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Duração razoável do processo: dilações devidas e indevidas

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Agenda 26/09/2012 às 08:47

Comenta-se o princípio da duração razoável do processo, propondo-se critério para avaliação da razoabilidade do dispêndio de tempo. Cabe ao juiz avaliar as causas que conduziram ao dispêndio do tempo, distinguindo as dilações processuais indevidas das devidas.

Resumo: Neste artigo comenta-se o princípio da duração razoável do processo, propondo-se critério para avaliação da razoabilidade do dispêndio de tempo. Tal critério recomenda que o operador do Direito, diante de uma questão que envolva o tempo necessário para o desempenho da atividade processual, ao lado de estar ciente de que a duração razoável do processo é uma das garantias mínimas que estruturam a cláusula geral do devido processo legal, perscrute, escrupulosamente, as causas que conduziram ao dispêndio do tempo, distinguindo as dilações processuais indevidas das devidas.

Palavras-chave: Duração razoável – Prazo – Dilações processuais.

Sumário: 1. Consideração introdutória – 2. Duração razoável do processo no sistema normativo constitucional – 3. Reflexos da duração razoável do processo nas atividades cognitiva e executiva: 3.1 Prazo razoável para a completa resolução das questões que integram o mérito da causa; 3.2. Prazo razoável para a entrega do bem da vida ao seu titular – 4. Critério para a avaliação da razoabilidade do prazo de duração do processo: 4.1 Dilações processuais devidas: 4.1.1 Dilações resultantes do exercício de direitos constitucionalmente assegurados; 4.1.2 Dilações resultantes da prática de atos obrigatórios; 4.1.3 Dilações resultantes de circunstâncias endoprocessuais; 4.1.4 Dilações resultantes de circunstâncias exoprocessuais; 4.2 Dilações processuais indevidas – 5. Conclusão.


1. Consideração introdutória

A duração razoável do processo é uma das garantias mínimas que estruturam a cláusula geral[1] do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).  Por meio dela, é assegurado o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas.

E se a razoabilidade do prazo de duração de um processo está atrelada à inexistência de dilações indevidas, é inevitável reconhecer que há dilações que são devidas.

O nosso objetivo, neste artigo, é fixar bases que contribuam para a identificação dos traços distintivos entre as dilações processuais devidas e as indevidas.


2. Duração razoável do processo no sistema normativo constitucional

A inserção da referência expressa à duração razoável do processo no texto da Constituição da República se deu por força da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, que acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Independentemente da data da inserção no texto da Constituição Federal, a verdade é que o direito fundamental à duração razoável do processo de há muito já estava assegurado pelo sistema normativo constitucional.

Efetivamente, a conclusão a respeito da existência dessa garantia pode ser extraída a partir da análise, pela ótica temporal, da garantia da inafastabilidade da jurisdição, que, igualmente, integra o elenco das garantias mínimas que estruturam a cláusula geral do devido processo legal.  

Como sabido, a garantia da inafastabilidade da jurisdição é antiga no nosso sistema jurídico e a sua materialização somente é possível se o Estado puder prestar uma tutela jurisdicional adequada ao caso sob apreciação.

Diante disto, não é preciso qualquer esforço para se concluir que a prestação de uma tutela jurisdicional adequada pressupõe uma adequação temporal, de modo que se o processo houver sido submetido a dilações indevidas, não terá havido uma adequada tutela.

Assim, é fácil inferir que a duração razoável do processo é, em última análise, corolário do devido processo legal e consequência lógica da garantia da inafastabilidade da jurisdição.  Por tais motivos, a sua integração ao sistema normativo constitucional é, repita-se, anterior à inserção, no texto da Constituição da República, do inciso LXXVIII do art. 5º.

Além disto, o Pacto de São José da Costa Rica, assinado em 22 de novembro de 1969, tendo entrado em vigor internacional em 18 de julho de 1978 e, para o Brasil, em 25 de setembro de 1992[1], dispõe, expressamente, no seu artigo 8, item 1, ao tratar das chamadas garantias judiciais, que os "direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza" devem ser determinados "com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável".  A mencionada convenção internacional, de aplicação imediata, tem eficácia equivalente à de uma emenda constitucional (CF, art. 5º, §§ 1º a 3º).

A conclusão, portanto, é a de que o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas não passou a ser assegurado a partir da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004.  Trata-se de uma antiga garantia constitucional.


3. Reflexos da duração razoável do processo nas atividades cognitiva e executiva [2]

Nenhuma dúvida pode haver de que todo processo deve ter duração razoável. 

