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Praticabilidade tributária

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Agenda 21/10/2012 às 15:00

4 INSTRUMENTOS DE APLICAÇÃO DA PRATICABILIDADE

Aqui serão retratados os vários mecanismos de efetivação da praticabilidade, voltando-se especialmente aos seus fundamentos e, com base em exemplos práticos de sua aplicação, tanto legal quanto ilegalmente, a análise de sua observância aos limites já estudados.

Antes de mais nada, cabe observar a implicação desses instrumentos na regra-matriz de incidência tributária, principalmente nos aspectos material, pessoal e quantitativo da hipótese de incidência tributária, nos moldes da análise de Regina Helena Costa.

No que concerne ao aspecto material, vê-se a importância da praticabilidade quando da complexidade em reduzir o mundo fático à hipótese de incidência tributária. A autora atenta ao fato de que, diante do imenso leque de opções  de materialidade do tributo fornecidas ao legislador, somente os expedientes de praticabilidade conseguem abarcar as ‘possibilidades de variação’ das atitudes do potencial sujeito passivo, reduzindo, assim, sua complexidade.

Tal expediente, por conseguinte, terá uma direta implicação no aspecto quantitativo, ou, mais pontualmente, na base de cálculo. Essa, como constituidora da dimensão do aspecto material da hipótese, sofrerá diretamente com a praticabilidade imposta ao critério material.

Tem-se, ainda, sua aplicação no aspecto pessoal da hipótese quando, como citado pela autora, o legislador utiliza-se das figuras de substituição tributária[169].

4.1 ABSTRAÇÕES GENERALIZANTES

Abstrações generalizantes podem ser conceituadas, segundo as lições de Karl Engisch, como os “diversos modos de expressão legislativa que são de molde a fazer com que o julgador (o órgão aplicador do Direito) adquira autonomia em face da lei”[170].

Apesar de aquilo que fora objeto de estudo do primeiro capítulo, especificamente o caráter fechado que é fornecido ao Direito tributário, com a utilização de ‘conceitos especificantes’ (tipos, na denominação clássica), essa seara do Direito não pode abrir mão, por completo, de abstrações.

No intuito de apreender um maior número de situações fáticas, viabilizando um arcabouço satisfatório de critérios materiais, e evitando cair na infinidade de situações de possível ocorrência no mundo concreto, o legislador vê-se obrigado a utilizar tais expedientes, inerentes, claro, à praticabilidade.

Nesse sentido, Estevão Horvath[171] assegura que, ao utilizar-se de presunções e ficções, exemplos clássicos de abstrações generalizantes, os legisladores nada mais fazem do que

[reduzir] a complexidade substancial inerente à matéria tributária, contribuem para atribuir maior segurança jurídica aos destinatários das normas deste campo do Direito, propiciam maior eficácia na arrecadação de tributos, auxiliam no combate à sonegação fiscal, etc.

No mesmo sentido, caminha Paulo Ayres Barreto[172], ao afirmar que

prescinde-se, pois, de atingir a realidade social em sua inteireza, e com o uso de padronizações, presunções e ficções busca-se a configuração de um tipo legal mais simples, médio, padrão, que facilite o reconhecimento da ocorrência do fato jurídico tributário e, consequentemente, a cobrança do tributo devido.

Tecidos tais comentários preliminares, caminha-se à análise dos principais expedientes das abstrações generalizantes, observando, em alguns exemplos, a legalidade de sua aplicação.

4.1.1 Presunções

Precisa a passagem de Alfredo Augusto Becker, quando esse diz que presunção “é o resultado do processo lógico mediante o qual do fato conhecido cuja existência é certa infere-se o fato desconhecido cuja existência é possível”[173].

Na mesma linha, raciocina Roque Carrazza, dizendo que, “quem presume obtém o convencimento antecipado de verdade provável sobre um fato desconhecido, a partir de fatos conhecidos a ele conexos”[174] (grifos no original).

Regina Helena Costa realiza a necessária distinção entre as presunções simples, relativa e absoluta. No entendimento clássico, enquanto a primeira é aquela  que pode ser imaginada por qualquer pessoa, a segunda funda-se no fato de admitir prova em contrário; a terceira, porém, não pode ser colocada à prova.

