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A tensão entre o princípio do contraditório e o princípio da duração razoável do processo no processo jurisdicional democrático

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Agenda 02/02/2013 às 14:08

Analisa-se a tensão entre os princípios da razoável duração do processo e do contraditório, partindo do contexto social atual e da preferência do verdadeiro titular dos direitos fundamentais: o próprio indivíduo social.

Sumário: 1 Introdução. 2 Texto no contexto. 3 Direitos fundamentais constitucionais: princípio da razoável duração do processo e o princípio do contraditório 4 Colisão entre princípios: ponderação de Alexy ou adequação de Günther? 5 Estado, você tem sede de quê? 6 Conclusão


Introdução

O Direito é um constructo social e, portanto, é produto de uma determinada época. Tudo o que se encontra na Constituição é texto e como texto, ou seja, como uma comunicação diferida no tempo, requer contexto. Para se ler um texto é preciso recuperar o contexto em que ele foi escrito e perquirir sobre o significado naquela época e no momento de sua interpretação.

Interessante propaganda publicitária de uma marca de refrigerante tinha como slogan a seguinte frase: Você tem sede de quê? Certamente a provocação despertava o desejo do consumidor pelo produto, mas o questionamento é pertinente, pois a sociedade muda rapidamente, inclusive quanto às suas preferências. Isso significa que o significado do texto mais se assemelha a um caleidoscópio, pois assim como as imagens se modificam a cada movimento, o texto sofre certa metamorfose a cada mudança social de monta.

É fato que o homem é bem suscetível às inovações tecnológicas e às pressões de marketing da mídia, que o torna presa fácil da manipulação traiçoeira de seus desejos e desperta o consumismo, independentemente do seu poder de compra. Da mesma forma, os meios de comunicação de massa proporcionam a artificialidade das soluções rápidas, ainda que seja pela redução do pensamento e da imaginação, o que já foi, inclusive, objeto de sátira do personagem Calvin, de Bill Watterson.

O Estado, por sua vez, não passou incólume a essas pressões do mercado. A partir do momento em que o Banco Mundial passou a promover a discussão sobre o papel do Estado, por meio da realização de estudos e publicações, este se viu oprimido a se adequar às orientações do mercado mundial.

Desta feita, com a divulgação do Documento Técnico do Banco Mundial n. 319S de 1997, que foi intitulado “O setor judicial na América Latina e no Caribe: elementos da reforma”, bem como do Relatório n. 32789-BR denominado “Fazendo com que a Justiça conte: medindo e aprimorando o desempenho do Judiciário no Brasil”, o Estado Brasileiro adotou a nova preferência pela chamada “eficiência quantitativa”. As palavras da vez são pressa, meta, quantidade.

Assim, a ânsia de resolver um maior número de conflitos em um curto espaço de tempo suplantou a antiga preferência por processos formais e burocráticos que tramitavam por anos a fio. Curiosamente, veio a lume a Emenda Constitucional nº 45/2004, que erigiu o “princípio da razoável duração do processo” à categoria de direito fundamental, assim como perfez-se inúmeras reformas processuais, por meio da Lei nº 10.444/2002, Lei nº 11.232/2005, Lei nº 11.280/2006, Lei nº 11.382/2006, Lei nº 11.419/2006, no intuito de propiciar maior “celeridade” ao processo civil brasileiro. Outrossim, o Conselho Nacional de Justiça passou a deliberar sobre diversas metas de modernização do Judiciário no que tange ao desempenho deste, com o intuito de diminuição do número de demandas.

Entretanto, tamanha importância conferida à rapidez no julgamento de um processo e à quantidade de processos julgados em determinado prazo – que inclusive conta ponto para ascensão do juiz na carreira da magistratura –, descuida de outro aspecto muito importante, qual seja, a “qualidade” da decisão proferida por um magistrado premido pela pressão externa, que deixa de atender o “princípio do contraditório”, quando abusa do seu protagonismo e faz uma análise solipsista do processo.