O que é preciso ficar claro, porém, é que a atenção ao aspecto temporal não pode, em nenhuma hipótese, desestimular a coragem para remover os óbices formais passíveis de extirpação, de modo a que as questões que integram o mérito da causa sejam resolvidas. 

Ao lado disso, a duração razoável do processo não pode se limitar à composição formal do conflito de interesses.  Ela deve também ser observada durante a prática dos atos de natureza executiva, voltados para a efetiva entrega do bem da vida ao seu titular.

3.1. Prazo razoável para a completa resolução das questões que integram o mérito da causa.

Não é suficiente que se preconize, apenas, que os processos devam ter duração razoável, uma vez que é socialmente antieconômica a rápida tramitação de um processo que chegue ao fim sem que as questões que integram o mérito da causa sejam apreciadas, quando se constatar que, com mais algum esforço, os embaraços à completa e justa apreciação do mérito podem ser removidos.

Assim, na resolução das questões que envolvam a razoabilidade da duração do processo, deve-se, sempre, levar em consideração as situações em que, com mais algum dispêndio de energia – e, portanto, inevitavelmente, de tempo – for possível afastar eventuais óbices formais para que as questões que integram o mérito da causa possam ser resolvidas.

Neste passo, é de suma importância anotar que este direito é indissociável do dever, de todos os sujeitos da relação jurídica processual – aí incluídas, por óbvio, as partes –, de cooperar para que para que se obtenha, com efetividade e em tempo razoável, a justa solução do mérito da causa.

Por isto, é inelutável a conclusão de que a efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo exige que todos os integrantes da relação jurídica processual cooperem para que os eventuais óbices à admissibilidade do exame do mérito sejam superados e que, com isto, as questões que integram o mérito da causa sejam, todas elas, resolvidas num prazo aceitável.

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3.2.Prazo razoável para a entrega do bem da vida ao seu titular.

Mais do que resolver as questões que integram o mérito da causa, também a atividade satisfativa – aquela que se dá por meio dos diversos procedimentos executivos – deve ser levada a cabo dentro de um prazo moderado.

Assim, se a resolução das questões que integram o mérito da causa implicar a prática de atos voltados para a satisfação do direito cuja existência foi certificada, o cumprimento da obrigação consubstanciada no título executivo judicial também deverá se dar em prazo razoável.  O mesmo deverá ocorrer com a execução fundada em título extrajudicial.

Aqui, igualmente, não é possível olvidar o vínculo indissociável entre este direito e o dever – a ser cumprido também pelas partes –, de cooperar para a efetividade do processo.

É com base no dever de cooperação que o legislador, por exemplo, considera atentatório à dignidade da justiça o ato do executado que, intimado, não indica ao juiz, no prazo de cinco dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos a penhora, declinando os seus respectivos valores (CPC, art. 600, IV).


4. Critério para avaliação da razoabilidade do prazo de duração do processo.

Desborda os limites do nosso objetivo a realização de um exame aprofundado a respeito do postulado da razoabilidade[3] e de uma das suas aplicações no campo processual, especificamente no que concerne à duração do processo.

Neste ponto, cumpre registrar, apenas, que a avaliação da razoabilidade do prazo de duração de um processo está a anos-luz de distância da simples operação aritmética consistente na soma dos prazos previstos nas normas de regência para que seja praticado um conjunto padrão de atos, compreendido, por exemplo, entre o momento da propositura da demanda e o ato final do procedimento[4].

Com efeito, a análise da razoabilidade da duração de um processo somente pode ser feita à luz da chamada doutrina do não-prazo[5], segundo a qual o prazo razoável para que a justiça seja realizada é aquele necessário e suficiente para que uma decisão justa seja proferida no caso concreto.

Diante disto, alguns aspectos de ordem eminentemente prática devem ser pontuados, de modo a permitir a identificação de bases lógicas para avaliar, num caso concreto[6], se a dilação a que está submetido um processo pode ser considerada devida ou indevida.

4.1. Dilações processuais devidas.

A duração do processo não deixará de ser razoável se, apesar de ele se alongar, o alongamento resultar de fatores inevitáveis.

É que, na irrefutável lição de FREDIE DIDIER JR., "o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional".  Com efeito, ao se reconhecer "a existência de um direito fundamental ao devido processo, está-se reconhecendo, implicitamente, o direito de que a solução do caso deve cumprir, necessariamente, uma série de atos obrigatórios, que compõem o conteúdo mínimo desse direito.  A exigência do contraditório, o direito à produção de provas e aos recursos certamente atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas.  É preciso fazer o alerta, para evitar discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor.  Os processos da Inquisição poderiam ser rápidos.  Não parece, porém, que se sinta saudade deles"[7].

