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Relevância da filosofia e da sociologia para construção de um ensino jurídico humanista e reflexivo

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Agenda 29/06/2013 às 15:26

A fonte do direito não é mais somente a Lei, mas esta conjugada com outros valores como a justiça e a moral. Atualmente, no Brasil, essa corrente vem se firmando, sendo objeto dos principais estudos filosóficos na área do direito.

Resumo: O objetivo deste trabalho é propor uma reflexão a respeito da contribuição da filosofia e da sociologia no ensino jurídico, com ênfase em seus aspectos humanistas e reflexivos. Para tanto, preliminarmente, será discutida a influência que o positivismo jurídico exerceu sobre a metodologia do ensino jurídico e como essa influência afastou, em tese, a necessidade de formação humanística dos professores de direito. Nesse aspecto, será avaliada, também a relação existente entre o direito e filosofia e o direito e a sociologia.  Por fim, serão lançadas considerações sobre as disposições normativas que fundamentam o oferecimento dessas disciplinas no curso de direito.

Palavras-chave: Ensino jurídico. Positivismo. Pós-Positivismo. Ciência.


INTRODUÇÃO

 O ensino jurídico, desde as primeiras escolas de direito surgidas no Brasil, tem se pautado em premissas dogmáticas e na aprendizagem e conhecimento do direito posto, baseado, invariavelmente, na filosofia positivista. Essa forma de ensinar refletia a preocupação da época em fazer dos estudantes de direito pessoas capazes de transitar com desenvoltura perante a aristocracia dominante, especialmente, entre os dirigentes estatais.

 O universo jurídico, na visão do Estado liberal, com influências irradiadas a partir da revolução francesa, resumia-se ao estudo das leis. Nesse contexto, segundo ensinamentos de um dos maiores filósofos positivistas do direito, Hans Kelsen, o direito devia estar livre de toda influência das ciências correlatas. Em sua obra “teoria pura do direito” ele prega o estudo da norma pautado em objetivos epistemológicos de neutralidade e objetividade, propõe a depuração do objeto da ciência jurídica, que deveria ser livre de quaisquer perquirições axiológicas. E é nesse ambiente que floresce e se desenvolve o estudo do direito no Brasil. Por muito tempo, o ensino jurídico foi balizado pela diferenciação entre direito e moral, direito e justiça, direito e ética, dentre outras diferenciações que só se justificavam pela filosofia positivista que dominava não só a produção do direito formal, mas também a pedagogia do ensino jurídico.

 Ocorre que o direito, por mais que haja correntes filosóficas em sentido contrário, não é uma ciência estática. O dinamismo e a evolução teórica típica de uma ciência de comportamentos humanos, é também inata ao direito. Assim, na segunda metade do século XX, notadamente após a segunda guerra mundial, a maneira de pensar e produzir o direito, aos poucos começa abandonar a filosofia positivista até então predominante. O direito não mais é visto como uma ciência isolada e pura, de conceitos únicos. Não é mais possível dissociar o direito da justiça, da moral ou da ética. O imoral e o injusto não deve mais ser acobertado pelo direito, que passa a ser visto não mais como fruto de uma produção formal pelo Estado (as leis editadas pelo poder legislativo, como o era na época do positivismo), mas sim com o conjunto dessas leis associadas aos princípios pilares do convívio social e da própria existência humana. Justiça, moral, ética, solidariedade, proporcionalidade, dentre outros valores e princípios trazidos da filosofia e da sociologia passam a integrar o conceito de direito. A lei injusta, imoral, desproporcional deve ser extirpada do ordenamento.

 Nesse contexto, denominado pelos adeptos dessa nova maneira de pensar e produzir o direito como “filosofia neopositivista” é imprescindível ao profissional do direito uma sólida formação humanística a fim de poder compreender e ensinar o direito a partir de uma postura reflexiva, dinâmica e interdisciplinar. O diálogo entre direito, filosofia e sociologia é cada vez mais presente, e da eficiência e da maneira como inter-relacionarmos esses conteúdos depende diretamente a qualidade do ensino jurídico e a postura do futuro profissional.

