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Breves anotações pontuais sobre a Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal)

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Agenda 28/10/2012 às 14:48

VIII – DA IMPOSSIBILIDADE DE ABERTURA DE NOVAS ÁREAS COM BASE NA SOMA DA APP NA RESERVA LEGAL

Tema ligado ao que foi exposto acima diz respeito à impossibilidade de abertura de novas áreas em decorrência da possibilidade de soma das áreas de preservação permanentes com a Reserva Legal.

É necessário ressaltar que o Novo Código trata de forma diversa ambos os institutos, tanto que dá conceituação diferente aos mesmos em seu artigo 3º, II e III.

Ademais, quando trata da reserva legal, o faz de forma expressa excetuando as áreas de preservação permanente, conforme estabelecido no artigo 12:

“Art. 12.  Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel...”

Ora, o dispositivo que trata da reserva legal é claro: a mesma deve ser mantida sem prejuízo das normas de Preservação Permanentes, ou seja, tais áreas não entram em seu cômputo.

Todavia, no artigo 15, o novo Código permite tal cômputo, mediante algumas condições:

“Art. 15.  Será admitido o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel, desde que:

I - o benefício previsto neste artigo não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo;

II - a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e

III - o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural - CAR, nos termos desta Lei.

§ 1º  O regime de proteção da Área de Preservação Permanente não se altera na hipótese prevista neste artigo.”

Percebe-se de forma clara que, para ser possível somar a APP no percentual da Reserva Legal, deverão estar presentes as seguintes condições: a) que este benefício não implique na conversão de novas áreas para uso alternativo do solo; b) a área computada esteja conservada ou em processo de recuperação; c) o proprietário ou possuidor tenha requerido a inscrição do imóvel junto ao CAR.

Assim, ausentes quaisquer um destes requisitos, não se poderá fazer o cômputo da APP na Reserva Legal.

Traduzindo para exemplos práticos (levando-se em conta o percentual de 20% aplicado na maior parte do país): aquele proprietário que, no sistema antigo (em que a soma da APP e da Reserva Legal era restrita a alguns casos específicos), preservou 20% de sua propriedade e as áreas de preservação permanente, não poderá computar uma na outra e, da diferença entre este cômputo, solicitar licença para desmatamento; já aquele proprietário que não cumpriu a legislação anterior e que, somada a APP na Reserva Legal, chegue a 20% do imóvel, nada necessitará recuperar, desde que cumpra os demais requisitos acima mencionados.

A situação é injusta, mas foi criada pela lei. Contudo a amenização da injustiça criada pode vir da redação do parágrafo segundo do mesmo artigo:

“§ 2º  O proprietário ou possuidor de imóvel com Reserva Legal conservada e inscrita no Cadastro Ambiental Rural - CAR de que trata o art. 29, cuja área ultrapasse o mínimo exigido por esta Lei, poderá utilizar a área excedente para fins de constituição de servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental e outros instrumentos congêneres previstos nesta Lei.”

A interpretação deste artigo leva à seguinte conclusão: aquele proprietário que possua 20% da sua propriedade (para os casos mais comuns em todo o país, fora da Amazônia) preservada com vegetação nativa, sem contar as APPs, poderá computá-las e, na diferença entre elas, mesmo não podendo desmatar estas áreas ou convertê-las – já que continuam sendo reserva legal – poderá constituir servidão ambiental, cota de reserva ambiental ou outros e vendê-la ou arrendá-la a terceiros que não queiram recompor suas reservas legais dentro das próprias propriedades.

Por fim, é de se registrar que por força do inciso II (que a área deva estar preservada ou em recuperação), não poderão ser computadas para constituir a Reserva Legal aquelas áreas de APP consolidadas (art. 61-A), na parte em que não será exigida a recuperação, até porque aquelas áreas não estão cumprindo sua função ambiental.

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IX – OBSERVAÇÕES SOBRE ALGUMAS CONDIÇÕES PARA EMISSÕES DE AUTORIZAÇÕES OU LICENÇAS DE DESMATAMENTO

Ao analisar-se o novo diploma legal extrai-se que criou algumas condições para a emissão de licenças ou autorizações de desmatamento que no Código anterior não estavam tão evidenciadas, a despeito de estar pressupostas.

A primeira delas diz respeito à obrigação de que o imóvel esteja cadastrado no CAR e com sua reserva legal devidamente regularizada antes da concessão de qualquer autorização ou licença para supressão.

É o que se extrai do art. 12, § 3º:

“Art. 12. ...

§ 3º  Após a implantação do CAR, a supressão de novas áreas de floresta ou outras formas de vegetação nativa apenas será autorizada pelo órgão ambiental estadual integrante do Sisnama se o imóvel estiver inserido no mencionado cadastro, ressalvado o previsto no art. 30.”

A questão que se impõe é a seguinte: e enquanto não estiver implantado (ou regulamentado, conforme o caso) o CAR? Como única resposta possível parece ser a de que não se podem conceder tais licenças/autorizações se não estiver averbada a reserva legal na matrícula do imóvel, mediante prévia aprovação do órgão ambiental competente.

