Resumo: O presente trabalho objetiva efetuar um estudo sobre a aplicação prática dos Tratados e Convenções Internacionais sobre Segurança da Aviação Civil e sua relação com o sistema jurídico penal brasileiro, contextualizando o problema e analisando o seu tratamento pela legislação nacional, explorando dessa forma como o direito pátrio trata legalmente do assunto e sua eficácia como norma penal incriminadora, definindo a responsabilidade penal nos casos de apoderamento ilícito de aeronaves e sua relação com atos de terrorismo, conforme estabelecido pelos tratados e convenções de que o Brasil é signatário.
Palavras-chave: Apoderamento Ilícito de Aeronaves; Segurança da Aviação Civil; Terrorismo; Tratados e Convenções Internacionais; Lei de Segurança Nacional.
1. INTRODUÇÃO
O transporte aéreo no Brasil vem crescendo a índices muito altos e deve continuar nesse ritmo. Depois de décadas em que viajar de avião era apenas uma opção para as classes privilegiadas, hoje vemos um número maior de pessoas terem acesso ao transporte aéreo, graças à valorização da moeda nacional e ao aumento do poder aquisitivo dos brasileiros. Tal desenvolvimento gerou uma maior competição entre as empresas aéreas, reduzindo o custo das passagens. Atento a esse desafio, o Governo se mobiliza no sentido de encontrar meios para que as necessidades de modernização do setor aéreo sejam supridas[1]. O desafio de adequar a segurança da aviação civil no Brasil ao ritmo de crescimento da demanda – potencializado pela realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 – caminha paralelamente à construção de uma nova legislação para regular o setor.
Segundo especialistas, entre eles o ministro da Defesa, Nelson Jobim, garantir recursos para ampliar o sistema depende de segurança jurídica, que, por sua vez, depende do trabalho do Poder Legislativo. Atualmente, a Câmara dos Deputados analisa 31 projetos cujo principal objetivo é atualizar a Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), que está em vigor há vinte e cinco anos – desde antes, portanto, da promulgação da Constituição de 1988 e da liberalização do setor aéreo, cujo principal marco é a lei de criação da Agencia Nacional de Aviação Civil - ANAC (Lei 11.182/2005). Um dos projetos foi elaborado pelo Ministério da Defesa e apresentado ao Congresso em março de 2010[2].
A aviação civil obedece a regras internacionais de controle e segurança estabelecidas em tratados e convenções internacionais, como a Convenção de Chicago sobre Aviação Civil Internacional, realizada nos Estados Unidos, em 1944. O documento trata de princípios, padrões e recomendações para que a aviação internacional se desenvolva de maneira segura e sistemática. No evento foi criada ainda a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), sendo ratificada pelo Brasil em 1946. Em 1948 ocorreram os primeiros casos de desvio de aeronaves mediante intervenção criminosa e violenta, em sua maioria nos países socialistas.
Tais crimes de motivação política envolviam geralmente aeronaves de pequeno porte, utilizadas como meio de fuga para os países ocidentais, com intuito de escapar à Cortina de Ferro e ao clima de hostilidade internacional provocado pela guerra fria. Com o desenvolvimento do transporte aéreo e o fim da guerra fria e a globalização, a malha aeroviária internacional se multiplicou e com ela surgiu uma nova ameaça à segurança da aviação civil - o terrorismo internacional.
Inicialmente motivado por questões ideológicas, religiosas e políticas, o terrorismo internacional alterou o panorama da aviação mundial dando início a uma nova modalidade criminosa erroneamente chamada de "seqüestro", e atualmente tipificada como "apoderamento ilícito de aeronaves" que constitui um dos fatos mais impressionantes no quadro da criminalidade violenta contemporânea. Tal ação expõe o perigo à vida de inumerável quantidade de pessoas, comprometendo além da segurança da aviação civil, a credibilidade na tutela jurisdicional do Estado, que constitui, sem dúvida, um dos mais importantes valores da vida moderna[3]. Quando se aborda o termo terrorismo, podemos observar a nível de política criminal internacional que o mesmo aparece intimamente ligado a aviação civil.
Existe uma grande controvérsia entre os doutrinadores nacionais sobre a questão da tipificação da conduta relacionada ao terrorismo. Sempre que se faz referência à necessidade de prévia lei, alude-se à lei ordinária, via pela qual atualmente é editada a esmagadora maioria das normas penais incriminadoras[4].