O presente artigo, portanto, propõe analisar citada tensão entre o princípio da razoável duração do processo e o princípio do contraditório, partindo do contexto atual em que vive a sociedade, e questionando qual a preferência do verdadeiro titular dos direitos fundamentais envolvidos: o próprio indivíduo social.


2 Texto no contexto.

Antes de adentrar ao mérito, e considerando que a discussão gira em torno de direitos fundamentais expressamente previstos no texto constitucional, é de suma importância que os princípios em análise – princípio da razoável duração do processo e princípio do devido processo legal – sejam compreendidos e interpretados corretamente, isto é, a partir de uma leitura do contexto em que se inserem na atualidade. Como afirmado anteriormente, é preciso ler o texto constitucional dentro do seu contexto.

Ora, após a Segunda Guerra Mundial, com o acirramento do capitalismo e o aumento de complexidade nas relações econômicas, além de inúmeros movimentos sociais, iniciou-se a crise do modelo social de Estado, que enfrentava a constante oposição da classe burguesa, e não conseguia mais atender a uma sociedade cada vez mais plural e complexa.

Surge, então, como alternativa, o Estado Democrático de Direito, o qual, segundo José Afonso da Silva[1], se funda no princípio da soberania popular, que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, a qual não se exaure na simples formação de instituições representativas.

No Brasil, esse modelo fez-se sentir desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando a sociedade evoluiu a passos largos, a ponto de ocasionar uma mudança do paradigma para a instalação do denominado “constitucionalismo contemporâneo”.

Dentre tantas características que podem ser atribuídas a esse novo paradigma, Daniel Sarmento[2] aponta a abertura principiológica, pois “ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, igualdade, Estado Democrático de Direito e solidariedade social”, abre-se “as portas do Direito para o debate moral”.

Nas palavras de Argemiro Cardoso Martins e Luiz Henrique Cademartori

São precisamente tais princípios, cujo conteúdo remete a valores positivados, os quais concretizam as denominadas constituições dirigentes. Tal ocorre por traduzirem eles fins e programas de ação os quais, sob a nova matriz teórica neoconstitucionalista, podem tornar possíveis, também, a concretização (em graus variados) dos valores que inspiram os direitos fundamentais, abrindo caminho para um modelo de democracia substancial como instancia de realização social e política de tais direitos.[3]

Por fim, o constitucionalismo contemporâneo tem seu foco no Poder Judiciário, o que pode sedimentar a visão de que seria o grande intérprete da Constituição, levando a uma “ditadura de toga”. Porém, isso pode ser evitado por meio da “reabilitação da racionalidade prática no âmbito jurídico, com a articulação de complexas teorias da argumentação, que demandam muito dos intérpretes e sobretudo dos juízes em matéria de fundamentação das suas decisões”.

É nesse contexto que se fala na constitucionalização do processo. Quer-se com isso dizer que o processo deixa de ser visto no seu aspecto formal, como uma simples sucessão de atos indispensável à função jurisdicional, para incorporar um elemento de justiça, que o transforma no meio pelo qual se promove a concretização dos valores e princípios constitucionais.

Dierle José Coelho Nunes leciona que, posteriormente ao fomento do constitucionalismo no século XX, o processo deixou de ser visto apenas como “um instrumento técnico neutro, uma vez que se vislumbra neste uma estrutura democratizante de participação dos interessados em todas as esferas de poder, de modo a balizar a tomada de qualquer decisão no âmbito público”. Nesse sentido, “o processo passa a ser percebido como um instituto fomentador do jogo democrático, eis que todas as decisões devem provir dele, e não de algum escolhido com habilidades hercúleas”[4].

Assim sendo, segundo Daniel Midiero, o processo civil moderno deixa de ser um monólogo jurisdicional para ser um diálogo judiciário. Essa virada, porém, somente se instala em um ambiente de democracia participativa, onde o processo caracteriza-se “como um espaço privilegiado de exercício direto de poder pelo povo”.

O resultado é a potencialização do “valor participação no processo, incrementando-se as posições jurídicas das partes no processo, a fim de que esse se constitua, firmemente, como um democrático ponto de encontro de direitos fundamentais”[5], de forma que que “se tem apontado o contraditório como fator legitimante das decisões judiciárias, possibilitando a participação direta das partes na construção das decisões jurisdicionais”[6].

