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Análise da constitucionalidade do sistema de remuneração por subsídios implantado pelo governo do Estado do Espírito Santo

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5 Jurisprudência e doutrina

A remuneração de servidores públicos organizados em carreira consiste em uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro. A maioria dos entes políticos ainda não implantou tal sistema para todo o seu funcionalismo, já que esse modelo é facultativo, nos termos do art. 39, § 4º.

Deste modo, não foi encontrada nenhuma jurisprudência específica em relação ao modo de remuneração por subsídio dividido em referências no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).

Todavia, existem no STF alguns julgados correlatos, os quais permitem vislumbrar o entendimento do Pretório Excelso sobre questões assemelhadas.

Um exemplo é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4079/ES, na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) questiona a constitucionalidade da Lei complementar estadual nº 428/07, que institui a remuneração por subsídios para a carreira do magistério do Estado do Espírito Santo.

Na espécie a CNTE alega que o dispositivo legal capixaba fere a garantia constitucional do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, assegurados no art. 5º, XXXVI, da Lei Maior, na medida em que a opção pela remuneração por subsídio ocasiona a renúncia compulsória às vantagens de natureza pessoal, resultantes do cumprimento de requisitos legais ao tempo da concessão ou de decisões judiciais. Outrossim, para a entidade essa norma viola o princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, pois concede sucessivos reajustes apenas para os docentes que optarem pela remuneração por subsídio, excluindo os não aderentes. Estabelece, portanto, distinções remuneratórias indevidas entre servidores integrantes de que uma mesma carreira, o que configura inequívoco tratamento anti-isonômico Além disso, desrespeita o art. 39, § 3º, bem como o art. 7º, VIII, IX, XII, XV, XVI e XVII da Carta Magna, ao privar os servidores públicos dos direitos sociais mínimos. Transcreve-se, por oportuno, diminuto trecho da ADI 4079:

[...]

2. os sobreditos dispositivos malferem a Constituição Federal, na medida em que a opção pela remuneração por subsídio, ali prevista, é condicionada à renúncia pelos optantes às vantagens de natureza pessoal incorporadas ao patrimônio jurídico dos integrantes da carreira do magistério do Estado do Espírito Santo sob a forma de direito adquirido, ato jurídico perfeito e/ou coisa julgada, em nítida afronta ao art. 5º, XXXVI, da Carta Magna.

[...]

4. A Lei Complementar Estadual nº 428/2007, do Estado do Espírito Santo vai, outrossim, de encontro ao princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput, da Carta Magna, na medida em que seu art. 3º concede sucessivos reajustes para os docentes optantes pela remuneração por subsídio e, ao mesmo tempo, exclui os demais integrantes da carreira de tal benefício.

5. E, não obstante os vícios já apontados, o sobredito diploma capixaba malfere o art. 39, § 3º, bem como o art. 7º, VIII, IX, XII, XV, XVI e XVII da Constituição, uma vez que a opção pela remuneração por subsídio ali prevista exclui a totalidade dos direitos trabalhistas assegurados pelos referidos dispositivos constitucionais aos servidores públicos.

[...]

 (grifo no original)

Entretanto, compulsando o seu teor, extrai-se que a ADI 4079, ainda no aguardo de julgamento, não enfrenta a questão da divisão em referências do modelo de remuneração por subsídio.

Igualmente, em relação ao mérito, vislumbra-se a tendência da ADI 4079 ser julgada improcedente, pois é firme a jurisprudência do STF no sentido de que os servidores públicos não têm direito adquirido a regime jurídico remuneratório, sendo constitucional a alteração da forma de remuneração, desde que seja respeitada a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, prevista no art. 37, XV, da Lei Maior. Como exemplo, transcreve-se a ementa do Recurso Extraordinário nº 603.453 AgR/DF:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. LEGITIMIDADE DE ALTERAÇÃO DA FÓRMULA DE CÁLCULO DE VANTAGEM PECUNIÁRIA, DESDE QUE RESPEITADA A IRREDUTIBILIDADE DE REMUNERAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que os servidores públicos não têm direito adquirido a regime jurídico, sendo legítima a alteração da fórmula de cálculo de vantagem pecuniária, desde que não provoque decesso remuneratório. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.

