4. DIREITO COMPARADO
Diversos tratados internacionais, sobretudo sobre Direitos das Crianças e Adolescentes, fizeram que os países passassem a atualizar, com base nas recomendações internacionais, as suas legislações para o combate aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Segundo Nogueira (2009), para os crimes cometidos através de meios telemáticos, a cooperação entre os países é essencial para a identificação dos criminosos que se utilizam da virtualização para ficarem anônimos. Nesse diapasão, a legislação pátria tem a obrigação de acompanhar a tendência internacional para o combate à pedofilia e demais crimes envolvendo crianças e adolescentes.
O problema da pornografia infantil cresceu demasiadamente com o advento da Internet. A comunidade internacional, preocupada como a temática, passou a realizar diversos tratados e convenções sobre o assunto. Em artigo sobre a temática, Moreira destaca alguns desses tratados e convenções, como veremos a seguir:
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989 pela Organização das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil, incorporada pelo Decreto nº 99.710 de 21 de novembro de 1990, pode ser vista como um marco da proteção à criança. Tal documento enfatiza a responsabilidade que cabe aos Estados em criarem medidas de assistência e defesa à criança e ao adolescente contra o abuso, a violência ou qualquer ato que atinja sua integridade física e psicológica, conforme se pode observar da leitura dos artigos 19 e 34 da supramencionada Convenção.
No mesmo sentido, qual seja, a proteção da criança, outras convenções foram incorporadas no nosso ordenamento jurídico, como a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ocorrida em Genebra no ano de 1999 e promulgada no Brasil pelo Decreto n° 3.596, de 12 de setembro de 2000, que dispõe sobre as piores formas de trabalho infantil e contém instruções de ação imediata para sua eliminação. Aborda ainda a tomada de medidas urgentes contra a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição e ao enfrentamento à produção ou atuação de menores em material pornográfico.
O Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais no âmbito do MERCOSUL, promulgado pelo Decreto n° 3.468, de 17 de maio de 2000 traz importantes avanços acerca da cooperação entres os países integrantes no sentido de harmonizar suas legislações tendo em vista o enfrentamento de crimes comuns que ocorrem no território dos Estados Partes. Nesta conjuntura, vale ressaltar que um dos passos mais importantes para o combate contra a pedofilia é a união entre países, ONG´s e entes privados, sempre incentivando o trabalho cooperativo e a troca de informações, já que as grandes ações delituosas se manifestam por meio de crimes transnacionais, nas quais comumente as provas e autores se situam em distintos Estados.
Outro importante passo foi a realização do 2º Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, que teve como principal efeito a criação da Agenda de Estocolmo (The Stockholm Agenda for Action against Commercial Sexual Exploitation of Children) e o Compromisso de Yokohama (Yokohama Global Commitment), com o escopo de oferecer maior proteção aos direitos das crianças e adolescentes contra todas as formas de exploração sexual, além de dar ensejo à criação de mecanismos de prevenção e monitoramento destas condutas ilícitas.
Sabendo-se da velocidade com que esse tipo de delito se alastra, esta passou a ser uma das principais preocupações das organizações internacionais. Em razão disso foi realizada em 1999 a Conferência Internacional sobre o Combate à Pornografia Infantil na Internet em Viena. O apontamento final da Conferência sugeriu a criminalização mundial da produção, distribuição, exportação, transmissão, importação, posse intencional e propaganda de pornografia infantil, com ênfase a importância da união de todos os países e cooperação de órgãos públicos e a indústria da Internet no combate a essas condutas.
A parte introdutória do Protocolo de Viena (1999) descreve o estado de preocupação e inquietação dos Estados acerca da crescente disponibilidade de pornografia infantil na rede mundial de computadores, destacando a necessidade iminente de uma criminalização mundial uniforme acerca das condutas de produzir, distribuir, exportar, importar, publicar, transmitir e ter posse intencional de material que contenha pornografia infantil. Além do mais, sublinha a importância da formação de parcerias que estreitem os laços entre Governos e a indústria da internet.