 Por essas e outras tantas razões é que analisar, pensar e refletir sobre as mudanças no ensino jurídico requer, antes, que se reflita a respeito da Ciência do Direito e da sua mutação paradigmática. E isso demanda uma volta ao passado, compreender como a Ciência do Direito chegou à “teoria pura” e porque marcha a passos firmes para o “pós-positivismo”. Paralelamente, é imperiosa a análise dessas transformações sociais ocorridas especialmente após a segunda metade do século XX, tendo em vista que tais transformações compõem o “caldo de cultura” [para utilizar uma expressão das ciências biológicas] que faz emergir essa nova concepção sobre “o que é o Direito” e que identificam a contemporaneidade como uma época de “transição”. (BRAATZ, 2008).


A INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO JURÍDICO NA MANEIRA DE ENSINAR O DIREITO

 Na busca pela imposição de limites ao poder estatal a sociedade liberal-burguesa, inspirada nos ideais da revolução francesa, viu-se diante da necessidade da criação de uma ordem jurídica que lhe trouxesse um mínimo de segurança. Era preciso saber exatamente qual o conteúdo e alcance das normas jurídicas. O espaço interpretativo do direito devia ser reduzido ao máximo, pois somente com regras absolutamente claras e isoladas em um sistema único, seria possível parcelar e limitar o poder do Estado face aos cidadãos.

Essa necessidade fez com que se buscasse as premissas do positivismo científico para aplicá-las ao direito. A ideia do direito como ciência ganha força e, então, não demoram a aparecer os primeiros teóricos a defenderem a tese do direito como ciência pura. Aliás, contribui muito para essa busca da depuração do direito a afirmação de HOBBES (2001, p. 11) de que “o estudo do direito era menos racional que o da matemática, porque os mestres da matemática não erravam com tanta frequência quanto os profissionais do direito” Somente isolando a ciência jurídica das demais ciências como a filosofia, sociologia, economia e política é que se poderia ter a segurança desejada. O direito não pode ter aspecto axiológico, posto que os valores remetem a questões subjetivas e voláteis influenciadas pelas circunstâncias políticas, sociológicas e ideológicas de cada momento. A grande diversidade de valores presentes na sociedade poderia levar a uma indeterminação ou incerteza quanto ao seu exato sentido ou conteúdo. O direito devia ser tratado apenas como norma, isento de quaisquer outros questionamentos ou elementos de ordem subjetiva ou valorativa.

A esse movimento de busca de afirmação do direito como ciência pura é que se chamou de positivismo jurídico, ou seja, as premissas básicas do positivismo científico aplicadas ao direito. Em razão desse raciocínio, os teóricos jurídico-positivistas pregam dentre outras, a separação do direito e política, ou seja, ao aplicador do direito não cabe perquirir e avaliar o conteúdo da lei, mas tão somente a maneira como esse direito puro deveria ser aplicado. No entanto, o que mais marcou a filosofia do positivismo jurídico foi a negação completa da inter-relação entre o direito e a moral e o direito e a justiça, que, por consequência, procurou afastar o direito da filosofia.

Em sua fase clássica, ou mais radical, como noticia BOBBIO (1993, p. 141-143) a filosofia positivista pregava que o direito devia ser estudado como fato e não como um valor. Analisar os fatos e a dinâmica social não é tarefa atribuída ao jurista, que deve se ocupar unicamente da aplicação da norma, seja ela boa ou ruim, justa ou injusta. Ao aplicador do direito não é dado perquirir das razões da existência da norma; se ela existe validamente, deve ser aplicada, independentemente de qualquer juízo valorativo. Dessa forma, a principal fonte do direito é a lei. Costumes e princípios não devem ser levados em conta no momento da produção da norma. A lei formal emanada do Estado tem prevalência sobre quaisquer outras fontes de direito. Assim, a regra jurídica trazida pela lei já contém a solução a ser aplicada ao caso fático, não há espaço para interpretação e a atividade jurídica torna-se mero ato de declaração do direito posto. Por essa razão, cada norma deve ser vista como parte integrante de um ordenamento maior que lhe confere validade e compatibilidade.

Para Hans Kelsen, um dos principais teóricos do positivismo jurídico, a ideia da autonomia do direito deve partir de uma concepção normativa, na qual o fundamento de validade da norma deve ser buscado no próprio ordenamento jurídico. Assim, toda norma jurídica deve encontrar seu fundamento de validade em uma norma que lhe seja hierarquicamente superior, porém dentro do mesmo ordenamento. A única norma que não encontra validade em outra é aquela que ele chamou de norma fundamental (grundnorm), que, por isso, trata-se de uma norma pressuposta.