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Sinteticamente, nesse processo constitucionalizado e democrático, desenvolvido no âmbito de um sistema dialético, que garante uma “racionalidade procedimental” discursiva e argumentativamente construída em contraditório, prioriza-se de um lado, o direito das partes de participar da construção da decisão jurisdicional e, de outro lado, o dever do magistrado de fundamentar essas decisões, demonstrando racionalmente que as alegações das partes foram consideradas e, com isso, possibilitar o controle da sociedade e legitimar sua atuação.

Em suma, após o desenho do contexto em que será analisado o texto, conclui-se, com Argemiro Cardoso Martins e Luiz Henrique Cademartori[7], que o modelo democrático “encontra-se dentro de uma concepção pragmática de direito, orientado por uma hermenêutica principiológica de matriz constitucional”, a qual se baseia “em critérios de pré-compreensão reconstrutiva, os quais partem de problemas ou situações, objeto da apreciação judicial, visando definir o sentido das normas”.

Entretanto, essa abertura aos valores constitucionais apresentam alguns “entraves metodológicos”. Ressaltam os autores que

Com efeito, no contexto do Estado Democrático de Direito, as normas e diretrizes da política estatal encontram-se permeadas por conceitos jurídicos fluidos e imprecisos, tais como segurança jurídica, justiça social ou interesse público, de acentuado conteúdo axiológico, os quais terminam por gerar um padrão de decisões judiciais, quando do conflito de tais valores, baseado, segundo alguns autores, na ponderação desses mesmos valores conflitantes, configurando-se eles sob a forma de princípios constitucionais em colisão.[8] (original sem destaque)

E é dentro desse modelo democrático que se pretende analisar a tensão entre o princípio da razoável duração do processo e o princípio do contraditório, tensão esta que pode se apresentar sob a forma de colisão entre princípios constitucionais.


3 Direitos fundamentais constitucionais: princípio do contraditório e o princípio da razoável duração do processo

Como medida preparatória, para melhor enfrentar a suposta colisão de princípios constitucionais, é preciso tecer alguns comentários sobre o modo como o princípio da razoável duração do processo e o princípio do contraditório foram previstos na Constituição Federal, bem como traçar o perfil de cada um deles isoladamente.

Gilmar Ferreira Mendes observa que ambos os princípios se encontram no âmbito dos direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais do processo. Ressaltam, ainda, que tais direitos “são dotados de âmbito de proteção marcadamente normativo”.

Os direitos que têm o âmbito de proteção estritamente normativo são instituídos direta e expressamente pelo próprio ordenamento jurídico, sendo que esta categoria “confia ao legislador, primordialmente, o mister de definir em essência o próprio conteúdo do direito regulado” e de conferir a efetividade à garantia constitucional[9].

Esses direitos, portanto, dependem de normas legais apenas para que haja uma concretização ou conformação de seus conteúdos. Segundo Bodo Pieroth e Bernhard Schlinck, a conformação de um direito fundamental ocorre “sempre que o seu âmbito de proteção permanece intacto, ou seja, não é limitado ou restringido, afetado, reduzido”. Afirmam os autores que, nesse caso, o Estado não pretende impedir uma conduta que esteja abrangida pelo âmbito de proteção, mas, ao contrário, “pretende precisamente abrir possibilidades de conduta, para que o particular possa fazer uso do direito fundamental”[10].

Contudo, a peculiaridade desses direitos gera o seguinte problema: “ao mesmo tempo que dependem de concretização e conformação por parte do legislador, eles devem vincular e limitar o Estado”, ou seja, “ o poder de conformação do legislador, na espécie, não significa que ele tenha livre disposição sobre a matéria”. Assim sendo, “o legislador tem o dever de preservar as garantias como direito constitucional objetivo, bem como um dever de legislar, isto é, dever de conferir conteúdo e efetividade aos direitos constitucionais com âmbito de proteção estritamente normativo”[11].