No topo da pirâmide de normas situa-se a Constituição Federal. Não existem na Carta Magna vigente normas penais incriminadoras completas, que tipificam infrações e cominam penas, tão-somente disposições de Direito Penal que determinam o conteúdo de normas criminais. O máximo a que se dispôs o constituinte foi mencionar crimes, tais como o tráfico de entorpecentes e o terrorismo, de modo a impor a obrigatória tipificação pelo legislador ordinário, cuja concretização, no caso do terrorismo, ainda não ocorreu[5].
Nem todos os Estados Democráticos de Direito possuem tipificação penal para o crime de terrorismo no âmbito de suas legislações internas. A Constituição Federal vigente considera o terrorismo crime inafiançável, insuscetível de graça ou anistia (artigo 5º, XLIII, da CF), e o equipara aos chamados crimes hediondos - estabelecidos pela Lei 8.078/90 - mas perde eficácia à mercê da inércia do legislador ordinário, que não autonomizou esse delito mediante tipos penais próprios. O Direito interno brasileiro possui apenas o artigo 20 da Lei 7.170, de 14.12.1983 (Lei de Segurança Nacional), sancionada no final do período político autoritário vicejante no país pós revolução (1964). Esse dispositivo penal faz menção, em seu preceito primário, a "atos de terrorismo" em geral, mas não "define" ou "exemplifica" o que inspira insegurança jurídica. A Lei de Segurança Nacional, no entanto, parece não participar do espírito ideológico que informa a atual previsão constitucional da figura, mesmo porque antecede a Constituição de 1988 e a própria (re) fundação do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, não atende ao programa penal da Constituição em vigor, merecendo, na melhor hipótese, reformulação legislativa[6].
Qualquer crime ou violação à Convenção das Nações Unidas para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal em 23 de dezembro de 1971 e promulgada no Brasil pelo Decreto 72.383/73, determina em seu artigo 3º, que os Estados aderentes adotem “penas severas” para reprimir tais atos considerados como terroristas. Podemos observar que segundo a Convenção de Montreal, atos de interferência ilícita contra a aviação civil, são considerados atos terroristas.
Por se constituírem em normas para o futuro, os tratados e convenções internacionais não têm a função de tipificar crimes, sendo comum determinarem, à legislação interna dos países aderentes, a tipificação de determinadas infrações. A contextualização do problema tem como objetivo abordar o tema, analisando o seu tratamento penal na legislação brasileira, explorando como o Direito pátrio trata legalmente o assunto.
2. O PAPEL DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS COMO NORMAS INCRIMINADORAS
A Constituição de 1988 contém dispositivos que reproduzem fielmente enunciados constantes de tratados internacionais de direitos humanos (proibição da tortura, presunção de inocência etc.), mas outros tratados podem alargar o universo dos direitos nacionalmente garantidos. Não se trata como é óbvio, de normas incriminadoras. Mas mesmo que as normas de tratados e convenções internacionais vigentes previssem crimes e penas, não ostentariam status constitucional[7].
Durante muito tempo, debateu-se qual seria o nível hierárquico das normas internacionais incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio. A doutrina costumava atribuir aos direitos contidos em tratados o status de norma constitucional. O Supremo Tribunal Federal manifestou o entendimento de que tratados e convenções internacionais equiparam-se às leis infraconstitucionais quando recepcionados pelo ordenamento jurídico. A situação ficou mais clara quando se julgou a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel, cuja previsão não estava contida no Pacto de São Jose da Costa Rica, a que aderira o Brasil (HC n. 72.131/RJ, Relator Min. Marco Aurélio, DJ de 1/8/2003, p. 103), uma vez que a norma internacional somente admite prisão por dívida do devedor de alimentos. Concluiu-se que a convenção não tem índole constitucional, incorporando-se ao ordenamento pátrio como lei infraconstitucional.
Agora, há regulamentação expressa, imperativa e obrigatória. A Emenda Constitucional n. 45/04 introduziu o § 3º ao art. 5º da Constituição, de acordo com o qual os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Indicaram-se quais espécies de tratados e qual procedimento deve-se adotar para a aquisição de status constitucional.