Outra jurisprudência correlata é a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3923/MA, que busca atacar a constitucionalidade da lei estadual nº 8.572/2007, a qual implantou a forma de remuneração por meio de subsídio para os servidores do Estado do Maranhão. Tal diploma legal impõe o modelo de forma obrigatória para todos os servidores. Além disso, estabelece o sistema para servidores que não são organizados em carreira, violando o art. 39, § 8º, da Lei Maior, o qual prevê a remuneração por subsídio apenas para os organizados em carreira. O Pretório Excelso suspendeu cautelarmente a lei maranhense, até o julgamento do mérito, nos seguintes termos:

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 8.592, DE 30 DE ABRIL DE 2007, DO ESTADO DO MARANHÃO. FIXAÇÃO DE SUBSÍDIO PARA OS SERVIDORES ESTADUAIS. FIXAÇÃO INDISCRIMINADA. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 39, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CARACTERIZAÇÃO DO PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS. DEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. 1. O ato normativo impugnado institui a remuneração por meio de "subsídio" a grupos de servidores públicos do Estado do Maranhão. Aplicação indiscriminada. 2. O subsídio de que trata o § 4º do artigo 39 da CB/88 pode ser estendida a outros servidores públicos, configurando, contudo, pressupostos necessários à substituição de vencimentos por subsídio a organização dos servidores em carreira configura, bem assim a irredutibilidade da remuneração. 3. A lei questionada não disciplina de forma clara como será procedido o pagamento das vantagens adquiridas por decisão judicial ou em decorrência de decisão administrativa. 4. Fumus boni iuris demonstrado pela circunstância de a lei estadual ter ultrapassado o quanto poderia alcançar em coerência com o Texto Constitucional. 5. O periculum in mora torna-se evidente na situação crítica instalada no Estado do Maranhão em conseqüência da greve dos servidores. 6. Medida cautelar deferida para suspender os efeitos da Lei n. 8.952, do Estado do Maranhão.

A presente ADI, também pendente de julgamento, não tem como objeto a discussão da divisão do subsídio em referências.

Sucede que a violação do princípio da igualdade e da isonomia foi confirmada pelo STF no julgamento de liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3854/DF, na qual a Corte Constitucional entendeu inconstitucionais resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que estabeleciam tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e federal, suspendendo sua eficácia. In verbis:

EMENTA: MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, § único, da Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal.

Desta forma, o Pretório Excelso decidiu que agentes públicos (magistrados) de entes políticos diferentes devem possuir o mesmo teto remuneratório, sob pena de violação às garantias constitucionais da igualdade e da isonomia. Portanto, servidores públicos integrantes de uma mesma carreira e de um mesmo ente federado devem receber os mesmos valores de subsídios, independentemente da referência que foram ilegalmente enquadrados, como é o caso dos servidores remunerados por subsídio no Estado do Espírito Santo.

Aliás, cabe repetir que os integrantes da magistratura são remunerados por um único subsídio, independentemente do tempo de serviço. Tal circunstância é valorada verticalmente, por meio das promoções ao longo da carreira.

Outrossim, conforme já explanado, tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 21/2008, a qual originariamente objetivava o retorno do adicional por tempo de serviço como componente da remuneração dos magistrados e membros do Ministério Público. Logo, se uma PEC pretende que a Carta Magna passe a admitir tal possibilidade, é porque a atual redação proíbe a diferenciação do subsídio por tempo de serviço.

Desta feita, não há justificativa para o Estado do Espírito Santo tratar os seus agentes públicos de modo tão desigual, pois independentemente do Poder em que estejam ou do nível hierárquico ocupado, são todos servidores públicos em sentido amplo.

Destarte, do mesmo modo que a jurisprudência, não foi encontrada nenhuma doutrina específica em relação ao sistema de remuneração por subsídio por meio de referências.

Entretanto, alguns autores escrevem sobre temas assemelhados. Por exemplo, Di Pietro (2007, p. 499) afirma que:

como a organização em carreira implica o escalonamento dos cargos em níveis crescentes de responsabilidade e complexidade ou de antiguidade, é evidente que a remuneração correspondente a cada nível sobe, à medida que o servidor é promovido de um nível a outro; se assim não fosse, não teria sentido prever-se a organização em carreira nem a promoção. Em conseqüência, os subsídios terão que ser fixados em valores diferentes para cada nível da carreira, observada a exigência de parcela única. Não se pode, para diferenciar um nível do outro, conceder acréscimos pecuniários que constituam exceção à regra do subsídio como parcela única. (grifo nosso)

Assim, os servidores públicos organizados em carreira somente podem ter subsídios de valor diferente na hipótese de nível hierárquico diverso, ou seja, de acordo com a progressão vertical. No caso de mesmo nível hierárquico o subsídio deve ser o mesmo, fixado em parcela única, independente do tempo de serviço.


6 Possíveis soluções

Diante da notória inconstitucionalidade do modelo de remuneração por subsídio dividido em referências, algumas possibilidades podem ser projetadas.