Pieroth e Schlinck elucidam que

O fato de o legislador ter de conformar um direito fundamental não pode significar que ele possa dispor do direito fundamental. Tem de se impor, pois, ao legislador um limite, para além do qual ele já não conforma o âmbito de proteção, mas interfere nele e lhe impõe limites. Dado que foi a história que constituiu juridicamente a sociabilidade natural do homem, é sobretudo essa história que oferece o critério para o limite procurado. Em princípio, uma regulação que quebre com a tradição não é conformação do âmbito de proteção.[12] [original sem destaque]

Outrossim, conforme esses professores, não há qualquer presunção que constitua argumento a favor do alargamento ou estreitamento dos âmbitos de proteção dos direitos fundamentais, tendo estes que “ser simplesmente determinados de maneira correta com os meios jurídicos normais de interpretação, a partir do seu texto, da sua história, da sua gênese e da sua posição sistemática”[13].

A partir disso, passa-se a analisar, de forma perfunctória, o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, inciso LV[14]) e o direito à razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII[15]), previstos na Constituição Federal como direitos e garantias processuais que compõem de forma mais ampla o princípio da proteção judiciária efetiva ou da inafastabilidade do controle jurisdicional[16].

O direito ao contraditório, juntamente com o direito à ampla defesa, pode ser visto como uma pretensão à tutela jurídica e envolve o direito de informação, direito de manifestação e direito de ver seus argumentos considerados.

Na Constituição alemã, esse princípio é denominado “direito à audiência pública”, definido por Bodo Pieroth e Bernhard Schlinck, como uma manifestação do princípio do Estado de Direito. Assim, não basta informar a parte para que ela tenha possibilidade de se manifestar, pois o magistrado “também tem de tomar conhecimento do que foi exposto e tem de levar isso em consideração”.

Nesse sentido, os autores explicitam os graus de concretização de tal princípio como direito à informação, que obriga o juiz “a proporcionar aos envolvidos no processo o conhecimento de todas as declarações da parte contrária, dos fatos e provas apresentados” em juízo, bem como “das opiniões jurídicas que ele próprio pretende tomar por base da sua decisão”; direito à manifestação de opinião, que “exige a suficiente possibilidade de, no mínimo, se poder manifestar a opinião por escrito sobre as questões de fato e de direito”; e direito à tomada em consideração, que “exige presença, capacidade e disponibilidade de assimilação de todos os juízes que colaboram na decisão, bem como, em princípio, uma fundamentação das decisões judiciais que acolha favoravelmente as exposições essenciais das partes”[17].

O direito à razoável duração do processo, por sua vez, também deriva do princípio do Estado de Direito e do postulado da dignidade da pessoa humana, “diante da impossibilidade de se tratar o homem como objeto dos processos e ações estatais”[18]. Somente com a prestação jurisdicional em um prazo razoável é que será possível conferir maior efetividade ao processo, com a diminuição da ansiedade das partes envolvidas pelo deslinde do litígio e dos prejuízos materiais que sofrem com a demora do julgamento.

Entretanto, não se pode ignorar que a imposição constitucional de “prazo razoável” para a tramitação do processo é conceito indeterminado, que depende do caso concreto para sua aferição, ou seja, da complexidade da demanda, do comportamento dos litigantes, das autoridades, entre outros fatores.

Diante disso, ambos os direitos envolvidos possuem âmbito de proteção normativo e demandam a atuação do legislador somente para densificar seu conteúdo e possibilitar a realização dos objetivos constitucionais, ou seja, garantir o contraditório e um processo célere. E, como visto, “não pode o legislador, a pretexto de conformar ou disciplinar a garantia da proteção judicial efetiva, adotar disciplina que afete, de forma direta ou indireta, o exercício substancial desse direito”[19].

Com efeito, como aponta Gilmar Ferreira Mendes, a ação do legislador deve ser balizada quando restringe direitos, uma vez que existe a “necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental”, a fim de evitar um esvaziamento do conteúdo desse direito em razão de “restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais”[20].