Independentemente da classificação hierárquica dos tratados e convenções internacionais em face do ordenamento pátrio, em regra, eles não desempenham o papel de normas incriminadoras. Observações similares àquelas extraídas em relação às disposições constitucionais são depreendidas da análise das normas internacionais a que aderiu o Brasil.
Tratados e convenções internacionais representam normas de conduta internacional para o futuro, que só vinculam juridicamente as partes contratadas, sejam Estados ou entidades capazes de se obrigarem na ordem internacional, a fim de que conciliem vontades divergentes e alcancem solução jurídica comum. Usualmente, têm por objeto determinadas infrações penais, posto que não cuidem de tipificá-las criminalmente.
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 26 de maio de 1969, é uma das mais importantes fontes do Direito Internacional Público, pois nela as regras costumeiras sobre a matéria foram devidamente codificadas em documento quase perfeito, cujo objetivo foi precisamente o de reconhecer o direito das organizações internacionais de firmar tratados e convenções. Referida Convenção não proíbe a previsão, em normas internacionais, de disposições tipificadoras de delitos, conquanto seja incomum a adoção dessa prática, tendo como inequívoco exemplo a questão do terrorismo.
Atualmente, estão em vigor doze tratados internacionais e dois regionais relativos ao terrorismo internacional. O Brasil aderiu ou ratificou nove deles, nos quais se incluem a Convenção da OEA para a prevenção e repressão dos atos de terrorismo enquadrados como delito contra as pessoas e atos conexos de extorsão de alcance internacional, de 2/2/71, aprovado pelo Decreto-legislativo n. 087/98; a Convenção para a repressão do apoderamento ilícito de aeronaves, de 16/12/70; a Convenção sobre a proteção física de materiais nucleares, de 3/3/80, entre outros. Não obstante, o delito de terrorismo carece de tipificação pela lei brasileira[8]. A tímida alusão ao terrorismo no art. 20 da Lei n. 7.170/83 não se presta à tipificação da conduta, porquanto a “prática de atos de terrorismo” não se traduz em norma de encerramento idônea a resumir as condutas especificadas no dispositivo[9]. O art. 20 da Lei n. 7.170/83 não cumpre os objetivos dos tratados internacionais firmados.
Assinala Alberto da Silva Franco que a falta de um tipo penal que atenda, no momento presente, à denominação especial de “terrorismo” e que, ao invés de uma pura “cláusula geral”, exponha os elementos definidores que se abrigam nesse conceito, torna inócua, sob o enfoque de tal crime, a regra do art. 2º da Lei 8.072/90. Não apenas o dispositivo do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos resta inócuo; toda a legislação referente ao terrorismo permanece acéfala, porque o delito em torno do qual é erigida não tem existência concreta[10].
3. SEGURANÇA DA AVIAÇÃO CIVIL E AS GARANTIAS INDIVIDUAIS
No tocante à Segurança da Aviação Civil não se pode deixar de abordar o terrorismo internacional como um tema de grande importância no panorama atual. O mundo vive uma nova forma de insegurança, em virtude da qual, todo sistema de segurança coletiva, construído a partir de 1945, vê-se fragilizado. Essa insegurança é ocasionada por grupos criminosos de pessoas que adotam ideologias religiosas, políticas ou psicológicas de ataque aos Estados e seus cidadãos. Tal motivação criminosa nem sempre é financiada por um Estado contra outro, mas, pode se relacionar com a criminalidade organizada, hoje totalmente globalizada que se pulveriza entre eles. Em termos de aviação civil, um indivíduo, ou organização criminosa, mediante ação específica, pode por em perigo toda uma sociedade e minar bases político-administrativas de um Estado.
As garantias e os direitos individuais assegurados aos cidadãos de bem são desprezados e colocados abaixo dos ideais criminoso-terroristas com emprego sistemático da violência na imposição arrogante da vontade.
Embora o terrorismo não seja um fenômeno novo na ordem mundial, sua atual forma de apresentação, desligado do Estado, financiado por pessoas ou organizações criminosas, ataca sistemas políticos, atravessando fronteiras e não encontrando, ainda, resistência eficaz no Direito Internacional.
O sistema internacional de segurança foi desenvolvido para defender os Estados e não as pessoas. A tentativa de um grande passo evolutivo foi dada com a criação do Tribunal Penal Internacional em 1988, cujos antecedentes históricos são os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, criados para os crimes cometidos na II Grande Guerra, como genocídio, massacres e de limpezas étnicas, os quais são imprescritíveis.