À vista disto, e sem a fantasia de elaborar uma sistematização completa, é de todo útil fazer referência às principais dilações processuais que, por inevitáveis, são devidas.

Elas podem ser divididas em quatro grupos: (i) o das dilações resultantes do exercício de direitos constitucionalmente assegurados; (ii) o das dilações resultantes da prática de atos obrigatórios, (iii) o das dilações resultantes de circunstâncias endoprocessuais e (iv) o das dilações resultantes de circunstâncias exoprocessuais.

4.1.1. Dilações resultantes do exercício de direitos constitucionalmente assegurados.

A ordem constitucional assegura a todos os sujeitos da relação jurídica processual interessados na construção do panorama no qual será proferida uma decisão, qualquer que seja ela, o exercício, na plenitude, do direito ao contraditório, do direito à produção de provas e do direito de recorrer. 

Por óbvio, a prática dos atos indispensáveis para que tais direitos sejam exercitados implica dispêndio de tempo. 

Assim, toda dilação processual resultante do exercício de direitos constitucionalmente assegurados é, na essência, uma dilação devida.

4.1.2. Dilações resultantes da prática de atos obrigatórios.

Como sabido, o processamento de uma causa impõe a prática de atos obrigatórios, para os quais há prazos legalmente previstos.  A necessidade da prática de tais atos decorre, em geral, da busca da segurança jurídica.

É o que se dá, por exemplo, quando o sistema jurídico determina que, do processo, participe o Ministério Público, na qualidade de fiscal da ordem jurídica (art. 82).  Neste caso, em cada oportunidade de abertura de vista dos autos, o prazo para manifestação do Ministério Público somente tem início depois que o seu representante for pessoalmente intimado.

Também são exemplos de atos obrigatórios, geradores de dilações devidas, voltados para a preservação da segurança jurídica, a nomeação de curador especial ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não constituir advogado (art. 9º, II), e a fixação, pelo juiz, na citação por edital, do prazo editalício, que varia entre vinte e sessenta dias (art. 232, IV).

O só fato de ser realizada uma perícia no curso de um procedimento pode importar a prática de significativa sequência de atos obrigatórios.  

Efetivamente, nomeado o perito, as partes devem ser intimadas para indicar assistentes técnicos e apresentar quesitos (art. 421, § 1º), estando o início das diligências e/ou exames a cargo do expert vinculado à prévia ciência, às partes, da data e do local para tanto designados (art. 431-A). 

Acresça-se, a este quadro, a possibilidade de apresentação de quesitos suplementares (art. 425) e de quesitos explicativos (art. 435), além da apresentação, pelos assistentes técnicos, dos seus respectivos pareceres sobre o laudo (art. 433, parágrafo único).

São plenamente perceptíveis, pois, os fortes reflexos que a produção da prova pericial produz sobre a duração de um processo, ainda mais se se tornar necessária uma segunda perícia sobre os mesmos fatos (arts. 437 e 438).  Assim, não é possível – definitivamente, não é possível – negar que as dilações daí resultantes sejam devidas.

Nesta mesma linha, há inúmeros atos obrigatoriamente praticados pelos auxiliares da justiça, como a lavratura dos diversos termos (art. 168), a elaboração de ofícios, mandados e cartas e o envio, ao réu citado com hora certa, de carta ou telegrama (art. 229).

E não só ao escrivão ou ao chefe de secretaria judicial incumbe praticar atos obrigatórios, pois é possível que atos deste tipo fiquem a cargo, por exemplo, do oficial de justiça, do perito, do depositário, do administrador, do intérprete, do tradutor, do conciliador judicial, do partidor, do distribuidor e do contabilista.

A conclusão, pois, é uma só: se a dilação processual for fruto da prática de atos obrigatórios, tratar-se-á, obviamente, de dilação devida.

4.1.3. Dilações resultantes de circunstâncias endoprocessuais.

Ao lado das dilações processuais que decorrem do exercício de direitos constitucionalmente assegurados e da prática de atos obrigatórios, é encontradiça a dilação fruto da ocorrência de situações peculiares a determinados processos, em certas etapas do procedimento.  Estas são as dilações resultantes de circunstâncias internas.  Endoprocessuais, pois.

De fato, há processos com peculiaridades que fatalmente conduzem a um procedimento mais longo, e nem por isto de duração irrazoável.

Dentre as várias situações que poderiam ser listadas, a complexidade da matéria fática, a formação de litisconsórcios, a multiplicidade de substituídos processuais e a sucessão da parte em razão de morte ocorrida no curso do procedimento, pela frequência com que ocorrem, assumem especial importância, pois, quando estão presentes, invariavelmente produzem forte dilação processual.

