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Papel do Estado no desenvolvimento: ação ou liberação

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Agenda 31/05/2013 às 10:58

4. Caminhos para a ação

Para alcançar esse fortalecimento, BERCOVICI (2011, p. 212) aponta a necessidade de um planejamento científico e tecnológico, já que essa política está vinculada à política de desenvolvimento e representa o meio para se atingir independência da tecnologia externa. ANNIBAL V. VILLELA e WILSON SUZIGAN (1996, pp. 21-24) também apontam o setor difusor de progresso técnico como prioridade.

CELSO FURTADO (apud ALBUQUERQUE, 2005, p. 19) considera que a criação de um sistema produtivo eficiente dotado de relativa autonomia tecnológica é fundamental para superar o subdesenvolvimento, devendo estar associada à redução das desigualdades.

FURTADO (apud ALBUQUERQUE, 2005, p. 18), a respeito da manutenção da soberania, aponta cinco recursos de que pode se socorrer o Estado: 1) controle de tecnologia; 2) controle das finanças; 3) controle dos mercados; 4) controle do acesso aos recursos não renováveis; 5) controle do acesso à mão de obra barata. Para neutralizar a dependência tecnológica, devem-se fortalecer os demais recursos.

Em segundo, é essencial o controle do capital estrangeiro no que diz respeito, principalmente, às remessas de lucros ao exterior. Esse controle visa à garantia da manutenção dos centros de decisão dentro do território para sustentar a soberania econômica (BERCOVICI, 2011, p. 221).

Além da priorização do setor tecnológico e do controle do capital estrangeiro, mostra-se indispensável a solução da desigualdade social, como aponta CELSO FURTADO (apud ALBUQUERQUE, p. 19), na medida em que “a desigualdade inicial é um fator limitante para o crescimento subsequente” (LEITE & ÁVILA, 2007, p.790).

EDUARDO DA MOTTA E ALBUQUERQUE (2005, p. 14), com base em CELSO FURTADO, aponta uma relação geral entre a orientação tecnológica de um país subdesenvolvido e sua condição de desigualdade social.

Uma das políticas voltadas a esse problema é aquela de garantia de uma renda mínima.

A distribuição de renda, além de promover, em alguma medida, a redução das desigualdades (CAMPOS FILHO, 2007) incentiva o consumo e, por decorrência, estimula a industrialização. LEITE e ÁVILA (2007, pp. 790-795), ao tratar da reforma agrária, trazem demonstrações da relação positiva entre distribuição de ativos e desenvolvimento.

Consoante ZIGMUNT BAUMAN (2000, pp. 184-185), o objetivo principal da renda mínima deve ser a integração do cidadão na política, fazendo-o sentir-se parte do todo social:

No entanto, o argumento decisivo a favor da garantia social incondicional de uma subsistência básica pode ser encontrado não no dever moral para com os desfavorecidos e despossuídos (por mais redentora para a saúde ética da sociedade que a satisfação desse dever indubitavelmente seja) nem nas versões filosóficas da igualdade ou da justiça (por mais importante que seja despertar e manter acordadas as consciências humanas a esse respeito) ou nos benefícios para a qualidade de vida comunitária (por mais crucial que sejam para o bem-estar geral e a sobrevivência dos laços humanos), mas na sua importância política ou para a sociedade politicamente organizada: seu papel crucial na restauração do espaço público/privado perdido. Em outras palavras, no fato de ser uma condição sine qua non do renascimento da cidadania e da república plenas, ambas concebíveis apenas na companhia de pessoas confiantes, pessoas livres de medo existencial – pessoas seguras. (destaques do original)

Por outro lado, do ponto de vista liberal, os salários devam ser fixados pelo mercado (VON MISES, 2010, p. 678) e “as políticas para aliviar a pobreza têm servido, algumas vezes, para estimular a relutância ao trabalho e o ócio de pessoas perfeitamente capazes e saudáveis” (VON MISES, 2010, p. 689).

Mas, partindo dessa constatação, que mesmo VON MISES percebe ser aplicável “algumas vezes”, não se pode criar uma regra geral e a partir dela, frustrar tais políticas. Seria, novamente, a utilização de regras universais para casos particulares distintos, procedimento contrário à equidade já defendida desde ARISTÓTELES (2003, p. 125).