A criação desse Tribunal se deu pela vontade de 120 países, entretanto, só entrará em vigência após a ratificação por, pelo menos, sessenta deles, o que ainda não aconteceu. O Tribunal Penal Internacional significa o primeiro passo para uma justiça internacional no julgamento dos crimes contra a humanidade, ressaltando a figura desse sujeito de Direito Internacional que é o homem.
Não é um tribunal para os Estados, mas para os indivíduos. Observa-se então que se um homem pode ser julgado por crime cometido além das fronteiras do Estado, ou dentro delas, fora do Ordenamento Jurídico Nacional, é porque se tornou internacionalmente responsável. O mundo caminha para uma nova era no Direito Penal Internacional. O sistema ainda é incipiente para regrar a atividade humana, mas suas fundações já estão configuradas.
A globalização pôs em crise o Estado-Nação e provocou o surgimento desses novos atores que desenham uma sociedade internacional incorporadora do sistema interestatal, do sistema econômico e das instituições supranacionais; os chamados movimentos e grupos transnacionais. Os novos atores do cenário internacional – velhos, por vezes com roupagem nova - passam a ser interlocutores em temas antes limitados à competência dos Estados, como nas questões referentes às minorias, direitos humanos, tráfico de drogas, meio ambiente, comércio internacional, terrorismo, segurança da aviação civil, etc. O conceito de segurança deve ser expandido para além da clássica idéia que envolve os campos militar, econômico e tecnológico. Novos conceitos, regras, fatos, sujeitos internacionais inspiram uma dimensão inusitada do Direito Internacional[11].
Para entendimento da importância da matéria e sua relação com a segurança da aviação civil se faz necessária uma breve explanação sobre os temas abordados nos Tratados e Convenções Internacionais, sua ratificação e adesão.
Os Tratados e Convenções são fontes principais do Direito Internacional Público, ao lado dos costumes e dos princípios gerais do Direito[12]. Nas obras dos estudiosos do Direito Internacional Público, estudadas para elaboração da pesquisa, podemos observar que os Tratados e Convenções são acordos formais celebrados entre Estados (sujeitos de Direito Internacional Público), destinados a produzir efeitos jurídicos na órbita internacional. É a manifestação de vontades de tais entes, sendo um ato jurídico formal que envolve pelo menos duas vontades.
Antigamente, somente o Estado soberano tinha capacidade de promover Tratados com os seus co-irmãos. Aos poucos, tal característica foi sendo desvinculada da exclusiva figura do Estado, abrangendo as entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e outras que são dotadas de personalidade jurídica de direito internacional[13].
De acordo com o disposto na Convenção de Viena, Tratado significa - acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica[14].
No texto da Convenção de Havana, Tratado é um acordo de vontades, já considerando a forma escrita condição essencial. Existe, entretanto, doutrina que acata a validez do Tratado não-escrito ou oral, mas sua validade é questionável e tal assunto não é tema direcionado a pesquisa ora realizada[15]. A Convenção de Viena enfatiza, o papel dos Estados na celebração dos Tratados. Nada obsta que outros atores internacionais concluam tratados e a própria Convenção o admite em seu Artigo 3º, desta forma, tais acordos terão seu valor jurídico assegurado. A aplicação será válida de quaisquer regras enunciadas na própria Convenção, a despeito de estarem excluídos de seu âmbito. Para a maioria dos Doutrinadores os Tratados e as Convenções Internacionais podem ser considerados expressões sinônimas, pois são estruturalmente idênticas. Sob o ponto de vista clássico, quando se estuda as fontes do Direito Internacional Público pode-se classificá-las em fontes materiais e fontes formais.
Entre as fontes materiais, aparece o Tratado-contrato e entre as fontes formais o Tratado-lei, podendo ser bilaterais e/ou multilaterais. No caso da Aviação Civil a fonte formal é o Tratado-Lei. A Ratificação é a confirmação do Tratado pelo Chefe de Estado. Haverá, antes, aprovação pelo Congresso ou Parlamento. Da aprovação emana a autorização ao Chefe de Estado para efetivar a Ratificação.
No Brasil é exigida a aprovação do Poder Legislativo (Congresso Nacional, Senado Federal e Câmara dos Deputados), por meio de um Decreto Legislativo, com a conseqüente promulgação do Decreto pelo Poder Executivo. Atos estes que devem ser publicados no Diário Oficial da União. Nos Estados Unidos da América o Tratado é submetido ao Senado (Órgão de representação dos estados) e não à câmara (Órgão de representação popular).