Nesse sentido, ao concretizar os direitos fundamentais ao contraditório e à razão duração do processo é preciso que o legislador esteja atento aos limites de sua atuação na elaboração de normas abstratas e genéricas sobre tais direitos, no sentido de não violar o núcleo essencial desses direitos.


4 Colisão entre princípios: ponderação de Alexy ou adequação de Güinter?

No contexto de um processo jurisdicional democrático busca-se em especial a cooperação e o diálogo das partes com o juiz e, em alguns casos (como nas ações diretas de inconstitucionalidade), o diálogo com toda sociedade, na formação do convencimento do magistrado, mas sem se descuidar do fato de que o processo deve findar em um prazo razoável, até mesmo para assegurar a estabilidade das relações jurídicas.

A questão é que, na concretização desses princípios, corre-se o risco de se trafegar no mesmo caminho, porém em sentido oposto. Ora, quanto mais se assegura um processo com a participação efetiva das partes, e quiçá da sociedade, menos se garante a rapidez da conclusão do processo. Ou, dito de outro modo, quanto mais se pretende seja o processo célere, com limitação das fases processuais, menos se garante uma real participação das partes na formação de um provimento judicial.

Contudo, diante do texto constitucional, é notório que ambos os princípios, aparentemente conflituosos, devem ser garantidos ao indivíduo no bojo de um processo, seja pelo Poder Legislativo na densificação desses princípios por meio da legislação ordinária, seja pelo Poder Judiciário na aplicação desses princípios ao caso concreto.

Faz-se necessário, portanto, trabalhar com a ideia de que desses ois princípios devem conviver dentro de um mesmo contexto, o que pode levar eventualmente a uma colisão, tratada de forma diferenciada por dois grandes doutrinadores, como exposto a seguir.

Robert Alexy entende que dois princípios, ainda que opostos, podem conviver no mesmo ordenamento jurídico, e quando se configura a situação em que “algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido”, ocorre uma colisão entre princípios. Afirma que

Se dois princípios colidem [...] um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência.[21]

Isso significa que o decisivo é, diante do caso concreto, o estabelecimento de relações de precedências condicionadas, ou seja, a “fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro”[22]. Assim sendo, a lei de colisão de Alexy aproxima os princípios de valores, uma vez que “reflete a natureza dos princípios como mandamentos de otimização: em primeiro lugar, a inexistência de relação absoluta de precedência e, em segundo lugar, sua referência a ações e situações que não são quantificáveis”[23].

Os princípios, portanto, representariam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas, porém, “não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das possibilidades fáticas”, por não conterem mandamento definitivo em vista de seu caráter prima facie, o que justifica sua indeterminação. Os princípios exigem que “algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”[24].

Diante da necessidade de se fixar a extensão do princípio, de sua natureza decorreria logicamente a máxima da proporcionalidade, composta pela adequação, necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e a proporcionalidade em sentido estrito (mandamento de sopesamento propriamente dito). Esta última, por sua vez, decorreria da relativização em face das possibilidades jurídicas. Alexy aduz que

Quando uma norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um princípio antagônico, a possibilidade jurídica de realização dessa norma depende do princípio antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento nos termos da lei da colisão. Visto que a aplicação de princípios válidos – caso sejam aplicáveis – é obrigatória, e visto que para essa aplicação, nos casos de colisão, é necessário um sopesamento, o caráter principiológico das normas de direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com princípios antagônicos. Isso significa, por sua vez, que a máxima da proporcionalidade em sentido estrito é deduzível do caráter principiológico das normas de direitos fundamentais..[25]

Pela lei do sopesamento “a medida permitida de não-satisfação ou de afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do outro”. Desta forma,

aquilo que é exigido por um princípio foi inserido em uma relação com aquilo que é exigido pelo princípio colidente. A lei de colisão expressa em quê essa relação consiste. Ela faz com que fique claro que o peso dos princípios não é determinado em si mesmo ou de forma absoluta e que só é possível falar em pesos relativos.[26]

