6. RELAÇÕES ENTRE O CONCRETO E O ABSTRATO NA DECISÃO JURÍDICA
Norbert Rouland realiza um estudo sobre o direito das minorias e dos povos autóctones. Em meio à discussão sobre esse tema, Rouland aborda a insignificância do direito como norma para que se tenha uma decisão jurídica justa. Nesse sentido, revela as teorias do pluralismo jurídico como fundamentos para a ocorrência de decisões jurídicas que abranjam, também, aspectos sociais, não tão vinculados à norma, mas aceitos como legais e justos.
Relacionando esse aspecto de Rouland com a decisão do caso de Vallin nota-se a integração do código escrito na forma de lei a aspectos moralmente defensáveis. Pode-se observar essa integração nas seguintes passagens da decisão:
Entre os direitos inatos do indivíduo, e oponíveis erga omnes, estão o direito à imagem, à boa fama, à intimidade e o direito à honra. Esta última pode ser definida como um sentimento de dignidade compartilhado pela própria pessoa e pelo grupo social a que ela pertença ou que de algum modo com ela tenha contato. No primeiro caso, diz-se honra subjetiva, que se traduz por autoestima; no segundo, honra objetiva, que nada mais é do que boa reputação (TOMAZINHO, 2002).
A atual Carta Política do Brasil, no inciso X do artigo 5º, ampara, de uma forma geral, a efetividade do direito à honra, prescrevendo, em correspondência, o direito à indenização como remédio à sua lesão (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação). E, particularmente, no inciso VI do artigo 114, protege o empregado de lesão à sua honra praticada pelo empregador, ao atribuir à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho. (TOMAZINHO, 2002).
O elo que pode ser feito entre a decisão judicial e o trabalho de Rouland é, então, a distinção entre o direito como norma – abstrato – e o direito como decisão – concreto. O autor propõe que cada vez mais o pluralismo jurídico ajude na maior abertura do direito ao caso concreto e à realidade social, para que a decisão possa ser, além de correta juridicamente, justa. Para isso, ela deve ser aceita pela sociedade, através da utilização de aspectos sociais e costumeiros no texto rígido da lei.
CONCLUSÃO
A análise da decisão judicial com base nas teorias de pensadores importantes para a Sociologia Jurídica possui grande relevância na interpretação do caso estudado. Ao conhecer o fundamento básico para interpretar um caso concreto, a aplicação da lei torna-se espontânea. Percebe-se, então, que a integração do caso concreto com a rigidez normativa torna-se possível, apenas, a partir do estudo e da aplicação dos fundamentos teóricos à realidade da ação judicial.
Ao aplicar os estudos dos pensadores ao caso Vallin, atribuiu-se a Marx, a maior contribuição para a decisão. Esse embasamento deu-se pelo fato de que Marx tratou da relação entre proletário e burguesia abordando os conflitos existentes entre as duas classes. Dessa forma, pode-se dizer que ao posicionar-se contra o empregador e reivindicar os seus direitos perante a justiça, Antônio Vallin encaixa-se na luta de classes proposta por Marx, nesse caso, utilizando-se de um meio legal e autorizado para punir a parte culpada – judiciário.
Portanto, a discussão central da análise da decisão judicial baseia-se em seguir não só a norma em forma de lei, mas também considerar a existência dos costumes, e das interações sociais. Dessa forma, cada vez mais tende o sistema judiciário brasileiro a chegar a decisões aceitas socialmente, e verdadeiramente justas.
REFERÊNCIAS
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BOYLE, David. O manifesto comunista de Marx e Engels. Trad. Débora Landsberg. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2006. p. 33 – 67.
BRASIL. Supremo Tribunal do Trabalho. Processo no 02738.2002.261.02.00-7.Danos morais. Vendedor. Dança da música tema da novela escrava Isaura pelo não cumprimento das metas de venda. Violação dos bens protegidos pelo artigo 5º, X, da constituição federal. Recorrentes: Antônio de Oliveira Vallin Neto e Companhia Brasileira de Distribuição. Recorridas: as mesmas. Relator: Juíza Mércia Tomazinho. Diadema, SP, 2002. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2005-out-05/grupo_pao_acucar_condenado_humilhar_vendedor>. Acessado em: 22 fev. 2013.
DELEUZE, Giles. Post-scriptum Sobre as Sociedades de Controle. Disponível em:http://www.portalgens.com.br/filosofia/textos/sociedades_de_controle_deleuze.pdf. Acesso em: 19 abr. 2013.
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Trad. Luís Claudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 108 p.
ROULAND, Norbert (org.). Direito das Minorias e dos Povos Autóctones. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004, p. 09 – 33.
Notas
[1] Esse também o entendimento de Alice Monteiro de Barros, para quem "Atenta, igualmente, contra a honra do trabalhador o empregador que deixa o obreiro na ociosidade, descumprindo a principal obrigação do contrato, que é proporcionar-lhe trabalho ou lhe exige, caso não atendidas as metas de venda, que participe de desfile com vestimenta feminina e uso de batom, expondo-o ao ridículo e ofendendo-lhe a dignidade pessoal" (in "Curso de Direito do Trabalho", Ed. LTr, 1ª ed., pág. 599). (TOMAZINHO, 2002).
[2] No mesmo sentido, a jurisprudência majoritária de nossos Tribunais do Trabalho:
Dano moral – vendedor – desfile – vestimentas de presidiário e feminina – dignidade humana – violação – indenização – pagamento devido
Danos morais – Vendedor – Desfile com vestimenta de presidiário e feminina – Violação aos direitos da personalidade. A ordem jurídica vigente assegura, amplamente, os direitos da personalidade, contendo o Código Civil de 2002 um capítulo específico sobre o tema (arts. 11 a 21). Mesmo antes da vigência dessa nova codificação civil, o direito da personalidade já era tutelado, por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, arrolado pela Constituição Federal dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). Nesse contexto, toda e qualquer violação a esses direitos há de ser repudiada, mormente no âmbito da relação de trabalho, onde as partes devem pautar-se pelo respeito mútuo. Assim, faz jus o laborista à indenização pelos danos morais sofridos, em razão da aquiescência da empregadora com a adoção de situações vexatórias, expondo o reclamante ao ridículo, através de desfiles com vestimenta de presidiário e feminina, perante os demais colegas de trabalho e, inclusive, visitantes, por não ter atingido as metas de vendas, em evidente infração à sua dignidade, ao seu respeito próprio e, conseqüentemente, à sua integridade psíquica e emocional. (Ac. un da 8ª T do TRT da 3ª R – RO 00835.2004.019.03.00.0 – Rel. Juiz Paulo Maurício Ribeiro Pires – j 22.09.04 – DJ MG 02.10.04, p. 21).