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O consórcio MEC-OAB e o curso de Direito no Brasil

Não se pode falar em expansão desordenada dos cursos de Direito, pelo simples fato de que não há planejamento prévio do Ministério sobre uma eventual “expansão ordenada”.

Notícias recentes informam que o Ministro da Educação e a OAB se consorciaram no projeto de restringir novos cursos de Direito no País, passando a definir as regiões ou municípios aptos a receber novos cursos. Alegou-se que o parâmetro seria a saturação de bacharéis em Direito e advogados em determinadas localidades.

Fruto desse consórcio, em junho de 2011, o MEC já determinara a redução de 11 mil vagas em 136 cursos de Direito que apresentaram desempenho insatisfatório no Conceito Preliminar de Curso-CPC, índice criado pelo MEC em 2008 para medir a qualidade dos cursos a partir de informações remotamente colhidas do Censo da Educação Superior do INEP e do ENADE. O atual ministro sentiu-se confortável em tomar a medida restritiva com base em Portaria Normativa da lavra do seu antecessor, Fernando Haddad, não obstante a Lei n° 10.861/2004 - que criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES - determinar que medidas punitivas decorram, tão somente, de resultados insatisfatórios nas avaliações presenciais efetivadas pelo INEP, com base em relatórios sólidos, fornecidos por comissões de doutores na área.

Argumentou o MEC que a justificativa para interferir no curso de Direito é a expansão desordenada deste curso, aliada à má qualidade, expressada, sobretudo, pelo baixo desempenho dos egressos no exame da OAB, já que acima de 80% dos bacharéis vêm sendo reprovados continuamente na primeira fase do exame.

Todavia, alguns dados, se considerados, desautorizariam o ministro a tomar tais medidas ou mesmo endossar os argumentos da OAB.


1) A expansão desordenada do curso de Direito.

Não se pode falar em expansão desordenada, pelo simples fato de que não há planejamento prévio do Ministério sobre uma eventual “expansão ordenada”. A Lei n° 10.172/2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação - PNE, determinava no início da década passada que “a expansão do setor privado deve continuar, desde que garantida a qualidade.” E que a União deveria “planejar a expansão com qualidade, evitando-se o fácil caminho da massificação.” (Item 4.2 – Diretrizes para Educação Superior)

Atualmente, o MEC não dispõe de nenhum estudo sobre os resultados das avaliações do SINAES que possa ter lhe indicado a necessidade de restringir novos cursos de Direito. Sua política restritiva baseia-se, tão somente, nos dados de reprovação nos exames da OAB e nos resultados do CPC, ou, talvez, no volume de cursos de Direito no País, o segundo maior curso em número de matrículas. Iniciativa recente de estudar a expansão e os resultados das avaliações partiu, não do MEC, mas do Grupo de Trabalho (GT 11) sobre Política de Educação Superior, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd). A pesquisa, ainda não concluída, é parte do Projeto Integrado Políticas de Expansão da Educação Superior da Rede Universitas/Br[1] que objetiva investigar de maneira mais geral o fenômeno da expansão da Educação Superior no Brasil, pós-LDB/1996, considerando alguns fenômenos, entre eles os resultados das avaliações do INEP.

Resultados preliminares da referida pesquisa indicam que a expansão ocorreu dissociada dos resultados das avaliações que chancelassem a “garantia da qualidade” desejada pelo PNE/2001. Significa dizer que o MEC não só não planejou a expansão, como também não produziu estudos que mapeassem os resultados das avaliações de qualidade do SINAES. Foi além e criou, a partir de 2008, o Conceito Preliminar de Qualidade – CPC que possibilita a dispensa das avaliações presenciais, nas hipóteses arroladas na Portaria Normativa n° 40/2007, versão republicada em 2010.

Em resumo, a decisão foi arbitrada pelo MEC sem o devido respaldo técnico- analítico.

Segundo dados divulgados pelo INEP no II Encontro Nacional do Censo da Educação Superior, Recife/2012, 10,8% das matrículas concentram-se no curso de Direito, com a seguinte distribuição geográfica em 2.003 locais de oferta, informados pelo Sistema e-MEC.

