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A constitucionalidade da PEC do Supremo e seus riscos

Agenda 24/06/2013 às 15:42

Submetendo à consulta popular as decisões de inconstitucionalidade das emendas à Constituição proferidas pelo STF, estaríamos adotando o instrumento do recall judicial, amplamente consagrado nas democracias ocidentais.

Com o natural alarde, a mídia vem noticiando a criação, através de um projeto de emenda constitucional (PEC), de mecanismos jurídicos voltados ao controle da atividade do Supremo Tribunal Federal. O clamor foi geral. Instalou-se mais uma crise institucional com declarações hostis das duas instituições e de seguimentos correlatos.

Para que possamos compreender, de forma mais clara, a situação, precisamos nos abster da carga emocional despertada pelas notícias da mídia, assim como, de determinados fatos que podem, equivocadamente, causar uma certa indignação nos analistas mais afoitos.

O primeiro exercício que devemos fazer é imaginar a inexistência da aparente e vulgar motivação da PEC do Supremo. Ora, a PEC foi apresentada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara por um Deputado do PT. Esta PEC foi analisada por uma comissão composta de Deputados (não em sua maioria) que, de uma forma ou de outra, foram condenados pelo STF, ou estão, perante aquela instituição, respondendo a procedimentos judiciais graves. Por outro lado, devemos também esquecer a decisão liminar do Ministro Gilmar Mendes sustando o processo legislativo da emenda constitucional que regulamenta a utilização de espaços de publicidade para novos partidos. A tese jurídica, convenhamos, é no mínimo academicamente discutível. Escapa da tradição do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro que somente admite correção formal do processo legislativo, embora, já haja precedente naquela Corte.

Colocando, portanto, nossa natural indignação de lado, de forma mais imparcial e mais técnica, poderíamos indagar: seria mesmo uma PEC inconstitucional por ferir a independência e harmonia entre os poderes, cláusula petrificada em nossa Constituição Federal? Onde estaria a lesão a este princípio? A questão não é se concordamos -ou não- com os limites criados pela PEC, mas, se pode -ou não- ser considerada inconstitucional.

Lendo atentamente o texto do mencionado projeto de emenda constitucional pode ser afirmado que o mesmo propõe: a)- estabelecer um quorum mais formal para as ações declaratórias de inconstitucionalidade de emendas à constituição, ou seja, ao invés de maioria absoluta, seria exigível um quorum de quatro quintos de seus integrantes (art. 1º. da PEC); b)- O mesmo se dá em relação ao quorum para a edição de sumula vinculante, impondo a aprovação expressa ou tácita pelo Congresso Nacional, para que a súmula que fosse editada passasse a ter efeitos vinculantes (art. 2º. da PEC); c)- A declaração de inconstitucionalidade material de emendas constitucionais passaria a ser encaminhada para o Congresso Nacional dependendo de sua aprovação tácita ou expressa para que tal declaração pudesse ter efeito erga omnes e vinculante. Não concordando, o Congresso Nacional submeteria a decisão à consulta popular (art. 3º. da PEC); d)- Estaria vedada a hipótese de suspensão, por liminar ou medida cautelar, da eficácia da emenda constitucional objeto de ação declaratória (art. 3º. da PEC).

Analisando cada proposta de alteração, temos que o quorum mais formal para a declaração de inconstitucionalidade de emenda constitucional -diferenciando-a das demais normas ou atos normativos- pode, de certa forma, ser justificado. Ora, se o processo legislativo de criação de uma emenda constitucional no sistema brasileiro é o que caracteriza nossa CF/88 como uma Constituição rígida, ou seja, para ser alterada necessita quorum especial, porque não exigir quorum especial para a declaração de inconstitucionalidade? Não vemos qualquer objeção técnica, tão pouco, eventual lesão ao princípio da harmonia e independência dos poderes. Achamos mesmo que o quorum previsto é demasiado, o que de certa forma poderá dificultar da declaração de inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, mas, não evita-la. Nada que uma emenda aditiva ou substitutiva não resolva reduzindo-o.

Quanto a segunda alteração proposta, o mesmo pode ser afirmado. Não há qualquer lesão ao princípio da harmonia e independência dos poderes. Quanto ao quorum, pode ser reduzido por emenda. Quanto ao condicionamento proposto, decorre do próprio sistema de freios e contrapesos pensado por Aristóteles, propagado por Montesquieux, e consagrado praticamente em todas as democracias ocidentais. É o que ocorre, p.ex., na declaração de inconstitucionalidade incidental, onde o Senado é comunicado e por sua atividade legislativa suspende a eficácia da norma.

