3 FINANCIAMENTO DE CAMPANHA NO BRASIL
3.1 – O modelo atualmente adotado no Brasil
O financiamento de campanhas eleitorais em nosso país é regido atualmente pela Lei das Eleições (Lei 9.504/97), nos artigos 17 a 27, que tratam da arrecadação e da aplicação de recurso nas campanhas. Dada a relevância de tais artigos para o estudo em questão, convém a transcrição de alguns deles:
Art. 17. As despesas da campanha eleitoral serão realizadas sob responsabilidade dos partidos, ou dos candidatos, e financiadas na forma da lei;
Art. 17-A. A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade.
[...]
Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo comitê, inclusive os relativos à quota do Fundo Partidário, recurso próprios ou de doações de pessoas físicas ou jurídicas, na forma estabelecida nesta lei.
[...]
Art. 23. A partir do registro dos comitês financeiros, pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.
[...]
Art. 27. Qualquer eleitor poderá realizar gastos, em apoio a candidato de sua preferência, até a quantia equivalente a um mil UFIR, não sujeitos a contabilização, desde que não reembolsados.
No Brasil, como podemos notar, vigora oficialmente o sistema de financiamento privado das campanhas eleitorais, mas na prática o que se vê é a combinação do financiamento privado das campanhas com algum grau de financiamento público, ou seja, o modelo que contempla a transferência de recursos públicos e a utilização de recursos privados, na medida em que há o Fundo Partidário provido pelo Tesouro, o acesso gratuito ao rádio e à televisão para o processo eleitoral e, ainda, a possibilidade de descontos tributários por parte das emissoras para veicularem a propaganda eleitoral.
A Lei n° 4.740 de 1965, o Código Eleitoral, criou as primeiras regras de financiamento aos partidos políticos e instituiu o fundo especial de assistência financeira aos partidos políticos, composto das multas eleitorais, de contribuições de particulares e outros recursos que eram repassados à Justiça Eleitoral, via orçamento da União, e, posteriormente, aos dois partidos políticos existentes à época - Arena e MDB.
A Lei 9.096/95, atual Lei dos Partidos Políticos, manteve o referido fundo como podemos observar da leitura do art. 38, in verbis:
Art. 38. O Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por
I-multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código. Eleitoral e leis conexas;
II-recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual;
III–doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo partidário;
IV - dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995; c) de doações de pessoas.
Importante mencionar, ainda, a Lei 11.300/2006, denominada “Minireforma eleitoral”, elaborada após o escândalo, eclodido em 2005, das denúncias de uso de “caixa dois” nas campanhas eleitorais, que alterou alguns artigos da Lei das Eleições, a já mencionada Lei n° 9.504/97, buscando, sobretudo reduzir os custos das campanhas. Como menciona Olivia R. da Silva Telles:
O art. 1º dessa lei insere um art. 17-A na Lei das Eleições, pelo qual em todo ano eleitoral um limite de gastos de campanha é fixado por lei para os cargos em disputa. O dispositivo foi no entanto enfraquecido pela previsão de que, caso a lei não seja editada até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos e comunicá-lo à Justiça Eleitoral, tal como previa a Lei das Eleições.(TELLES, 2009, p.43)
Além dos recursos advindos do Fundo, temos como forma de financiamento público de campanhas o acesso ao rádio e à televisão, como podemos verificar no art. 17, §3° da C.F. e na Lei das Eleições em seu art. 47 e no Código Eleitoral, em seu art. 251, abaixo transcritos:
Art. 17 [...]
§3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.
Art. 47.As emissoras de rádio e de televisão e os canais de televisão por assinatura mencionados no art. 57 reservarão, nos quarenta e cinco dias anteriores à antevéspera das eleições, horário destinado à divulgação, em rede, da propaganda eleitoral gratuita, na forma estabelecida neste artigo.
Art. 251. No período destinado à propaganda eleitoral gratuita não prevalecerão quaisquer contratos ou ajustes firmados, pelas empresas que possam burlar ou tornar inexeqüível qualquer dispositivo deste Código ou das instruções baixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Temos, então, um sistema de financiamento complexo. No Brasil não há teto de gastos dos partidos em relação às campanhas o que torna nosso sistema frágil, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos e na França como já abordado.
A Lei 9.504/97 limita somente que os partidos políticos devem comunicar, no pedido de registro de candidatura, os valores máximos de gastos que efetuarão na campanha, como podemos inferir do art. 18, abaixo transcrito:
Art. 18 No pedido de registro de seus candidatos, os partidos e coligações comunicarão aos respectivos Tribunais Regionais os valores máximos de gastos que farão por cargo eletivo em cada eleição a que concorrerem, observados os limites estabelecidos, nos termos do art. 17-A desta lei. (grifo nosso)
Em razão conta desta falta de limites proporcionar um espaço de doação que pode ser legalmente ultrapassado como prevista na Lei dos Partidos Políticos no seu art. 39, a doação direta a qualquer diretório como podemos notar, in verbis:
Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos.