Alexy esclarece que o sopesamento não é um procedimento abstrato ou generalizante, e seu resultado é um enunciado de preferências condicionadas ao qual corresponde uma regra de decisão diferenciada. Outrossim, ainda que não estabeleça um parâmetro, com o auxílio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva, esse modelo como um todo oferece um critério. Ao associar a lei de colisão à argumentação jurídica racional, deixa de ser uma fórmula vazia, e demanda a fundamentação por meio de “argumentos empíricos que digam respeito às peculiaridades do objeto da decisão, bem como às conseqüências das possíveis decisões[27]. Resume que

No espaço do mundo dos princípios há lugar para muita coisa. Esse mundo pode ser chamado de um mundo do dever-ser ideal. Colisões ou, para empregar algumas expressões freqüentemente utilizadas, tensões, conflitos e antinomias surgem a partir do momento em que se tem que passar do espaçoso mundo do dever ser ideal para o estreito mundo do dever-ser definitivo ou real. Neste ponto passam a ser inevitáveis as decisões acerca do peso dos princípios colidentes, ou seja, da fixação de relação de preferências.[28]

Por outro lado, Klaus Günther discorda da teoria de Alexy no que tange à ponderação de valores por meio do sopesamento de princípios colidentes. Günther entende que “não se trata de uma disputa de valores, mas da determinação de uma norma mais adequada ao caso concreto, cuja determinação não passa pelo sopesamento de valores”.

A crítica acerca da ponderação de valores ocorre no sentido de não se vislumbrar nesta solução “um critério racionalmente verificável para se determinar qual a norma adequada ao caso”, pois “substitui a lógica da aplicação pelo seu resultado, reduzindo a discussão ao que é melhor no caso e não ao que é normativamente devido”. Acredita, assim, que um discurso de aplicação pautado pela imparcialidade deve buscar a solução em outro nível que possibilite uma melhor fundamentação da norma aplicável ao caso, ou seja, o papel central é ocupado pela coerência e não pela opção valorativa entre princípios[29].

Ademais, em concordância com Habermas, entende que aproximação feita por Alexy entre a teoria dos princípios e a teoria dos valores não é compatível com o âmbito da obrigatoriedade absoluta e universal das normas jurídicas, bem diferente da relatividade da obrigatoriedade dos valores, que são “restritos a um certo grupo ou comunidade de pessoas que comungam de tradições e heranças em comum”[30]. Considerando uma sociedade complexa, pluralista, multicultural e democrática, restaria impossível determinar o valor preponderante, e, seja ele qual for, não traduzirá um interesse simétrico de todos os grupos que compõem essa sociedade.

Demais disso, pelo processo de ponderação de valores se ignora a possibilidade de se questionar os próprios valores considerados nesse processo, o que pode conduzir à arbitrariedade quando da seleção ou ponderação de valores.

Günther, então, pretende chegar a uma justificação racional geral da norma, a partir da divisão do discurso jurídico referente à norma em dois planos, da justificação e da aplicação, uma vez que se quer dizer coisas diferentes quando se diz que está justificando uma norma imparcialmente e quando se está aplicando a norma a um caso imparcialmente.

O discurso da justificação se encontra no âmbito da elaboração de uma norma válida, e é pautado no “princípio universalista”, que busca considerar os interesses de todos os possíveis afetados pela norma, o que demanda a antecipação de possíveis casos pertinentes e suas possíveis conseqüências. Assim, “selecionam-se os fatos a partir do critério do traço comum com outras hipóteses tidas por relevantes e não a partir do aspecto particular de cada situação” e essa escolha é norteada exclusivamente para testar a universalidade da norma.

O que importa no discurso de justificação “é a determinação do conteúdo semântico de uma norma para que ela seja traduzida em ‘termos universais’ passíveis de aceitação por todos os interessados em circunstancias gerais e previsíveis”[31]. Entretanto, diante da dificuldade de se determinar todos os interesses em jogo, que são mutáveis e circunscritos no tempo, o critério da universalização é observado somente em sua versão fraca.