O conceito de direito, portanto, para Kelsen, é construído a partir das relações do direito consigo próprio. Não está dependente da moral e tão pouco da política.

Outro teórico importante da filosófica positivista do direito foi Herbert Hart, professor da Universidade de Oxford. Sua teoria é centrada, principalmente, no problema da eficácia da concepção positivista, assim, parte da aproximação entre o positivismo jurídico com a jurisprudência do sistema jurídico anglo-saxão. O fundamental para Hart é tratar o direito como um fato social, isento de questões de natureza metafísica ou axiológica. Em sua concepção, o sistema jurídico é composto de apenas dois tipos de normas, as primárias e secundárias.

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No entanto, seja uma ou outra corrente, a premissa básica de qualquer delas parte sempre do pressuposto de que o direito deve ser tratado como ciência dotada de autonomia suficiente para firmar sua validade, independentemente de critérios morais, sociais, políticos ou filosóficos. Dessa forma, o direito é construído a partir de sua única fonte reconhecida como legítima pelo positivismo jurídico: a lei formal emanada do Estado.

Evidentemente, o ensino do direito não se furtava a essa realidade, afinal, foi no seio das academias que nasceu e floresceu a concepção positivista do direito. Toda a produção jurídica e a formação dos operadores do direito dava-se de acordo com os ideais do positivismo jurídico. Dessa forma, os cursos de direito passaram a ser vistos pelos seus próprios agentes como autossuficiente, isolando-se das demais disciplinas e dos demais cursos e construindo uma técnica e metodologia própria. Por consequência, uma pedagogia própria e diferenciada, baseada na concepção positivista, de culto à lei, também foi desenvolvida e aplicada pelos professores dos cursos jurídicos. Com propriedade lembra Fragale Filho que

Esse processo refletiu-se no ensino jurídico que, cada vez mais voltado para si mesmo, passou a autoconsumir-se, ignorando as contribuições dos demais saberes. A faculdade de Direito isolou-se das demais unidades universitárias, virando-lhes as costas, transformando-se em lugares de reprodução de um saber técnico, sem qualquer espírito crítico. Uma simples análise do anterior currículo mínimo dos cursos jurídicos, no qual preponderam as matérias dogmáticas, reprodutoras da técnica e da dogmática forense cotidiana, evidencia, aliás, esse isolamento. (Fragale Filho, 2000, p. 199).

 Assim, o ensino do direito passou a ser o ensino da norma. Não por acaso, a metodologia para o ensino do direito resume-se, ainda hoje, na mera reprodução de leis. O professor não é mais do que um transmissor do direito criado a partir da lei. Nesse contexto, é pertinente a crítica de Fernando Gajardoni

Ao revés de apresentarem uma formação humanística consistente, habilitando o profissional para o entendimento das transformações sociais políticas e econômicas, possibilitando-lhe um distanciamento crítico, uma conscientização de suas funções, nessa sociedade em constante mutação, marcada pelo descompasso entre igualdade jurídico-formal e igualdade econômica, as faculdades de direito ainda zelam por uma formação normativista-formalista de seus alunos, preocupadas com um ensino eminentemente técnico, firmado em proposições e tipificação de condutas sociais à norma posta, desprezando qualquer tipo de conhecimento extra ou meta jurídico e interação com outras áreas do conhecimento. (GAJRDONI, 2003)

 A formação geral e humanística do estudante de direito é relegada a segundo plano, quando muito, os currículos dos cursos contemplam umas poucas horas-aula às disciplinas como sociologia e filosofia. O tecnicismo predominante na metodologia do ensino jurídico transforma o estudante em mero depositário dos conhecimentos que lhe são repassados, sem qualquer capacidade crítica ou reflexiva. Por outro lado, é preciso reconhecer que essa metodologia é fruto do despreparo dos professores a quem também, dada essa mesma formação que receberam, não detém o preparo pedagógico-metodológico para romperem com esse paradigma do ensino jurídico. Por evidente, essa formação didático-pedagógica dos professores, de base positivista, não mais se coaduna com as exigências atuais da formação jurídica. Novamente Fragale Filho alerta que

O perfil exarcebadamente técnico assumido pelos cursos jurídicos conduziu a uma equação simplista na qual a legitimidade da carreira docente encontra-se associada ao exercício de uma função tradicional de operador jurídico, pouco importando se na qualidade de magistrado, promotor público, defensor público, procurador de estado, ou ainda, advogado. É como se a passagem pelo concurso público para as carreiras estatais ou o acúmulo de anos de experiência profissional para o caso de bacharel automaticamente credenciasse o operador jurídico a dar aulas nos cursos de graduação. (Fragale Fragale Filho, 2000, p. 203).