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Por outro lado, nos parece inegável que o efeito vinculante de uma sumula caracteriza mais um legislar positivo, função típica do legislativo, do que propriamente negativo, função excepcionalmente permitida ao Judiciário. Basta lembrarmos da súmula no.: 11, das algemas, quando o STF ameaçava os policiais de prisão caso não observassem o conteúdo da mencionada súmula. Assim, podemos concluir facilmente que se lesão há ao princípio da independência e harmonia dos poderes, esta lesão encontra-se mais na criação da súmula vinculante do que propriamente no condicionamento de seus efeitos ao crivo do Congresso Nacional. A real eficácia de uma norma, com sua abstratividade e generalidade, está condicionada a atividade legislativa e não judiciária. Não negamos seu valor no âmbito da celeridade processual, contudo, súmula não é lei e ninguém pode fazer ou deixar de fazer algo a não ser em virtude de lei. Se o legislativo é inapetente, nos parece uma outra discussão.

No que se refere a terceira alteração proposta, isto é, a determinação no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade material de emendas constitucionais passasse a ser encaminhada para o Congresso Nacional, antes que produzisse efeitos naturais previstos em lei, cremos que o enfoque dado pela mídia foi, com certeza, mais provocativo do que real. Segundo o noticiado as decisões do STF estariam submetidas a aprovação -ou não- do Congresso Nacional para valerem. A verdade não é bem essa.

A realidade não guarda qualquer relação com o Estado Novo Getulista, e neste ponto discordamos do Ministro Gilmar Mendes. Na verdade, se há alguma submissão prevista não é à vontade do Congresso Nacional, mas à legitima expressão de quem é titular absoluto do poder soberano, ou seja, o povo brasileiro. Assim, submetendo à consulta popular as decisões de inconstitucionalidade das emendas à Constituição proferidas pelo STF, estaríamos adotando o instrumento do recall judicial, amplamente consagrado nas democracias ocidentais. Sem dúvida, ao contrario do que afirma o Presidente do STF, Ministro Joaquim Barbosa, teríamos um sistema bem mais democrático, pois, a ultima palavra (como se referiu o Ministro Marco Aurélio) em assuntos polêmicos seria do povo e não de algum poder composto de seus representantes, seja ele legislativo, judiciário, ou mesmo, executivo.

O ponto delicado desta questão não está na eventual lesão ao principio da harmonia e independência dos poderes. Tão pouco encontra-se na submissão da decisão do Supremo a vontade popular, o que olhamos com bons olhos. Na realidade, o ponto mais importante é o momento em que a decisão de inconstitucionalidade do Supremo passa a surtir efeitos. Como nos sistemas modernos, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade das emendas constitucionais, ou mesmo qualquer outra norma ou ato normativo, deve ocorrer de forma imediata e na forma da decisão da Corte Maior, evitando-se, desta maneira, grandes lesões jurídicas. Posteriormente, pode o Congresso Nacional, se não concordar com a decisão, submetê-la ao crivo popular. Somente então, e no caso de rejeição pelo povo, poderiam os efeitos da declaração de inconstitucionalidade serem interrompidos. Deste modo, mesmo que o Congresso Nacional venha submeter sistematicamente ao crivo da consulta popular essas decisões declaratórias de inconstitucionalidade, congestionando, assim, esta atividade de consulta, os efeitos da decisão estariam sendo naturalmente produzidos.

Por fim, quanto a quarta e ultima alteração, ou seja, a proibição de decisão liminar em ação de declaração de inconstitucionalidade das emendas constitucionais, suspendendo a eficácia de seus efeitos, indaga-se: a possibilidade de se deferir uma liminar, ou mesmo uma antecipação de tutela, foi criada como princípio revelador da independência e harmonia entre os poderes. Lógico nos parece que não. É uma função típica, é verdade, mas, que não guarda qualquer relação com o mencionado princípio pétreo.  A exclusão desta possibilidade jurídica -ou mesmo a sua inclusão- não exclui ou lesa o princípio da harmonia e independência dos poderes.

Entretanto, um alerta deve ser dado, pois, este limite imposto pela PEC pode trazer transtornos irremediáveis, já que os efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade somente seriam possíveis com o processo já maduro e apto a ser decidido. Destarte, o estrago jurídico eventualmente produzido por uma emenda inconstitucional pode não ser evitado.

De qualquer forma, as crises institucionais fazem parte do processo de amadurecimento da democracia, mesmo que esta crise seja mais mediática do que propriamente real. De forma comumente sábia, andou certo o Ministro Ricardo Lewandowski ao afirmar que não devemos preocupar com uma emenda constitucional que ainda não é uma emenda constitucional.

Sobre o autor
Kleber Couto Pinto

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Procurador de Justiça, Professor universitário de Ciência Politica e Direito Constitucional. Professor de Cursos preparatórios de excelência. Bacharel, Especialista e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa, com tese aprovada por unanimidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Kleber Couto. A constitucionalidade da PEC do Supremo e seus riscos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3645, 24 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24775. Acesso em: 5 nov. 2024.

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