CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o estudo dos principais aspectos que circundam o controle de constitucionalidade, verifica-se que este é de suma importância para a preservação da ordem jurídica e para a segurança de todo o ordenamento jurídico. De fato, ao se declarar inconstitucional determinada lei ou ato normativo que contrariem a Constituição Federal, está se afirmando a sua supremacia e colaborando para o regular desenvolvimento normativo.
Em sede de controle abstrato, as decisões proferidas pelo Pretório Excelso terão eficácia erga omnes e efeito vinculante, o que acarreta a sua obrigatória observância pelo Judiciário e pelo Executivo. Vê-se que o efeito vinculante não implica mitigação da competência dos demais órgãos judiciários é e capaz de propiciar a uniformização dos julgados e a celeridade da prestação jurisdicional.
Ainda, a decisão terá, em regra, efeitos retroativos, mas é possível a modulação dos efeitos em caso de interesse social ou por razões de segurança jurídica. A modulação dos efeitos da decisão é uma ponderação necessária que respeita o princípio da supremacia da Constituição, através de um equilíbrio de valores entre o vício da norma inconstitucional e os efeitos que dela advierem e que devam ser preservados por razões de razoabilidade.
Quanto à teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão, que vem sendo aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual não apenas o dispositivo da decisão é dotado de efeito vinculante, mas também a fundamentação da decisão, entende o Supremo que a justificativa da aplicação do efeito transcendente decorre de ser ele o órgão de cúpula do Judiciário, encarregado da guarda e da defesa da Constituição, incumbido de dar a palavra final em sede de exegese constitucional, sendo que o desrespeito, pelos demais tribunais, à sua interpretação, acarretaria o enfraquecimento da força normativa da Constituição.
Da aplicação da referida teoria decorrem ônus e bônus. A vantagem do efeito transcendente à fundamentação da decisão é o prestígio aos princípios da segurança jurídica, da isonomia e da celeridade processual, haja vista que uma inconstitucionalidade contida em determinada lei ou ato normativo poderia ser de plano reconhecida pelos abrangidos pelo efeito vinculante, com base em interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Federal quando da declaração de inconstitucionalidade de norma de teor substancialmente idêntico, tornando possível se repelir normas manifestamente inconstitucionais sem que um dos legitimados do artigo 103 da Constituição Federal tenha que provocar a jurisdição do Supremo para que este se manifeste sobre questão idêntica a outra já resolvida.
Todavia, apesar de seus aspectos positivos, a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes implica ampliação dos poderes do Supremo Tribunal Federal, sem qualquer previsão constitucional ou legal sobre isso. Por essa razão e considerando que a vinculação do Executivo e dos demais órgãos do Judiciário também aos fundamentos da decisão proferida pelo Pretório Excelso acarreta limitação à atuação destes, entende-se que para a atribuição de efeito transcendente seria necessária previsão expressa em lei ou na própria Constituição.
Assim, a teoria da transcendência dos motivos determinantes, que ingressou no ordenamento jurídico por construção doutrinária e jurisprudencial embasada em direito estrangeiro, apesar de suas inegáveis vantagens, implica engrandecimento injustificado dos poderes do Supremo Tribunal Federal.
Esse entendimento toma feição ainda mais evidente quando se refere à abstrativização do controle concreto, hipótese em que entende o Supremo Tribunal Federal que a decisão por ele proferida em sede de controle difuso, pela via concreta, também teria eficácia contra todos e efeito vinculante, ante a tese de mutação constitucional sofrida pelo artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, o que implicaria a possibilidade de atribuir-se efeito transcendente também a essa decisão.
Nesse caso, de igual modo, entende-se que até que haja previsão constitucional ou legal sobre a aplicação dos efeitos do controle abstrato ao controle difuso, parece mais sensato e prudente que a decisão só venha ser dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante com a suspensão da execução da lei, no todo ou em parte, pelo Senado Federal, respeitando-se o texto expresso da Constituição Federal.
Nesse diapasão, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal vem demonstrando tendência de aproximação entre o controle abstrato e o concreto no seu âmbito de atuação e, ainda, através de mecanismos que aumentam seus poderes, sem qualquer previsão positivada sobre isso, tal como ocorre com a atribuição de efeito transcendente às decisões e também com a objetivização do controle concreto.
Tecidas tais considerações, a conclusão crítica singelamente arquitetada é de que apesar de ser o Supremo o intérprete máximo da Lei Maior, incumbido da palavra final em sede de exegese constitucional, este encontra como limite os poderes de atuação que lhe foram conferidos pela Constituição, não podendo, em nenhuma hipótese, atribuir a si próprio poderes que não lhe foram conferidos pela Lex Major.
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Notas
[1] No julgamento da ADI 561 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23-03-2011, decidiu-se: “O Supremo Tribunal Federal não está condicionado, no desempenho de sua atividade jurisdicional, pelas razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta [...]”.
[2] Tal questão também se encontra sedimentada pela jurisprudência do Pretório Excelso, conforme ADI 387 MC/RO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 11-10-1991: “O princípio da indisponibilidade, que rege o processo de controle concentrado de constitucionalidade, impede a desistência da ação direta já ajuizada. O art. 169, § 1º, do RISTF-80, que veda ao Procurador-Geral da República essa desistência, aplica-se, extensivamente, a todas as autoridades e órgãos legitimados pela Constituição de 1988 para a instauração do controle concentrado de constitucionalidade [...]”.
[3] Nesse prima, o trecho extraído da ADI 1.157 MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17-11-2006: "O requisito da pertinência temática – que se traduz na relação de congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle abstrato – foi erigido à condição de pressuposto qualificador da própria legitimidade ativa ad causam para efeito de instauração do processo objetivo de fiscalização concentrada de constitucionalidade."
[4] Confira-se trecho extraído da ADI 2054/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 02-04-2003:“ [...] Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação de partido político não afetada pela perda superveniente de sua representação parlamentar, quando já iniciado o julgamento. [...] embora tenha havido, na nova legislatura a perda da representação parlamentar no Congresso Nacional do autor da ação (o que, em tese, extingue a legitimação do partido político para prosseguir, perante o STF, no pólo ativo do processo de controle normativo abstrato), é de se determinar o prosseguimento da ação ante a peculiaridade de que, no início do julgamento da ação, o Partido ainda estava devidamente representado no Congresso Nacional [...]” (g.n.).
ABSTRACT: This work aims to discuss the main issues surrounding the constitutionality control in the brazilian legal system, especially on the peculiarities of the adoption of the theory of transcendence of the motives for the decision in place of judicial review and also the effects of the application of an abstract to concrete control, which implies the attribution of effects own abstract control to the decision rendered by the Supreme Court in place of control concrete. Analyzes thus the legitimacy of such action of the Supreme Court ahead of the powers conferred by the Federal Constitution.