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Crime e contravenção penal: diferenças e semelhanças

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Agenda 04/11/2012 às 09:01

Apesar de determinadas condutas não terem mais a necessidade de serem tipificadas como contravenção, fica a lição da importância da existência das contravenções penais para o Direito Penal, pois, em conjunto com o rol de crimes dispostos no Código Penal, vêm ampliar ainda mais o leque de proteção aos valores mais importantes da sociedade, defendidos pelo Direito Penal.

Resumo: Diariamente todos nós somos bombardeados pelas mídias impressas, televisivas e eletrônicas com as notícias da prática de crimes de todas as espécies, passando, para muitas pessoas, uma sensação de insegurança. Como sabemos, o Direito Penal enseja proteger os bens elencados pelo legislador como mais importantes para a sociedade, através do estabelecimento das condutas mais prejudiciais à mesma, denominadas infrações penais. Entretanto, desde um certo tempo até hoje em dia, parece que a sociedade tem ignorado a existência da espécie de infração penal chama de “contravenção penal”, relegando-a quase ao completo esquecimento. O presente estudo propõe-se a examinar o instituto jurídico da contravenção penal, claro sem a menor pretensão de se esgotar a matéria em análise, no sentido de comparar o seu conceito com o conceito de crime, estabelecendo suas diferenças e semelhanças, bem como suas peculiariedades, além de examinar a aplicação de diversos institutos do Direito Penal às mesmas.

Palavras-chave: direito penal, crime, contravenção penal, infração penal.


1.INTRODUÇÃO

O Direito Penal tem por objetivo principal a repressão de determinadas condutas, denominadas infrações penais, consideradas ofensivas aos bens jurídicos que o legislador considerou mais relevantes para a sociedade. Nesse sentido, em meio às legislações penais dos vários ordenamentos jurídicos dispostos ao redor do mundo ocidental, há na doutrina duas teorias sobre as infrações penais: a tripartida, que divide as infrações penais em crime, delito e contravenção penal; e, a bipartida, que considera sinônimos o crime e o delito, estabelecendo crime (ou delito) e contravenção penal como as duas espécies de infração penal.

Segundo Prado[1], o marco inicial da teoria tripartida é o código penal francês de 1791, que classificava as infrações penais da seguinte maneira: os crimes, as infrações que violavam direitos naturais, como por exemplo a vida; os delitos, a exemplo da propriedade, seriam as infrações que lesavam os direitos originários do contrato social e, as contravenções, eram as infrações que infringiam disposições e regulamentos de polícia.

Entretanto, o sistema adotado pelo nosso ordenamento jurídico é o bipartido, assim como o sistema alemão, como o italiano, o português e outros. Nesse sistema, o crime e o delito são considerados sinônimos, que juntamente com a outra espécie, a contravenção penal, formam as infrações penais (grifo) que, conforme assevera Greco[2], é como devemos chamar as espécies crime e contravenção penal, quando quisermos nos referir genericamente às mesmas.


2.CRIME E CONTRAVENÇÃO PENAL

Apesar de crime e contravenção serem espécies “distintas” do gênero “infração penal”, não existe, a rigor, uma diferença substancial entre os dois. Não há um elemento de ordem ontológica que encerre uma essência natural “em si mesmo”, sendo diferenciados apenas pelas suas penas, nos termos do art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei de Contravenções Penais[3], ou como leciona Nucci[4] em seu Manual de Direito Penal: “o direito penal estabeleceu diferença entre crime (ou delito) e contravenção penal, espécies de infração penal. Entretanto, essa diferença não é ontológica ou essencial, situando-se, tão somente, no campo da pena.” (grifo nosso)

Todavia, em obra bastante clara e objetiva, Leandro Prado[5], destaca as principais diferenças entre os dois institutos jurídicos em um quadro de fácil consulta, vejamos:

 

CRIME

CONTRAVENÇÃO

AÇÃO PENAL

Pública ou privada (art. 100, CP)

Pública incondicionada (art. 17, LCP)

COMPETÊNCIA

Justiça Estadual ou Federal

Só Justiça Estadual, exceto se réu tem foro por prerrogativa de função na Justiça Federal

TENTATIVA

É punível (art. 14, parágrafo único, CP)

Não é punível (art. 4º, LCP)

