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Responsabilidade civil do Estado por erros judiciais

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Agenda 22/10/2012 às 09:50

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DE ATOS JUDICIAIS

Apesar de já demonstrada a evolução do tema Responsabilidade Civil do Estado, quando a análise se volta para os casos de responsabilização decorrente de atos judiciais, o posicionamento doutrinário dominante ainda é relativamente atrasado.

Ao argumento de que a função do juiz é soberana e de que a Coisa Julgada e a Segurança Jurídica não podem ser ameaçadas pelo temor de responsabilização do juiz, entende-se que os atos do Judiciário estão afastados de qualquer tipo de responsabilização.

Quanto ao primeiro argumento – função soberana do juiz -, a idéia não tem qualquer diferença estrutural quando comparada às antigas Teorias do “The king can do no wrong” e “Le roi ne peut mal faire”, em que se entendia que o Estado estava completamente afastado da responsabilização por danos, já que exercia função soberana.

A proteção à Coisa Julgada, por sua vez, não parece ser ameaçada pelo simples fato de existir a possibilidade de responsabilização do Estado.

Nesse sentido, João Sento Sé afirma que:

Se o que impede a reparação é a presunção de verdade que emana da coisa julgada, a prerrogativa da Fazenda Pública não pode ser absoluta, mas circunscrita à hipótese de decisão transitada em julgado. Logo, se o ato não constitui coisa julgada, ou se esta é desfeita pela via processual competente, a indenização é irrecusável. [37]

É válido, ressaltar, ainda, que nem todos os atos praticados pelo Poder Judiciário são atos jurisdicionais, que examinem conflitos intersubjetivos com pretensão de definitividade. O Judiciário, como os demais Poderes do Estado, também realiza atos administrativos.

Sobre o tema, Yussef Said Cahali leciona que:

Como Poder autônomo e independente, com estrutura administrativa própria e serviços definidos, o Judiciário, pelos seus representantes e funcionários, tem a seu cargo a prática de atos jurisdicionais e a prática de atos não-jurisdicionais, ou de caráter meramente administrativo: quanto a estes últimos, os danos causados a terceiros pelos servidores da máquina judiciária, sujeitam o Estado à responsabilidade civil segundo a regra constitucional, no que se aproximam dos atos administrativos, em seu conteúdo e na forma ( Themístocles Brandão Cavalcanti.[38]

Quanto à possibilidade de responsabilização do Estado por atos propriamente jurisdicionais, serão analisados a seguir os tópicos atualmente mais debatidos sobre o tema, na doutrina e jurisdição brasileiras.

4.1 Erro Judiciário

A responsabilidade civil do Estado não pode ser analisada sem que seja fixado, a priori, o conceito de erro judiciário.

Em uma premissa clássica, a expressão tem sido usada para qualificar indevida atividade jurisdicional no campo penal.

Assim, ocorre erro judiciário quando o Juiz condena alguém que posteriormente se prova inocente, ou aplica penalidade excessivamente onerosa a quem não merecia reprimenda de tal magnitude.

Nesse sentido, é cabível a aplicação direta do disposto no artigo 5º, LXXV, primeira parte: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

O erro judiciário é classicamente considerado como a condenação indevida.

Ocorre, entretanto, que não apenas a conduta do juiz que erra e põe em risco o “status libertattis” do indivíduo pode ser considerada como erro judiciário.

Toda e qualquer conduta do magistrado que se mostre inadequada diante do quadro fático-jurídico que lhe foi apresentado, uma vez capaz de ofender qualquer bem jurídico daquele prejudicado em grau elevado, pode e deve ser considerado erro judiciário.

Se nenhuma lesão ou ameaça à direito pode ser excluída da apreciação do Judiciário (artigo 5º, XXXV da Constituição), as lesões perpetradas por intermédio de atos judiciais não podem ficar impunes.

Luiz Antonio Soares Hents observa:

O princípio da indenização da prisão além do tempo fixado na sentença foi explicitado no direito constitucional juntamente com a reparação do erro judiciário e, embora haja pontos de contato entre os dois institutos de direito material, afirma-se que o erro judiciário não depende da verificação de prisão, assim como a indevida privação da liberdade física não decorre necessariamente de erro de julgamento [39]

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Estabelece o art. 954, do Código Civil, a reparação por ofensa à liberdade pessoal nas hipóteses de cárcere privado, prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé e prisão ilegal.

Referido artigo seguiu os ditames constitucionais, corroborando com a ineficácia do §2º, do art. 630, do Código de Processo Penal. Ademais, buscando um rol taxativo, o legislador civil não elencou as hipóteses de prisão além do tempo fixado na sentença, previstas pela Constituição Federal, dentre outras hipóteses como prisões decretadas com abuso de autoridade por parte de autoridade policial, sem que a vítima venha a ser objeto de investigação ou de ação penal, a prisão temporária da Lei nº 7.172/83, a prisão em flagrante efetivada por agente público e a prisão preventiva sem que ocorra a instauração de ação penal, fatos que ensejam a prisão indevida por erro judicial (e não judiciário).