A Ratificação é ato discricionário do Chefe de Estado, não tem efeito retroativo, não tem prazo para ser efetivada e deve ser sempre expressa. Em geral, ocorre por meio de Carta de Ratificação, assinada pelo Chefe de Estado e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores. Como os Estados são soberanos, pode haver recusa à Ratificação, o que é pacificamente aceito pelo Direito Internacional Público, conforme prevê o Artigo 7º da Convenção de Havana. A troca e o depósito dos instrumentos de Ratificação são atos decorrentes da própria Ratificação. A troca é utilizada em acordos bilaterais e o depósito, nos acordos multilaterais, geralmente efetuados no Órgão burocrático das Organizações Internacionais ou junto ao Governo de uma das partes contratantes.
A Convenção de Havana, em seu Artigo 8º enfatiza a importância da troca ou depósito à vigência dos Tratados, e sua publicação produz efeitos na ordem interna após a troca ou depósito dos instrumentos de Ratificação. É uma obrigação internacional, porém a falta de publicação não prejudicará sua vigência nem a exigibilidade das obrigações nele contidas. A Adesão é outra forma de expressão definitiva do consentimento do Estado em relação ao Tratado Internacional. Sua natureza não difere daquela da Ratificação, que é também manifestação firme da vontade de ingressar no domínio jurídico do Tratado. O aderente é, em principio, um Estado que não negociou nem assinou o pacto, e que assim não pode ratificá-lo, mas que, tomado de interesse por ele, decide tornar-se parte, se certificando antes da possibilidade do ingresso por Adesão. A finalidade prática dessa abordagem inicial sobre o Direito dos Tratados Internacionais é facilitar o entendimento do aspecto principal deste estudo - a fundamentação das normas de segurança aplicadas a Aviação Civil Brasileira, que muitas vezes são desconhecidas ou equivocadamente interpretadas pelos usuários do sistema aeroviário nacional.
As principais regras jurídicas estabelecidas pelos Tratados e Convenções Internacionais sobre Aviação Civil estão estabelecidas nas Convenções de Paris (1919), de Madri (1926) e de Havana (1928) sendo expressivas tanto no plano coletivo, quanto no bilateral do Direito Internacional Público.
A soberania das Nações estabelece em suas legislações internas que as aeronaves militares, de polícia e de alfândega podem sobrevoar normalmente o território dos seus países e os espaços livres de qualquer soberania, desde que, compromissos indicativos de alguma aliança estratégica lhes permitam circular por espaço aéreo alheio. Como é o caso dos convênios estabelecidos entre o Brasil e os Estados Unidos da América para a repressão ao narcotráfico internacional e ações antiterrorismo.
O terrorismo internacional deu origem a ações de resposta contrária por parte dos países atingidos, e dentro desta questão, devemos estudar a diferença entre ações antiterrorismo e ações contra terrorismo, por estarem diretamente ligadas à questão da aviação civil internacional.
As ações de contra terrorismo são ofensivas e se referem à ameaça terrorista. Podem ser classificadas como um conjunto de práticas e técnicas de intervenção emergencial empregadas pelo Estado com o objetivo de neutralizar agentes terroristas em ação, utilizando a prática do enfrentamento direto por unidades especiais das forças de segurança estatais, especialmente criadas e treinadas para esse fim. As ações antiterrorismo possuem caráter preventivo, buscando antecipar medidas de segurança que dificultem a possibilidade de realização de atentados. Como é o caso dos aeroportos internacionais - necessitam adotar as medidas de segurança preventivas estabelecidas nos Tratados e Convenções Internacionais sobre Aviação Civil[16].
A Convenção de Chicago de 1944 engloba três convenções principais que regem em todos os aspectos o tema da aviação Civil Internacional, substituindo a Convenção de Paris de 1919, cujos princípios maiores preservaram, trazendo um expressivo acréscimo quantitativo. Todo esse esforço tem por objetivo principal, assegurar o cumprimento do estabelecido no Artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, que versa sobre a segurança pessoal do cidadão. O tema principal do estudo é o “apoderamento ilícito de aeronave” cujo nomem juris do delito, está hoje incorporado ao Direito Brasileiro.