Tal interpretação decorre da própria leitura do respectivo parágrafo, em que expressamente dispõe “ressalvado o previsto no art. 30”, que é justamente a averbação da Reserva Legal na Matrícula do imóvel (que continua subsistindo, conforme apontado em item anterior).

Este entendimento também é reforçado pela leitura do artigo 26:

“Art. 26.  A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá do cadastramento do imóvel no CAR, de que trata o art. 29, e de prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama.”

Não bastasse isto, os processos de autorização de desmatamento ou supressão de vegetação nativa deverão, agora, também ser muito mais criteriosos, o que significa dizer: não é direito subjetivo do proprietário do imóvel desmatar toda a área, excluídas as reservas legais e áreas de preservação permanente. Ao contrário, deverá ele cumprir uma série de requisitos para que haja esta autorização.

O primeiro deles – além da regularização da reserva legal – é demonstrar que na área não há na área espécies de flora ou fauna ameaçadas de extinção ou espécies migratórias. É esta a dicção do art. 27:

“Art. 27.  Nas áreas passíveis de uso alternativo do solo, a supressão de vegetação que abrigue espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção, segundo lista oficial publicada pelos órgãos federal ou estadual ou municipal do Sisnama, ou espécies migratórias, dependerá da adoção de medidas compensatórias e mitigadoras que assegurem a conservação da espécie.”

Ocorrendo na área tais tipos de espécies, não poderá haver desmatamento ou supressão sem que haja demonstração de alternativa técnica e locacional.

Note-se que, nestes casos, tais áreas podem ser consideradas de preservação permanentes, conforme o at. 3º, XIII e XIV, da Resolução CONAMA n. 303/2002 (em vigor, conforme apontado acima), com o seguinte teor:

“Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

...

XIII – nos locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias;

XIV – nos locais de refúgio ou reprodução de exemplares da fauna ameaçadas de extinção que constem de lista elaborada pelo Poder Público Federal, Estadual ou Municipal.”

Caso a área seja considerada de preservação permanente, é evidente, não poderá haver supressão fora das hipóteses previstas no código para tal (utilidade pública, interesse social e baixo impacto).

Mas, caso não se enquadre a área como de preservação permanente, e estando ela na situação prevista no art. 27, será obrigatório no procedimento de autorização para supressão avaliar as hipóteses de alternativas locacionais e técnicas, sendo que na ausência de regulamentação, poderão ser usados os procedimentos e critérios previstos na resolução CONAMA n. 369, que, a despeito de ser voltada às áreas de preservação permanente, nada impede que se aplique por analogia a este tipo de área com uso restrito para a adoção de medidas mitigatórias e compensatórias.

Ademais, deverá haver dentro deste procedimento estudos que prevejam o levantamento e alternativas para estas populações vegetais ou animais ameaçadas, podendo seguir-se como baliza no conteúdo de tais estudos aqueles previstos no art. 6º, da Resolução Conama 01/86 que preveem diagnósticos dos meios físicos e biológicos, dentre eles o de fauna e flora raros e ameaçadas de extinção (inciso I, letra “b”).

Por fim, há que se salientar haver, dentre outros, um critério muito importante que deverá ser observado: a ocupação produtiva da área.

Esta ocupação produtiva é exigência expressa do Novo Código para que haja concessão de autorização/licença para desmatamentos ou supressão de vegetação nativa, pelo que se depreende da dicção do artigo 28:

“Art. 28.  Não é permitida a conversão de vegetação nativa para uso alternativo do solo no imóvel rural que possuir área abandonada.”

Note-se que o conceito de área abandonada havia sido definido pela Medida Provisória n. 571/2012, expresso no código em seu artigo 3º, XXV:

“Art. 3º. ...

XXV - área abandonada, subutilizada ou utilizada de forma inadequada: área não efetivamente utilizada, nos termos dos §§ 3o e 4o do art. 6o da Lei no 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, ou que não atenda aos índices previstos no referido artigo, ressalvadas as áreas em pousio; (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).

Este dispositivo era muito mais restritivo, impondo como área abandonada aquela que não atingisse os índices necessários para que o imóvel seja considerado produtivo, nos termos da legislação agrária.

Contudo, tal dispositivo foi revogado pela Lei n. 12.727/2012, não havendo conceito legal de área abandonada, sendo que o Decreto n. art. 2, VII, trouxe um conceito muito mais brando, conforme evidencia-se de sua redação:

“Art. 2o  Para os efeitos deste Decreto entende-se por:

...

VII - área abandonada - espaço de produção convertido para o uso alternativo do solo sem nenhuma exploração produtiva há pelo menos trinta e seis meses e não formalmente caracterizado como área de pousio;”

Contudo, é de se admitir ser possível exigir, com fundamento na função sócio-ambiental da propriedade rural, prevista na Constituição Federal, que se demonstre que tal supressão vegetal é necessária e que o imóvel atende sua função mediante a consecução dos índices agrários estabelecidos na Lei n. 8.629/03.