O ideal seria que o Estado do Espírito Santo corrigisse de ofício tal inconstitucionalidade, eliminando as referências, por meio da instituição de valores únicos, independentemente do tempo de serviço.

Outra alternativa seria os sindicatos e associações de classe de cada categoria de servidores ingressarem com uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, nos termos do art. 125, § 2º[7] da Carta Magna e o art. 112, VI[8] da Constituição do Estado do Espírito Santo. Tal ação poderia ser proposta também pelo Procurador Geral de Justiça, chefe do Ministério Público Estadual, consoante o art. 112, III da Constituição Estadual.

Outra hipótese é o ingresso no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em face de cada uma das leis estaduais do Espírito Santo que instituíram o sistema de remuneração por subsídio por meio de referências para cada carreira, com fulcro no art. 102, I da Lei Maior. Contudo, esse ajuizamento somente pode ser feito por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, consoante o disposto no art. 103, IX, da CF/88, a qual deverá demonstrar a pertinência temática de suas alegações.

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Com efeito, é importante salientar a viabilidade de tais ações diretas de inconstitucionalidade, destacando que eventual provimento não vai de encontro ao teor da súmula 339 do STF, a qual enuncia que “não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores sob fundamento da isonomia”, uma vez que o conteúdo subjacente do enunciado é a tentativa de igualdade remuneratória para integrantes de carreiras distintas. Ao contrário, nos diplomas legais capixabas ocorre tratamento anti-isonômico de integrantes de uma mesma carreira, o que deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.

Por fim, cada servidor poderia ingressar com uma ação individual, pleiteando o seu enquadramento no valor de subsídio mais elevado, a chamada referência 17, argumentando a inconstitucionalidade de tal sistema.

Outro aspecto a ser observado são os efeitos de eventual declaração de inconstitucionalidade. É cediço que toda norma jurídica julgada inconstitucional possui, em regra, efeito ex tunc, retroagindo os seus efeitos desde a sua edição. Desta maneira, quanto mais o Estado do Espírito Santo demora para alterar o sistema de remuneração, maior se torna a futura e eventual dívida, já que, em tese, teria que pagar os valores retroativos, caso o Poder Judiciário julgue inconstitucional o modelo de remuneração por subsídio dividido em referências.

Logo, seria financeiramente melhor que o Estado do Espírito Santo eliminasse a divisão em referências e implantasse a remuneração por subsídio com valor único, independentemente do tempo de serviço, pois evitaria o pagamento de valores retroativos, bem como evitaria inúmeras ações judiciais individuais, o que abarrotaria o Poder Judiciário.

Outrossim, em eventual declaração de inconstitucionalidade poderia ser atribuído efeito ex nunc, ou seja, a partir da publicação a norma seria considerada inconstitucional, ou efeito pro futuro, no qual o Judiciário fixaria um momento posterior em que o diploma legal passaria a violar a Carta Magna.


7 Considerações finais

Conclui-se que o modelo de remuneração por subsídio dividido em referência implantado pelo Estado do Espírito Santo é inconstitucional, pois viola não apenas os princípios constitucionais da igualdade e da isonomia, como também infringe o disposto no art. 39, § 4º da Constituição Federal de 1988, que proíbe acréscimos de qualquer espécie.

A manutenção do tratamento anti-isonômico tem ocasionado a insatisfação e o desestímulo dos servidores públicos. Assim, é necessário que o Estado Capixaba corrija urgentemente tal sistema, através da eliminação da divisão em referências e a implantação de subsídios com valores únicos, independentemente do tempo de serviço.

 

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Sobre o autor
Robledo Moraes Peres de Almeida

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Piauí. Foi Oficial da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) por 15 anos, ocupando atualmente o Posto de Capitão PM da Reserva Não Remunerada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduado pela Escola de Formação de Oficiais da PMES. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp/Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduado em Gestão, Educação e Segurança de Trânsito pela Faculdade Cândido Mendes. Membro Titular da Associação Colombiana de Direito Processual Constitucional. Finalista da categoria Obra Técnica do X Prêmio Denatran de Educação no Trânsito, promovido pelo Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) no ano 2010. Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Aprovado nos concursos públicos para os cargos de: a) Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Piauí; b) Promotor de Justiça do Ministério Público do Tocantins; c) Defensor Público da Defensoria Pública do Espírito Santo; d) Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Robledo Moraes Peres. Análise da constitucionalidade do sistema de remuneração por subsídios implantado pelo governo do Estado do Espírito Santo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3322, 5 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22356. Acesso em: 22 nov. 2024.

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