Já Leonardo Sperb de Paola, dando enfoque inovador à matéria e refutando alguns dos ideais clássicos, assegura residir em outra questão a distinção entre os institutos. Segundo ele, enquanto as presunções absolutas apresentam-se como normas remissivas ou restritivas da hipótese, de modo que tão-somente as relativas dirão respeito à prova, mais especificamente à modificação de seu objeto de prova.

As presunções simples são aquelas que mais se aproximam do conceito clássico de presunção, podendo ser consideradas, por Sperb de Paola[175], como

as ilações tiradas do relacionamento entre um fato conhecido, que, em si, é irrelevante na lida, e um fato desconhecido, cuja existência, pelo contrário, é relevante para o deslindo do processo. […] A presunção simples […] é o resultado do procedimento lógico fundado no indício.

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Assim, leciona a doutrina, a utilização de presunções, ainda que ocasionem uma mitigação de importantes princípios, como da capacidade contributiva, torna-se necessária frente ao fenômeno da ‘tributação em massa’. Casalta Nabais[176] preocupa-se com esse embate entre os princípios, lembrado que

Ora, esta técnica legislativa, movida por legítimas preocupações de simplificação e praticabilidade das leis fiscais, tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova de inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto [sic].

E, justificando a utilização das presunções, Heleno Tôrres traça uma série de casos em que tal mecanismo torna-se imprescindível, quais sejam, (i) os fatos que originam as obrigações tributárias e que devem ser objeto de prova dificilmente são de conhecimento direto da Administração; (ii) as pessoas que participaram efetivamente do ato têm melhores condições para produção das provas necessárias - inversão do ônus da prova; (iii) os deveres instrumentais ou formais são ótimos mecanismos para vincular os contribuintes ao atendimento das exigências tributárias, mediante declarações, etc; e (iv) a praticidade dos mecanismos de arrecadação e pagamento dos tributos, bem como a prevenção à incidência em faltas para as quais sejam previstas medidas sancionadoras, são desejadas pelo contribuinte, que aceita o ônus da presunção pelas vantagens que esta lhe oferece[177].

Com relação aos casos práticos de aplicação das presunções, tomar-se-á como base à verificação de sua legalidade o Lucro presumido e o Regime de fato gerador presumido e a substituição tributária progressiva.

Tendo sua positivação no art. 44 do Código Tributário Nacional, segundo o qual “a base de cálculo do imposto (de renda) é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (grifo nosso), o regime do Lucro presumido, na lição de Maria Rita Ferragut, significa “uma base de cálculo simplificada, correspondente a um valor provável, aproximado, que desconsidera vários elementos que deveriam integrá-la”[178].

Considerado por Regina Helena Costa como um regime que “traduz, igualmente, o adequado convívio entre os princípios da legalidade e da capacidade contributiva, de um lado, e da praticidade fiscal, de outro”[179], a adoção da presunção em sua base de cálculo não macula sua legalidade, especialmente pelo fato de o regime ser uma opção do contribuinte, de acordo com sua análise de conveniência.

Por outro lado, tem-se no regime de fato gerador presumido e na conseqüente substituição tributária progressiva um exemplo da má utilização do princípio da praticabilidade tributária. Nas palavras de José Eduardo Soares de Mello, na substituição progressiva

o legislador indica uma pessoa responsável pelo recolhimento de um determinado valor (referido como tributo), relativamente a fato futuro e incerto, com alocação de valor também incerto. Há definição, por antecipação do sujeito passivo, de uma obrigação não acontecida.

A violação aos mais diversos princípios jurídicos, nesse caso, é flagrante. Em que pese Maria Rita Ferragut explicite que, no caso, “o nascimento da relação jurídica tributária não requer a ocorrência de fato típico, mas somente a expectativa, a suposição”[180], Regina Helena Costa defende que o emprego dessas abstrações “não tem força suficiente para afastar por completo a aplicação de princípios de maior quilate, como são os da segurança jurídica, da verdade material e da capacidade contributiva”[181].

Ainda, a autora faz a ressalva ao fato de que as presunções devem ser utilizadas em caráter subsidiário, ou seja, “quando não seja possível a prova direta do fato sem demasiado custo ao Poder Público - situação não revelada na hipótese em comento”[182].

