito Federal, Prefeitos e respectivos Vices);

b) Auxiliares imediatos do Poder Executivo (ministros, secretários estaduais e secretários municipais);

c)  Membros do Poder Legislativo (senadores, deputados federais, estaduais e distritais e vereadores);

d) Membros do Poder Judiciário;

e) Membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, alínea c, CF/88);

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f) Membros da Advocacia Geral da União (AGU), procuradores e defensores públicos (art. 135, CF/88);

g) Ministros do Tribunal de Contas da União (art. 73, § 3º, CF/88) e conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados (art. 75, CF/88);

h) Os servidores públicos policiais (art. 144, § 9º, CF/88).

Além desses agentes públicos, podem facultativamente ser remunerados por meio de subsídio os servidores públicos organizados em carreira[3], com fulcro no art. 39, § 8º, da CF/88.


3 Leis estaduais de remuneração por subsídio

A partir de 2005 o Estado Espírito Santo editou diversas leis que instituíram a modalidade de remuneração por subsídio dividido em referências para várias categorias de servidores públicos estaduais. Seguem alguns exemplos:

a) Auxiliares Fazendários da Receita Estadual: Lei complementar estadual nº 0352/05;

b) Auditores Fiscais da Receita Estadual: Lei complementar estadual nº 0353/06;

c) Delegados da Polícia Civil: Lei complementar estadual nº 412/07;

d) Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar: Lei complementar estadual nº 420/07;

e) Perito e médico legista da Polícia Civil: Lei complementar estadual nº 422/07;

f) Magistério: Lei complementar estadual nº 428/07;

g) Agente da Polícia Civil: Lei complementar estadual nº 0439/08;

h) Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER): Lei complementar estadual nº 442/08;

i)Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF): Lei complementar estadual nº 443/08;

j) Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA): Lei estadual nº 8968/08;

k) Escrivão da Polícia Civil: Lei complementar estadual nº 0446/08;

l) Agentes Penitenciários: Lei complementar estadual nº 0455/08;

m) Instituto Jones dos Santos Neves: Lei complementar estadual nº 0499/09;

n) Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do Espírito Santo (IPAJM): Lei complementar estadual nº 0501/09;

o) Instituto de Atendimento Sócio-Educativo do Espírito Santo (IASES): Lei complementar estadual nº 0503/09;

p) Agências Reguladoras: Lei complementar estadual nº 0525/09;

q) Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES): Lei complementar estadual nº 0526/09;

r) Instituto de Pesos e Medidas do Estado do Espírito Santo (IPEM/ES): Lei complementar estadual nº 0527/09;

s) Investigador da Polícia Civil: Lei complementar estadual nº 0531/09;

t) Consultor do Executivo: Lei complementar estadual nº 537/09;

u) Defensores públicos: Lei complementar estadual nº 0538/09;

v) Junta Comercial do Estado do Espírito Santo (JUCEES): Lei complementar estadual nº 0544/10.

Destarte, todas as leis estaduais relacionadas acima estabeleceram o sistema de remuneração por meio de subsídio com referências para diversas categorias de servidores estaduais, consoante o art. 39, § 8º da Lei Maior, que estabelece a faculdade do Estado remunerar de tal forma os seus servidores organizados em carreira.

3.1 Lei Complementar Estadual nº 420/07

Para uma melhor compreensão do fenômeno estudado, o presente artigo fará um corte metodológico na pesquisa, no qual será focado apenas uma das leis, uma vez que todas são semelhantes.

Desta feita, a análise se concentrará notadamente na lei complementar estadual nº 420/07, de 30 de novembro 2007, a qual instituiu a modalidade de remuneração por subsídio para os militares do Estado do Espírito Santo, ou seja, para os integrantes da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) e do Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo (CBMES), em obediência ao previsto no art. 144, § 9º da Constituição Federal de 1988, que estabelece a obrigatoriedade de qualquer carreira policial ser remunerada por meio de subsídio fixado em parcela única, nos termos do art. 39, § 4º da Carta Magna.

Deste modo, a implantação da remuneração por meio de subsídio para as carreiras policiais não se constitui em uma faculdade do Estado, mas no cumprimento de um mandamento constitucional obrigatório.

Com efeito, o art. 1º, § 1º do referido diploma normativo estadual determina que o subsídio será fixado por lei ordinária em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio e verba de representação ou outra espécie remuneratória.

Entretanto, o art. 4º e o Anexo IV da mesma norma prevêem que a carreira de militar estadual será estruturada em 17 (dezessete) referências, as quais podem ser definidas como níveis horizontais em que o servidor é enquadrado de acordo com o tempo de serviço. Assim, a cada 02 (dois) anos ocorre a progressão horizontal, isto é, a passagem de uma referência para outra dentro do mesmo nível hierárquico vertical, chamado de posto (para os Oficiais) e de graduação (para as Praças).

