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Apreciação sociológica do direito na perspectiva do dano moral

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Analisa-se uma decisão judicial sobre danos morais no ambiente de trabalho, associando a ela teorias sociológicas de Karl Marx, Émile Durkheim, Michel Foucault, Giles Deleuze, Pierre Bourdieu e Norbert Rouland.

Resumo: O presente artigo tenciona analisar uma decisão judicial sobre danos morais associando a ele teorias sociológicas, nas quais se inserem autores positivistas e críticos – como Karl Marx, Émile Durkheim, Michel Foucault, Giles Deleuze, Pierre Bourdieu e Norbert Rouland. Objetivando uma união entre sociologia e direito se buscou explicações ao ocorrido na sentença julgada em 2002 pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, referindo-se a humilhação feita pela empresa a um funcionário. Dentro da perspectiva social e jurídica serão debatidas a divisão do trabalho e a dominação burguesa frente aos direitos sociais.

Palavras-chave: dano moral; divisão do trabalho; dominação; direitos; social


INTRODUÇÃO

Sob a égide das perspectivas sociológica e jurídica constrói-se o debate do presente artigo tendo por tema centralizador os danos morais. Analisou-se uma decisão judicial na concepção de autores relevantes ao estudo da Sociologia Jurídica, dentre os quais Karl Marx, Giles Deleuze, Émile Durkheim, Michel Foucault, Pierre Bordieu, e Norbert Rouland.

A história da sentença emaranha-se com uma série de atentados contra a honra, ao amor próprio e a boa reputação. Antônio de Oliveira Vallin Neto foi obrigado por cerca de oito vezes – segundo aponta a testemunha a favor do reclamante – a dançar sob uma mesa no centro da loja, antes da mesma abrir para o funcionamento, na presença dos outros funcionários a música tema da novela “Escrava Isaura”, uma forma de sanção aplicada pelo gerente Luiz Rossec motivada pelo fato de o funcionário não ter obtido as metas estabelecidas pela empresa.

O autor move a ação contra a companhia principalmente por conta do dano moral infligido pela humilhação causada frente aos colegas de trabalho. Todavia, houve outros pedidos secundários de reparação – que não serão amplamente discutidos neste artigo – que se refere ao não pagamento de horas extras e a compensação pelo não usufruto do horário interjornadas.

O processo ganhou a causa na Primeira Vara do Trabalho de Diadema – São Paulo – condenando a Companhia Brasileira de Distribuição a indenizar Antônio Vallin no valor de seis mil reais por conta da rescisão de contrato e pelos danos morais infligidos a ele. A empresa insatisfeita recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo alegando que não havia causado dano moral ao reclamante e que ao silenciar e não reclamar do ocorrido no período de contratação dos serviços pelo estabelecimento simbolizava que ele teria concedido o perdão tácito.

O colegiado da Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, representado pela juíza relatora Mércia Tomazinho, reiterou de maneira unânime a deliberação da primeira instância. A relatora argumentou, auxiliada pela jurisprudência e pela literatura jurídica, que o perdão tácito não foi concedido por Vallin, dado que ele recorreu no biênio seguinte ao término do contrato de trabalho.

A priori, analisou-se e compreendeu-se o caso apresentado acima. E, a posteriori, utilizou-se o conhecimento e estudo de grandes nomes da sociologia conciliada ao direito – já citados – para a compreensão tanto do fenômeno jurídico como do social. Numa combinação de autores positivistas – como Durkheim e Rouland –, que possuem uma visão otimista do direito, e de autores críticos – como Marx, Foucault, Bourdieu, e Deleuze – que julgam negativos diversos aspectos do direito.