Há comprovações de que o comportamento humano, principalmente a respeito das escolhas que faz, necessariamente é regido por incentivos (GICO JÚNIOR, 2010, p. 21; LEVIT et DUBNER, 2007, p. 15; POSNER, 2000, p. 11).

Partindo dessa premissa, as pessoas que tivessem a garantia de uma renda mínima independentemente de trabalho, em princípio, seguindo tal raciocínio, somente iriam trabalhar se o retorno compensasse. Isso tenderia a elevar o salário no mercado, mas também poderia, de fato, estimular o ócio.

O fato, todavia, é que pessoas estão morrendo de fome (IBGE, 2006) e não podem esperar o término dessa discussão, e somente uma experiência poderia levar à verificação de como as pessoas reagiriam (SEN, 2000, p. 156).

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Feita a experiência e se evidenciando a existência de grande massa de ociosos, a sociedade deveria reavaliar seu rumo.

Toda e qualquer ação depende de planejamento, que por sua vez demanda recursos para sua execução. Daí a importância da vinculação entre a Constituição Econômica e a Constituição Financeira.

Essa concepção se inicia em 1939, quando o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) elaborou o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional. Segundo SONIA DRAIBE (2004, p. 91):

Ao preparar o orçamento daquele ano, [o DASP] propôs uma nova fórmula – a distinção entre o orçamento ordinário, para os gastos de custeio, e o orçamento especial, para os investimentos públicos. A vinculação entre a elaboração orçamentária e o planejamento econômico começou, assim, a ser concebida e justificada sob a tese de que o “orçamento é o plano traduzido em dinheiro”.

De acordo com GILBERTO BERCOVICI e LUÍS FERNANDO MASSONETTO (2006, pp. 14-15), a partir da década de 1980 a constituição financeira prioriza a estabilidade monetária como garantia do capital privado. Esse isolamento acaba prejudicando o atingimento dos objetivos constitucionais (BERCOVICI et  MASSONETO, 2006, pp. 17-18):

A ordem econômica intervencionista e dirigente da Constituição de 1988 é isolada de seus instrumentos financeiros, cuja efetividade é medida em si mesma, sem qualquer relação com os objetivos da política econômica constitucional. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a insana proposta de emenda constitucional instituindo o déficit nominal zero são meios de excluir o orçamento da deliberação pública, garantindo metas de política monetária muitas vezes impostas de for a e em favor de interesses econômicos privados, que desejam uma garantia sem risco para seus investimentos ou para sua especulação financeira. A implementação da ordem econômica e da ordem social da Constituição de 1988 ficaram restritas, assim, às sobras orçamentárias e financeiras do Estado. A constituição financeira de 1988 foi, deste modo, “blindada”. A Lei de Responsabilidade Fiscal apenas complementa este processo, ao vedar a busca do pleno emprego e a implementação de outra política financeira.

Sem os recursos necessários para a concretização dos planos, esses serão apenas declarações de boas intenções.

Evidencia-se que, na prática, não existe norma programática. O que existe é ausência de vontade política ou falta de força política suficiente para buscar os instrumentos para concretização dos planos.

Norma programática é uma contradição em termos. Norma, por definição, impõe deveres ou molda a forma de sua execução. Não há sentido em trazer ao instrumento jurídico maior do sistema normas sem efeito ou que sujeitem seus efeitos à vontade dos agentes públicos.

GILBERTO BERCOVICI  e LUÍZ FERNANDO MASSONETTO (2006, p. 18), a propósito, salientam o fato de as críticas à constituição dirigente se restringem àquelas normas relativas a políticas públicas e direitos sociais, mas não às amarras legislativas de ajuste fiscal para garantia de pagamento de juros da dívida pública.

Fato que contribui para a inexecução de projetos sociais é a atribuição normativa de objetivos a órgãos, sem imposição de responsabilidades a agentes específicos. Com isso, não há no ordenamento jurídico um sistema de incentivo para pressionar a ação, que fica dependendo da vontade e do poder da autoridade competente ou do governo do momento.