Coexiste tal separação horizontal com a divisão da carreira em níveis hierárquicos verticais, na qual ocorre a promoção de um posto ou graduação para outro imediatamente superior.

Desta maneira, dois militares estaduais que ocupem o mesmo posto ou graduação e exerçam a mesma função (por exemplo, motorista de viatura), receberão subsídios de valores diferentes, caso tenham tempo de serviço diverso.

Logo, essa situação é a priori inconstitucional, pois fere os princípios constitucionais da igualdade e da isonomia.


4 análise da constitucionalidade

Conforme exposto, o modelo de remuneração por subsídio por meio de referências foi instituído para várias categorias de servidores públicos do Estado do Espírito Santo. Desta feita, servidores que ocupam o mesmo cargo[4] e exercem idêntica função[5] recebem valores diferentes, de acordo com a referência na qual estiver enquadrado, de acordo com o tempo de serviço.

Tal escalonamento horizontal é típico do modelo de remuneração em sentido estrito, em que uma parte fixa (representada por um padrão fixado em lei) é acrescida de vantagens pecuniárias, que consiste na parte variável, as quais se modificam de acordo com condições especiais de cada servidor (Di Pietro, 2007, p. 491).  Assim, uma das principais variáveis é o adicional por tempo de serviço, que no magistério de Meirelles (2004, p. 464) é:

o acréscimo pecuniário que se adita ao padrão do cargo em razão exclusiva do tempo de exercício estabelecido em lei para o auferimento da vantagem. É um adicional ‘ex facto temporis’, resultante do serviço já prestado – ‘pro labore facto’. Daí por que se incorpora automaticamente ao vencimento [...] (grifo nosso).

Porém, o art. 39, 4º, da Carta Magna é claro ao estabelecer que o subsídio deve ser fixado em parcela única, sendo “vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”. Desta forma, não prevê a aplicação e valoração de circunstância individual, como é o caso de diferenças remuneratórias de acordo com o tempo de serviço, devendo o subsídio ser único para cada cargo. Portanto, a progressão horizontal nada mais é do que uma forma escamoteada de gratificação do tempo de serviço, porém com denominação diversa.

Fica claro que a norma capixaba combinou os dois modelos de remuneração, criando um verdadeiro terceiro sistema remuneratório, de natureza mista, o que não foi autorizado pela Lei Maior. Parafraseando Meirelles (2004, p. 456), essa prática configura “inaceitável fraude ao conceito constitucional de subsídio, a ser repelida pelo Poder Judiciário no exame de constitucionalidade.”

Além disso, o art. 39, § 1º, I, da CF/88 determina que a remuneração dos servidores públicos deverá observar a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade do cargo de cada carreira, não prevendo que deva ser diferenciado de acordo com o tempo de serviço.

Outro aspecto a ser analisado, é que o tratamento diferenciado introduzido pela divisão dos valores do subsídio em referências viola os princípios constitucionais da isonomia e da igualdade[6]. Isso em decorrência de servidores ocuparem o mesmo cargo e exercerem a mesma função, mas receberem subsídios diferentes.

Tais princípios são considerados sinônimos por Leite (2008, p. 63), que sobre eles escreve:

Decorre da norma estabelecida no art. 5º, caput, da CF, segundo a qual todos são iguais perante a lei [...]. É importante notar que a igualdade aqui mencionada é apenas a formal. Todavia, essa norma constitucional deve se amoldar ao figurino das normas-princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, bem como aos objetivos fundamentais da República [...]. Vale dizer, o princípio da igualdade há de ser entendido no seu sentido amplo, isto é, tanto no aspecto da igualdade formal quanto no da substancial.

Corroborando tal argumentação, o constitucionalista Silva (2005, p. 687 e 688) entende que:

“isonomia é igualdade de espécies remuneratória entre cargos de atribuições iguais ou assemelhados [...] Na isonomia e na paridade, ao contrário, os cargos são ontologicamente iguais, daí devendo decorrer a igualdade de retribuição; isso está de acordo com o princípio geral da igualdade perante a lei: tratamento igual para situações reputadas iguais, é, em verdade, aplicação do princípio da isonomia material: trabalho igual deve ser igualmente remunerado. [...] A isonomia, em qualquer de suas formas, incluída nela a paridade, é uma garantia constitucional”.(grifo nosso)

Nesse mesmo sentido, Moraes (2006, p. 32) leciona que o princípio da igualdade atua:

“impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. [...] O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, são incompatíveis com a Constituição Federal”.