 Nessa lógica, basta ao profissional do direito o conhecimento das leis e relativa capacidade de transmissão dessas informações para que goze da reputação de professor universitário. A formação específica para o magistério é esquecida, em favor da formação técnica do professor. Basta o conhecimento da lei, afinal, segundo a matriz positivista, é irrelevante para o direito o estudo das demais ciências. Nesse contexto, VILELLA alerta para a nociva prevalência do exegetismo na metodologia do ensino jurídico

Constitui destarte, uma visão inteiramente falsa do ensino jurídico fazê-lo constituir basicamente num aprendizado das leis em vigor. Ë o comportamento que já se caracterizou como exegetismo, ao invés de dar ao aluno o instrumental conceitual que lhe permita intervir ativamente na construção de uma sociedade melhor, limita-se a fornecer-lhe uma notícia de soluções normativas garantidas para um contexto histórico, que provavelmente não será o de amanhã, isto é, o do período em que atuarão profissionalmente os estudantes de hoje. Assim procedendo, as faculdades de Direito assumem [...] uma atitude voltada para o passado, quando seu verdadeiro papel seria o de preceder, pela pesquisa e pela reflexão criadora, a intervenção do juiz e do legislador, pois pela ordem natural das coisas compete, sobretudo a elas a vanguarda da elaboração jurídica. (VILLELA, 1979, p. 40).

 A concepção tradicional do ensino do direito, fruto de uma formação didático-pedagógica equivocada dos professores, ou em muitos casos, sem nenhuma formação didático-pedagógica, tem subtraído-lhe a capacidade crítico-reflexiva. Sem uma formação humanística sólida o professor do curso de direito jamais será detentor dessa capacidade pedagógica exigida para a plena formação do profissional do direito.  Por evidente, a lógica positivista de depuração da ciência do direito, que remete à pedagogia tecnicista, não mais atende à dinâmica social e àquilo que se espera dos cursos de direito. Com propriedade, WARAT já ensinava que

As Faculdades de Direito devem deixar de ser centros de transmissão de informação, para se dedicarem, prioritariamente, à formação da personalidade do aluno, do advogado, do jurista, de sujeitos que saibam reagir frente aos estímulos do meio socioeconômico. [...] deve-se discutir, profundamente e sem falsos preconceitos normativos, as relações entre a produção teórica dos juristas e os requerimentos da vida comunitária. [...] a análise crucial reivindicada pela problemática educacional jurídica reside na relação entre o que se ensina e o modo como se ensina, justaposta à outra face do problema que é a relação do que se aprende. Deve haver uma preocupação com o exame dos aspectos ideológicos da educação, a ideologia é a negação do plural do mundo. No campo do Direito a dogmática jurídica age dessa forma. O ensino dogmático, tal como existe hoje oferece explicações unívocas sobre a realidade, quando o que existe são múltiplas formas de compreendê- las e decifrá-las. (1977, p. 61).

 Vale destacar os ensinamentos de Paulo Freire para quem, quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos. (FREIRE, 2005).

 A solução passa, então, pelos “portões da Universidade”, ou seja, os cursos jurídicos devem ser planejados e concretizados a partir de sua contextualização com o meio social, compreender as alterações havidas tanto no âmbito social, quanto no econômico e político e ter em conta a mudança de rumo da Ciência Jurídica que, conforme já amplamente demonstrado, caminha a passos largos em direção à assimilação da teoria pós-positivista como seu baluarte epistemológico. (BRAATZ, 2008).


A FILOSOFIA PÓS-POSITIVISTA E A NECESSIDADE DE FORMAÇÃO HUMANÍSTICA DOS PROFESSORES DOS CURSOS DE DIREITO

 Após a segunda metade do século XX a humanidade passou por diversas transformações, notadamente, após a segunda guerra mundial. O Estado Liberal perdeu lugar para o Estado do bem estar social. Não há mais a preocupação em limitar o poder do Estado, mas sim a implantação dos ideais de justiça e do pleno desenvolvimento do ser humano. Contemporaneamente, a prevalência do Estado neoliberal, em que se prega a completa liberdade, tanto no plano econômico quando nos demais setores sociais, não permite mais pensar o direito como um sistema fechado em si mesmo. A completa reformulação do Estado levou a sociedade a se portar de forma diferente. Assim, por consequência, a fonte principal do direito também deixou de ser a lei formal emanada desse estado. Some-se a isso, os vários momentos históricos em que o direito foi chamado a se posicionar ao longo do século XX.