Municípios onde há cursos de superiores de graduação em Direito – Brasil 2011

Fonte: MEC/Inep/DEED

Mas, se a razão para intervir no curso de Direito é o excesso de cursos ou de bacharéis, porque o MEC não intervém também no Curso de Administração, o maior em volume de matrículas (12,5%) e que possui, segundo o Sistema e-MEC,  5.188 locais de oferta? Portanto, o dobre dos locais de oferta de Direito. Senão vejamos:

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Municípios onde há oferta de cursos de superiores de graduação em Administração – Brasil 2011

Fonte: MEC/Inep/DEED

Cumpre salientar que, se comparada a distribuição geográfica no território nacional, dos locais de oferta entre os dois cursos, teremos uma espacialização mais homogênea dos cursos de Administração do que os locais de oferta de Direito.


2)  O excesso de bacharéis e advogados

O curso de Direito não forma apenas Advogados. Esta é uma verdade absoluta e inquestionável. A propósito, observemos o que revelam estudos de Edson Nunes (2005[2]) e Simon Swartzman (2012[3]).

Analisando dados do Censo 2000, do IBGE, Edson Nunes demonstrou que apenas 38,4% dos bacharéis de Direito atuavam na área jurídica, enquanto 36,5% estavam empregados em outras áreas e 25% não trabalhavam. Estes percentuais refletiam a realidade de todas as regiões do país no ano de 2000. Pela classificação do IBGE, a “Área Jurídica” considera os que trabalham como advogados autônomos ou de empresas, advogados do judiciário e da segurança pública, tais como juízes, desembargadores, promotores e delegados de polícia. O diploma de direito garante alto índice de empregabilidade, pois 75% dos bacharéis, no ano de referencia do censo, estavam trabalhando.

Por sua vez, Simon Schwartzman ao analisar os dados do Censo 2010, do mesmo IBGE, concluiu que “cerca de um terço dos formados em direito, engenharia, medicina e artes trabalham por conta própria, como profissionais liberais no sentido tradicional”. Pelos dados coletados, os profissionais com diploma de Direito atuavam nos seguintes setores: 39,8% em “atividades profissionais, científicas e técnicas”; 26,9% em “administração pública, defesa e seguridade social”; 4,2% em “educação”; 1,5% em “saúde humana e serviços sociais”; 4,7% “atividades mal definidas”; 8,2% “outras atividades”.

Ainda pelo mesmo estudo, Schwartzman aponta que 30,1% dos diplomados em direito eram “empregados com carteira assinada”; 23,2% eram “militares e funcionários estatutários”; 7,4% eram “empregados sem carteira de trabalho”; 32% eram “conta própria”;  6,3% eram “empregadores”, entre outras situações de menor expressão.

Como se observa, seja pelos dados do Censo 2000, segundo estudo de Edson Nunes, seja pelos dados do censo 2010, segundo Schwartzman, pouco mais de 1/3 dos diplomados em direito exerce a profissão liberal da advocacia, fiscalizada pela OAB. Aproximadamente 60% dos diplomados em direito prestam serviço fora da área jurídica. Assim, não há risco de saturação na profissão de advogados, posto que 2/3 dos bacharéis atuam em outros campos.


3 – o baixo número de pessoas com diploma superior no Brasil.

Outra razão que desabona a medida restritiva do MEC é o percentual pouco significativo das pessoas com diploma superior no Brasil. No ano de 2009, ao fazer um balanço sobre as metas do Plano Nacional de Educação, PNE/2001, sobretudo a que determinava colocar 30% dos jovens entre 18 e 24 anos nas universidades, o MEC assumiu que apenas 14% desta meta seria atingida.

Segundo o Censo 2010 do IBGE o percentual de pessoas com curso superior completo era de 7,9%, na data de referência da pesquisa. Por outro lado, relatório do Ministério da Ciência e Tecnologia, MCT, aponta que apenas 7,4% da População Economicamente Ativa – PEA possui diploma de curso superior. Significa dizer que aproximadamente 90% da PEA (pessoas que exercem algum ofício no país) não possuem diploma de curso superior.