4.1.2 Ficções

As ficções, outro instrumento passível de viabilização do princípio da praticabilidade tributária, diferem-se das presunções em um aspecto nuclear, trazido por Regina Helena Costa: “enquanto naquelas (presunções) a relação entre o fato conhecido e o desconhecido é provável […], nas ficções esta relação é improvável ou , mesmo inexistente”[183] (grifos no original).

Nesse sentido, Maria Rita Ferragut exprime sua opinião, lembrando que “nada se presume na ficção, pois a ligação que existe entre o fato conhecido e o fato cujo evento é fictício não se poderia estabelecer segundo o que ordinariamente acontece”[184].

Assim, parafraseando Perez de Ayala quando diz que a utilização de ficções na “definição legal dos elementos do fato imponível, dos sujeitos passivos tributários e das bases imponíveis pode ter graves inconvenientes para a realização do princípio da capacidade contributiva”[185], Regina Helena Costa considera absolutamente inviável a utilização de ficções na seara tributária.

4.1.3 Normas de Simplificação

As normas de simplificação, exteriorizadas por meio de padronizações, esquemas, quantificações ou somatórios, visam à facilitação da aplicação da lei tributária por meio da renúncia “a gravar a verdadeira manifestação de capacidade econômica que constitui o objeto de um determinado tributo”[186].

Visam, na lição de Casalta Nabais, desonerar a Administração Pública da “averiguação exaustiva e de apuramento total e integral dos múltiplos e complexos factos tributários e dos aspectos em que os mesmos se desdobram”[187] (sic).

Porém, por limitar princípio tão importante - o da capacidade contributiva - a utilização de tal expediente deve obedecer a critérios rigorosos com relação a sua aplicação. Herrera Molina cita a Idoneidade, como a possibilidade de controle administrativo do preceito simplificador; a Necessidade, como a efetiva impossibilidade de efetivação da norma tributária sem a utilização de tal mecanismo,  e, ainda, a condição de que não haja carga fiscal radicalmente distinta da produzida pela verdadeira capacidade contributiva[188].

Klaus Tipke traz importante ensinamento ao afirmar que as normas de simplificação, “que desconsideram peculiaridades das situações individuais, devem partir da normalidade média […] não lhes sendo permitido privilegiar ou discriminar alguém excessivamente”[189].

Como exemplos de boa e má aplicação das normas de simplificação, tem-se o regime do SIMPLES (Sistema integrado de pagamento de impostos e contribuições das microempresas e das empresas de pequeno porte) e a instituição de Impostos fixos.

Enquanto o SIMPLES é tratado como um excelente exemplo da boa utilização da praticabilidade tributária, sendo opcional ao contribuinte, reunindo uma série de tributos em um pagamento único e mensal e desonerando o contribuinte com relação a uma série de deveres instrumentais, a instituição de Impostos fixos traz um gravame excessivamente grande aos demais princípios constitucionais tributários.

Tal técnica mitiga por completo os princípios da isonomia, progressividade e capacidade contributiva, fixando alíquotas fixas em prejuízo das condições particulares de cada contribuinte em auxiliar no abastecimento dos cofres públicos.

4.1.4 Cláusulas Gerais

Cláusulas gerais são as criações legislativas que, segundo Karl Engisch, como uma “formulação de hipótese legal, em termos de grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio de casos”[190]. Já com relação à sua interação com os demais princípios, afirma Canotilho[191] que

De facto, as cláusulas gerais podem encobrir uma ‘menor valia’ democrática, cabendo, pelo menos, ao legislador, uma reserva legal dos aspectos essenciais da matéria a regular. A exigência da determinabilidade das leis ganha particular acuidade no domínio das leis restritivas ou de leis autorizadoras de restrição (sic).

Ora, ainda que a utilização de cláusulas gerais, em um primeiro momento, remonte à indeterminação das normas jurídicas, Casalta Nabais afirma que a pormenorização em excesso dessas normas levaria a uma indeterminação ainda maior. Isso porque, as “especificações excessivas, porque se enredam na riqueza dos pormenores, perdem o plano de que partiram, acabando, ao invés, por conduzir a maior indeterminação”[192].