 As duas grandes guerras representaram momentos traumáticas para a humanidade, em cujas bases, quando do julgamento dos responsáveis por essas tragédias, estavam, não somente a discussão do direito até então concebido, mas também valores supra nacionais e supra individuais. Não bastava discutir apenas o direito estatal, pois que foram os próprios Estados os responsáveis pela violação de toda a ordem jurídica prevalente. Assim, a humanidade atentou para o fato de que não era mais possível conceber o direito como sendo apenas o fruto desse mesmo Estado infrator. Não era possível valer-se de um direito posto para violar outros valores irrenunciáveis da humanidade. Deu-se conta de que carece de legitimidade uma ordem jurídica que viola preceitos como a dignidade da pessoa humana, a fraternidade dos povos, e outros direitos invioláveis e pressupostos como o direito à vida e à intimidade.

  A partir desses momentos históricos os teóricos do positivismo jurídico passaram a encontrar dificuldade para continuarem postados na defesa de uma ordem jurídica isenta de influências axiológicas e principiológicas. A lei injusta ou imoral passa a não mais gozar de legitimidade, não se sustenta e não é mais possível buscar seu fundamento de validade em si mesma. O direito, então, passou a ser visto com o resultado da conjugação de normas, regras e princípios. O direito passou a receber o influxo de forte influência de outras ciências, notadamente a filosofia e a sociologia, passando a ser um sistema aberto, de valores, pluralista e dialético. O Estado democrático de direito passou a ser o principal fator legitimador dessa nova filosofia jurídica. Por representar, ao menos na visão de seus teóricos, uma evolução do pensamento jurídico-positivista, essa nova visão tem sido denominada de pós-positivismo. Segundo explica BARROSO, um dos principais pensadores jurídicos contemporâneos

O pós-positivismo é uma superação do legalismo, não com recurso a ideias metafísicas ou abstratas, mas pelo reconhecimento de valores compartilhados por toda a humanidade. Estes valores integram o sistema jurídico, mesmo que não positivados em um texto normativo específico. Os princípios expressam os valores fundamentais do sistema, dando-lhe unidade e condicionando a atividade do intérprete. Em um ordenamento jurídico pluralista e dialético, princípios podem entrar em rota de colisão. Em tais situações, o intérprete, à luz dos elementos do caso concreto, da proporcionalidade e da preservação do núcleo fundamental de cada princípio e dos direitos fundamentais, procede a uma ponderação de interesses. Sua decisão deverá levar em conta a norma e os fatos, em uma interação não formalista, apta a produzir a solução justa para o caso concreto, por fundamentos acolhidos pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral. Além dos princípios tradicionais do Estado de direito democrático, igualdade e liberdade, a quadra atual vive a consolidação do princípio da razoabilidade e do desenvolvimento do princípio da dignidade da pessoa humana. (BARROSO, 2008, P. 42-43).

 De certa forma, pode-se dizer que o pós-positivismo tem suas raízes no culturalismo, que foi uma corrente inaugurada no final do século XIX e início do século XX e representava uma reação ao positivismo cientifico. Suas bases teóricas estão fundadas não no isolamento valorativo, mas sim na proximidade do cientista com o fato social. Por evidente, ao contrário do positivismo, a ideia que se tem não é da depuração absoluta das ciências sociais. Um dos principais percursionistas do dessa teoria foi Max Weber para quem o principal método a ser utilizado no estudo dessa relação entre a ciência e o fato social deve ser o “método compressivo”. Assim, não se pode explicar uma ação social, mas compreendê-la.

De se destacar, ainda, que o Direito é um fato ou fenômeno social, posto que não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Nesse sentido, o professor Miguel Reale (2007, p.18), esclarece que uma das características da realidade jurídica, é, como se vê, a sua socialidade, sua qualidade de ser social.

 Nesse sentido, Miguel Reale, em complemento, leciona que

A colocação da Sociologia como disciplina obrigatória do currículo jurídico dispensa-nos maiores indagações sobre a matéria.

(...)