EXTRATERRITORIALIDADE

Possível (art. 7º, CP)

Lei brasileira não alcança contravenções ocorridas no exterior (art. 2º, LCP)

PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Reclusão ou detenção (art. 33, CP)

Prisão simples (art. 6º, LCP)

LIMITE TEMPORAL DA PENA

30 anos (art. 75, CP)

5 anos (art. 10, LCP)

SURSIS

2 a 4 anos (art. 77, CP)

1 a 3 anos (art. 11, LCP)

Entretanto, no que diz respeito à competência das contravenções penais, é importante ressaltar que a mesma pertence aos Juizados Especiais Criminais, nos termos dos arts. 60 e 61, da Lei 9.099/95, conforme a seguir:

“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

(…)

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”[6] (grifo nosso)

Todavia, mesmo diante das diferenças acima expostas, há muito mais semelhanças do que diferenças entre crime e contravenção penal, haja vista esta também constituir um fato típico e antijurídico, porém de menor potencial lesivo para a sociedade. Um crime-anão, na concepção formulada pelo consagrado Nelson Hungria. Assim, segundo Greco[7], o critério de rotulação de uma conduta como contravencional ou criminosa é essencialmente político. O que hoje é considerado crime, amanhã poderá ser uma contravenção, ou vice-versa. Como exemplo, o autor nos traz a criminalização da contravenção penal de porte de arma, consumada no art. 10, da Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.


3.CONTRAVENÇÃO PENAL

De acordo com o art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei das Contravenções Penais, contravenção é “a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.” (grifo nosso). Assim, conforme acima delineado, não existe uma diferença ontológica entre crime e contravenção penal, ocorrendo a sua diferenciação apenas nas penas cominadas, que no caso da contravenção consiste em prisão simples ou multa; e, quando se tratar de crime, as penas serão de reclusão ou de detenção (grifo), quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.

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A pena de prisão simples, nos termos do art. 6º, da Lei de Contravenções Penais[8], deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semi-aberto ou aberto (grifo) e, de acordo com o § 1º, do mesmo artigo, o condenado à referida pena deve ficar sempre separado dos condenados a pena de reclusão ou de detenção.

Por outro lado, apesar das diferenças existentes entre contravenção de crime, várias normas aplicáveis aos crimes são também aplicáveis às contravenções, como é o caso das regras gerais do Código Penal, nos termos do art. 1º, da LCP. Segundo Damásio de Jesus[9], o art. 1º da LCP é um corolário do art. 12, CP, que tem a seguinte redação: “as regras gerais deste código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”. Um exemplo dessa disposição de modo diverso, presente na Lei das Contravenções, é o caso do instituto jurídico da tentativa de crime, presente no Código Penal, portanto aplicável a crimes, mas não admitida nas contravenções, por força da expressa previsão legal de modo diverso, disposta no art. 4º, da LCP.

Nas palavras de Damásio de Jesus[10], exemplos de regras gerais presentes no Código Penal, aplicáveis às contravenções penais, são os princípios da “Legalidade”, da “abolitio criminis” e da “Retroatividade da Lei mais Benéfica”, previstos respectivamente no art. 1º, caput, art. 2º, caput, e art. 2º, parágrafo único.

Outro instituto importantíssimo do Direito Penal, perfeitamente aplicável às contravenções penais, são as “Causas Excludentes de Ilicitude”, previstas no art. 23, CP: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito.

Partindo para as contravenções penais propriamente ditas, é interessante destacar o art. 32, da Lei de Contravenções Penais, que, segundo Nogueira[11], foi parcialmente revogado pelo novo Código de Trânsito Brasileiro. O art. 32 da LCP tipifica a seguinte contravenção: “Art. 32. Dirigir, sem a devida habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a motor em águas públicas”. Assim, por ocasião da edição do novo Código de Trânsito, através do art. 309, do CTB: “Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”(grifo nosso), o legislador criminalizou a primeira parte do referido art. 32 da LCP: a conduta de dirigir sem habilitação. Entretanto, a redação do art. 309, CTB, acrescentou a elementar: “gerando perigo de dano”, que passou a ser o ponto de “discórdia” entre os doutrinadores[12], dividindo-os entre aqueles que entendiam ter o art. 32 da Lei das Contravenções Penais subsistido apenas no tocante à direção não habilitada de embarcação em águas públicas, matéria que o novo Código de Trânsito não tratou, e os que acreditavam ter o art. 32 da LCP permanecido em pleno vigor, aplicando-se aos casos residuais de direção não habilitada, aqueles que não se ajustem ao art. 309 do CTB. No entanto, a celeuma parece ter sido resolvida com a edição da Súmula 720, do STF: “O art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres”(grifo nosso). Portanto, conforme o exposto, temos que o delito previsto no art. 309, do CTB, derrogou o art. 32, da LCP, regulando por inteiro a matéria presente na primeira parte do art. 32, da LCP, permanecendo neste apenas a figura típica do infrator que pratica a infração penal de dirigir, sem a devida habilitação, veículo automotor em águas públicas.

