Recentemente publicada, a Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, instituiu duas novas contribuições sociais que tendem a gerar instigantes debates, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
De início, vale ressaltar que tais exações vêm ao encontro de um dos maiores anseios da população brasileira ¾ o incremento dos saldos das contas vinculadas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
A fim de facilitar a compreensão do tema abordado, colacionamos o texto legal, litteris:
"Art. 1º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas"
"Art. 2º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990."
feito isso, passamos à análise das principais controvérsias que giram em torno da constitucionalidade e legitimidade dos novos tributos.
I – DISTINÇÃO ENTRE AS NOVAS CONTRIBUIÇÕES E OS VALORES DEVIDOS AO FGTS:
O primeiro grande embate é distinguir as novas contribuições com o depósito para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço a cargo do empregador ou mesmo com a chamada "multa rescisória" (art. 15 e 18, §1º, ambos da Lei nº 8.036/90).
Ora, tais institutos são totalmente diferentes, pertencentes, inclusive, a distintos ramos do Direito. Vejamos.
Ao empregador cabe depositar, mensalmente, a importância correspondente a 8% (oito por cento) da remuneração devida a cada um de seus empregados. E, somente no caso de despedida sem justa causa, está obrigado a depositar 40% (quarenta por cento) do montante de todos os depósitos realizados em favor do empregado.
Cuida-se, por conseguinte, de institutos de Direito do Trabalho que objetivam salvaguardar o padrão de vida do trabalhador que se vê, repentinamente, desempregado, dando-lhe meios de sobrevivência no interregno entre um emprego e outro. E, consequentemente, tenta coibir o mercado de trabalho a praticar despedidas a seu talante, sem motivo legal.
Já os arts. 1º e 2º da Lei Complementar nº 110/2001 trazem duas novas contribuições sociais, cujo norte é avolumar os cofres da Seguridade Social. Têm natureza exclusivamente tributária, não havendo, portanto, que se cogitar em aumento indireto da "multa rescisória" ou dos depósitos em favor do empregado ou mesmo concluir, a nosso ver, equivocadamente, pela violação do art. 10 do ADCT.
II – FINALIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES:
Fazendo-se uma interpretação sistemática do texto legal, extrai-se que foram criadas duas novas contribuições sociais para manutenção e incremento do equilíbrio econômico-financeiro do regime geral da Seguridade Social e, mais precisamente, o fomento do caixa do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Ademais, a edição da Lei Complementar nº 110/2001 não é um fato isolado, decorrente das emoções do momento. Trata-se do resultado de um planejamento feito para todo o sistema de Seguridade Social, que, por sua vez, vem sendo alterado paulatinamente. Sobre o tema, salientamos que a reforma teve seu iníciol com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20, as quais, por sua vez, viabilizaram a instituição das exações.
Tal se dá porque, dentre as atribuições do Estado brasileiro está a organização e manutenção da previdência social, que tem, dentre outros, o objetivo de proteger o trabalhador em situação de desemprego involuntário (cf. art. 201, III, da Constituição da República).
Destarte, as contribuições sociais em tela se enquadram dentre as previdenciárias, já que, por se destinarem a avolumar os cofres do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, têm, como esse, a função primordial de salvaguardar os recursos do trabalhador desempregado involuntariamente.
Feitos estes esclarecimentos, podemos afirmar, com segurança, que a finalidade da nova exação está, entrelaçada com a previdência social, o que é reforçado pela leitura do art. 3º, §1º da própria Lei Complementar nº 110/2001.
De toda sorte, observamos que a finalidade das contribuições para a seguridade social não vem, necessariamente, expressa no texto legal. Balizando a assertiva, trazemos, a título de exemplo, a conhecida Lei Complementar nº 84[1] tida, por decisão do próprio Supremo Tribunal Federal[2], por constitucional, a qual, neste particular, é bastante semelhante à Lei Complementar nº 110.
III – da constitucionalidade DAS CONTRIBUIÇÕES:
Analisando o art. 1º, vemos que foi criada contribuição social absolutamente distinta das já existentes, com nova base de cálculo, composta do conjunto de valores depositados na conta vinculada ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, durante o período em que vigorou o contrato de trabalho.
