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O cerceamento do direito de defesa nos processos administrativos fiscais do estado da Bahia

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Agenda 08/08/2012 às 14:40

3. DA NÃO CONFORMIDADE AO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO PELA ADMINISTRAÇÃO

Por mais desnecessário que seja tecer mais qualquer argumento acerca da impropriedade dos fatos de que trata o presente artigo, há que se tecer algumas considerações acerca do desencontro dos referidos fatos em relação ao princípio da indisponibilidade do interesse público pela administração.

Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que:

“A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade - internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa na tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis” [15]

Mais adiante, afirma:

“Outrossim, a noção de interesse público, tal como a expusemos, impede que se incida no equívoco muito grave de supor que o interesse público é exclusivamente um interesse do Estado, engano, este, que faz resvalar fácil e naturalmente para a concepção simplista e perigosa de identificá-lo como quaisquer interesses da entidade que representa o todo (isto é, o Estado e demais pessoas de Direito Público interno).” [16]

A partir daí, passa a diferenciar os chamados interesses públicos primários e secundários, qualificando o primário como interesse público propriamente dito, isto é, o que deve ser atendido pelo Estado; e o secundário como interesse exclusivo do ente estatal, desqualificando-o, por fim, da natureza de interesse público.

Não há como se olvidar de que as restrições de acesso ao processo administrativo fiscal, ora tratadas, sobretudo a que arbitra valor exorbitante para a taxa de serviço para obtenção de cópias dos autos, enquanto elementos comuns à administração pública; devem ser avaliadas sobre o prisma do princípio da indisponibilidade do interesse público pela administração. Ou seja, há que ser avaliado se o interesse embutido no ato é, de fato, interesse público primário, eu se trata-se de interesse puramente secundário.

Não é necessário desenvolver argumentos sofisticados para demonstrar que, quando a lei estabelece restrições de acesso aos autos de processos administrativos fiscais, e quando o decreto executivo estabelece valor exorbitante para a taxa de obtenção de cópia, estamos diante de um flagrante interesse secundário do ente federativo em questão.

Já demonstramos que, na prática, diante das restrições legais, o contribuinte é obrigado a obter cópias de documentos dos autos, caso deseje confeccionar uma defesa satisfatória; demonstramos, também, que o valor da taxa encontra-se completamente desconforme ao ordenamento jurídico nacional e ao bom senso.

Cite-se, outrossim, que tal fato contribui, decisivamente, para o esvaziamento da eficácia do instituto jurídico do processo administrativo, extraindo do universo jurídico brasileiro um sofisticado instrumento de acesso à uma justiça célere, e de diminuição das abarrotadas pautas do Poder Judiciário.

Diante de toda a argumentação até aqui escandida, não é possível chegar-se a outra conclusão que não a de que tais restrições não correspondem a um interesse público primário, na medida em que os direitos fundamentais da ampla defesa e do devido processo legal são, também, interesses da coletividade.

Observando que tais garantias estão sendo cerceadas pela proibição de vistas fora da repartição pública e, mais ainda, pela cobrança de valores teratológicos para a obtenção de cópias de documentos constantes nos processos administrativos fiscais em referência; conclui-se que este processo afastou-se do objetivo de persecução do interesse público e, por conseguinte a administração afastou-se do princípio da indisponibilidade do interesse público pela administração, caracterizador do regime de Direito Administrativo.

Tal afastamento gera, necessariamente, a nulidade do ato administrativo em questão, no caso o processo administrativo fiscal, em conformidade com o que leciona o exaustivamente citado Professor Celso Antonio Bandeira de Mello:

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“Ninguém duvida da importância da noção jurídica de interesse público. Se fosse necessário referir algo para encarecer-lhe o relevo, bastaria mencionar que, como acentuam os estudiosos, qualquer ato administrativo que dele se desencontre será necessariamente inválido.” [17]

Considerando que, ainda que seja exorbitante o valor a taxa de serviço de obtenção de cópias, não é possível afirmar que o referido tributo chegue a ter efeito fiscal; impõe-se a conclusão de que o interesse secundário que irrompe da presente situação, decorre da sanha arrecadadora do Estado, que não reconhece a lei ou qualquer principio ético.

Consubstanciando-se, tal interesse, através da tentativa flagrante de afastar a possibilidade de defesa do contribuinte na esfera administrativa de apuração do crédito tributário; com o objetivo único de que o Estado obtenha, no menor período de tempo possível, o tão esperado título executivo, e se valha de todas as vantagens proporcionadas pela lei de execuções fiscais. (Lei 6.830/1980)


4. DA POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

A partir, sobretudo, do cerceamento das garantias fundamentais já citadas, temos que o meio mais eficaz de ataque aos elementos geradores da problemática abordada, quais sejam, o art. 123-A do Código Tributário da Bahia e os decretos 7.629/1999 e 10.190/2006, já mencionados, é o controle de constitucionalidade destes, enquanto atos normativos que são.

Tal controle pode ser dar tanto pela via difusa, quanto pela via concentrada.

4.1. DO CONROLE DIFUSO

A partir do controle difuso de constitucionalidade, vislumbra-se a possibilidade da interposição de algumas ações, eminentemente constitucionais, nas quais deveriam ser suscitadas questões prejudiciais de constitucionalidade; desafiando, portanto, o controle, por parte do poder público, através da via incidental.

Para tal intento, deveriam ser atacados os decretos em referência, e seriam adequadas: a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de segurança, devendo, qualquer uma destas, ser interposta perante o Tribunal de Justiça da Bahia, tendo em vista a prerrogativa de foro da Autoridade que emanou os atos normativos, no caso, o Governador do Estado.

