Resumo: Trata o presente artigo de um estudo de caso ocorrido na China. Pretende-se com o referido estudo analisar se seria possível no Brasil alegar erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge em razão de cirurgia plástica que modifica face para tornar a pessoa mais atraente, que por via oblíqua teria ocultado a genética de uma pessoa feia aos padrões sociais, para se anular casamento, e se seria possível indenização em razão deste fato.
Palavra-chave: cirurgia – plástica- alteração – facial – erro - essencial
Um interessante caso foi divulgado pela imprensa.
Um chinês pediu o divórcio litigioso depois que descobriu que sua esposa havia feito uma série de cirurgias plásticas faciais e na cabeça, para ficar mais bonita antes de eles se casarem, segundo a imprensa de Pequim. As cirurgias realizadas na Inglaterra custaram 62 mil libras esterlinas (aproximadamente R$ 211 mil). Jian Feng alega que foi enganado pela esposa Yang Feng, pois ele acreditou que a beleza dela era natural, e não formada a partir do bisturi de um cirurgião. A sentença concedeu uma indenização de 752 mil yuans - que, em moeda brasileira, correspondem a cerca de R$ 245 mil. Feng disse, em audiência no tribunal, que estava profundamente apaixonado por sua esposa, até que ela deu à luz uma menina. Segundo o pai, "a criança era muito feia, sem semelhanças com ele ou a esposa". Feng acabou descobrindo que a mulher havia passado por uma ampla cirurgia plástica facial e pediu o divórcio, cumulado com uma indenização. Como Yang Feng é muito rica, o juiz entendeu que ela deveria reparar o marido pela "decepção"[1]
A questão é: se o cônjuge tido por enganado ingressasse com ação semelhante no Brasil? A decisão seria a mesma?
É cediço que é necessária a confluência de três fatores para que se configure o erro essencial quanto ao outro cônjuge, quais sejam: i) que ele seja existente antes das núpcias; ii) porém, a sua descoberta somente tenha ocorrido depois do casamento; iii) tornado a vida conjugal insuportável. “Falhando qualquer desses elementos, inviabiliza-se a alegação de erro”[2].
Verifica-se pelo artigo 1.557, inciso I do Código Civil que pode haver erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge se houver ignorância sobre a identidade, honra ou boa fama do cônjuge, tornando insuportável a vida conjugal.
Como bem aponta Maria Helena Diniz: “o erro concernente à identidade do outro cônjuge se apresenta sob dois aspectos: a identidade física (error in corpore), que individualiza a pessoa dentro da espécie, e a civil, que a identifica na sociedade”[3]
O exemplo clássico da doutrina de erro quanto à identidade física (error in corpore) sempre foi o casamento com pessoa errada, o que seria possível, em tese, no casamento por meio de procuração.
Os avanços da medicina, principalmente da área da cirurgia plástica, vêm permitindo alterações faciais nas pessoas, modificando quase que totalmente a aparência física delas.
Hodiernamente é até mesmo possível transplante de face, não se discorrendo mais em partes do corpo humano, mas sim, passa a se discorrer da imagem, da ética, da psicologia e também do direito.
Verifica-se no caso concreto acima ilustrado que o marido não sabia da cirurgia plástica facial realizada pela mulher (fato existente antes das núpcias).
Ademais, destaca-se que naquele caso o marido só veio saber da referida cirurgia facial da mulher posteriormente ao casamento.
Afirmou o cônjuge que foi enganado pela esposa, pois sempre acreditou que a beleza dela fosse natural.
Perceba-se que, prima facie, dois dos requisitos para viabilizar a alegação de erro essencial estiveram presentes no caso em testilha.
Haveria também o preenchimento do terceiro requisito, que é dotado de uma forte carga subjetiva, qual seja: tal fato tornou insuportável a vida conjugal, pois para aquele marido ele estaria casado com uma mulher artificialmente bonita.
A questão que nos resta, é saber, portanto, se há erro quanto à identidade física da pessoa do outro cônjuge, pois os requisitos estariam preenchidos.
Entendemos que não há erro quanto à identidade física no caso em testilha.
Não se pode confundir casamento com pessoa errada (outra pessoa – identidade genética é outra) com casamento com a pessoa realmente desejada (submetida à cirurgia plástica que o outro cônjuge não sabia – mesma identidade genética).
A decisão do juiz chinês é “hitleriana”, típica de um governo ditatorial.
Ademais, a referida sentença chinesa é dotada de fundamentação sociobiológica. É certo que identidade física não pode ser confundida com identidade genética.
A identidade física pode ser alterada pelas inventividades humanas.