Em linhas gerais, porém, pode-se dizer que a Sociologia tem por fim o estudo do fato social na sua estrutura e funcionalidade, para saber em suma, como os grupos humanos se organizam e se desenvolvem, em função dos múltiplos fatores que atuam sobre as formas de convivência.

Com essa noção elementar que nos situa no limiar de um grande tema, já podemos ver que a Sociologia não tem por objetivo traçar normas ou regras para o viver coletivo, mas antes verificar como a vida social comporta diversos tipos de regras, como reage em relação a elas, nestas ou naquelas circunstâncias etc.

(...)

Desnecessário é encarecer a importância da sociologia para o jurista ou para o legislador, sendo as suas conclusões indispensáveis a quem tenha a missão de modelar os comportamentos humanos, para considerá-los lícitos ou ilícitos. (REALE, 2007)

 Evidentemente, a partir do momento em que se busca estudar o direito não como uma ciência isolada, mas como um sistema aberto de conceitos e valores, verifica-se a importância da articulação das disciplinas fundamentais com a interdisciplinaridade. Neste ínterim são indispensáveis os preceitos de Paulo Luiz Neto Lôbo,

A interdisciplinaridade, na dimensão externa ao saber dogmático jurídico, enlaça-se com matérias que contribuem para a formação do profissional de direito, notadamente estimuladoras da reflexão crítica e da atuação político-institucional, que a sociedade cada vez mais dele reclama. Assim, a interessante abertura para as Ciências Sociais, Humanas, Políticas, para a Filosofia, incluindo as perspectivas lógica e ética, para a Psicologia, para a Informática, para a Ciência da Linguagem.

[...]

[...] O conteúdo mínimo é assim divido em três partes: a) a parte fundamental e reflexivo-crítica; b) a parte profissionalizante ou técnica-jurídica; c) a parte prática.

O curso jurídico, para bem desempenhar suas finalidades deve atingir de modo interindependente, a tríplice função de: a) formação fundamental e sociopolítica, que forneça ao aluno uma sólida base humanística e de capacitação crítica; b) formação técnico-jurídica, que o capacite ao exercício competente de sua profissão reconhecendo que as disciplinas dogmáticas admitem espaço à reflexão crítica; c) formação prática, oferecendo-lhes os meios para aplicar os conhecimentos obtidos. (LÔBO, 1993).

 A compreensão das profundas modificações implementadas no conceito, conteúdo e objeto do direito, como já demonstrado, levantaram a discussão da superação da teoria pura do direito preconizada por Hans Kelsen que consistia em uma teoria do direito positivo que excluía deste conhecimento tudo o que não pertencia ao exato objeto jurídico. Isso quer dizer: expurgava a ciência do direito de todos os elementos estranhos. Segundo Dallari,

É de suma relevância reforçar nos cursos de direitos para todos os alunos a formação humanística, estimulando a aquisição de conhecimentos sobre a história e a realidade das sociedades humanas, para que o profissional do direito saiba o que tem sido o que é e o que pode ser a presença do direito e da justiça no desenvolvimento da pessoa humana e nas relações sociais. (DALLARI, 2002.)

 Clèmerson Merlin Clève admite que para a redefinição do saber jurídico, o diálogo, entre juristas, filósofos, sociólogos e cientistas políticos é de singular importância. Parcela significativa dos juristas brasileiros tem aceitado o diálogo interdisciplinar. Mas a preocupação com a reelaboração do discurso jusfilosófico não é apenas de ordem acadêmica. Ao tempo em que se investiga o fenômeno jurídico em todas as suas dimensões cognoscíveis, compreendido num contexto interdisciplinar, procuram-se bases sólidas para transformá-lo. A questão da transformação emancipatória, nesse particular, é claramente assumida pela filosofia do direito. (CLÈVE, 2011).

  Nesse contexto, há que considerar-se a imprescindibilidade da filosofia para o direito. Jacy de Souza Mendonça (1999) discorre que a filosofia do direito tem por objeto a definição conceitual do direito e do seu pressuposto gnosiológico, o estudo do valor do direito e os fundamentos ontológicos do valor, e, por fim, a análise do problema fenomenológico jurídico.      