Trata-se, portanto, de nova fonte de custeio da seguridade social, com fundamento no §4º do art. 195, que exige respeito tão só ao art. 154, I, ambos da CRFB, ou seja, deve a contribuição ser instituída por meio de lei complementar.
Já no art. 2º, vemos contribuição social incidente sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, acrescida do depósito a cargo do empregador, a título de FGTS. Indubitavelmente, "remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador" confunde-se com o entendimento do Pretório Excelso do que seja "folha de salários" (v. RREE nº 166.772 e 177.296 e ADIn nº1.102).
Todavia, há uma sutil diferença entre a base de cálculo da contribuição social sobre folha de salários e a contribuição social em comento ¾ nesta, deve o contribuinte somar as parcelas de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036/90 (parcela que não faz parte da folha de salários).
Temos, portanto, tal qual ocorre no art. 1º, nova fonte de custeio da previdência social, cuja base constitucional é, igualmente, o art. 195 §4º da Carta Magna. Contudo, mesmo que assim não se entenda, entendemos constitucional a contribuição, pois, nesta hipótese, será alterado o seu fundamento constitucional, que passa do referido §4º do art. 195 para o seu inciso I.
Partindo da premissa de que a base de cálculo da contribuição em exame é idêntica a da contribuição sobre a folha de salários, forçoso concluir que ambas as exações têm a mesma previsão constitucional (repetimos: o art. 195, I, da Lei Maior), sendo até mesmo dispensável o manejo de lei complementar para sua instituição.
Destacamos que, mesmo sob esta ótica, inexiste a pecha de bitributação, uma vez que tal vedação é restrita à competência residual da União para instituições de novos impostos, ex vi do art. 154, I da Carta Maior, não devendo ser estendida às contribuições sociais[3].
Outro equívoco que pode o intérprete recair é supor a inconstitucionalidade do art. 1º da LC por violação ao princípio da irretroatividade das leis, haja vista ter sido determinada a incidência da exação sobre os valores devidos durante a vigência do contrato de trabalho. Contudo, a irretroatividade está ligada diretamente ao fato gerador da contribuição e não à sua base de cálculo, pois o que a Constituição da República veda é a cobrança em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência instituidora (art. 150, III, a), sendo praticamente livre a instituição de novas bases de cálculo, desde que respeitadas "outras garantias asseguradas ao contribuinte" (caput do art. 150).
Como as contribuições sociais que são, as novas exações somente devem respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal (art. 195 §6º), não sendo aplicável, na espécie, o art. 154, III, b da Carta Política.
IV – CONCLUSÃO:
Assim, temos que a origem dos novos tributos remonta ao apelo popular para que a União assumisse os débitos que, originariamente, pertenciam à Caixa Econômica Federal, em verdadeira novação subjetiva (art. 999, I do Código Civil), no que se insere a legitimidade de sua instituição.
Cabe, ainda, destacarmos o art. 13 da multicitada norma complementar. O dispositivo não pode ser confundido com a finalidade da contribuição, eis que retrata o cuidado que teve o legislador em garantir a previsão orçamentária para os próximos exercícios financeiros (2001, 2002 e 2003), assegurando a destinação, nos exercícios indicados, de recursos orçamentários para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, dada a enorme função social das novas exações.
Além disso, esta previsão orçamentária é temporária, tem prazo determinado na lei, enquanto o tributo tem prazo indeterminado. Assim, entender que no dispositivo em questão estaria sua finalidade, levaria o intérprete a um despropósito: qual a finalidade da contribuição a partir do 2004? Estaria descaracterizado o caráter de contribuição social? A resposta negativa se impõe.
Por fim, tendo em vista que os tributos foram instituídos via lei complementar, respeitado o quorum constitucional, com total apoio no art. 195 da Constituição da República – curvando-se ao princípio da anterioridade nonagesimal – não há que se cogitar de qualquer inconstitucionalidade.
NOTAS
1.Revogada pela Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999.
2.A Lei Complementar nº 84 foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal na ADIMC nº 1.432/DF, que houve por bem indeferir o pedido de liminar.
3.Neste sentido já se posicionou a Corte Suprema no RE-200.788/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-06-98