Ainda nas contravenções penais propriamente ditas, não custa tecermos algumas linhas sobre o jogo do bicho, aquela que talvez seja a mais emblemática de todas as contravenções penais. O jogo do bicho tem suas raízes históricas no final do Século XIX, quando o Barão de Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro[13], criou um sorteio vinculado ao ingresso do zoológico onde eram escritos o nome de um dos 25 “bichos” em cada ingresso e ao final do dia era sorteado um bicho, diante de que o vencedor ganhava 20 vezes o valor do ingresso. Como na época havia poucas formas de entretenimento, a popularidade do jogo aumentou consideravelmente, quando algumas pessoas passaram a aproveitar o resultado do zoológico e organizavar apostas nos armazéns e botequins da cidade, fato que gerou enormes confusões, não demorando para que, em 1894 o sorteio fosse proibido pelo governo. Ainda assim, o sorteio passou a ocorrer na clandestinidade, espalhando-se por todo o país, tornando-se o jogo de apostas mais popular do Brasil, mesmo depois de ser tipificado como contravenção penal, em 1941, disposta na redação do art. 58, do Decreto-lei 3.688, o jogo continuou a ser praticado em todo o país. A definição legal de jogo do bicho disposta no artigo 58 da Lei das contravenções Penais, foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 6.259 de 1944, que traz a seguinte redação:

“Art. 58. Realizar o denominado "jôgo do bicho", em que um dos participantes, considerado comprador ou ponto, entrega certa quantia com a indicação de combinações de algarismos ou nome de animais, a que correspondem números, ao outro participante, considerado o vendedor ou banqueiro, que se obriga mediante qualquer sorteio ao pagamento de prêmios em dinheiro.

 Penas: de seis (6) meses a um (1) ano de prisão simples e multa de dez mil cruzeiros (Cr$ 10.000,00) a cinqüenta mil cruzeiros (Cr$ 50.000,00) ao vendedor ou banqueiro, e de quarenta (40) a trinta (30) dias de prisão celular ou multa de duzentos cruzeiros (Cr$ 200,00) a quinhentos cruzeiros (Cr$ 500,00) ao comprador ou ponto.

§ 1º Incorrerão nas penas estabelecidas para vendedores ou banqueiros:

a) os que servirem de intermediários na efetuação do jôgo;

b) os que transportarem, conduzirem, possuírern, tiverem sob sua guarda ou poder, fabricarern, darem, cederem, trocarem, guardarem em qualquer parte, listas com indicações do jôgo ou material próprio para a contravenção, bem como de qualquer forma contribuírem para a sua confecção, utilização, curso ou emprêgo, seja qual for a sua espécie ou quantidade;

c) os que procederem à apuração de listas ou à organização de mapas relativos ao movimento do jôgo;

d) os que por qualquer modo promoverem ou facilitarem a realização do jôgo.”[14] (grifo nosso)