Igualmente, Silva (2005, p. 211) novamente afirma que:

“A Constituição de 1988 abre o capítulo dos direitos individuais com o princípio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput). Reforça o princípio com muitas outras normas sobre igualdade [...]. Depois, no art. 7º, XXX e XXXI, vêm regras de igualdade material, regras que proíbem distinções fundadas em certos fatores, ao vedarem diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário [...] constituem reais promessas de igualdade material”.

Com efeito, Carvalho (2010) defende que:

os direitos trabalhistas fundamentais dos incisos determinados do art. 7º da Constituição Federal, estendidos aos servidores ocupantes de cargo público por força do disposto no art. 39, § 3º, da Carta Magna, não excluem os agentes públicos remunerados na forma de subsídio, haja vista que as normas tutelares obreiras destinam-se a assegurar direitos sociais essenciais, como o lazer, o convívio familiar, o descanso, em defesa da pessoa humana que trabalha no serviço público, independentemente da maneira como estipulada sua remuneração, se em parcela única ou em se em vencimento básico mais vantagens pecuniárias adicionais.

Assim, a Constituição Federal de 1988 somente permite distinção de remuneração para a mesma função no caso do trabalho diurno e noturno, nos termos do art. 7º, IX. Outras diferenciações são inconstitucionais, pois não são autorizadas pela Constituição (Silva, 2006, p. 228).

Consoante as posições doutrinárias explicitadas, conclui-se que o modelo anti-isonômico de remuneração do Estado do Espírito Santo é claramente inconstitucional.

Destarte, ao ser implantado o modelo de remuneração por subsídio, o Estado do Espírito Santo deveria ter utilizado como parâmetro a maior remuneração de cada cargo, fixando tal valor como subsídio único. Como isso não foi feito, cabe agora ao Estado Capixaba eliminar a progressão horizontal através de referências, enquadrando todos os servidores na referência 17, qual seja, o subsídio de maior valor. Tal extensão do benefício para os que foram discriminados (Silva, 2006, p. 228) parece ser a única hipótese constitucionalmente cabível, pois a Carta Magna garante a irredutibilidade de remuneração, consoante o previsto no art. 37, XV.

Esse entendimento é corroborado pelo art. 8º da Emenda Constitucional nº 41/2003, a qual estabeleceu provisoriamente que, até que fosse fixado o valor do subsídio de ministro do STF, o valor do teto remuneratório previsto no art. 37, XI da Constituição Federal, seria considerado o valor da maior remuneração atribuída por lei a ministro do STF a título de vencimento, representação mensal e da parcela recebida em razão do tempo de serviço.

Ou seja, quando os ministros do Pretório Excelso passaram a ser remunerados por subsídio, utilizou-se como parâmetro a maior remuneração. Assim, todos os integrantes da Suprema Corte recebem o mesmo valor de subsídio, independentemente do tempo em que estejam no STF ou outra variável individual.

Deste modo, por razões de equidade, igualdade, isonomia e justiça, o mesmo modelo de migração deveria ser aplicado aos servidores públicos capixabas, já que todos são agentes públicos. Interpretação diversa é indefensável, desproporcional e irrazoável.

Outrossim, deve-se ressaltar que a diferença salarial é percentualmente significativa, uma vez que, por exemplo, um soldado ingressante nas Corporações militares estaduais do Espírito Santo (enquadrado na referência 1) recebe 46% menos do que um soldado que esteja classificado na última referência (17).

Percebe-se que o sistema de remuneração de subsídio por meio de referências constituiu um escamoteado subterfúgio inconstitucional utilizado pelo Estado para diminuir o dispêndio do erário com o pagamento de seus servidores ao implantar tal modelo.

Outro argumento contrário ao sistema de remuneração de subsídio dividido em referências é que este modelo não é adotado no âmbito da União, onde o subsídio é fixado em parcela única, independente do tempo de serviço do servidor público.

Um exemplo disso é a lei nº 10.910/2004, alterada pelas leis nº 11.457/2007 e 11.890/2008, que instituiu a modalidade de remuneração por subsídio para várias categorias de servidores federais organizados em carreira, tais como: Auditor da Receita Federal, Auditor Fiscal da Previdência Social, Auditor Fiscal do Trabalho, Procurador da Fazenda Nacional, Advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores do Banco Central do Brasil e Defensores Públicos da União.

Nessa norma federal os integrantes foram agrupados em classe verticais, nas quais a diferença remuneratória somente ocorre quando o servidor é promovido de uma classe para outra. Portanto, dentro de uma mesma classe não existe diferenciação no valor do subsídio.