A seguir, será analisado o caso em que mais amplamente se aceita a responsabilização do Estado por erro judiciário: a prisão indevida

4.2 Da Prisão Indevida

A denominada prisão indevida não pode ser entendida apenas como aquela que decorre de uma condenação injusta, mas sim, toda privação injustificada da liberdade, seja antes ou depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, como a prisão cautelar, o excesso no tempo de cumprimento da prisão e a não observância do devido regime de cumprimento da pena, por exemplo.

Tratando-se propriamente de prisão penal, isto é, aquela prisão decorrente de aplicação de uma sentença condenatória transitada em julgado, é possível que, ainda que não haja falha imputável ao réu durante a instrução processual, a sentença seja injusta.

Em casos tais, se no momento em que o indivíduo ainda está a cumprir a pena for descoberto o equívoco, é plenamente possível a tutela específica de seu direito de liberdade, com o imediato relaxamento do cárcere. A reparação extrapatrimonial terá caráter meramente complementar.

Em casos, entretanto, que o antes suposto criminoso já tiver cumprido a pena, a única alternativa para tentar diminuir as conseqüências da conduta indevida do Estado será a difícil busca da “quantificação da dor”. O erro judiciário já terá ocorrido e não poderá ser apagado, mas a indenização ao menos diminuirá, ainda que de forma irrisória, o constrangimento sofrido pela vítima do erro.

Quando, entretanto, se tratar de prisão processual, que ocorre antes mesmo que tenha havido a condenação criminal definitiva do encarcerado, a situação se torna ainda mais delicada.

É que a prisão cautelar ocorre muitas vezes no início do processo, geralmente baseada em conceitos fluidos, como “garantia da ordem pública”, sem que, no mais das vezes, seja dado o devido direito prévio de defesa ao réu.

Em casos tais, é comum que no desenrolar do processo o réu prove que é inocente. Mas a prisão processual já ocorreu e seus efeitos deletérios não poderão ser apagados.

Também nesses casos deve ser reconhecida a responsabilidade civil do Estado. O erro, ainda que baseado em juízo perfunctório, foi causador do dano sofrido pelo encarcerado, sendo evidente o nexo causal.

O Superior Tribunal de Justiça já adota este entendimento, conforme decidido no processo supra:

PROCESSUAL CIVIL ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DANO MORAL. GARANTIA DE RESPEITO À IMAGEM E À HONRA DO CIDADÃO. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. PRISÃO CAUTELAR. ABSOLVIÇÃO. ILEGAL CERCEAMENTO DA LIBERDADE. PRAZO EXCESSIVO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA PLASMADO NA CARTA CONSTITUCIONAL. MANIFESTA CAUSALIDADE ENTRE O "FAUTE DU SERVICE" E O SOFRIMENTO E HUMILHAÇÃO SOFRIDOS PELO RÉU.[40]

O entendimento adotado é, sem dúvida, o mais acertado e mais consentâneo com os Princípios Constitucionais vigentes.

A prisão processual é sem dúvida mais gravosa, uma vez que por meio dela o Estado afasta temporariamente o estado de presunção de inocência do indivíduo, determinando-se sua privação de liberdade baseada em elementos que ainda não gozam ainda de satisfatório de grau de certeza.

Nas palavras do processualista Eugênio Pacelli:

O princípio da presunção de inocência, cuja origem mais significativa pode ser referida à Revolução Francesa e à queda do Absolutismo, sob a rubrica de presunção de inocência, recebeu tratamento distinto por parte de nosso constituinte de 1988. A nossa Constituição, com efeito, não fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela, como valor normativo a ser considerado em todas as fases do processo penal ou da persecução penal, abrangendo, assim, tanto a fase investigatória (fase pré-processual) quanto à fase processual propriamente dita (ação penal).

E por se tratar de prisão de quem deve ser obrigatoriamente considerado inocente, à falta de sentença penal condenatória passada em julgado, é preciso e mesmo indispensável que a privação de liberdade seja devidamente fundamentada pelo juiz e que essa fundamentação esteja relacionada com a proteção de determinados e específicos valores positivados na ordem constitucional em igualdade de relevância.

4.3 Da indenização

Fixada a premissa da possibilidade de responsabilização do Estado por atos judiciais, ressaltando-se o avanço no entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade de indenização em casos de prisão indevida, inclusive nos casos de encarceramento cautelar, cabe agora uma breve análise acerca da quantificação da indenização.