Karl Marx servirá de base para a tese desenvolvida neste trabalho, visto que a análise da divisão do trabalho, a luta de classes e a dominação burguesa para ser o centro do caso jurídico de Vallin. Émile Durkheim, resguardando as devidas diferenças com Marx, é referenciado principalmente para a compreensão do duelo ou união entre direito e moral. Foucault tem seu enlace na realidade estudada graças à concepção de disciplinas. Já Deleuze, seguindo a linha de Foucault, traz o tema de sociedade de controle que também é de extrema relevância ao caso. Bourdieu inter-relaciona-se a partir do vislumbre da violência simbólica – tendo suas ressalvas – e o vínculo entre direito e moral, além da compreensão de hermenêutica jurídica. Por último, mas não menos importante, Rouland apresenta a distinção entre norma concreta e abstrata que incide diretamente na problemática de Antônio Vallin.


1. O CONFRONTO ENTRE CLASSES E A ANÁLISE DO DIREITO NA PERSPECTIVA MARXISTA

Precursor na discussão sobre hierarquia no âmbito das empresas e sobre os conflitos e reivindicações trabalhistas que envolvem o proletário e os burgueses, destaca-se o pensador clássico Karl Marx. A relação de Marx com o caso trabalhado nesse artigo é apresentada de forma estreita. Um dos fundamentos da decisão judicial é a existência de uma hierarquia na empresa retratada, e, por conta dessa distinção de funções, um trabalhador, munido de autorização legal para ordenar os outros funcionários, aproveita-se de sua posição para abusar moralmente daqueles que são inferiores, hierarquicamente, a ele.

A distinção entre as classes do trabalho é um dos aspectos mais importantes na teoria marxista. Segundo Marx, existem duas classes, a classe dominante e a classe dominada. A classe dominante, portanto, seria a que comporta os indivíduos que detém o domínio dos meios de produção material e intelectual. Mantém, então, os indivíduos pertencentes a esse grupo, o poder sobre as ideias dominantes na sociedade. A mudança dos paradigmas sociais instituídos pela classe dominante só poderia ocorrer a partir da luta de classes. Na perspectiva do caso abordado, o confronto das duas classes pode ser ilustrado pelo conflito entre uma grande empresa capitalista, e um proletário. Ao tratar da luta de classes, Marx expõe, em O Manifesto Comunista:

A história de toda sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, Patrício e plebeu, (...) têm vivido uma guerra ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre pela reconstituição revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em conflito. (BOYLE, 2006 p. 33 – 34).

Essa relação entre o pensamento de Marx e a decisão trabalhada é entendida como sendo, portanto, as relações do trabalhador com uma grande empresa capitalista. Para Marx, inevitavelmente ocorrerá o confronto das duas classes. No caso estudado, pode-se entender como estopim para o ajuizamento da ação a repetição do ocorrido por, no mínimo, oito vezes contra a parte autora. Isso reflete, na teoria de Marx, o valor maior dado à produção e ao lucro, por parte das empresas, e a omissão frente aos direitos intrínsecos ao homem, como citados no caso:

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“Violação dos bens protegidos pelo artigo 5º, X, da constituição federal. Perpetra atentado contra a honra do empregado o empregador que o faz dançar a música tema da novela Escrava Isaura, em cima de uma mesa colocada no centro da loja, na presença dos demais funcionários, caso não atingidas as metas de venda, pois tal conduta expõe o indivíduo ao ridículo, atingindo-lhe o amor-próprio e a boa reputação” (TOMAZINHO, 2002).

A relação de Marx com o direito, entretanto, é de que, para ele, o direito serve apenas para garantir o contrato e a propriedade privada. Seria, portanto, para Marx, considerado uma ferramenta burguesa, que busca assegurar a continuidade da hegemonia da classe dominante. O caso de Vallin, entretanto, demonstra que há formas de o direito garantir, também, o bem estar do proletário, afinal, a decisão foi julgada favorável a ele. Apesar de casos como esse existirem, Marx, ainda que acredite em resultados positivos do direito, afirma que o não é possível determinar a resolução de todos os problemas de modo justo ao trabalhador. Segundo ele, essa evolução só seria alcançada por meio da luta de classes.