Pouco tempo depois, em 2001 foi realizada a Convenção sobre Cibercrimes também chamada de Convenção de Budapeste, produzida pelo Conselho da Europa denotando um importante passo no combate aos crimes cometidos na rede mundial de computadores.
Em seu preâmbulo, a convenção destaca como prioridade: “uma política criminal comum, com o objetivo de proteger a sociedade contra a criminalidade no ciberespaço, designadamente, através da adoção de legislação adequada e da melhoria da cooperação internacional” e adota “a necessidade de uma cooperação entre os Estados e a indústria privada”.
A referida Convenção também apresenta novas técnicas na área de conservação, busca e apreensão de dados informáticos armazenados, além da captação em tempo real de dados informáticos e interceptação de dados relativos ao conteúdo.
Antônio Mossin (2005) discorrendo sobre o tema disponibiliza em sua obra alguns artigos de Códigos Penais estrangeiros que versam sobre a punição de crimes correlacionados a prática de pedofilia:
Em Portugal o Art. 1º do Código Penal descreve que, quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 (catorze) anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de 1 a 8 anos. Se o agente tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor de 14 (catorze) anos é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. Quem: utilizar menor de 14 (catorze) anos em fotografia, filme ou gravação pornográficos é punido com pena de prisão até 3 anos.
Na legislação da Nicarágua o Art. 201. do Código Penal classifica como corrupção a conduta de induzir de qualquer forma, promover, facilitar ou favorecer a corrupção sexual de uma pessoa menor de 16 (dezesseis) anos de idade, ainda que a vítima consinta em participar dos atos sexuais – Prisão 4 a 8 anos.
Por outro lado, na Costa Rica o indivíduo que promove a corrupção de uma pessoa menor de idade ou incapaz, será sancionado com uma pena de prisão de 3 a 8 anos. A mesma pena se imporá a quem utilizar as pessoas menores de idade ou incapazes com fins eróticos, pornográficos ou obscenos, exibindo-as em espetáculos, públicos ou privados, de tal índole. Ressalta-se que a pena será de 4 a 10 anos de prisão caso a vítima possua menos de 12 anos de idade.
No Paraguai, a pena para quem realizar atos sexuais com um menino ou o induzi-lo a realizá-los em si mesmo ou em terceiros, será privativa de liberdade de até 3 anos ou multa, sendo esta aumentada em até 5 anos quando o autor tenha maltratado fisicamente a vítima de forma grave ou tenha dela abusado, em diversas ocasiões.
Não muito diferente ocorre em Macau, aonde o indivíduo que praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levá-lo a praticar consigo ou com outra pessoa terá como pena a privação da liberdade de 1 a 8 anos. Caso o agente tiver cópula ou coito anal com menor de 14 anos a pena será de 3 a 10 anos. O legislador ainda completa que o indivíduo que praticar ato exibicionista de caráter sexual perante menor de 14 anos, ou manter com este conversa obscena ou escrito, espetáculo ou objeto pornográfico, ou o utilizar em fotografia, filmagem ou gravação pornográfica, será punido com pena de prisão de 3 anos.
Um dos mais rigorosos ordenamentos jurídicos é o do Peru, segundo o qual, aquele que pratica ato sexual ou outro análogo cumprirá prisão perpétua se a vítima for menor de 7 anos. Caso a vítima tenha entre 7 e 10 anos, a pena mínima será de 25 anos e não excederá a 30 anos, no entanto, se o agente tiver qualquer posição, cargo ou vínculo familiar que lhe dê particular autoridade sobre a vítima ou o estimule a depositar nele sua confiança, a pena será não menor de 30 anos. (grifos nossos)
Percebe-se claramente a influência em nossa legislação, principalmente no ECA, das convenções e tratados internacionais em defesa das crianças e adolescentes. O Art. 241. do referido estatuto, por exemplo, retrata a atualização da legislação nacional. Se observarmos as condutas que a Conferência Internacional sobre o Combate à Pornografia Infantil na Internet em Viena sugere serem criminalizadas, constataremos que todas elas estão dispostas nos artigos 241 e 241-A a 241-E do ECA, senão vejamos in verbis:
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente.