As dilações ocorridas nestes casos, como veremos, são devidas.

Quanto à complexidade da matéria fática, está ela indissoluvelmente agregada ao direito fundamental à produção de provas, o que conduz, invariavelmente, a uma sequência mais longa de atos instrutórios, com repercussão na duração do processo.

Quadros como este ocorrem, por exemplo, quando é indispensável a produção de uma prova pericial complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, caso em que pode ser nomeado mais de um perito, com a consequente multiplicação do número de assistentes técnicos (art. 431-B).  O mesmo se dá quando se faz necessária a ouvida de significativo número de testemunhas.

Tais situações se agravam ainda mais quando surgem incidentes instrutórios, como a escusa do perito ou a sua recusa pelas partes (art. 423), e quando há necessidade de cooperação jurídica nacional, por meio da expedição de cartas de ordem ou precatória, ou, o que é ainda mais grave, internacional, por intermédio da expedição de carta rogatória (arts. 202 a 212).

A formação de litisconsórcios também tem inegável potencial para produzir situações de dilação devida, mesmo que possa ser limitado o número de litisconsortes (art. 46, parágrafo único).  É que, independentemente da espécie de litisconsórcio, a cada um dos litisconsortes devem ser assegurados os direitos ao contraditório, à produção de provas e ao uso das vias recursais, o que, por óbvio, tem amplo potencial para gerar aumento no número de atos do processo.

Outrossim, a experiência demonstra que nos autos em que há muitos substituídos processuais são fortes as chances de ocorrência de dilações devidas, mormente quando são discutidos direitos individuais homogêneos.  Em processos deste tipo, significativa parcela do tempo comumente ganho na resolução das questões que integram o mérito da causa, durante a etapa da certificação do direito (afinal, por meio de um só julgamento, diversos conflitos individuais são resolvidos), é, depois, perdida com dilações devidas, na etapa da entrega do bem da vida a cada um dos titulares, tendo em vista que o comum é a existência de multiplicidade de situações individuais, a exigir do órgão julgador tratamento individualizado.

Por fim, se no curso do procedimento ocorrer a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou por aqueles que forem identificados como seus sucessores (art. 43), o que implica, quase sempre, a suspensão da prática dos atos do procedimento (art. 265, I).  Fatos como este conduzem à necessidade de demonstração da regularidade da representação processual do espólio e/ou da exibição do título de sucessor, o que importa na prática de atos que fatalmente geram dilação processual.  A dilação, neste caso, é, a todos os olhos, devida.

4.1.4. Dilações resultantes de circunstâncias exoprocessuais.

Há circunstâncias externas ao processo – exoprocessuais, portanto – que, por mais que fosse desejável que não ocorressem, não podem ser esquecidas. 

Demais disso, a sua inevitabilidade, quando considerado o caso concreto, leva a que as pessoas de bom senso concluam pela razoabilidade da distensão temporal do processo.

Situações deste tipo comumente atingem as partes, os seus procuradores, os membros do Ministério Público, os auxiliares da justiça e o órgão julgador.

Assim é que, no que se refere às partes e aos seus procuradores, não é rara a ocorrência de situações em que a prática de um ato processual pela parte, por intermédio do seu procurador, provoca dilação.  Imagine-se, apenas a título de exemplo, que uma das partes, apresentando justo motivo, requeira a remarcação da data em que se realizará uma audiência ou que a parte a quem interessa a intimação pessoal, por mandado, de alguém, requeira ao juiz, motivadamente, mais prazo para que possa ela obter o endereço em que a diligência deverá ser cumprida.

Quanto ao Ministério Público, também não é incomum que situações inevitáveis sejam por ele protagonizadas, tal como se dá quando, em razão da falta de provimento de cargos, um só membro da instituição esteja atuando junto a mais de um órgão julgador.  Este quadro, por vezes, resulta em dilações processuais. Basta lembrar que a impossibilidade de comparecimento do representante do Ministério Público gera a frustração da realização de audiências em processos nos quais a participação do órgão é indispensável.

De sua vez, não se ignora que a atuação do órgão jurisdicional – aí incluídos os auxiliares da justiça e os magistrados – é, de longe, o fator mais apontado como causa de dilações processuais indevidas.

Todavia, o bom senso repugna que a dilação resultante da inércia pura e simples – aquela inércia patológica, consequência do ócio, da indolência – seja confundida com a impossibilidade fática facilmente identificável pela presença de fatores objetivos.