 Com relação a este aspecto, Rousseau chama a atenção para a moralidade e legitimidade dentro do direito. Contudo, ele não faz uma tentativa de integrar poder e direito. Sabemos assim que a força não cria o direito e que obedecer à força é um ato de necessidade. Sabemos que o homem que renuncia à sua liberdade renuncia à sua qualidade de homem. Segundo Rousseau, a força por si só não cria direito. Para compreender esta relação, temos que compreender o que é legitimidade. Podemos criticar a postura de que direito é poder (realista) e de que direito é moral (jusnaturalista). Contudo, há que se compreender que o direito é fruto de um poder político e não somente do mundo das ideias. O direito não deixa de ser válido por ser injusto, como pregavam os jusnaturalistas.

 Nesse sentido, é válida a intervenção de Miguel Reale (2007) que afirma que a definição do direito só pode ser obra da filosofia do direito, bem como indagações acerca do aparecimento do Direito e o sentindo de suas transformações. Para o mencionado autor, esses problemas são de ordem filosófica, constituindo um conjunto de indagações indispensáveis para se penetrar nas razões fundantes da experiência jurídica. Mas o filósofo não fica adstrito a esse tema de ordem lógica, indagando concomitantemente, os valores éticos e históricos da juridicidade.

    Por tudo que se falou até agora, resta claro que a filosofia positivista não pode mais ser tida como parâmetro para a opção didático-metodológica dos cursos de direito. A interdisciplinaridade do currículo e a formação humanística dos professores, a fim de lhes permitir um juízo crítico e reflexivo daquilo que se ensina, é circunstância que se afigura imprescindível. Aliás, não foi por acaso que o Ministério da Educação, ao elaborar as diretrizes curriculares do curso de graduação em direito através da Resolução CNE/CES n° 9, de 29 de setembro de 2004, em seus arts. 3º, 4º, 5º e 6º estabeleceu:

Art. 3º. O curso de graduação em direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:

I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;

II - interpretação e aplicação do Direito;

III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito;

IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos;

V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;

VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;

VII - julgamento e tomada de decisões; e,

VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

Art. 5º O curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos interligados de formação:

I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.

II - Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual; e

III - Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.

Art. 6º A organização curricular do curso de graduação em Direito estabelecerá expressamente as condições para a sua efetiva conclusão e integralização curricular de acordo com o regime acadêmico que as Instituições de Educação Superior adotarem: regime seriado anual; regime seriado semestral; sistema de créditos com matrícula por disciplina ou por módulos acadêmicos, com a adoção de pré-requisitos, atendido o disposto nesta Resolução. (BRASIL, 2004).

 Apesar da consagração expressa das diretrizes curriculares do curso de graduação em direito, é bem de ver que são insuficientes para assegurar uma formação crítica, humanística, capaz de estimular nos docentes a consciência de seus deveres e direitos políticos de forma a habilitar o seu exercício. Neste contexto, compete ao Poder Público a adequada fiscalização institucional sobre os conteúdos das disciplinas, sobre a abordagem e a didática desenvolvida pelo corpo docente das faculdades e universidades.

 Segundo Melo Filho,

A exigência de “desenvolvimento do ‘pensamento reflexivo’ previsto na Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (LDB) constitui-se na maior preocupação metodológica do ensino jurídico de graduação, que deve ser capaz de estimular o raciocínio e a criatividade, de exercitar uma visão crítica e de formar cidadãos conscientes de seu papel na sociedade, ou seja, aptos para entender o contexto onde vão operar e o sentido de sua ação no mundo”. Destaca, ainda, que “no âmbito do às realidades”. (MELO FILHO, 1982-1983).

Conteúdos curriculares e práticas docentes que privilegiem a visão humanística, crítica e ética do fenômeno jurídico, que tenham o aluno como o sujeito central do processo ensino-aprendizagem, que interajam com a comunidade em que estão inseridos e que capacitem o aluno para compreender e interpretar o direito a partir do modelo de um Estado Constitucional de Direitos, tudo isso é pensado e almejado por boa parcela da comunidade jurídica e acadêmica, mas só poderá ser levado a efeito se houver uma Instituição de Ensino efetivamente comprometida com a sociedade e com a qualidade da educação a que se propõe a oferecer. Assim, pode-se afirmar que o ensino jurídico que se quer e se espera só poderá ser alcançado se houver uma superação conjunta de todos esses desafios. (BRAATZ, 2008)

Sobre a autora
Elizangela Santos de Almeida

Advogada; Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba - UNIUBE; Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM; e Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Elizangela Santos. Relevância da filosofia e da sociologia para construção de um ensino jurídico humanista e reflexivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3650, 29 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24815. Acesso em: 23 dez. 2024.

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