Marx apresenta-se, portanto, como principal pensador na fundamentação da decisão jurídica estudada. A relação entre proletário e burguesia é intrínseca ao pensamento marxista, o conflito entre essas duas esferas sociais, portanto, está ligado à questão da luta de classes para Marx. Depreende-se do estudo desse autor, então, a insuficiência do direito como defensor do proletário. A Justiça do Trabalho, entretanto, mostra-se cada vez mais ativa na busca pela mudança dessa perspectiva burguesa atribuída ao direito por Marx. Adota-se, hoje, na decisão jurídica, o conceito de justo.


2. O DIVISOR MORAL E DIREITO EM UMA SOCIEDADE DE SEGMENTAÇÃO LABORAL

Émile Durkheim, autor de extrema relevância para a sociologia jurídica, sendo, inclusive, considerado por muitos como o criador deste campo do saber, possui uma estreita afinidade com o caso em apreciação. Todavia, Durkheim ao apresentar a Divisão Social do Trabalho imprimi-lhe um caráter positivo, o que destoa da concepção de Karl Marx. O primeiro visualiza a segmentação laboral como a proporcionadora de individualização, tida como uma libertação em relação à antiga comunidade coletiva, no qual os indivíduos não se especializavam e viviam da mesma profissão. Denominou essas características referentes a cada tipo de sociedade como solidariedade mecânica (a comunidade inicial, em que são raros os movimentos individuais) e como solidariedade orgânica (na qual a consciência coletiva diminui – mas vale ressaltar, que nunca desaparece – e há a liberdade de fazer aquilo que seja consoante com suas capacidades).

De certo modo, a circunstância vivida por Antônio Vallin, poderia ser considerada uma solidariedade orgânica, posto que houvesse uma diminuição da consciência coletiva e um aumento da divisão do trabalho. Entretanto, a otimização teórica da fragmentação do ofício exposta por Durkheim diverge da acepção concreta exprimida pela situação de Vallin perante a empresa contratante – caso que se assemelha bem mais ao pensamento marxista – por conta da exploração e hierarquização, que não garante a liberdade, trazendo muito mais uma restrição de vontades, já que o gerente da empresa – por ocupar um cargo superior – obriga o funcionário a dançar como uma punição pelo não cumprimento das metas de produtividade estabelecidas na companhia.

Outro aspecto tratado por Émile Durkheim que incide sobre a sentença é a relação intrínseca entre Direito e Moral. Segundo o próprio escritor: “O direito e a moral são o conjunto dos laços que nos prendem uns aos outros e à sociedade, que fazem da massa dos indivíduos um agregado todo coerente.” (DURKHEIM, 1984, p. 195). Nesse trecho, o autor explicita diretamente a importância da moral para o direito, e não só para ele, mas também para a sociedade. Partindo dessa correlação, o que é mesmo moral? Durkheim define assim:

É moral, pode dizer-se, tudo o que é fonte de solidariedade, tudo o que força o homem a contar com outrem, a pautar os seus movimentos por outra coisa diferente dos impulsos do seu egoísmo, e a outra coisa diferente dos impulsos do seu egoísmo, e a moralidade é tanto mais sólida quanto estes laços são mais numerosos e mais fortes. (DURKHEIM, 1984, p. 195 -196)

Dentro desta perspectiva, o pensamento de Durkheim amolda-se perfeitamente ao dano moral causado a Vallin. Este ideário de moral que se associa ao direito e os conduzem ao mesmo fim social, pode ser visto claramente na decisão da juíza relatora Mércia Tomazinho que ressalta a essencialidade do respeito a moral, dito como sinônimo de honra:

Perpetra atentado contra a honra do empregado o empregador que o faz dançar a música tema da novela Escrava Isaura, em cima de uma mesa colocada no centro da loja, na presença dos demais funcionários, caso não atingidas as metas de venda, pois tal conduta expõe o indivíduo ao ridículo, atingindo-lhe o amor-próprio e a boa reputação. (TOMAZINHO, 2002)