Segundo regras da Convenção de Chicago, toda aeronave utilizada em tráfego internacional deve possuir uma nacionalidade, determinada por seu registro e matrícula. Esse vínculo implica a responsabilidade de um Estado soberano pela fabricação, engenho e garantia, e autoriza a respectiva proteção, se necessária. De nenhum modo interfere no regime jurídico internacional das aeronaves a questão de saber se as companhias a que pertencem são controladas pelo Estado ou não, como era o caso da maioria, até o início dos anos noventa. O que importa é a matricula, o pavilhão nacional arvorado pela aeronave. O pavilhão determina a responsabilidade estatal respectiva e os direitos vinculados ao sistema das cinco liberdades, adotado pelos Países-Partes na Convenção de Chicago e mantido em operação pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) [17].
O sistema das cinco liberdades compreende a liberdade técnica ou elementar de sobrevôo do território, tendo o Estado subjacente o direito de proibir certas áreas de restrição e de escala técnica, quando o pouso se faça imperioso em nome da segurança. Essas duas liberdades elementares são concedidas por todo Estado membro da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) às aeronaves de todo e qualquer outro, pelo fato de se congregarem nos textos de Chicago, sem necessidade de compromissos especiais, ou sequer de bom relacionamento e trato diplomático.
Cuba, ao tempo em que não se relacionava com o Brasil, poderia ter estabelecido linha aérea civil entre Havana e Buenos Aires ou Montevidéu, sobrevoando o território brasileiro, reservada à autoridade local unicamente a prerrogativa de proibir o sobrevôo de certas zonas de segurança desde que igualmente proibidas ao sobrevôo de aviões de qualquer bandeira, incluindo os aviões civis nacionais. A terceira liberdade, de natureza comercial, é a de desembarcarem passageiros e mercadorias provenientes do Estado patrial da aeronave. A quarta liberdade é a exata contrapartida da terceira, sendo, a de embarcar passageiros, e mercadorias com destino ao Estado patrial da aeronave. Essas duas liberdades normalmente vêm juntas, quase sempre como conseqüência de tratado bilateral, ou o que é mais raro, da adesão a uma “convenção de tráfego” da OACI. A quinta liberdade também depende de ajuste especial, reclama entrosamento maior entre dois países. Com ela, cada um deles permite que as aeronaves do outro embarquem e desembarquem em seu território, passageiros e mercadorias com destino a – ou provenientes de – outros países membros da OACI, ou seja, qualquer parte do mundo onde se possa ter interesse em circular com aeronave comercial.
Como exemplo de aplicação do sistema das cinco liberdades, RESEK assim define:
As relações entre Brasil e Marrocos estão circunscritas à terceira e à quarta liberdades. Tanto significa que aviões da Royal Air Maroc aqui só desembarcam e recolhem pessoas originárias do Marrocos e com destino àquele País. Em nossas relações com a Argentina, porém, alcançam o patamar da quinta liberdade. Por isso um avião da Aerolineas Argentinas está autorizado a recolher no Brasil passageiros com destino a Europa e um avião da TAM pode levar a Buenos Aires carga recolhida no Japão e passageiros embarcados no Chile. De todo modo, mesmo no domínio da quinta liberdade, não se compreende a concessão a empresas estrangeiras das linhas domésticas. Reservam-se estas às aeronaves de pavilhão nacional, o que pode ser derrogado por acordos especiais, como hoje acontece na União Européia[18].
A exemplo da Convenção de Chicago (1944), os textos mais recentes contam com a participação de toda a sociedade internacional. Também é o caso do Protocolo de Montreal, de 1984, concebido para proteger o tráfego aéreo contra abusos do próprio Estado na preservação de sua segurança territorial.
No âmbito da aviação civil, três são os tratados multilaterais de notada importância que precederam as negociações de Chicago ao final da segunda guerra mundial: a Convenção de Paris, a Convenção de Havana e a Convenção de Varsóvia que estabelece a responsabilidade do transportador em caso de acidente ou qualquer forma de descumprimento do contrato de transporte, a qual se encontra em vigência até os dias de hoje.
A Convenção Internacional de Paris (1919) defendia o exercício de soberania absoluta do Estado subjacente e admitia o sobrevôo inocente dando início à criação da Comissão Internacional de Navegação Aérea (CINA), para estudos dos problemas vinculados a navegação aérea. Tal convenção foi modificada pelo Protocolo de Londres (1922 e 1923) e pelo Protocolo de Paris (junho e dezembro de 1929).
