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A democracia participativa no Estado de Direito

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Agenda 24/01/2013 às 16:53

4 - CONCLUSÕES

A máxima preconizada por Lincoln deve, efetivamente, ser aplicada de forma material, e não apenas no aspecto formal, como ocorre. Sob a ótica constitucional, assinala BONAVIDES[22]: "É portanto o poder constituinte da nação soberana, seu exercício único e exclusivo pelo povo, ou por suas Constituintes, aqueles que cabe na legítima tradição constitucional do país".

O escólio de Celso Ribeiro BASTOS[23] sintetiza sobremaneira a importância da participação popular no Estado Democrático de Direito:

A cidadania, também, fundamento de nosso Estado, é um conceito que deflui do próprio princípio do Estado Democrático de Direito, podendo-se, desta forma, dizer que o legislador constituinte foi pleonástico ao instituí-lo. No entanto, ressaltar a importância da cidadania nunca é demais, pois o exercício desta prerrogativa é fundamental. Sem ela, sem a participação política do indivíduo nos negócios do Estado e mesmo em outras áreas do interesse público, não há que se falar em democracia.

Não se trata, é claro, de substituir o sistema representativo pela democracia direta, mas, tão somente, conjugá-lo num só. Teoricamente, nossa ordem constitucional apresenta-se regida pela democracia semi-direta, todavia certo é que a participação do povo nas decisões fundamentais ainda é diminuta.

        Apenas para ilustra esse quadro, vale a pena observar a dura crítica feita pelo jurista Fabio Konder COMPARATO[24], na XIX Conferência Nacional dos Advogados em Florianópolis:

Nenhuma surpresa, por conseguinte, se a adoção do sistema de representação popular entre nós, logo após a independência, revelou-se uma farsa medíocre. Em lugar da relação de mandato, na qual o mandante manifesta sua vontade livre e autônoma, que deve se fielmente cumprida pelo mandatário, transpusemos para o terreno político o sistema de representação necessária, em que o povo aparece como uma espécie de menor impúbere, deficiente mental, ou como fazendo parte daqueles que, como diz o novo Código Civil (art. 3º, III) “mesmo por causa transitória”, que no nosso caso é permanente, “não puderem exprimir sua vontade”, e cujos direitos e interesses, por conseguinte, hão de ser exercidos por outrem.

Adrian SGARBI[25] adverte que não é por outra razão que se procura superar a possibilidade de eventuais rupturas entre governantes e governados, munindo estes com mecanismos próprios de intervenção no processo político-decisional, passando-os de meros espectadores a sujeitos das relações sociais decisórias. Expende que

Essas formas de intervenção são instrumentos incidentais de atuação no dia-a-dia da vida pública, e que fazem parte do arcabouço do instrumental que caracteriza a democracia participativa, e que forma o que, não raramente se denomina cidadania ativa (= status activae civitatis), um verdadeiro novo status do cidadão. Assim, embora seja mantida a idée directrice da representação, o povo, pelos instrumentos de atuação política direta e/ ou conjugada nas diversas esferas do poder, não é excluído do jogo político.)

O sistema representativo padece de legitimidade. A corrupção e a desmoralização das instituições públicas colocam em dúvida a pujança da representação política em nosso ordenamento constitucional. A colidência de valores é bastante clara. Não há como resgatar a legitimidade senão com participação do povo nas decisões políticas do Estado, como destaca Friedrich MÜLLER[26]: “A função do ‘povo’, que um Estado invoca, consiste sempre em legitimá-lo”.

A verdadeira implantação da democracia participativa no processo das decisões políticas é importante e trará, passo a passo, significativas mudanças no meio social e ao mesmo tempo atenderá fielmente aos comandos delineados pela Constituição Federal no que tange ao verdadeiro titular do poder estatal.

 De qualquer sorte, nossa realidade clama por uma democratização em larga escala, com prementes mudanças nas relações sociais como um todo. O ponto de partida é, sem dúvida, a viabilização, do ponto de vista jurídico-social, dos instrumentos de participação popular, pois a participação do povo nas decisões políticas do país é imprescindível para o aprimoramento da democracia e do dever cívico de cada cidadão em sociedade.


REFERÊNCIAS

AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

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SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.


Notas

[1] DUARTE NETO, José. Iniciativa popular na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005, p. 25.

[2] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 38ª ed., São Paulo: Globo, 1998. p. 215/216.

[3] AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 126.

[4] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo I, 6 ed. rev. e actual., Coimbra: Coimbra, 1997. p. 53

[5] CAMPOS, German Jose Bidart, Derecho Político, 2 ed. Buenos Aires: Aguilar Argentina S.A. Ediciones, 1967. p. 387.

[6] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 151.

[7] DUARTE NETO, op. cit., p. 42.

[8] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 282.

[9] AFONSO DA SILVA, op. cit., p. 141.

[10] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 30ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 95.

[11] BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. São Paulo: Ática, 2003. p.111/128.

[12] BENEVIDES, op. cit., p. 118.

[13] Ibid, p. 124.

[14] BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 40.

[15] AFONSO DA SILVA, op. cit., p. 139.

[16] MIRANDA, op. cit., p. 86.

[17] FERREIRA FILHO, op. cit., p. 83/94.

[18] AFONSO DA SILVA, op. cit., p. 139/140.

[19] BENEVIDES, op. cit., p. 80/109.

[20] AZAMBUJA, op. cit., p. 238.

[21] DALLARI, op. cit., p. 307.

[22] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10 ed. rev, atual e ampl. São Paulo, 2000. p. 146.

23 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 248.

[24] COMPARATO, Fabio Konder. Discurso do Dr. Fabio Konder Comparato na ocasião do recebimento da Medalha Rui Barbosa, ocorrida na abertura da XIX Conferência Nacional dos Advogados (25 de setembro de 2005) - organizado por Maria de Jesus Azevedo Rodrigues. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2006. p. 10.

[25] SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 89.

[26] MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. 3. ed. Trad. Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 76.

Sobre o autor
William Junqueira Ramos

Procurador Federal em Araraquara (SP). Pós-graduado em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP. Professor Universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, William Junqueira. A democracia participativa no Estado de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3494, 24 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23536. Acesso em: 23 dez. 2024.

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