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:
I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;
II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou
III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.
Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.
§ 2º As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1º deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a que se refere o caput deste artigo.
§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:
I – agente público no exercício de suas funções;
II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo;
III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.
§ 3º As pessoas referidas no § 2º deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito referido.
Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo.
Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.
Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.
Verifica-se que a legislação nacional tenta acompanhar a tendência mundial no combate à exploração sexual de menores. O legislador tentou cercar todas as condutas possíveis que podiam, de alguma forma, permitir qualquer tipo ato tendente a exploração sexual de menores, sendo explicita a preocupação com as novas tecnologias e a Internet, como pode ser observado no art. 241-A. Observamos que os meios telemáticos e de informática, incluindo-se a Internet, é uma preocupação real no combate à pedofilia e aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pode ser observado, a pedofilia se caracteriza pelo interesse sexual de adultos por crianças. Enquanto não ultrapassar a fronteira fática, o pedófilo não pode ser considerado um criminoso, pois não cometeu crime algum, ficando apenas no âmbito do interesse. Se houver, porém, alguma manifestação tipificada o pedófilo passa a ser considerado como um criminoso, não pela atração propriamente dita, mas por ter transgredido uma norma penal.
Da mesma forma, apesar da transgressão da norma penal relacionada à exploração sexual de crianças ser considerada como ato de pedofilia, faz-se necessário clarificar que nem sempre o transgressor é um pedófilo. Muitas das vezes este é um oportunista que se aproveita da situação e da mesma forma o faria se no lugar da criança estivesse um adulto. Sendo assim, um indivíduo que põe em prática o crime de violento atentado ao pudor, ou de estupro contra vulnerável (menor), ou mesmo o de utilizar pornografia infantil, pode não ser acometido da parafilia denominada “pedofilia”, mas, indubitavelmente é um criminoso por ter violado o preceito penal relacionado.
Ressalta-se como o advento tecnológico, sobretudo o surgimento da Internet, modificou sobremaneira as relações sociais, fazendo aparecer, inclusive, um novo canal para a prática dos mais diversos crimes. Neste trabalho terminamos por abordar os delitos sexuais contra crianças e adolescentes através da Internet, tentando expor as vulnerabilidades deste vasto ambiente, também chamado de mundo virtual. Além disto, traçamos a forma de ataque dos pedófilos na caçada de suas vítimas, pois a melhor forma de prevenir esse tipo de delito é conhecendo o perfil do criminoso e suas formas de agir.
Atualmente muito se ouve sobre as formas de punir, senão, corrigir o comportamento do pedófilo. As discussões acerca dos tratamentos possíveis, além da privação da liberdade, tal como a castração química, devem ser incentivados. Somente assim a sociedade chegará a um denominador comum em defesa dos interesses das crianças e dos adolescentes deste país.
Há sim, de se punir o pedófilo criminoso, pois além da função repressiva, há a função preventiva e ressocializadora da pena; esta deve servir de exemplo para que outros não cometam o mesmo delito. Além disso, com a “nova onda” do abolicionismo penal em voga atualmente, com a acentuada tendência a se aceitar condutas hoje reprováveis, com a percepção de que a privação da liberdade, na maioria dos casos, não tem servido para ressocializar o infrator, cabe, sim a discussão sobre novos métodos de punição e tratamento, dentre eles, a castração química. Mas este é tema complexo, que merece a atenção de um novo escrito, com a profundidade que a temática merece.
Finalizamos ressaltando a importância da cooperação dos países entre si, organismos internacionais e empresas para o melhor combate aos crimes virtuais; não se deve deixar de lado, porém, os aspectos internos, fortalecendo localmente a legislação penal e tomando os devidos cuidados para a prevenção dos crimes sexuais contra menores e adolescentes.