A prisão indevida traz consigo inegável dano extrapatrimonial.

O Desembargador Sérgio Pitombo, a respeito do tema, faz as seguintes considerações:

A prisão traz hoje, consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa. Sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana. As celas, nos Distritos Policiais, tornaram-se jaulas obscenas e perigosas. Impossível ignorar o que todos sabem e ninguém contesta. Aquém da grade, o tempo não se conta em dias, nem sequer em horas, porém, em minutos. Prisão é constrangimento físico, pela força ou pela lei, que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção. Prisão indevida, portanto, significa, antes de tudo, ilegalidade e invasão lesante do status dignitatis e libertatis. O dano moral, dela decorrente, é in re ipsa. Vale assentar: surge inerente à própria prisão. Dano que se mostra intrínseco (...).[41]

A fixação do quantum indenizatório deverá atender à gravidade dos danos morais sofridos pelo sujeito indevidamente encarcerado, sem esquecer o caráter necessariamente repressor da indenização, que deve ser sentida pelo Estado.

Quanto aos danos patrimoniais, como perda de dias de trabalho ou até a perda do próprio emprego, a situação se torna simplificada, sendo mais facilmente encontrado o valor a ser ressarcido ao lesado.

Ressalte-se que o atual Código Civil fixou em 3 anos o prazo prescricional para a pretensão de responsabilidade civil, em seu artigo 206, parágrafo 3º, razão pela qual o manejo da ação de ressarcimento deverá ser feito neste prazo, contado desde o momento em que se torne conhecido o dano.


  CONCLUSÃO

Após todo o exposto no presente trabalho, algumas conclusões podem ser evidenciadas.

De início, destacou-se que a organização do Poder Judiciário no Brasil é feita de modo diverso dos demais Poderes, uma vez que há verdadeiro entrelaçamento entre as atribuições dos diversos órgãos, sejam Estaduais ou Federais. Com isso, é possível dar uniformidade às decisões judiciais que tratem de temas análogos, mediante o estabelecimento prévio de instâncias recursais pelas quais um mesmo processo pode tramitar, com a palavra final sendo dada pelos órgãos de cúpula.

Demonstrou-se que a jurisdição – tarefa de dizer o direito no caso concreto, com potencial carga de imutabilidade – é exercida por agentes públicos recrutados prioritariamente por critério meritório, o que busca dar maior racionalidade e imparcialidade ao sistema. Nesse contexto se justifica a atribuição das prerrogativas de inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios e vitaliciedade aos magistrados (artigo 95, I, II e III da Constituição da República).

Foi ressaltada a importância que possui, nos dias atuais, a jurisdição, uma vez que se apresenta como um dos principais instrumentos para implementar a igualdade material trazida como mandamento no caput do artigo 5º da Constituição da República, já que o exercício imparcial da jurisdição, desafetado de pressões de quaisquer natureza, tende a efetivamente dar a cada um aquilo que lhe pertence.

Num segundo momento, concluiu-se que o magistrado é órgão do Estado. Assim, ao agir, não age em seu nome, mas em nome do Estado, do qual é representante. Pela já citada Teoria da Imputação, o ato do magistrado, no exercício da Jurisdição, é ato do próprio Estado.

No terceiro capítulo foi apresentada a evolução histórica do tema Responsabilidade Civil do Estado, sendo pontuado que atualmente prevalece o mandamento de responsabilidade objetiva - sem necessidade de comprovação de culpa da Administração ou de seu agente -, para todos os atos comissivos do Estado e para as condutas propiciadas por este, restando ainda presente a responsabilidade subjetiva para os atos omissivos puros.

Por fim, foram apresentados os principais casos de responsabilidade por ato judicial, pontuando-se os conceitos de erro judicial e prisão indevida, além de serem fixados parâmetros para o valor a ser pago a título de indenização.

Conclui-se que o Poder Judiciário, no exercício de seu mister, pode causar danos às partes que vão a juízo pleitear direitos, propondo ou contestando ações cíveis ou penais. Em caso de falha nesta prestação, o lesado poderá acionar o Estado para ter ressarcido o direito que foi lesionado.

Voluntário ou involuntário, o erro de conseqüências danosas exige reparação, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos causados; se o erro foi motivado por falta pessoal do órgão judicante, ainda assim o Estado responde, exercendo a seguir o direito de regresso sobre o causador do dano, por dolo ou culpa.

Sobre o autor
Emanuel José Matias Guerra

Procurador Federal. Ex-Advogado da Petrobras. Ex-Técnico Ministerial do Ministério Público do Estado do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUERRA, Emanuel José Matias. Responsabilidade civil do Estado por erros judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3400, 22 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22852. Acesso em: 23 dez. 2024.

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