Há impossibilidade fática objetiva, por exemplo, quando magistrados respondem por mais de um órgão julgador simultaneamente.  Isto pode se dar quando se torna ele responsável pela condução dos trabalhos em mais de uma unidade, todas situadas na mesma base territorial ou, o que é ainda pior, em bases territoriais distintas. 

Também a acumulação das atividades jurisdicionais comuns com a jurisdição eleitoral tem forte potencial para gerar dilações, ainda mais se se considerar que, de um modo geral, as demandas eleitorais, por força de lei, devem ser processadas com preferência sobre as demandas cíveis[8].

Em acréscimo, por mais que sejam registradas incompreensões por aqueles que apenas conhecem o Poder Judiciário externamente, é impossível negar que se houver excesso de processos em curso as dilações processuais daí decorrentes são, sim, justificáveis.

Por óbvio, o excesso de que se trata não pode ser aquele que é fruto da falta de boa vontade do magistrado para julgar.  De fato, se a baixa produtividade for motivada pelo descaso no cumprimento dos deveres funcionais e o excesso de processos decorrer desse quadro indesejável, as dilações resultantes dessa circunstância externa não podem, jamais, ser consideradas devidas.

Situação completamente distinta, porém, é a que é fruto da impossibilidade de a administração judiciária prover determinada base territorial com mais órgãos julgadores e/ou com mais auxiliares da justiça, sobrecarregando a estrutura existente, insuficiente para atender à demanda. 

As dilações processuais resultantes desse conjunto, por mais que, no plano da administração da justiça, possam ser rotuladas de indevidas (afinal, os jurisdicionados não podem ser responsabilizados pela falta de estrutura do Poder Judiciário), são, quando examinadas no contexto específico em que o processo está tramitando, inegavelmente justificáveis e, por isto mesmo, devidas.

4.2. Dilações processuais indevidas.

A ausência de razoabilidade no prazo de duração de um processo se caracteriza pela ocorrência de dilações indevidas.

Assim, de um lado, a duração do processo não deixará de ser razoável se, apesar de ele se alongar, o alongamento resultar de fatores inevitáveis.  De outro, entretanto, não haverá razoabilidade se as causas das dilações puderem ser evitadas.

Por isto, cabe ao magistrado, ao membro do Ministério Público ao atuar como fiscal da ordem jurídica, aos Defensores Públicos, aos advogados, às partes, a todos os auxiliares da justiça e a quem mais participe, de qualquer forma, do processo, adotar todas as providências para que o procedimento não se submeta a dilações indevidas.

Tais providências podem ser resumidas no cumprimento, pelos diversos sujeitos da relação jurídica processual, do dever de cooperação.

De fato, a maior ou menor disposição, dos diversos sujeitos do processo, para cooperar entre si e com o Poder Judiciário, repercute fortemente no prazo de duração do procedimento.

Não é por outro motivo que o modelo processual traçado no CPC impõe que todos cumpram o dever de cooperação, zelando por uma atmosfera processual em que predominem as garantias mínimas que estruturam a cláusula geral do devido processo legal, a boa-fé objetiva processual e o contraditório adequadamente redimensionado.

A falta de predomínio dessa atmosfera de cooperação contribui, decisivamente, para que as questões que integram o mérito da causa não sejam resolvidas num prazo razoável e também para que não seja razoável o prazo para que chegue ao fim a atividade satisfativa.

O clima de excessiva litigiosidade entre as partes, a prática de atos contrários à boa-fé objetiva processual, o descumprimento injustificável de prazos, a má estruturação da forma de prestação dos serviços judiciários e a inércia pura e simples do aparelho estatal são as causas mais comuns de dilações processuais indevidas.

Sobre os autores
Pablo Stolze Gagliano

Juiz de Direito. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Professor da Universidade Federal da Bahia. Co-autor do Manual de Direito Civil e do Novo Curso de Direito Civil (Ed. Saraiva).

Salomão Viana

Graduado em Medicina, em 1985, pela Universidade Federal da Bahia. Graduado em Direito, em 1987, pela Universidade Católica do Salvador. Especialista em Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Advogado, de 1987 a 1991. Juiz de Direito do Estado da Bahia, de 1991 a 1994. Juiz Federal Substituto na Seção Judiciária da Bahia, de 1994 a 1998. Juiz Federal na Seção Judiciária da Bahia, de 1998 até a presente data. Juiz do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia de outubro/2009 a outubro/2011. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia desde o ano de 1995 e Professor do Brasil Jurídico Ensino de Alta Performance. Palestrante e autor de vários artigos na área.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAGLIANO, Pablo Stolze; VIANA, Salomão. Duração razoável do processo: dilações devidas e indevidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3374, 26 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22695. Acesso em: 24 nov. 2024.

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