A Convenção de Madri (1926) e de Havana (1928), também discutiram sobre o assunto. Suas principais regras jurídicas foram utilizadas pela Convenção sobre Aviação Civil Internacional de Chicago (1944). São documentos desta Convenção: um Acordo Provisório realizado nas Ilhas Bermudas em 1946, entre os Estados Unidos da América e a Inglaterra e; um Protocolo de Emenda de 1947.
Assinada e ratificada por muitos países, inclusive pelo Brasil, tal Convenção reconheceu em seu Artigo 1º que todos os Estados exercem soberania exclusiva e absoluta sobre o espaço aéreo acima de seus territórios, compreendendo este, tanto a extensão terrestre, como as águas territoriais adjacentes (águas internas e mar territorial).
A Convenção admite o sobrevôo inocente, mas somente para aeronaves civis. Ratificou o sistema das cinco liberdades do ar, garantindo o direito de sobrevôo, o direito de escala técnica para reparações, o direito de desembarcar passageiros, malas postais e cargas, embarcados no território do Estado de nacionalidade da aeronave; direito de embarcar passageiros, malas postais e cargas, destinados ao território do Estado de nacionalidade da aeronave, o direito de embarcar passageiros, malas postais e cargas, destinados ao território de terceiros Estados e o direito de desembarcar passageiros, malas postais e cargas procedentes do território de qualquer deles.
O direito de sobrevôo e o direito de pouso técnico são direitos fundamentais e outorgados às aeronaves comerciais de todas as partes signatárias, e os de embarque e desembarque de passageiros, malas postais e cargas são de natureza comercial, podendo ou não ser outorgados às aeronaves civis dos Estados signatários.
A Convenção de Chicago (1944) estabeleceu em seu Artigo 43º a substituição da Comissão Internacional de Navegação Aérea (CINA) pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI ou ICAO), composta por uma Assembléia, um Conselho e outros órgãos secundários. Organismo especializado da Organização das Nações Unidas (ONU) tem como objetivos principais elencados em seu Artigo 44º, desenvolver os princípios e a técnica da navegação aérea internacional e estimular o desenvolvimento dos transportes aéreos interestatais. A Assembléia será o fórum da organização e se reunirá anualmente, tendo cada Estado contratante direito a um voto. Entre suas atribuições, está a de baixar instruções sobre problemas vinculados à aviação civil internacional.
Seqüestros, terrorismo e outras formas de violência no quadro da Aviação Civil, na segunda metade do século XX, levaram os países atingidos à celebração de Tratados e Convenções atentos ao problema da segurança. A Convenção de Tóquio foi realizada em 14 de setembro de 1963, sobre os auspícios da Conferência Internacional sobre Direito Aéreo, foi convocada pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), e não trouxe contribuição importante em termos de acordo internacional quanto aos problemas jurídicos suscitados. Seu objetivo limitou-se a estabelecer a jurisdição do Estado em que a aeronave está registrada, para os crimes cometidos a bordo, bem como a jurisdição de qualquer outro Estado, desde que à ação criminosa produza efeitos no território deste. Para fins de tipificação penal, segundo esta Convenção, considera-se em vôo a aeronave desde que seus motores sejam acionados para levantar vôo até que termine a aterrissagem. Segundo Heleno Fragoso[19] o grave defeito da Convenção de Tóquio foi não prever a obrigação de incriminar o apoderamento ilícito de aeronaves, limitando-se a estabelecer as medidas a serem adotadas pelos Estados em que a aeronave desviada pousar.
A ausência dos países a que as aeronaves em geral eram conduzidas tornava tais deliberações inúteis. Por outro lado, enquanto não se impõe aos diversos Estados a obrigação de incriminar o fato, não há crime internacional. A matéria ficou em segundo plano na conferência em face do entendimento geral de que as leis internas de todas as nações já puniam as ações praticadas no apoderamento e desvio de aeronaves.