§1° As doações de que trata este artigo podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual e municipal, que remeterão, à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido, o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, juntamente com o balanço contábil.
§2° Outras doações, quaisquer que sejam, devem ser lançadas na contabilidade de partido, definidos seus valores em moeda corrente.
Outro fator que contribui para a falta de controle pode ser exemplificada com a na revogação de artigos que estabeleciam teto para doação por município. Como não existe mais tal proibição, volta-se à sonegação de recurso brando.
Dispomos, ainda, de um rol exemplificativo do que o Estado brasileiro considera gastos eleitorais e que devem figurar nas contas das campanhas, disposto no art. 26 da Lei das Eleições, com redação dada pela Lei n° 11.300/2006, a seguir transcrito:
Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei:
I - confecção de material impresso de qualquer natureza e tamanho;
II – propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a conquistar votos;
III – aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;
IV - despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas;
V – correspondência e despesas postais;
VI – despesas de instalação, organização e funcionamento de Comitês e serviços necessários às eleições;
VII – remuneração ou gratificação de qualquer espécie a pessoal que preste serviços às candidaturas ou aos comitês eleitorais;
VIII – montagem e operação de carros de som de propaganda e assemelhados;
IX – a realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidaturas;
X – produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;
XI – (Revogado pela lei n° 11.300/06)
XII – realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;
XIII - (Revogado pela lei n° 11.300/06)
XIV – aluguel de bens particulares para veiculação, por qualquer meio, de propaganda eleitoral;
XV – custos com a criação e inclusão de sítios na Internet;
XVI – multas aplicadas aos partidos ou candidatos por infração do disposto na legislação eleitoral.
XVII – produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral.
Apesar de não termos um teto de gastos para o candidato, a lei limita os gastos que são feitos pelos eleitores tendo como limite 1.000 UFIR. Este valor não é incluído nas prestações de contas desde que não sejam reembolsados. Inexiste um controle, como frisado por Olivia R. da Silva Telles (2009, p. 49) do que seja “gastos eleitorais feitos por eleitores com ou sem aprovação do candidato, coordenados ou não com a campanha, o que pode levar à perda de controle público sobre os gastos de campanha”.
Esta confusão (ou fusão de diferentes tipos de financiamento, sem previsão legal para tal, acarreta a fragilidade de fiscalização de gastos no âmbito atual de nossas campanhas, daí porque tanto se tem falado na necessidade urgente de uma reforma política tão almejada, porém sempre postergada!
3.2 - A reforma política e as novas perspectivas do financiamento
O Projeto de Lei n° 2.679/2003, de relatoria do deputado federal goiano Ronaldo Caiado, objetiva a modificação de alguns pontos cruciais do nosso sistema eleitoral como a adoção de listas eleitorais fechadas e do financiamento público de campanha. Analisando o Projeto podemos observar que o mesmo tem como meta maior reforçar a importância dos partidos.
A implementação destas listas partidárias pré-ordenadas aconteceria juntamente com a mudança no regime de coligações, que passariam a ser federação partidária, que vem a ser uma nova figura equiparada aos partidos nas palavras de Eurico A. G. Cursino dos Santos[10] (2004, p.18): “espécie de coligação duradoura, que só pode ser feita até quatro meses antes das eleições, por partidos com registro definitivo, e deve durar ao menos três anos”.
O ponto da Reforma que nos interessa no presente trabalho é a modificação do sistema de custeio das campanhas. Deixemos claro que a idéia de financiamento exclusivo público já havia sido objeto de outros projetos em tramitação nas Casas Legislativas, dos quais o atual aproveitou os pontos básicos.
Pela proposta da PL N° 2.679/03, as despesas eleitorais serão realizadas sob responsabilidade dos partidos e federações. Esta última equiparada aos partidos em relação aos gastos de campanha. Outro ponto importante é que a lei orçamentária no ano eleitoral terá dotação equivalente ao numero de eleitores em 31 de dezembro do ano anterior, multiplicado por sete reais, o que seria, em números atuais, cerca de novecentos milhões de reais à disposição das campanhas.
O Tribunal Superior Eleitoral faria a distribuição dos recursos às direções nacionais dos partidos, endereçando o montante através da utilização dos seguintes critérios: um por cento dividido igualmente entre todos os partidos com estatutos registrados na Corte Superior; catorze por cento divididos igualitariamente entre todos os partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados e, por fim, oitenta e cinco por cento, divididos proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição geral para a Câmara.