Ricardo Lobo Torres ainda tece importante comentário a respeito das cláusulas gerais, lembrando que

Do princípio da tipicidade não emana, como imaginava o positivismo ingênuo, a possibilidade do total fechamento das normas tributárias e da adoção de enumerações casuísticas e exaustivas dos fatos geradores. A norma de direito tributário não pode deixar de conter uma certa indeterminação e imprecisão, posto que se utiliza de cláusulas gerais e dos tipos, que são abertos por definição. É nesse espaço de indeterminação que atua a analogia.

Outro aspecto que fornece grande relevância à utilização de cláusulas gerais é sua abertura à modificação da sociedade, não engessando a interpretação das leis tão-somente a determinada época e local.

Entretanto, apesar de sua importância revelada e sustentada pela doutrina, na prática as cláusulas gerais têm-se destacado por sua má utilização, possuindo, na Norma geral antielisiva, sua mais clara expressão.

Primeiramente, é mister destacar a diferenciação entre evasão e elisão. Enquanto a primeira, no entendimento de Hugo de Brito Machado, consiste na forma ilícita de fugir ao tributo, a segunda consiste na forma lícita de fazê-lo[193]. As normas antielisivas, clássico remédio contra a elisão fiscal, pode ser entendida, segundo Alberto Xavier[194], como

normas que têm por objetivo comum a tributação, por analogia, de ato ou negócios jurídicos extratípicos, isto é, não-subsumíveis ao tipo legal tributário, mas que produzem efeitos econômicos equivalentes aos dos atos ou negócios jurídicos sem, no entanto, produzirem as respectivas conseqüências tributárias.

Parece evidente, e assim o entende a doutrina, a ilegalidade das normas gerais antielisivas. Sua intenção, de tornar exequível a norma tributária inclusive nos casos não previstos em lei, evidencia uma fatal afronta ao princípio da segurança jurídica, especialmente em matéria tributária.

Assim, diante do exposto, tal expediente mostra-se uma das piores formas de aplicação da praticabilidade, ou seja, aquela que mais gravemente afronta os princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

4.2 PRIVATIZAÇÃO DA GESTÃO TRIBUTÁRIA

Existem, ainda, outros métodos de aplicação do princípio da praticabilidade que não pela utilização de abstrações generalizantes, mas, por sua vez, por medidas de cunho eminentemente prático e que desempenham função de destaque na exequibilidade da norma tributária.

A privatização da gestão tributária consiste, basicamente, na delegação de funções inerentes ao sistema tributária aos próprios contribuintes, aumentando seus deveres instrumentais e outorgando-lhes o papel de auxiliares do Direito tributário. Como diz Casalta Nabais

Pois quem, melhor do que as próprias empresas, está em condições de contribuir, com a sua experiência e o seu saber, para a instituição de um sistema de liquidação e cobrança de impostos que, ao mesmo tempo, se revele econômico e simples?

Porém, lembrando a ressalva feita por José Souto Maior Borges, tal privatização não pode onerar excessivamente os contribuintes, relegando a esse todas as funções que seriam inerentes à função Estatal[195].

Aplicação salutar desse instrumento é visto nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, em que o próprio contribuinte, por sua facilidade de acesso aos documentos e aspectos relevantes necessários, apura o quantum a ser pago a título de tributo.

4.3 MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS TRIBUTÁRIOS

Outro importante expediente da praticabilidade é a busca por meios alternativos de solução de conflitos tributários, alcançando-se alternativas às vias judicias, tanto no âmbito preventivo quanto no bojo de um processo tributário.

Tais práticas, além de facilitar o entendimento entre o Estado e os contribuintes, traz aspectos positivos para os dois lados: evita dispendioso e morosos processos tributários e propicia, aos contribuintes, vantagens econômicas quando da demonstração de interesse em sanar as pendências tributárias.

Um exemplo da boa utilização de tal mecanismo é o Programa de Recuperação Fiscal/REFIS, que visa regularizar os créditos da União referentes a débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional de Seguro Social/INSS.[196]

Assim, é possibilitado aos contribuintes o parcelamento dos débitos tributários, facilitando o processo de regularização da situação de pessoas jurídicas frente ao Fisco.

Sobre o autor
Thiago Luis Reinert

Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba; e estudante de Direito, também pelo Centro Universitário Curitiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINERT, Thiago Luis. Praticabilidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3399, 21 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22850. Acesso em: 15 nov. 2024.

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