Entretanto, não são poucos os que defendem que a conduta infracional de realizar o jogo do bicho, nos termos do dispositivo legal supra, deveria deixar de ser uma infração penal, face a ausência de reprovação social, havendo portanto duas posições[15]: 1) a de que a conduta não pode ser considerada contravenção, em face da ausência de reprovação social; e, 2) a de que os costumes não têm força revocatória da lei, mantendo-se a tipificação da conduta. Contudo, mesmo diante da “revogação social” da infração e da falta de fiscalização do cumprimento da lei por parte do Poder Público, que parece limitar-se apenas a pequenas operações policiais, ao invés de incluir a luta contra a referida prática infracional em uma política pública permanente de combate à sonegação de impostos, optamos pela manutenção da tipificação da prática do jogo do bicho como contravenção penal. Todavia, entendemos que a atribuição dos “bons costumes” como bem jurídico protegido pela norma encontra-se ultrapassada, dadas as mudanças ocorridas na sociedade desde a edição da norma em comento. O único fundamento jurídico que entendemos ser plausível para a manutenção da referida norma[16] é o combate à sonegação de impostos e à corrupção passiva, pois o que interessa de fato para a sociedade, no que diz respeito à prática do jogo do bicho, é o alcance de seus “tentáculos” e seus efeitos no Estado, que repercutem muito mais na área da arrecadação de impostos do que meramente nos costumes por si só. Prova disso é o desenrolar do caso recente do bicheiro Carlinhos Cachoeira, amplamente divulgado na mídia, e a imensa rede de influência presente em todos os ramos da administração pública que o bicheiro teria fomentado, de acordo com as acusações que o mesmo responde. Nesse sentido, torna-se imensamente importante destacar a nova redação da Lei 9.613, de 1998, a Lei da Lavagem de Dinheiro, modificada recentemente pela Lei 12.683, de 09 de julho de 2012. Ocorre que o caput do art. 1º, da lei da lavagem de dinheiro, foi modificado, a fim de abranger qualquer espécie de infração penal, incluindo assim as contravenções penais. Portanto, diante da nova Lei da Lavagem de Dinheiro, aquele que ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente da prática da contravenção penal do jogo do bicho poderá ser condenado a uma pena de reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. Essa nova redação do art. 1º, da Lei 9.613 pode ser considerado um avanço promovido pelo nosso legislador, já que os efeitos realmente lesivos à sociedade, provocados pelo jogo do bicho, a sonegação de impostos e a corrupção dos agentes públicos, estão intimamente ligados com a lavagem do dinheiro proveniente dessa prática.

Nessa mesma esteira, tomando por base uma conduta infracional que a sociedade atual tratou de “descriminalizar”, passamos a analisar brevemente a antiga contravenção penal de mendicância, revogada pela Lei 11.983, de 16 de julho de 2009. Segundo Cabette[17], a existência de uma infração penal para a prática da mendicância, dada a situação de extrema pobreza que atinge uma parcela considerável da população brasileira, há tempos já não se justificava. Até mesmo porque tal situação está vinculada à ineficácia do Estado em proporcionar educação de qualidade, qualificação profissional e oferta digna de empregos às grandes massas da população. Ou seja, o legislador demorou muito a perceber que vivemos em outro Estado e a finalmente entender que a criminalização da pobreza (grifo) nunca foi o caminho adequado para a eliminação das mazelas sociais. É bem verdade que há casos de pessoas que usam de má fé para explorar a solidariedade alheia, mas para essa figura típica já existe o crime de estelionato, disposto no art. 171, do Código Penal, para o caso de uma prática que cause lesividade significante a bem jurídico tutelado pelo Direito Penal. Ademais, usando raciocínio semelhante para as condutas previstas no parágrafo único do art. 60, da LCP, que tratam da prática da mendicância de "modo vexatório, ameaçador ou fraudulento", ou "mediante simulação de moléstia ou deformidade" ou "em companhia de alienado ou de menor de 18 anos", às quais é atribuído aumento de pena, temos que diante da ocorrência de uma conduta efetivamente ameaçadora aos bens jurídicos protegidos pela lei penal, estarão sempre disponíveis os crimes de extorsão (art. 158, CP), submissão de criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento (art. 232, ECA), corrupção de menores (art. 244-B, ECA), entre outros. Entretanto, apesar do acerto do legislador quando à mendicância, vale deixar uma crítica ao mesmo, diante da manutenção desnecessária da contravenção de vadiagem em vigor. Tomando emprestadas novamente as palavras de Cabette[18]: “o legislador perdeu boa chance de também revogar a contravenção penal de vadiagem (artigo 59, LCP), por motivos bastante semelhantes àqueles acima aduzidos com relação à mendicância”, já que as razões pelas quais a mendicância foi revogada aplicam-se perfeitamente à contravenção penal de vadiagem.