Vale ressaltar que a Divisão Social do Trabalho na perspectiva de Durkheim destoa grotescamente do vivenciado pelo ex-funcionário Antônio Vallin, podendo contrapor a partir do caso real que a diminuição de uma consciência coletiva em prol da criação de uma individual acarreta comportamentos egoístas, que furtam a sociedade o sentimento de comunidade, hierarquizando e promovendo conflitos, como o foi feito entre o cargo superior e o inferior. Já a concepção de Moral afirmada por Émile Durkheim compreende o formato do Direito atual brasileiro, dado que o ordenamento jurídico necessita da moral em muitos setores, e, além disso, traz a garantia do direito a reparo dos danos causados por eventuais abusos morais. O que é sintetizado pelo autor no seguinte trecho no qual se refere à moral e ao direito: “Correspondem ambas à mesma necessidade social e satisfazem-na apenas de maneiras diferentes.” (DURKHEIM, 1984, p. 194 – 195).


3. UM VIGIAR DISCIPLINAR DOS PODEROSOS

Em meio ao ápice da Revolução Industrial do século XVIII, Michel Foucault, outro estudioso crítico do direito, afirma o surgimento das disciplinas. Para ele, “disciplinas são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas” (FOUCAULT, 1987, p. 241) Na realidade, as disciplinas são uma nova forma de exercer controle exigido pela conjuntura desse século e de seus sucessores, já que houve o aumento da população e da produção, e essas características trazem em seu bojo a necessidade de modos de praticar o poder de maneira menos dispendiosa e que tenha ampla força e alcance. A forma de dominação nesse método é caracterizada pela docilidade, ou seja, é marcadamente implícita, o que não torna o controle visível a priori. O trecho a seguir sintetiza esse pensamento:

As disciplinas substituem o velho princípio “retirada-violência” que regia a economia do poder pelo princípio “suavidade-produção-lucro”. Devem ser tomadas como técnicas que permitem ajustar, segundo esse princípio, a multiplicidade dos homens e a multiplicação dos aparelhos de produção (e como tal deve-se entender não só “produção” propriamente dita, mas a produção de saber e de aptidões na escola, a produção de saúde nos hospitais, a produção de força destrutiva com o exército). (FOUCAULT, 1987, p. 242).

Esse conceito trabalhado intensamente na obra “Vigiar e punir” é de suma importância para a compreensão do ocorrido com Antônio Vallin, isso ocorre porque as exigências empreendidas pela empresa estabelecem uma dominação sob seus funcionários que não usa a violência (pelo menos não a física), mas uma espécie de coação moral. Vallin foi vítima da disciplina conceituada por Foucault, observada expressamente quando existe uma imposição normativa (regimento do estabelecimento) que impõe, dentre outras normas, a obrigatoriedade de obtenção de um mínimo produtivo, além disso, a existência de uma sanção em caso de contrariar o preestabelecido. Foucault cita claramente em seu texto algumas formas de disciplinar, o que pode ser visualizado nos trechos abaixo:

[...] utilizando a própria multiplicidade como instrumentos desse crescimento: daí, para extrair dos corpos o máximo de tempo e de forças, esses métodos de conjunto que são os horários, os treinamentos coletivos, os exercícios, a vigilância ao mesmo tempo global e minuciosa. [...] Enfim, a disciplina tem que fazer funcionar as relações de poder não acima, mas na própria trama da multiplicidade, da maneira mais discreta possível, articulada do melhor modo sobre as outras funções dessas multiplicidades, e também o menos dispendiosamente possível: atendem a isso instrumentos de poder anônimos e coextensivos à multiplicidade que regimentam, como a vigilância hierárquica, o registro continuo, o julgamento e a classificação perpétuos. (FOUCAULT, 1987, p. 243)

Assim, o ex-funcionário, além da disciplina imposta normalmente em todo vínculo empregatício – horário, assiduidade e outros métodos de diluir as multiplicidades – foi imposto o cumprimento de uma meta, e a não obtenção desse gerou uma sanção moral – que posteriormente será intitulada de violência simbólica, segundo Pierre Bourdieu.