Tais recursos deveriam ser utilizados seguindo a discriminação apontada no Projeto, cujo inteiro teor encontra-se no anexo deste estudo. Para melhor compreensão, vejamos parte do art. 17 que abaixo transcrevemos:
§ 5º Os recursos destinados a cada partido ou federação deverão aplicar-se de acordo com os seguintes critérios:
I – nas eleições presidenciais, federais e estaduais, quando o partido ou a federação tiverem candidato próprio a Presidente da República, os diretórios nacionais dos partidos políticos e a direção nacional de cada federação reservarão trinta por cento dos recursos para sua administração direta;
II – se o partido ou federação não tiver candidato próprio a Presidente da República, mesmo concorrendo em coligação, os respectivos diretórios nacionais reservarão vinte por cento dos recursos para sua administração direta;
III – nas hipóteses dos incisos I e II, os diretórios nacionais dos partidos ou federações distribuirão os recursos restantes aos diretórios regionais, sendo:
a) metade na proporção do número de eleitores de cada Estado, do Distrito Federal e de cada Território; e
b) b) metade na proporção das bancadas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, que o partido ou federação elegeu para a Câmara dos Deputados.
II – nas eleições municipais, os diretórios nacionais dos partidos políticos ou a direção nacional de cada federação reservarão dez por cento dos recursos para sua administração direta e distribuirão os noventa por cento restantes aos diretórios regionais, conforme critérios estabelecidos nas alíneas a e b do inciso I.
III – dos recursos recebidos pelos diretórios regionais, dez por cento serão reservados para a sua administração direta e os noventa por cento restantes serão distribuídos aos diretórios municipais, sendo:
a) a) metade na proporção do número de eleitores do município; e
b) b) metade na proporção do número de vereadores eleitos pelo partido político ou federação, no município, em relação ao total de vereadores eleitos pelo partido político ou federação no Estado.(NR)
O ponto capital no Projeto é o da exclusividade desse financiamento na campanha. O art. 20 da Lei das Eleições passaria, em princípio, a ter a seguinte redação:
Art. 20. O partido, coligação ou federação partidária fará a administração financeira de cada campanha, usando unicamente os recursos orçamentários previstos nesta Lei, e fará a prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral, aos Tribunais Regionais ou aos Juizes Eleitorais, conforme a circunscrição do pleito.
§ 1º Fica vedado, em campanhas eleitorais, o uso de recursos em dinheiro, ou estimáveis em dinheiro, provenientes dos partidos e federações partidárias e de pessoas físicas e jurídicas.
Como podemos perceber, na atual redação da Lei das Eleições é o candidato que administra financeiramente a sua campanha. No Projeto, seria a coligação ou a federação e somente os recursos orçamentários previamente estipulados poderiam ser utilizados, nada de recursos próprios ou doações de pessoas físicas ou jurídicas.
Uma questão interessante consoante os críticos que analisam com propriedade o Projeto, é que a proposta de financiamento exclusivo só poderia ser efetivada com sucesso através da instituição de listas preordenadas, ou seja, o partido teria uma lista de candidatos que concorreriam à eleição e poderiam receber os recursos do Fundo Partidário. Esta modalidade de votação é adotada em diversos países. A vantagem seria uma votação mais partidária, mas que, em nosso país, talvez não obtivesse êxito devido o costume de se votar no candidato sendo, inclusive, uma das razões, juntamente com a oligarquização da vida partidária, da resistência desta proposta no meio político.
A alternativa que vem sendo estudada é adotar o sistema exclusivamente público, inicialmente nas eleições majoritárias, uma vez que são as mais caras e de maior visibilidade. Na realidade, o que deveria ser estabelecido é um maior rigor no teto de gastos e nas campanhas proporcionais.
Estas medidas encontram respaldo nas palavras do Prof. Thales Tácito P. L. de Pádua Cerqueira :
“... necessária, pois, uma central em cada zona eleitoral, composta de peritos contábeis, de fiscalização de valores gastos e comprovados, com tabelas orçamentárias de preço de mercado, previsão de procedimento de impugnação de contas surrealistas com rápido julgamento, prevendo a cassação do registro ou diploma e inelegibilidade, etc.” (CERQUEIRA, 2004, p. 1464).
Conjuntamente com uma rigidez na fiscalização dos gastos, deveria ser adotada juridicamente uma corrente mais moderna do Direito Eleitoral, no qual a moralidade seria fator primordial para obter condição de elegibilidade. Esta medida não oneraria os cofres públicos e eliminaria da vida pública grande parte de políticos, como ensina o Prof. Thales Tácito (Revista Consulex, junho 2008): “[...] a tese da moralidade como condição de elegibilidade implícita, a solução será eficaz e sem qualquer comprometimento com políticas públicas”.
É o que se tem chamado, no mundo jurídico eleitoral, de Justiça Corretiva uma Justiça mais atrelada a preservação da moralidade política. Tal Justiça tem renomados juristas a ela adeptos, demonstrando a evolução do Direito Eleitoral Pátrio.