Pela teoria de podem surgir dois tipos de problemas: a colisão interna, que afeta a conclusão sobre a validade de uma determinada norma – no sentido de que em todas as situações em que uma norma fosse aplicada, lesionar-se-iam os interesses dos que estivessem amparados por outra norma, de modo que aquela norma não passaria pelo teste da universalidade –, e a colisão externa, quando todas as normas são válidas e potencialmente aplicáveis, e como não há critério hierárquico, não se sabe qual norma deve ser aplicada ao caso concreto.

A colisão interna deve ser enfrentada no campo da justificação, por meio do conceito normativo de coerência[32] e a colisão externa passa a ser um problema do discurso da aplicação, que parte da existência de normas válidas e aplicáveis prima facie, mas que deverão ser adequadas a um determinado caso, “porque somente diante da singularidade do caso é que se pode, e ainda assim com reservas, determinar todos os possíveis efeitos de uma norma”.

Por esse discurso suplementa-se a norma válida com “uma completa descrição da situação que considere também as circunstâncias variáveis não antecipadas pela descrição normativa”[33]. Desta forma, a partir da adequação da norma, é possível atender à versão forte do princípio da universalidade.

Em suma, a justificação racional da norma individual ou geral, em especial em casos de colisão de princípios, deve levar em conta os dois níveis desta: se é uma norma geral e abstrata no contexto de um discurso de justificação ou se é uma norma individual e concreta (sentença) no âmbito de um discurso de aplicação. Flávio Pedron, de forma esclarecedora, conclui que

Pode-se, então, afirmar que há uma divisão de tarefas entre os processos legislativos e jurisdicional, a partir da distinção e correspondências desses processos com os discursos de justificação e aplicação, respectivamente.

Logo, em um discurso de aplicação, o operador do Direito deve pressupor que as normas legisladas são válidas – haja vista terem sido positivadas a partir de um discurso de justificação, procedimento esse capaz de garantir, à primeira vista, sua validade. A discussão, portanto, estaria restrita à busca pela norma adequada ao caso concreto.[34]

E arremata da seguinte forma:

Por meio dos discursos de justificação, o legislador político avalia um espectro ilimitado de razões de normativas e pragmáticas, traduzindo-as à luz do código do Direito. O aplicador jurídico, por outro lado, encontra uma constelação de normas bem mais limitadas – ele apenas pode lançar mão das escolhas já feitas pelo legislador. Além disso, todas as escolhas do legislador, uma vez traduzidas conforme o código do Direito, agora funcionam sob a lógica jurídica; por isso mesmo, a tarefa deixada a cargo do aplicador não é mais de justificar tais razões, mas de encontrar, entre as que o legislador considerou como prima facie válidas, a adequada para fornecer uma fundamentação acerca da correção da ação singular trazida pelo caso sub judice.[35]

Em suma, apesar das diferenças entre as teorias, em especial quanto à metodologia aplicada e a relação entre princípio e valores – o que não deixa de ser a relação entre Direito e Moral –, é possível extrair que estas, ao se depararem com a convivência no ordenamento de dois princípios antagônicos, levam em consideração o conteúdo de ambos a fim de testar seja a preponderância de um deles (no caso de ponderação de valores e sopesamento de Alexy) seja a universalidade e adequação do princípio (no caso da justificação e aplicação de Güther).

Entretanto, como Alexy, apesar de tratar genericamente da aplicação dos princípios, por vezes dá a entender que se dirige à decisão judicial do caso concreto, e Günther diferencia bem os momentos da elaboração da norma pelo Poder Legislativo e de sua aplicação pelo Poder Judiciário, adota-se a distinção feita entre legislação e jurisdição por Klaus Günther para prosseguir na análise da tensão entre o princípio da razoável duração do processo e o princípio do contraditório.

Sobre a autora
Renata Espíndola Virgílio

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001), especialização em Direito Processual Civil pela Unicsul (2007) e em Defesa da Concorrência pela Fundação Getúlio Vargas (2010). É Procuradora Federal (Advocacia Geral da União) e mestre em Direito, na linha de processo, pela UnB (2013).<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIRGÍLIO, Renata Espíndola. A tensão entre o princípio do contraditório e o princípio da duração razoável do processo no processo jurisdicional democrático. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3503, 2 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23611. Acesso em: 23 dez. 2024.

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