A Convenção de Haia foi celebrada durante a Conferência Internacional de Direito Aéreo que se realizou naquela cidade em 16 de dezembro de 1970, para repressão do apoderamento ilícito de aeronaves. De acordo com a Convenção, os Estados contratantes obrigam-se a punir com severas penas, a ação de qualquer pessoa que pela força ou ameaça, ou por qualquer outra forma de intimidação, comete a bordo de aeronave em vôo, ato ilícito para exercer o controle da mesma, ou apenas tenta praticar qualquer desses atos, ou, é cúmplice de quem os pratica.
Para a Convenção, considera-se em vôo a aeronave desde o momento em que suas portas externas são fechadas, no embarque, até o momento em que qualquer das mencionadas portas são abertas para o desembarque. A Convenção fixa o princípio da justiça universal, onde o Estado contratante em cujo território o suposto criminoso for encontrado, se não o extraditar, obrigar-se-á, sem qualquer exceção, tenha ou não o crime sido cometido no seu território, a submeter o caso ás suas autoridades competentes para o fim de ser o mesmo processado.
Estabelece, ainda, a Convenção, que o crime deverá ser considerado extraditável em todo Tratado de extradição existente entre os Estados contratantes. Tendo sido aprovada por Decreto do legislativo e promulgada por Decreto do Executivo.
A Convenção de Haia vigora no Brasil com força de lei, sendo editada em conseqüência dela a Lei 5.786 de 1972, punindo com penas de reclusão a ação de apoderamento ilícito de aeronaves e fixando competência de foro militar por qualquer que seja a motivação do crime.
A Convenção de Haia representou um passo importante na repressão deste tipo de ilícito, com equacionamento de importantes questões jurídicas, apesar da ausência de certos países utilizados como refúgio (Iraque, Síria, Jordânia, Cuba) que exercem função de particular relevo na matéria.
Outra Convenção importante para o estudo foi realizada em Montreal. Celebrada em 23 de setembro de 1971 a Convenção de Montreal para repressão dos atos ilícitos contra a aviação civil, veio completar sob vários aspectos, a Convenção de Haia. Além do apoderamento ilícito de aeronaves, outras figuras de delito são previstas no documento.
Em seu Artigo 1º declara a Convenção de Montreal, que comete crime quem pratica ato de violência contra pessoa a bordo de aeronave em vôo, desde que, tal ato possa colocar em perigo a segurança da mesma. Também se enquadra na tipicidade penal quem destrói aeronave em serviço, ou causa dano a ela, ou que a torne incapaz de voar, ou ainda, colocando em perigo a segurança do vôo pela utilização de dispositivos ou substâncias capazes de destruí-la.
A Convenção declara também puníveis a tentativa e a participação, estabelecendo para os Estados contratantes a obrigação de tornar os crimes punidos com severas penas. A Convenção de Montreal, celebrada no curso de Conferência Internacional sobre Direito Aéreo, foi ratificada pelo Brasil, aprovada por Decreto legislativo e promulgada pelo Presidente da República, vigorando atualmente com força de lei.
O XI Congresso Internacional de Direito Penal, reunido em Budapeste, em setembro de 1974, cuidou, em uma de suas seções, especificamente, da matéria. As conclusões aprovadas no Congresso de Budapeste destacam que a aviação civil internacional adquiriu valor e importância consideráveis na vida moderna e na comunidade internacional de nossos dias, devendo ser particularmente protegida contra os atos de interferência ilícita e desvio de aeronaves. Proclamam que a aviação civil internacional deve ser neutra no conflito entre nações e grupos, não podendo ser utilizada como meio de ação violenta nem constituir alvo de agressão[20].
Reconhecendo o significado excepcional das Convenções de Haia e de Montreal, o Congresso Internacional recomendou a todos os Estados Membros que as ratificassem e as introduzissem na legislação nacional, assegurando dessa forma sua eficácia, cabendo a cada Estado demonstrar a execução da conduta típica no âmbito do direito penal e as circunstancias que demonstram o fato. No caso do terrorismo, que pode estar intimamente relacionado ao apoderamento ilícito de aeronaves, as normas devem reger a presunção de perigo, mesmo que seja abstrato. No Brasil, a falsa sensação de que o país é livre de atentados terroristas tem diminuido a atenção que a matéria merece, escapando à margem das discussões doutrinárias a problemática do terror – crime que detém caráter transnacional e pode ser fatalmente difundido em qualquer país. Tendo por este motivo sua relevância, o terrorismo é tema do Direito Penal que merece atenção e pesquisas, inclusive em consonância com o Direito Penal Internacional.