Após as considerações acima, sobre condutas contravencionais bastante conhecidas, tentaremos falar um pouco sobre o fenômeno social denominado Stalking[19], uma forma de violência na qual o sujeito ativo, empregando diversas estratégias, repetindo incessantemente as mesmas ações, invade a esfera de privacidade da vítima. Também conhecido como perseguição persistente, apesar de ocorrer com freqüência nos Estados Unidos, o Stalking tem sido observado em vários países ao redor do Mundo, inclusive sendo incluído na agenda de projetos do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) em relação à proteção da mulher contra a violência. Conforme assevera Wesley de Lima[20], em seu brilhante artigo, o Stalking consiste em um verdadeiro “cerco psicológico e social realizado de forma reiterada por um agente contra a sua vítima”. Para atingir seu objetivo, o sujeito ativo, denominado Stalker, serve-se de várias estratégias, caracterizadas sempre por atos constantemente repetidos que invadem a privacidade da vítima e causam dano psicológico, como por exemplo: várias ligações e/ou mensagens no celular, vários presentes sem razão especial, aparições constantes nos mesmos locais frequentados pela vítima, chegando até mesmo à prática de ameaças. Segundo Damásio de Jesus[21], a prática de Stalking amolda-se à figura típica da contravenção penal de perturbação da tranquilidade, prevista no art. 65, da LCP, que dispõe da seguinte redação: “Art. 65. Molestar alguém ou pertubar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa.” Todavia, dependendo da dimensão e extensão da gravidade dos fatos, de acordo com Wesley de Lima[22], como desdobramento do iter criminis, pode ocorrer a prática de outras contravenções, a exemplo da perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art. 42, LCP), da importunação ofensiva ao pudor (art. 61, LCP) e vias de fato (art. 21, LCP). Tamanha a obcessão do agente para com a vítima, que o mesmo pode exceder-se de tal forma que passe a executar ações mais graves, recaindo sobre condutas criminosas, como o crime de constrangimento ilegal (art. 146, CP), de ameaça (art. 147, CP), lesões corporais (art. 129, CP), dentre outros. O fenômeno Stalking pode remeter ao Bullying, mas diferencia-se deste pois, naquele, o intuito do perseguidor é alcançar seus desígnios não tolerados ou consentidos pela vítima [23], consistindo o sofrimento da vítima apenas em conseqüência inevitável das estratégias usadas pelo Stalker para forçar a vítima a fazer o que o mesmo deseja dela. Enquanto no Bullying, a aflição e angústia do ofendido consistem no próprio fim pretendido pelo infrator. Não são poucos aqueles que, a exemplo do Bullying, pugnam pela criminalização do Stalking, existindo inclusive proposta já aprovada pela comissão de juristas do Senado[24], que pretende criminalizar as duas condutas, praticadas nos meios eletrônicos.

Por fim, analisaremos brevemente a aplicação do princípio da insignificância às contravenções penais. Introduzido no sistema penal por  Claus Roxin[25], em 1964, tal princípio preceitua que sempre que uma lesão a bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, for insignificante, de forma que se torne incapaz de ofender efetivamente o interesse tutelado, não haverá adequação típica. Na lição de Damásio de Jesus[26], há dois entendimentos, segundo vários julgados citados em seu trabalho, o de que é aplicável e o de que não é aplicável o princípio da insignificância às contravenções penais. Em nosso entendimento, considerando que o princípio da insignificância influencia diretamente a tipicidade da conduta praticada, não vislumbramos maiores impedimentos na aplicação do princípio da insignificância às contravenções penais, pois entre estas e os crimes não existem grandes diferenças ontológicas, sendo diferenciados muito mais pelas penas cominadas. Entretanto, assevera Fernando Capez[27] que: “não é possível, por exemplo, afirmar que todas as contravenções penais são insignificantes, pois, dependendo do caso concreto, isto não se pode revelar verdadeiro.” (grifo nosso) Em oportuno exemplo o autor alerta que andar pelas ruas armado com uma faca (art. 19, LCP) é um fato contravencional que não se deve reputar insignificante.

Sobre o autor
Lívio Silva

Bacharelando do curso de Direito - Faculdade dos Guararapes/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Lívio. Crime e contravenção penal: diferenças e semelhanças. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3413, 4 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22934. Acesso em: 28 dez. 2024.

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