4. INTERAÇÃO EMPREGADO- EMPREGADOR EM UMA SOCIEDADE DE CONTROLE

Na decisão judicial retratada, ainda é possível analisar o meio e as circunstâncias em que ocorreu o fato por meio do estudo da organização da sociedade de controle. Desse modo, torna-se necessário que seja trabalhado o pensamento de Giles Deleuze. Esse autor aborda, em complemento ao estudo de Foucault – em Vigiar e Punir – a organização social da sua época, denominada por ele, sociedade de controle.

Foucault aborda, em Vigiar e Punir, a formação de uma sociedade baseada na disciplina – adequada ao contexto das fábricas. Deleuze tenta, portanto, adaptar o pensamento de Foucault à sua realidade – onde já predominavam as empresas. Instituiu, a partir daí, a diferenciação entre a sociedade disciplinar e a sociedade de controle. Essencialmente, com relação ao caso trabalhado, a principal diferença entre os dois modos de organização no que se refere à relação entre trabalhador e empresa é que na sociedade disciplinar há a existência do indivíduo-massa, que é representado por uma assinatura – como indivíduo – e por uma matrícula – como posição na massa. Na sociedade de controle, por sua vez, o indivíduo torna-se divisível em cifras, onde cada uma representa uma atribuição ao próprio indivíduo. O seguinte texto da obra de Deleuze retrata adequadamente esse cenário:

As sociedades disciplinares têm dois polos: a assinatura que indica o indivíduo, e o número de matrícula que indica sua posição numa massa. (...) Nas sociedades de controle, ao contrário, o essencial não é mais uma assinatura e nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha, ao passo que as sociedades disciplinares são reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da integração quanto da resistência).  (DELEUZE, p. 3).

Tais atribuições levam à percepção de que em uma sociedade de controle, o trabalhador como indivíduo é esquecido. Tem-se, ao invés disso, um amontoado de cifras que o representam, independentes umas das outras. Tal organização permite que seja desempenhado mais facilmente o controle sobre os empregados. Nessa perspectiva a contribuição de Deleuze com o caso estudado mostra que os funcionários, divididos em classes hierárquicas desiguais, ficam ainda menos passíveis de realizar quaisquer reivindicações trabalhistas. É objetivo da sociedade de controle organizar esses indivíduos em cifras de modo que haja uma competição interna na empresa em busca de ascensão hierárquica e, portanto, salarial. Segundo Deleuze: “a empresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, excelente motivação que contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo” (DELEUZE, p.3).


5. SIMBOLISMO MORAL – A ANGÚSTIA SOCIAL

Sociólogo francês de extrema relevância para o âmbito pedagógico, Pierre Bourdieu, um autor pertencente a corrente crítica do Direito – incita a curiosidade da Sociologia Jurídica e revela um vislumbre inovador sobre temas meditados por essa ciência. Emana daí uma analogia entre os saberes de Bourdieu e a história de Antônio Vallin observada por meio da decisão judicial em análise.

Violência simbólica, termo utilizado por esse autor, compreende um contexto de dominação, decorrente da divisão do trabalho, luta de classes e diferenciação da posse dos meios de produção – percepção do modo capitalista que se origina de influências de autores predecessores. Portanto, o ocorrido entre o ex-funcionário – Vallin – e o gerente da empresa – Rossec – pressupõe esse tipo de violência, que reflete na coação moral e psicológica, de maneira a obedecer a uma ordem hierárquica obtida por cargos que denotam a estruturação capitalista – apesar de Rossec não ser o dono, é um superior responsável pela representação do burguês. Contudo, o conceito de violência simbólica apresentado por Bourdieu afirma ser uma força por excelência legítima “cujo monopólio pertence ao Estado” (BOURDIEU, 1998, p. 211), o que poderia ser compreendido como uma dominação estatal sobre os indivíduos, e nesse caso deveria ser exercida por meio do judiciário e sua decisão, entretanto, tanto a primeira instância como o colegiado foi favorável ao direito trabalhista exigido pelo proletário Antônio Vallin – vale ressaltar que embora o Direito tenha sido positivo nessa circunstância, não implica que outras serão favoráveis.

