Recentemente, a aprovação da EC que criou mais quatro novos tribunais federais, dentre eles o da 6ª Região com sede em Curitiba, provocou acirrada polêmica. A inovação foi proveniente da PEC 544/2002, que alterou o art. 27 do ADCT.
Juristas contrários à inovação argumentaram que haveria inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa na criação de tribunais por EC e que os custos financeiros seriam inestimáveis. O presidente do STF chegou a afirmar que a aprovação no Congresso foi “sorrateira” e o PMDB ameaçou manobra para tentar impedir a promulgação da PEC pelo Presidente do Senado.
Já os parlamentares defensores da mudança sustentaram a latente necessidade de facilitar o acesso à jurisdição e a supremacia do Parlamento para alterar o texto constitucional, mesmo nos assuntos de interesse dos outros poderes.
Mesmo com a aprovação da PEC, uma discussão secundária surgiu sobre a necessidade da edição de lei para efetivar a instalação dos tribunais.
Esse esboço fará a análise jurídica dessas questões.
Prevê o art. 96, II, da CF/88:
Art. 96. Compete privativamente (...)
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo: (...) c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;
A partir do dispositivo constitucional, extrai-se que a legitimidade privativa para propor lei de criação dos tribunais federais inferiores recai no próprio Poder Judiciário. Trata-se do exercício da sua independência no regime da separação dos poderes.
A controvérsia recai na possibilidade de EC proposta por iniciativa do Senado Federal (o que ocorreu na PEC 544/2002) substituir essa competência privativa.
Na ADI 4154, julgada em 2010, o STF entendeu pela inconstitucionalidade formal de Emenda à Constituição do Mato Grosso que tratava do regime jurídico dos servidores públicos em razão da violação da iniciativa privativa do Poder Executivo para a proposta legislativa.
Aplicando o mesmo entendimento, em tese, o a Corte Suprema poderia declarar a inconstitucionalidade formal da EC que institucionaliza os novos TRFs sob a alegação de que haveria usurpação da iniciativa privativa do Poder Judiciário, o que acarretaria dano à separação dos poderes, cláusula pétrea irretocável por EC.
Contudo, o tema merece outra visão.
A EC nº 45 extinguiu os Tribunais de Alçada e criou o CNJ, órgão do Poder Judiciário. Em 2005, o STF se pronunciou pela constitucionalidade do CNJ na ADI 3367 decidindo que inexistia violação à separação dos poderes na instituição de um órgão de controle dos magistrados por EC.
Essa decisão fundamenta a viabilidade da criação de novos tribunais por EC sem mácula de inconstitucionalidade. Na mesma linha, não se pode qualificar como “sorrateira” a aprovação de uma PEC que tramitou durante dez anos no Congresso e que foi aprovada por maioria superior de 3/5 dos parlamentares de ambas as casas legislativas, em dois turnos de votação, o que demonstra relevante legitimidade popular. Já há, inclusive, dotação orçamentária para essa finalidade.
Também não é razoável e viola o direito à adequada tutela jurisdicional exigir que os advogados dos Estados mais pobres do Norte tenham que percorrer mais de 2 mil km para sustentar um recurso no TRF 1, em Brasília.
No mesmo sentido, a promulgação da PEC aprovada não pode ser obstada como objetiva o PMDB. Isso porque o seu controle de constitucionalidade já foi feito nas CCJs do Congresso, não havendo veto jurídico por inconstitucionalidade em EC. Dessa forma, a sua promulgação é ato vinculado e obrigatório do Presidente do Senado.
Quanto ao debate secundário, embora os cinco tribunais federais originalmente previstos na CF/88 só tenham sido efetivados depois da edição de lei 7729/89, atualmente é sustentável a dispensa de lei para efetiva instalação dos novos TRFs.
Em primeiro lugar, a exigência de uma lei esvaziaria o objetivo da EC que é a criação dos TRFs no prazo de 180 dias. Ademais, inexiste no texto aprovado a ressalva de lei para a sua efetivação, sendo que a CF88 dispõe no art. 96 que é necessária lei formal apenas para a criação de novos tribunais inferiores, não para a regulamentação daqueles previstos pelo texto constitucional. Por fim, o Conselho da Justiça Federal, órgão criado em 2004 pela EC nº 45, tem incumbência de exercer a supervisão administrativa da Justiça Federal nos termos do art. 105, parágrafo único, inciso II, da Carta Magna e poderá tratar da matéria por atos infralegais.
Assim, a forma de instituição das novas Cortes pode ocorrer por resolução do CJF, mediante disposições administrativas transitórias, possivelmente com uma remoção nacional entre os cargos de magistrados federais já existentes e com a cessão de servidores de outros TRFs como ocorreu com o CNJ. Posteriormente, lei específica cuidará de novos cargos.
Logo, a criação dos novos TRFs por EC é constitucional e não depende de intermediação legislativa, sendo que, uma vez aprovada a PEC, o presidente do Senado tem obrigação de promulgá-la.