Segundo Bertolin[4] (2009) o Brasil continua com taxas de atendimento na educação superior inferiores às de países como Argentina (48% de taxa bruta em 1999), Bolívia (36% de taxa bruta em 2002), Portugal (50% de taxa bruta em 2002), Coréia (78% de taxa bruta em 2002) e EUA (73% de taxa bruta em 2002) (INEP, 2004).


4 – resultados do Conceito Preliminar de Cursos

Na tabela abaixo agrupamos os resultados do CPC de três cursos, os conceitos 1 e 2 são insuficientes e conduzem a medidas de supervisão; o conceito 3 é o mínimo aceitável pelo MEC e os conceitos 4 e 5 refletem excelência do curso. Como se observa, 32,2% dos cursos de direito avaliados no CPC tiveram notas 1 e 2, mas 39,9% dos cursos de administração estão na mesma condição, contra 20,2% em pedagogia. Aliás, direito é o curso com melhor desempenho nos conceitos 4 e 5, pois 13,8% têm conceitos de excelência (4 e 5), contra 11,4% de administração e 7,7% em pedagogia.

CPC

Administração (CPC 2009)

Direito                    (CPC 2009)

Pedagogia           (CPC 2008)

escala de conceitos

N

%

N

%

N

%

1 e 2

905

39,9

266

32,2

813

20,2

3

1107

48,7

446

54

2898

72,1

4 e 5

259

11,4

114

13,8

309

7,7

Total geral

2012

100

712

100

3711

100

Fonte: Sistema e-MEC. Tabulação do Observatório Universitário/RJ, pesquisa feita em 05/12/2012


Considerações finais

Por fim, e não suficientes os argumentos acima, podemos ilustrar com dados gerais sobre a cobertura da Educação Superior no Brasil. Dados do portal SIMEC, do Ministério da Educação, demonstram que dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 706, ou 12,7%, possuem locais de oferta de educação superior. Portanto, a população de 87,3% dos municípios brasileiros não dispõe de Instituições de Educação Superior nas suas localidades.

E se é válido o argumento da OAB de que o egresso reprovado expressa a má qualidade da formação acadêmica e que causaria prejuízos a seus clientes, também seria verdadeiro o argumento de que o advogado que perde uma causa igualmente reflete a mesma qualidade. Pela lógica da OAB, seria razoável argumentar que toda causa perdida refletiria má formação de base. Ora, mas pela ordem natural das coisas em toda causa uma das partes é sucumbente.


Notas

[1] Informações sobre a Rede Universitas podem ser obtidas em http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0006708MND7NKJ   

[2] NUNES, Edson; Carvalho, Márcia. O Ensino e a Profissão Jurídica no Brasil: uma visão quantitativa. Documento de Trabalho n° 43. 2005. Observatório Universitário. Disponível em http://www.observatoriouniversitario.org.br/documentos_de_trabalho/documentos_de_trabalho_43.pdf

[3] SCHWARTZMAN, Simon. A educação de nível superior no Censo de 2010”. 2012. Disponível em http://www.schwartzman.org.br/simon/2012censosup.pdf.

[4] BERTOLIN, Júlio C. G. Avaliação da educação superior brasileira: relevância, diversidade, equidade e eficácia do sistema em tempos de mercantilização. 2009. Disponível em  www.scielo.br/pdf/aval/v14n2/a07v14n2.pdf.

Sobre os autores
David Pereira Morais

Pesquisador da Universidade Candido Mendes/RJ e do Observatório Universitário/RJ. Doutor em Geografia pela UFRJ, mestre em Sociologia pelo IUPERJ. Membro do Observatório Universitário/RJ.

Ivanildo Ramos Fernandes

Pesquisador da Universidade Candido Mendes/RJ e do Observatório Universitário/RJ. Bacharel em Direito pela UCAM/RJ, especialista em Políticas Públicas e Avaliação da Educação Superior da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, UNILA/PR. Membro do Observatório Universitário/RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, David Pereira; FERNANDES, Ivanildo Ramos. O consórcio MEC-OAB e o curso de Direito no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3578, 18 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24218. Acesso em: 22 nov. 2024.

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