Enquanto as normas constitucionais não receberem o respeito merecido, as páginas da Constituição continuarão tendo menos utilidade do que laudas em branco.


5. Propostas para debate

Para finalizar, abaixo são trazidas algumas sugestões ligadas a problemas paralelos com o desenvolvimento, formuladas apenas em nível teórico, para debate e pesquisa mais aprofundada para que se verifique sua adequação ou não.

5.1 Tributação

Em primeiro lugar, a ação do Estado voltada ao desenvolvimento carecerá de recursos financeiros. As formas pelas quais o Estado os obtém, em suma, são três: a partir de atividades econômicas que exerça; por meio de empréstimos; ou por meio da tributação.

A dívida pública, em princípio, só teria sentido em relação a recursos externos. No âmbito interno, se o Estado pode tributar, deve estar bem justificada a razão de se endividar, mediante títulos públicos, submetendo-se a seus súditos.

Se o indivíduo possui recursos para emprestar para o Estado, trata-se de recursos que denotam capacidade contributiva.

A lógica da tributação deveria passar por um planejamento, com prioridades elencadas democraticamente e com estimativas dos custos correspondentes e com o valor da contribuição devida por parte de cada cidadão, na medida de sua capacidade contributiva. O cidadão tem o direito de pleitear a satisfação de seus interesses, mas tem o dever de pagar por isso, na medida de sua participação na riqueza nacional.

É uma lógica comezinha, aplicada em qualquer condomínio edilício ou mesmo nas sociedades empresárias[5]. Dividem-se os bônus e os ônus conforme a participação no patrimônio comum.

Por outro lado, o risco desse raciocínio será a alegação de uma contrapartida, no sentido de que, participando em maior peso da contribuição, caberia também maior peso na decisão, o que levaria o debate da proteção dos minoritários no âmbito da República ou do peso de cada voto.

Em resposta a esse argumento, deve-se lembrar que, a esse respeito, a Constituição já fixou a regra de que todos os votos têm o mesmo valor[6], enquanto a contribuição deve ser proporcional à capacidade econômica de cada contribuinte[7].Sem embargo, a lógica acima pode ser aplicada, por exemplo, na instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto no art. 153, VII, da Constituição.

Com efeito, qualquer outra definição, que se afaste da proporção, por exemplo, fixando determinado valor como “grande fortuna”, como feito em alguns projetos brasileiros de leis complementares (MAMEDE, 2011, 45-47), poderá resultar injusta.

Novamente, deve-se recorrer a ARISTÓTELES (2003, p. 110): “Assim, o justo é o proporcional, e o injusto é o que viola a proporção.”

Nessa linha de raciocínio, pode-se, por exemplo, tomar o percentual de riqueza de cada pessoa no total de riqueza de todas as pessoas juntas e, a partir daí, fixar-se, com base nesse percentual proporcional ao total, a alíquota do imposto.

Por outro lado, a base de cálculo desse imposto pode partir dos recursos necessários para suprir o déficit do Estado no cumprimento de suas políticas públicas. A tributação deve seguir, então, a seguinte fórmula: elenco das necessidades -> estimativa do valor necessário -> estimativa do valor da contribuição de cada componente do povo proporcionalmente à respectiva riqueza -> aprovação da proposta.

A tabela abaixo, elaborada a título de exemplo, ajuda a esclarecer esse raciocínio:

 

Valor do déficit

 R$      1.000.000,00

 

cidadão

Riqueza dos cidadãos:

Percentual da riqueza do cidadão

em relação à soma das riquezas

de todos os cidadãos

Valor do imposto

A

 R$          300.000,00

21,71%

 R$     217.076,70

B

 R$          200.000,00

14,47%

 R$     144.717,80

C

 R$          100.000,00

7,24%

 R$       72.358,90

D

 R$            50.000,00

3,62%

 R$       36.179,45

E

 R$          600.000,00

43,42%

 R$     434.153,40

F

 R$            20.000,00

1,45%

 R$       14.471,78

G

 R$            10.000,00

0,72%

 R$         7.235,89

H

 R$          100.000,00

7,24%

 R$       72.358,90

I

 R$              2.000,00

0,14%

 R$         1.447,18

J

 R$                         -  

0,00%

 R$                   -  

Totais

 R$               1.382.000,00

100,00%

 R$  1.000.000,00

As pessoas jurídicas, em princípio, deverão participar das contribuições, sob pena de se frustrar o objetivo distributivo.