Pode-se afirmar então que, a partir da vigência do Novo Código, compete ao órgão ambiental exigir e ao proprietário comprovar que está utilizando o restante das áreas já abertas na propriedade em índices que demonstrem estar atingindo a mesma sua finalidade social, evitando-se, assim, a abertura de novas áreas apenas para especulação imobiliária, venda da vegetação para carvão, ou outra finalidade qualquer.

Registre-se que, em função do princípio da precaução, compete ao proprietário rural o ônus da prova relativo a todos os critérios acima mencionados, ou seja, de que averbou a reserva legal, de que a área que se pretende suprimir não é de preservação permanente e não abriga fauna ou flora em extinção ou migratória, além de já explorar em níveis satisfatórios as áreas abertas do imóvel.

Isto porque é a ele quem cabe comprovar os que atinge os requisitos necessários para obter a licença ambiental para o desmatamento.

Ademais, se assim não fosse, haveria a inversão do ônus da prova com fundamento no princípio da precaução que é muito bem explanada por Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira, em seu artigo “A inversão do ônus da prova na reparação do dano ambiental difuso” (Aspectos Processuais do Direito Ambiental, Ed. Forense Universitária, 2003, p. 29/30):

“A precaução, enfim, constitui referencial teórico relevantíssimo, capaz de promover um grande avanço no que tange a relações humanas com o meio ambiente. Contudo, como assinala Nogueira, o princípio tem sido evocado em dimensão meramente retórica, fato que comprova a necessidade de precisar sua natureza jurídica e seu real valor normativo. Permitir-se-ia, só assim, a superação das atuais divergências teóricas e especialmente da vagueza das atuais formulações. A efetivação do instituto da inversão do ônus da prova, tanto judicial como extrajudicialmente, seria, talvez, a mais plausível conseqüência normativa concreta da aplicação do princípio de precaução no direito brasileiro. As possibilidades teóricas para tal existem, prática, suprimindo a não congruência entre o modelo civilista tradicional e a qualidade dos direitos a serem tutelados.”


X – DA IMPOSSIBILIDADE DE MANEJO SUSTENTÁVEL SEM AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO NÃO HOUVER REGULAMENTAÇÃO

O Código Florestal atual ao pretender simplificar o manejo sustentável para exploração florestal nas propriedades rurais criou situação que poderá servir de subterfúgio para muitas infrações ambientais. Tal situação está prevista no artigo 23:

“Art. 23.  O manejo sustentável para exploração florestal eventual sem propósito comercial, para consumo no próprio imóvel, independe de autorização dos órgãos competentes, devendo apenas ser declarados previamente ao órgão ambiental a motivação da exploração e o volume explorado, limitada a exploração anual a 20 (vinte) metros cúbicos.”

Ora, como poderá, na prática, ser fiscalizado que realmente houve a extração tão-somente de 20 metros cúbicos?

Tal situação será de muito difícil fiscalização e deverá vir aliada de uma regulamentação – seja federal ou em âmbito estadual – de instrumentos que permitam a averiguação pelo órgão ambiental desta metragem máxima estabelecida.

Contudo, o que se pode afirmar é que enquanto não houver regulamentação, não poderá este artigo ser invocado pelos proprietários rurais, já que não há procedimento estabelecido para esta “declaração prévia” junto ao órgão responsável.

Pelos mesmos motivos, enquanto não houver regulamentação, também não poderá ser invocado o artigo 56 (restrito aos agricultores familiares), que prevê:

“Art. 56.  O licenciamento ambiental de PMFS comercial nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3º se beneficiará de procedimento simplificado de licenciamento ambiental.

§ 1º  O manejo sustentável da Reserva Legal para exploração florestal eventual, sem propósito comercial direto ou indireto, para consumo no próprio imóvel a que se refere o inciso V do art. 3º, independe de autorização dos órgãos ambientais competentes, limitada a retirada anual de material lenhoso a 2 (dois) metros cúbicos por hectare.

§ 2º  O manejo previsto no § 1º não poderá comprometer mais de 15% (quinze por cento) da biomassa da Reserva Legal nem ser superior a 15 (quinze) metros cúbicos de lenha para uso doméstico e uso energético, por propriedade ou posse rural, por ano.

§ 3º  Para os fins desta Lei, entende-se por manejo eventual, sem propósito comercial, o suprimento, para uso no próprio imóvel, de lenha ou madeira serrada destinada a benfeitorias e uso energético nas propriedades e posses rurais, em quantidade não superior ao estipulado no § 1º deste artigo.

§ 4º  Os limites para utilização previstos no § 1º deste artigo no caso de posse coletiva de populações tradicionais ou de agricultura familiar serão adotados por unidade familiar.

§ 5º  As propriedades a que se refere o inciso V do art. 3º são desobrigadas da reposição florestal se a matéria-prima florestal for utilizada para consumo próprio.”

É evidente que este artigo deve ser conjugado com a regra do artigo 23 que dispõe ser necessária a comunicação prévia ao órgão – caso contrário, seria impossível fiscalizar os limites ali estabelecidos – e, enquanto não houver tal regulamentação, não poderá haver exploração econômica da Reserva Legal sem que haja autorização ambiental do órgão competente.

Sobre o autor
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Breves anotações pontuais sobre a Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3406, 28 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22898. Acesso em: 22 nov. 2024.

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