Os traços físicos atribuídos pela ordem genética hoje são constantemente modificados pelas mais variadas invenções humanas. O blush diminui sensivelmente o nariz e afina o rosto das mulheres. O botox disfarça marcas de expressão desenhadas por Deus e dá lábios carnudos às mulheres de modo a ilustrar a boca engenheira do pecado. Mulheres colocam silicones e ganham contornos de frutas, de modo a estimular a gustação alheia. Homens tomam remédios para se tornarem falsamente troncudos e viris.
Já a identidade genética não pode modificada. Não existe plástica de DNA.
Se matrimônio fosse calcado na concepção do Alienista, da obra de Machado de Assis, tudo isso seria condenável.
A busca pela “beleza” imposta pela sociedade é algo normal. As criações humanas instigam a vaidade, que é o desejo de atrair a admiração das outras pessoas.
Importante lembrar que todos nós temos vaidade. Aliás, como bem aponta MARK TWAIN: “Não há graus de vaidade, apenas graus de habilidade em disfarçá-la”.
O comportamento do cônjuge varão in caso, bem como a condenação pelo juiz, fogem da concepção que o casamento é fruto do amor e do afeto.
No Brasil, não haveria erro essencial quanto à pessoa em razão da identidade genética, pois o ser humano não pode ser considerado somente em seu aspecto físico, afinal é um ser dotado de alma. Há todo um conjunto a ser observado no ser humano: corpo, mente e alma.
A mulher, in caso, sempre foi a mesma pessoa, não havendo que se falar em erro quanto à identidade física ou genética. Sua identidade genética e sua alma é a mesma, embora no que tange aos aspectos físicos tenha se tornado pessoa mais atraente.
Não há como negar que atração sexual seja mais dificultosa quando desprovida de elementos biológicos mínimos (afinal não somos adeptos na existência de casamentos assexuais), porém se não houver amor, seremos vítimas e escravos do esperma e do óvulo.
A alegação de o filho ter nascido feio em razão deste suposto erro quanto à pessoa do outro cônjuge é absurda. Ninguém melhor que Deus de exercer a escolha da personalidade física de uma pessoa.
Pensamento retrógrado e desumano condenar alguém por ter realizado cirurgia plástica por questão de vaidade. A modificação dos traços físicos oriundos da genética pela plástica é fruto da pressão social capitalista e pobre de espírito, que impõe um padrão de beleza.
Assim, não há que se falar em erro essencial. Não é crível se falar que tal “engano” tornaria insuportável a vida em comum dos cônjuges. Aliás, o que houve foi melhoramento estético da mulher, e não mudança de identidade – os seus valores como pessoa humana são os mesmos.
A alegação de o filho ter nascido feio em razão deste suposto erro quanto à pessoa do outro cônjuge é absurda. Ninguém melhor que Deus para exercer a escolha da personalidade física de uma pessoa. Na genética quem manda é Deus. Há casais feios com filhos lindos, e há casais lindos com filhos feios.
Devemos lembrar que não é só a beleza que move as verdadeiras paixões humanas. O amor declarado com base na beleza tão somente não é amor.
O que houve no caso em estudo foi falta de amor, e não erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge.
A ordem civil e constitucional vigente não permitem a anulação do casamento em razão da alegação de o cônjuge não saber que o outro cônjuge submeteu-se a cirurgia plástica para ficar bonito, pois não há que se falar em alteração de identidade, seja ela física ou genética. O fato de alguém ter maquiado os desenhos da face determinados pela genética pelas modernas técnicas existentes com o intuito de adequar-se aos padrões de beleza definidos pela sociedade não é fator determinante para se anular casamento por vício quanto à vontade (artigo 1.550, III do CC), e nem muito menos ensejar indenização por danos morais ou materiais em razão da utilização das práticas disponíveis no mercado (a exemplo das cirurgias plásticas).
Claro que se houvesse alteração da sexualidade da pessoa e houvesse obtido a mudança do registro após a cirurgia de mudança de sexo, e o outro consorte não sabia, daí sim seria causa de anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa, pois ai sim haveria erro quanto aos aspectos da identidade civil da pessoa (que inclui o sexo)[4].
Encobrir traços genéticos por meio de técnicas disponíveis no mercado, com o intuito de se adequar aos padrões de beleza socialmente estabelecidos não se pode confundir com alteração de identidade física ou civil.
Classificar uma pessoa de acordo com a sua genética viola a dignidade da pessoa humana. É inadmissível classificar as pessoas em genética de uma pessoa feia, ou genética de uma pessoa bonita. Tal comportamento lembra muito a postura de Hitler no Estado nazista, que só se admitia a existência da raça ariana, tida por ele como raça superior.
Notas
[1] JusBrasil, 30.10.12
[2] FARIAS, Cristiano Chaves de. Rosenvald, Nelson. Famílias. 3ª edição. 2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora. p. 215.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 5. Direito de Família. 27ª edição. São Paulo: Saraiva. p. 288.
[4] No mesmo sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de. Rosenvald, Nelson. Ob. cit. p. 216.