No âmbito do próprio Estado do Espírito Santo, os poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas não adotam tal modelo de referências. Assim, por exemplo, um juiz substituto recém-empossado recebe o mesmo valor de subsídio de um juiz substituto com 8 ou 10 anos de magistratura, se estiverem na mesma entrância.

Dito de outro modo, um desembargador do Tribunal de Justiça recém-empossado, proveniente dos quadros do Ministério Público ou da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com base no quinto constitucional estabelecido pelo art. 94 da Carta Magna, não poderia receber o mesmo subsídio de um desembargador perto da aposentadoria compulsória com vários anos de Tribunal e oriundo da magistratura, pois possuem tempo de serviço muito diferente na mesma função.

Nesse mesmo sentido, o próprio Poder Executivo do Estado do Espírito Santo não adota o sistema de referências para a fixação do subsídio de seus agentes políticos, a saber, o Governador e o Vice-Governador do Estado e os Secretários de Estado. Assim, a questão é de igualdade, equidade e até mesmo moralidade: se os servidores estaduais do Poder Executivo recebem subsídios diferentes, conforme o tempo de serviço, o justo seria que os agentes políticos deste mesmo Poder também recebessem subsídios diferenciados de acordo com o tempo de mandato. Desta maneira, um secretário estadual recém-investido no cargo, em um Governo que esteja no final do último ano de seu segundo mandato, deveria receber menos que um secretário que esteja na função deste o início do primeiro mandato. Tal hipótese é tão esdrúxula, que mesmo abstratamente já se mostra absurda e irrazoável.

Outrossim, ao implantar a remuneração por meio de subsídio para os procuradores do Estado foi usado critério diverso, sendo fixado valor único independente do tempo de serviço, sem a adoção da divisão em referências, conforme a Lei complementar estadual nº 293/04 (alterada pela complementar estadual nº 546/10). Sucede que para os defensores públicos o subsídio foi implantado com a divisão em referências, consoante a lei complementar estadual nº 538/09, ou seja, de modo igual aos demais servidores.  Assim, o tratamento anti-isonômico entre procuradores e defensores viola o art. 135 da Constituição Federal, o qual determina que os integrantes das referidas carreiras sejam remunerados da mesma forma, nos moldes de seu art. 39, § 4º.

Outro aspecto a ser ressaltado, é que o tratamento diferenciado dado aos membros da Procuradoria Geral do Estado (PGE) acaba por discriminar os demais servidores que são remunerados por subsídio dividido em referências, não havendo justificativa plausível para tal diferenciação.

Por outro lado, um argumento que poderia ser alegado em favor do modelo de remuneração por subsídio através de referências é exatamente o tempo de serviço, pois se poderia contrarrazoar que um servidor com mais experiência e com maior tempo de serviço deveria ser remunerado de modo superior.

Contudo, tal entendimento não deve prevalecer, pois a questão do tempo de serviço já está valorada na divisão da carreira em níveis hierárquicos verticais, na qual a promoção de um posto ou graduação para outro superior se dá em virtude da antiguidade, isto é, em decorrência do tempo de serviço. Logo, a existência da progressão horizontal é desproporcional e desigual, porque valora duplamente o mesmo instituto. Além disso, conforme já explanado, tal diferenciação é típica da remuneração em sentido estrito, incompatível com o subsídio.

Destarte, no Senado Federal tramita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 21/2008, cujo objetivo é restabelecer o adicional por tempo de serviço como componente da remuneração, o qual passaria a ser uma parcela diversa e autônoma em relação ao valor do subsídio. Ora, se uma PEC objetiva que a Carta Magna passe a admitir tal possibilidade, é porque a atual redação proíbe a diferenciação do subsídio por tempo de serviço.

Sobre o autor
Robledo Moraes Peres de Almeida

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Piauí. Foi Oficial da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) por 15 anos, ocupando atualmente o Posto de Capitão PM da Reserva Não Remunerada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduado pela Escola de Formação de Oficiais da PMES. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduado em Gestão, Educação e Segurança de Trânsito pela Faculdade Cândido Mendes. Membro Titular da Associação Colombiana de Direito Processual Constitucional. Finalista da categoria Obra Técnica do X Prêmio Denatran de Educação no Trânsito, promovido pelo Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) no ano 2010. Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Aprovado nos concursos públicos para os cargos de: a) Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Piauí; b) Promotor de Justiça do Ministério Público do Tocantins; c) Defensor Público da Defensoria Pública do Espírito Santo; d) Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Robledo Moraes Peres. Análise da constitucionalidade do sistema de remuneração por subsídios implantado pelo governo do Estado do Espírito Santo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3322, 5 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22356. Acesso em: 22 nov. 2024.

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