Usando a sistemática acima, pode-se instituir o imposto para todos, já que cada um participará de acordo com sua riqueza. Aquele que nada tem, nada pagará.

Esse exemplo utiliza uma distribuição proporcional da carga tributária. Mas também é possível se utilize uma distribuição progressiva, de modo a diminuir a diferença econômica entre os contribuintes, como sustentei recentemente (SARAI, 2012).

Trata-se, de qualquer forma, apenas de um esboço, colocado para análise crítica.

5.1.1 Procedimento para tributar

No âmbito da tributação, predomina atualmente o recolhimento do valor devido por meio do lançamento por homologação.

Essa modalidade de lançamento tende a gerar insegurança jurídica ante a possibilidade de conflito entre a interpretação do sujeito passivo da obrigação tributária e o sujeito ativo.

 O ideal seria que o Estado efetivasse todos os cálculos e entregasse a conta ao sujeito passivo, que teria, como única preocupação, pagar o tributo devido.

Como, atualmente, o sujeito passivo já arca com os custos necessários para o controle fiscal sobre sua atividade, bastaria passar seu setor fiscal para a responsabilidade do Estado. O custo de manutenção desse setor passaria a ser uma taxa.

Com isso, a empresa não teria o risco de vir a ser questionada no futuro por algum erro, quando foi o próprio Estado que calculou o montante devido.

5.2 Relações de trabalho

A mesma lógica poderia ser atribuída às relações trabalhistas.

O Estado deveria manter um órgão de controle das relações trabalhistas para calcular os valores devidos pelos empresários em relação a seus empregados e, com isso, evitar riscos de demandas trabalhistas.

Continuaria aberta, em todos os casos de lesão ou ameaça de lesão a direito, a porta do Judiciário, mas a contraparte seria sempre o Estado, minimizando o conflito entre capital e trabalho.

5.3 Corrupção

Quando o Estado se aproxima do indivíduo, há quem aponte nisso uma causa de corrupção: “A corrupção é uma consequência natural do intervencionismo. Podemos deixar aos historiadores e aos advogados a tarefa de lidar com os problemas decorrentes desse fato.” (Von MISES, 2010, p. 836).

Relativamente à corrupção, poderia haver uma previsão legal de que a vantagem oferecida ilicitamente ao agente público poderia ser por ele adquirida licitamente se, sem se corromper, colaborasse para a captura do indivíduo que praticou o ilícito. O mesmo aconteceria quando alguém recebesse pedido de vantagem feito por agente público e, negando-se a entregar vantagem, auxiliasse na condenação deste (SARAI, 2011).

5.4 Integração entre Universidade e Estado

O controle da ação estatal acaba ficando a cargo de poucos. A pessoa normal, em razão de seus afazeres diários, não conta, normalmente, com condições para acompanhar as atividades do Estado. Por vezes também não possui conhecimentos para uma fiscalização.

Talvez fosse viável instituir nas universidades, como trabalho para conclusão de curso, a atividade de fiscalização da ação estatal. Cada aluno ou grupo de alunos, conforme sua área de conhecimento, ou por meio de grupos interdisciplinares, poderiam tomar, por exemplo, processos de contratação pública para análise.

Apurando eventuais irregularidades, poderiam elaborar um relatório para encaminhamento ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas ou mesmo ao órgão interno de controle.

Sabe-se que muitas irregularidades não constam da forma do processo, mas a atividade serviria para formar a cidadania.

Essa relação entre universidade e administração pública também poderia auxiliar na busca de solução para gestão de pessoas, processos de trabalho etc.

Sobre o autor
Leandro Sarai

Doutor e Mestre em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAI, Leandro. Papel do Estado no desenvolvimento: ação ou liberação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3621, 31 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24575. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado originalmente na Revista de Direito Mackenzie n. 5, v.1. 2011, pp. 142-163. A presente versão contém alterações.

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