Qualquer uma destas ações deveria suscitar, como questão prejudicial, a inconstitucionalidade dos decretos 7.629/1999 e 10.190/2006, em face do art. 105, inciso V, da Constituição do Estado da Bahia, na medida em que os mesmos exorbitam a competência prevista pelo referido artigo ao inovarem a ordem jurídica estabelecendo taxa para a obtenção de cópias de documentos acostados aos autos de processos administrativos fiscais, quando a mesma não só não era prevista, como era vedada pelo Código Tributário do Estado da Bahia.

A Ação Popular teria como objeto a defesa contra fato lesivo à moralidade administrativa e deveria ser proposta por qualquer cidadão, que atuará no processo como substituto da coletividade.

Já em relação à Ação Civil Pública, temos que o objeto será a defesa do interesse difuso consubstanciado no acesso à justiça administrativa; tendo como questão prejudicial a mesma da Ação Popular já descrita. Diferenciando-se, desta, no entanto, em relação ao pólo ativo, no qual deverá figurar o Ministério Público, atuando através de sua prerrogativa de defensor da sociedade.

A decisão que julgar qualquer uma das ações terá eficácia erga-omnes, tendo em vista que, ainda que se trate de ações subjetivas, o pólo ativo é, em verdade, a própria coletividade, pelo que se justifica tal efeito.

Quanto ao Mandado de segurança, vislumbra-se a possibilidade de interposição por qualquer contribuinte ao qual seja negada a obtenção gratuita de cópias de processos administrativos fiscais em que figure como parte.

Contudo, no mandado de segurança, a decisão que reconhecer a inconstitucionalidade restringirá os efeitos da decisão às partes integrantes da lide, quais sejam, contribuinte e questão e a Fazenda Pública Estadual.

Ressalte-se que tal relação é meramente demonstrativa, não sendo excluída a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade dos presentes decretos através de outros instrumentos processuais.

4.2. DO CONTROLE CONCENTRADO

Quanto ao controle concentrado de constitucionalidade, este poderia ser provocado através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta por um de seus legitimados legais, na qual seria alegada a inconstitucionalidade dos decretos e relação aos já citados dispositivos da Constituição Federal.

Tais ações objetivas seriam processadas perante o Supremo Tribunal Federal, considerado o fato de que a Constituição Baiana não absorveu em seu texto, ao menos explicitamente, as garantias fundamentais em tela(ampla defesa e contraditório); restando como parâmetro único de controle a Constituição Federal e afastando, por conseguinte, a competência do Tribunal de Justiça.


5. CONCLUSÃO

Considerada a argumentação construída, bem como analisados os fundamentos legais e doutrinários trazidos à baila, conclui-se que a exigência de um procedimento ilegal e descabido, direcionado à vista dos autos de processos administrativos fiscais no estado da Bahia, bem como a cobrança de uma taxa de serviço de valor teratológico para a obtenção de cópias dos mesmos; representa um elemento de desestabilização da ordem jurídica, da dinâmica social e, conseqüentemente, do próprio Estado de Direito; devendo, portanto, serem expurgados da existência jurídica os elementos geradores de tal situação.

A inadequação técnica dos dispositivos apresentados demonstra, de forma clara e inquestionável, que o respeito aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, à idéia de estado democrático de direito e à própria lógica jurídica, foram, simplesmente, ignorados pelos agentes do poder que detiveram o controle do estado da Bahia nas ultimas décadas.

Não houve, sequer, um mínimo esforço em esconder o flagrante interesse secundário e inconstitucional que anima os dispositivos sobre os quais se tratou.


6. Bibliografia

1.                  Machado, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário, Editora Malheiros.

2.                  Cunha Júnior, Dirley da; Curso de Direito Constitucional, Editora JusPodium.

3.                  Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros.

4.                  Cunha Júnior, Dirley da; Controle de Constitucionalidade, Editora JusPodium.

5.                  Didier Júnior, Fredie; Ações Constitucionais. Editora JusPodium.

6.                  Theodoro Júnior, Humberto; Curso de Direito Processual Civil, V. I, Editora Forense.


Notas

[1] Theodoro Júnior, Humberto; Curso de Direito Processual Civil, V. I, Editora Forense; p. 49

[2] Machado, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário, Editora Malheiros; p. 465

[3] Cunha Júnior, Dirley da; Curso de Direito Constitucional, Editora JusPodium; p.215/216

[4] Cunha Júnior, Dirley da; Curso de Direito Constitucional, Editora JusPodium; p. 677

[5] Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros; p. 487

[6] Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros; p. 483

[7] Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros; p. 485

[8] Cunha Júnior, Dirley da; Curso de Direito Constitucional, Editora JusPodium; p. 221

[9] Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros; p. 329

[10] Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros; p. 331

[11] Machado, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário, Editora Malheiros; p. 63

[12] Machado, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário, Editora Malheiros; p. 403

[13] Machado, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário, Editora Malheiros; p. 407/408

[14] Machado, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário, Editora Malheiros; p. 408

[15] Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros; p. 73

[16] Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros; p. 63

[17] Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros; p. 56

Sobre o autor
Marcos de Andrade Stallone

Graduação em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2008), especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (2010) e especialização em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Atualmente é sócio do escritório Tawil, Ribeiro e Stallone Advocacia e Consultoria e professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STALLONE, Marcos Andrade. O cerceamento do direito de defesa nos processos administrativos fiscais do estado da Bahia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3325, 8 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22367. Acesso em: 22 nov. 2024.

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