Derivando dessa definição percebe-se outro termo abordado pelo mesmo autor: a eficácia simbólica, que demonstra que a decisão judicial, para ele, deve centrar-se bem mais na ética do que nas normas puras. O juiz e o colegiado ao fundamentarem suas sentenças justificam-se na letra do ordenamento jurídico, todavia, essa atitude também recai sobre a ética, visto que principalmente na segunda instância poderia ter-se acatado o argumento da Companhia Brasileira de Distribuição sobre a existência de um perdão tácito frente ao silêncio de Vallin no período em que estava contratado. Esse fato pode ser observado no trecho seguinte: “Saliente-se que a tese de perdão tácito do empregado à lesão perpetrada contra a sua dignidade pessoal não pode prosperar, tanto que o autor veicula o pleito correspondente ao dano em destaque dentro do biênio que sucedeu ao término do pacto laboral.” (TOMAZINHO, 2002).

Outro aspecto semelhante tratado por Bourdieu é a necessidade do vínculo entre direito e moral, fato que reitera a tese citada acima. Sintetizando-se: “(...) participando ao mesmo tempo da lógica positiva da ciência e da lógica normativa da moral, portanto, como podendo impor-se universalmente ao reconhecimento por uma necessidade simultaneamente lógica e ética” (BOURDIEU, 1998, p. 213). Destarte, a decisão judicial em voga obedece a esse aspecto de duplicidade entre moral e direito, além de ter defendido a própria moral pela ferramenta jurídica. Além disso, pode-se entender também a determinação da sentença como uma máscara ideológica – mas não no sentido negativo, e sim como um tipo de pensamento – que não traz o direito como um fator universal, neutro e autônomo, apesar de aparentar uma mera interpretação, está recheado de discursos políticos e opiniões particulares – que podem ser benéfico como no caso em debate – o que está em concordância com o posicionamento de Pierre Bourdieu, na obra “O poder simbólico”.

 Segundo o autor, a hermenêutica jurídica é orientada pragmaticamente – o que é visualizado na sentença, já que a norma é feita em busca da solução de problemas concretos como o de Vallin. A composição da interpretação pode-se dar de dois modos: teórico-dogmática ou jurisprudencial. A juíza relatora Mércia Tomazinho utiliza-se dos dois métodos: baseia sua decisão na lei e no texto dogmático de Alice Monteiro de Barros[1], além da jurisprudência dos Tribunais do Trabalho explicitada na descrição da sentença do juiz relator Paulo Maurício Ribeiro Pires[2].

Bourdieu explicita ainda a existência de um lugar social de cada campo de estudo que caracteriza-se e distingue-se por suas práticas, afirmando ser o direito possuidor de um campo específico. Todavia, por meio do histórico diferenciador da Justiça do Trabalho frente a outros campos percebe-se uma atuação preocupada com a sociedade, o que difere em muitos aspectos de outros âmbitos, como o Penal – que pode ser caracterizado por um elevado número de réus de determinado padrão social: pobre, negro e sem escolaridade –, o que é visto com a decisão do colegiado a favor do proletário Vallin e com a jurisprudência citada pela juíza relatora, que reitera a presença de um perfil voltado ao coletivo.

Infere-se que existe uma espécie de violência simbólica, visto que há uma agressão feita hierarquicamente pelo gerente, todavia, a autoridade que é a verdadeira autora da violência simbólica não produziu esse tipo de violência e sim proporcionou a aceitação da demanda enviada ao judiciário.

Sobre os autores
Luzardo Neto

Acadêmico de Direito vinculado a Universidade Federal do Piauí – UFPI.

Cindy Layara Pires de Carvalho

Acadêmica de Direito vinculada a Universidade Federal do Piauí – UFPI –, Bolsista do Programa Jovens Talentos da Capes/CNPQ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Luzardo; CARVALHO, Cindy Layara Pires. Apreciação sociológica do direito na perspectiva do dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3634, 13 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24696. Acesso em: 2 nov. 2024.

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